Tio Flavio
A vida nos dá cada solavanco, que é
para ver se a gente acorda, aprende, toma atitudes e caminha. Assim foi comigo,
que percebi o quanto somos ricos no momento em que consegui vislumbrar que
aprendizado, experiência, respeito e crescimento são a nova moeda da
modernidade, mais importante que o excesso de bens.
Sobre a descoberta de novos valores,
que não são especificamente materiais, o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica
tem uma bela afirmação: “Isso não é apologia à pobreza, mas é uma outra riqueza”.
A partir do momento em que você está disposto a enxergar outras possibilidades,
a aprender, um novo mundo se descortina. A partir do momento em que você admite
que não sabe tudo dessa vida, se dá ao direito de crescer.
O cineasta chileno Alejandro
Jodorowsky tem uma frase que me incomoda até hoje: “Pássaros criados em gaiola
acreditam que voar é uma doença”. Estas palavras me impactam muito, pois já
vivi (ou ainda vivo) em diversas gaiolas, que muitas vezes me limitam, me
provocam o medo de experimentar o novo, fazendo com que eu não consiga alçar
novos voos.
Foi juntando o sentido dessas duas
frases, que diz respeito a se presentear ao descobrir novos valores e aprender
a viver além das gaiolas, para que possa ensinar outras pessoas a voar, que me
ajudou a quebrar um preconceito: eu, sem conhecer, achava que menores
infratores morreriam nesta condição e que lugar nenhum por onde eles passassem
ajudaria-os a ter um novo olhar.
Como a vida ensina, levei um tombo do
alto dos meus conceitos preconcebidos. Ao conhecer o trabalho dos Centro
Socioeducativos de Minas Gerais, locais em que adolescentes que cometeram atos
infracionais cumprem medidas de restrição de liberdade, fiquei assustado.
Existem diretores, técnicos, agentes, funcionários e colaboradores se dedicando
diuturnamente para entregarem a esses adolescentes algo que eles jamais
experimentaram: afeto, respeito, responsabilidade, crescimento cultura,
referências positivas, disciplina.
O que vejo hoje nesses espaços
coordenados pela Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas
(Suase) não serve só para calar aqueles que criticam, mas convidá-los a
participar da construção de uma sociedade diferente.
Hoje vejo um mundo de profissionais
que não estão num ambiente de privação de liberdade. É claro que muitos
adolescentes só enxergam isso. Mas ali são locais de restabelecimento da
liberdade que eles nunca souberam ter.
O mais importante de tudo isso é que
uma infinidade de pessoas conseguem vencer as suas gaiolas, romper com algo que
infelizmente é cultural (a falta de educação em seu sentido amplo), para fazer
no dia a dia um trabalho valoroso: acreditar no ser humano e trabalhar pelo seu
resgate e sucesso.
Aos profissionais de unidades
socioeducativas fica a minha admiração e incentivo para que sigam acreditando
nesses jovens que dali vão florescer. Que enfrentem seus desafios e sigam,
fazendo o seu melhor.
*Palestrante, professor, autor de
livros e idealizador do Tio Flávio Cultural
Nenhum comentário:
Postar um comentário