sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

OLHAR NOVO



  

Tio Flavio 



A vida nos dá cada solavanco, que é para ver se a gente acorda, aprende, toma atitudes e caminha. Assim foi comigo, que percebi o quanto somos ricos no momento em que consegui vislumbrar que aprendizado, experiência, respeito e crescimento são a nova moeda da modernidade, mais importante que o excesso de bens.
Sobre a descoberta de novos valores, que não são especificamente materiais, o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica tem uma bela afirmação: “Isso não é apologia à pobreza, mas é uma outra riqueza”. A partir do momento em que você está disposto a enxergar outras possibilidades, a aprender, um novo mundo se descortina. A partir do momento em que você admite que não sabe tudo dessa vida, se dá ao direito de crescer.
O cineasta chileno Alejandro Jodorowsky tem uma frase que me incomoda até hoje: “Pássaros criados em gaiola acreditam que voar é uma doença”. Estas palavras me impactam muito, pois já vivi (ou ainda vivo) em diversas gaiolas, que muitas vezes me limitam, me provocam o medo de experimentar o novo, fazendo com que eu não consiga alçar novos voos.
Foi juntando o sentido dessas duas frases, que diz respeito a se presentear ao descobrir novos valores e aprender a viver além das gaiolas, para que possa ensinar outras pessoas a voar, que me ajudou a quebrar um preconceito: eu, sem conhecer, achava que menores infratores morreriam nesta condição e que lugar nenhum por onde eles passassem ajudaria-os a ter um novo olhar.
Como a vida ensina, levei um tombo do alto dos meus conceitos preconcebidos. Ao conhecer o trabalho dos Centro Socioeducativos de Minas Gerais, locais em que adolescentes que cometeram atos infracionais cumprem medidas de restrição de liberdade, fiquei assustado. Existem diretores, técnicos, agentes, funcionários e colaboradores se dedicando diuturnamente para entregarem a esses adolescentes algo que eles jamais experimentaram: afeto, respeito, responsabilidade, crescimento cultura, referências positivas, disciplina.
O que vejo hoje nesses espaços coordenados pela Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) não serve só para calar aqueles que criticam, mas convidá-los a participar da construção de uma sociedade diferente.
Hoje vejo um mundo de profissionais que não estão num ambiente de privação de liberdade. É claro que muitos adolescentes só enxergam isso. Mas ali são locais de restabelecimento da liberdade que eles nunca souberam ter.
O mais importante de tudo isso é que uma infinidade de pessoas conseguem vencer as suas gaiolas, romper com algo que infelizmente é cultural (a falta de educação em seu sentido amplo), para fazer no dia a dia um trabalho valoroso: acreditar no ser humano e trabalhar pelo seu resgate e sucesso.
Aos profissionais de unidades socioeducativas fica a minha admiração e incentivo para que sigam acreditando nesses jovens que dali vão florescer. Que enfrentem seus desafios e sigam, fazendo o seu melhor.
*Palestrante, professor, autor de livros e idealizador do Tio Flávio Cultural

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