jogadores do Brasil é só um
dos desejos dos chineses
Luiza Oliveira e Vanderlei Lima
Do UOL, em São Paulo
Do UOL, em São Paulo
A China promoveu a debandada de jogadores do Corinthians. E quer muito
mais
Primeiro, Jadson foi para o Tianjin Quanjian. Depois, Ralf e
Renato Augusto fecharam com o Beijing Guoan, e Elias ainda pode sair em breve.
Os corintianos estão assustados com o desmanche do campeão brasileiro e a
debandada para a China. Lá já estão ídolos de outros clubes: Diego Tardelli
e Robinho são dois exemplos. Fato é que a China chegou ao futebol
brasileiro de forma avassaladora e está roubando os craques tupiniquins.
Os clubes chineses oferecem cifras milionárias, com salários que chegam
a R$ 2 milhões, que seduzem os jogadores e deixam os clubes de mãos atadas.
'Proposta irrecusável' se tornou a expressão da moda.
"Primeiro que, todos nós do clube, fomos surpreendidos com essas saídas
porque (...) o futebol chinês trabalha diferente de qualquer outro clube. O
futebol chinês se acerta com o atleta, seduz com valores expressivos e o clube
toma ciência disso meia hora antes de falar que vai embora. Não existe defesa.
Podemos perder cinco, seis, sete, todos que forem requisitados nessa
situação", lamentou o presidente do Corinthians, Roberto de Andrade.
O estrago está feito. E a China, que tem tanta tradição no tênis de
mesa, no badminton e que ama basquete, agora se apaixonou pelo futebol. Mas de
onde vem esse interesse e, mais ainda, de onde vem tanto dinheiro?
O presidente da China, Xí Jìnpíng, tem papel fundamental nisso. Ele
é louco por futebol e quer de todas as formas desenvolver a modalidade no país,
inclusive por motivos políticos. A China é hoje a segunda maior economia do
mundo com um PIB que ultrapassou US$ 4 trilhões. Mas uma potência dessa
grandeza não se afirma apenas pelo dinheiro e também precisa expandir o seu
poder de outras formas.
"A China já é a maior potência econômica. E agora quer a promoção
do país, a divulgação, a penetração em outros lugares. É importante divulgar o
país, ser mais bem quisto, conhecido, mostrar a sua cultura para os outros, e
uma das formas de se conseguir isso é através do futebol. Olha como os países
conseguem angariar em simpatia e penetração com o futebol", revela o
presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China,
Charles Tang.
Renato Augusto - craque do Brasileirão 2015 acertou com o Beijing Guoan,
da China
Além disso, existem fatores sociais e econômicos que alimentam o
interesse pela modalidade. O futebol se tornou um enorme negócio no mundo e que
gera altas receitas para todas as partes com ações que vão do marketing à venda
de jogadores. A China também está de olho nisso. Com sua população com mais de
1 bilhão de pessoas, gente não falta para consumir o produto e lotar estádios.
Já pensou se a moda pega?
O empresário brasileiro Flávio Pires, que trabalha com o mercado chinês
há 12 anos e foi o responsável por trazer Zizao ao Corinthians, conta que eles
já têm essa visão para negociar e cita o caso de Kieza. O atacante pertence ao
Shanghai Shenxin, que já recebeu propostas do São Paulo e do Bahia pela compra
dos direitos do atleta, mas está fazendo linha dura para negociá-lo.
"Podemos ver o caso do Japão. O Japão começou a implementar o
futebol há pouco tempo e hoje já vende jogador para a Europa. E os chineses têm
muita visão, são muito rápidos, até mais que os japoneses na minha opinião.
Eles sabem negociar. Veja o caso do Kieza. O time chinês só tem interesse em
vender por um valor alto, não quer dar de graça", disse.
De onde vem o dinheiro
Os times na China são de propriedade de grandes empresas privadas. O
Guangzhou Evergrande, por exemplo, atual campeão asiático e comandado por
Felipão, tem como sócia majoritária a Evergrande Real Estate Group, uma das
maiores construtoras do país, e o Alibaba, um gigante da área de comércio
eletrônico. Dentre os times da Série A, a maior parte pertence a construtoras,
empresas do setor elétrico e estatais.
Essas empresas ganharam 'rios de dinheiro' no período recente de
crescimento da China. Com o boom econômico do país, o setor de infra-estrutura
precisou acompanhar. Assim, prédios, estradas e metrôs começaram a se proliferar.
