quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

FEZ MAL FEITO E POR ISSO FOI DESPREZADO PELOS SEUS COMPANHEIROS

  
Antônio Álvares da Silva*
 

Pela primeira vez na República um senador, no exercício do mandato, foi preso. A Constituição, no art.53, § 2º, assevera que, desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. E conclui: Neste caso, os autos serão remetidos dentro de 24 horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

O Senado teria, pois, que resolver sobre o flagrante e o suposto crime inafiançável, únicas hipóteses que autorizam a prisão de parlamentar, desde a expedição do diploma. Decidiu mantendo a prisão.

Qual teria sido o crime inafiançável cometido pelo senador? Numa gravação, na qual estariam presentes, além dele, um filho de Nestor Cerveró, o advogado e um banqueiro. Especulou-se sobre como evitar uma delação de Cerveró que comprometeria Delcídio. Este teria proposto exercer influência no Supremo junto a alguns ministros para deferimento de habeas corpus a favor de Cerveró, que a seguir fugiria do Brasil.

Todo crime pressupõe uma ação externa, clara, típica, revestida de linguagem objetiva que permita análise e julgamento. No caso, conversas truncadas não seguidas de qualquer ação exterior, portanto sem consequências no mundo dos fenômenos, não podem ser taxadas como crimes. São no máximo um prognóstico ou propósito que hipoteticamente redundaria em crime. Quem lê a transcrição tem até mesmo a impressão de que se trata de conversa irrealista e mirabolante entre pessoas que trocam ideias sem nenhum compromisso com a realidade.

A outra condição é a prisão em flagrante. Prende-se em flagrante quando alguém está cometendo, acaba de cometer infração penal ou é perseguido depois de cometê-la ou é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. O flagrante é a visibilidade máxima do crime. Garante a certeza da autoria e institui a segurança social. Mas presume que haja efetivamente crime e autoria, o que não é o caso.

Qual afinal o crime do senador? Muitos especulam com tipos penais dos mais diversos, mas laboram em equívoco exatamente porque os elementos da tipicidade não estão firmemente estabelecidos. Afirmativas de que houve contato com ministros e haveria entendimentos com políticos de cúpula não passam de conversas soltas numa sala fechada em que se armavam planos absurdos e irrealistas. Não é razoável que uma gravação, feita às escondidas, traga consequências tão graves para um senador da República. É preciso prova cabal e segura. Não houve ação penal, acusação formal e defesa.

O processo estranhamente vai começar pelo avesso, ou seja, com a prisão do suspeito, com base numa gravação realizada sorrateiramente. O Senado deveria ter ouvido o senador Delcídio, mesmo que fosse para permitir a ação penal.

Uma coisa deve ficar bem clara: quem for culpado deve ser rigorosamente punido. A corrupção deve ser extirpada a qualquer custo. Mas não pode haver agressão ao devido processo legal.

Não podemos, sob o pretexto de combater a corrupção, derrubar o estado democrático de direito. Preservá-lo é nossa obrigação, pois é com ele, e utilizando suas ferramentas, que vamos limpar as estrebarias e começar novos tempos para o país.

*Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

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