Por motivo de força maior
Ruy Castro
RIO DE JANEIRO - Há um ano, Marcelo Odebrecht pediu a um executivo
da Petrobras dados para um "aide-mémoire" que estava escrevendo para
Lula usar numa visita que faria à Argentina. O homem se empolgou e escreveu
demais. Odebrecht o cortou: "Um terço de página apenas, ou o cara não
lê".
Bom saber que Odebrecht escrevia "aide-mémoires" para Lula
usar em seus pronunciamentos no exterior. Significa que, naquela época, Lula
não precisava falar por conta própria, como no dia em que, em visita oficial à
África, em 2003, chegou à Namíbia, olhou em volta e declarou: "Tão limpa
que nem parece a África!" – ofendendo todos os países africanos pelos
quais passara.
O incrível é constatar como Lula é tido em baixa conta justamente pelo
homem que, então, vivia contratando-o para dar palestras nos vários
continentes. Não eram palestras comuns, para plateias indiferentes, mas
"lectures" dirigidas à nata política, social e econômica de cada país
– gente sem tempo a perder e ansiosa para ouvir os ensinamentos de um
governante bem sucedido. Eram palestras tão importantes que Odebrecht pagou a
Lula, em um ano, R$ 4 milhões por elas – R$ 400 mil cada.
Uma palestra desse porte dura duas horas. Como falar duas horas sobre
qualquer assunto sem dominá-lo? E como fazer isso sem ter lido balanços, relatórios,
pareceres e análises, ou mesmo resumos preparados por assessores? E será
possível guardar de cor todos os dados? Não, o palestrante terá sempre de se
valer de papéis à sua frente. Mas, segundo Marcelo Odebrecht, textos de mais de
um terço de página, "o cara não lê".
Um dia, alguém terá acesso a um vídeo, áudio ou transcrição de uma
palestra de Lula paga por Odebrecht – ninguém viu nada até hoje. Só então se
descobrirá o insuperável palestrante que ele era e, hoje, por motivo de força
maior, deixou de ser.
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