"Todo processo de desenvolvimento vem acompanhado por investimentos
em infra-estrutura. Quando você está fazendo uma estratégia de desenvolvimento,
precisa construir ferrovias, rodovias, portos, energia, fazer uma logística
para reduzir os custos de produção e facilitar o escoamento do que é produzido
tanto para o mercado doméstico quando para o mercado internacional. O
investimento em infra-estrutura beneficia empresas operando no país",
conta o economista e professor dos MBAs da Fundação Getúlio Vargas, André
Nassif.
Influenciadas pela paixão do presidente pelo futebol, essas gigantes
começaram a investir pesado em seus times e, dessa forma, não vêm medindo
esforços para oferecer propostas tentadoras aos brasileiros.
"O presidente da China é fanático por futebol, isso fez com que
grandes empresas, patrocinadores e donos do times tivessem interesse em inovar
o futebol chinês. Quem não quer ser o primeiro empresário de futebol para
agradá-lo? Todos os clubes chineses pertencem a grandes empresas, o primeiro
que conseguir mostrar que tem um bom time de futebol vai ter o reconhecimento e
a gratidão do presidente chinês. Em um país em que o mandato de presidente dura
dez anos, isso faz bastante diferença", conta Charles Tang.
Estrelas do Brasileirão, Jadson e Renato Augusto trocaram o Corinthians
pela China
Como evoluir no futebol
Para se desenvolver no esporte, a China se inspirou no Japão, que
conseguiu dar um salto na modalidade com a chegada de Zico, e também apostou na
infra-estrutura. O técnico Sérgio Baresi, que trabalhou por dois anos na base
do Shandong Luneng, conta que o CT do clube tem nada menos que 26 campos. E
ainda é pouco diante da estrutura do Guangzhou com seus 58 campos impecáveis.
O maior problema do país é a falta de mão de obra qualificada. Por isso,
a China vem adotando a mesma estratégia que fez sucesso em outros setores, como
o automotivo. Contrata estrangeiros qualificados para primeiro aprender e
depois andar com as próprias pernas. A presença é cada vez maior não só de
atletas brasileiros, mas também treinadores e profissionais da área esportiva
como preparadores físicos e fisioterapeutas a exemplo de Bruno Mazziotti, que
trabalhava no Corinthians e se tornou referência na recuperação de atletas.
"No contrato é obrigado a ter um auxiliar chinês para eles irem
aprendendo, e com o tempo eles vão ter a própria mão de obra qualificada",
conta o técnico Cuca, que recentemente estava no Shandong Luneng.
A ideia é alavancar não só o profissional, mas também formar atletas
para brilhar no futuro. Prova disso é que o futebol entrou para o currículo
escolar e virou disciplina obrigatória nas escolas.
Onde querem chegar
Os chineses são ambiciosos e sonham grande. Já pensam em contratar
grandes nomes europeus e fizeram proposta para ter Arjen Robben, do Bayern
de Munique. Mais que isso, pensam em sediar uma Copa do Mundo a exemplo do
Japão e da Coreia do Sul, em 2002, e ainda levantar a taça.
"Numa entrevista que eu vi do presidente ele disse três coisas:
primeiro que as crianças da China pratiquem futebol, segundo que nós consigamos
promover uma Copa do Mundo e terceiro que a gente seja campeão desta Copa do
Mundo. Olha a visão do cara, eles têm a intenção de expandir o futebol, têm a
estrutura e têm dinheiro. A mão de obra ainda não tem, mas os caras estão
buscando", disse Sérgio Baresi.
"Eu acredito que em uma média de 15 anos a China vai competir com a
Europa", completou. O técnico Cuca tem a mesma opinião. "Se continuar
nesta pegada, a tendência é que em 15 anos a China poderá ser uma das forças do
futebol".
Os primeiros efeitos de toda essa aventura já estão sendo percebidos.
Esportivamente, o Guangzhou foi campeão asiático, disputou o último Mundial de
Clubes e até enfrentou o Barcelona na semifinal da competição. De quebra,
encheu os olhos e deu grande visibilidade aos seus proprietários. A população
também está mais interessada em futebol.
"Hoje a gente vê as pessoas com camisas de times nas ruas, nos
bares vendo jogos, comentando nas redes sociais, coisa que há alguns anos a
gente não via", conta Daniel Botura, que mora na China há nove anos e é
dono da empresa de importação e exportação DBC Solutions.
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