terça-feira, 17 de novembro de 2015

MAR DE LAMA



  

Luiz Hippert




“Me explica como se eu fosse uma criança de sete anos”. Este bordão foi repetido várias vezes pelo advogado interpretado por Denzel Washington no filme “Filadélfia”. Ele dizia isso sempre que procurava entender, com certa ironia, os argumentos dos seus oponentes. Aliás, grande filme, viu, um marco na conscientização do drama da Aids.
Pois é, hoje sou eu essa criança de sete anos, que escreve pra falar do que não quer e nem gosta, mas precisa. Tem muito assunto que evito. Por um motivo simples: gosto de falar de coisa boa. Ah não, mentira. Tem mais de um motivo. O outro é que fico me perguntando de que adianta malhar num ferro que tantos outros estão malhando. O que tenho a acrescentar? O que pode representar minha pequena voz em meio a milhares de outras, muitas de gente que entende do assunto bem mais do que eu? Não tenho nenhuma dessas respostas, só um sentimento de que, qualquer coisa que diga aqui hoje, fora desse tema, vai soar esquisita.
Pra quem ainda não pescou, o tal tema é o “acidente” envolvendo as barragens rompidas e o inacreditável mar de lama que escapou. O acidente vai com as aspas mesmo, porque me parece que uma coisa tão provável de acontecer, quando acontece, não pode ser classificada exatamente como acidente.
Aqui entra a criança de sete anos, e é com esse total desconhecimento que pergunto: Não parece meio óbvio que estas barragens são feitas para romper, mais dia menos dia? Que demore dez anos, ou 50, mas uma hora essa lama toda não vai ser cuspida pra fora? Aí meu amigo, engenheiro, conhecedor dessa tralha toda de barragens e processos industriais, me diz que não, que elas são seguras. Ah, tá bom, são seguras, mas os fatos não estão dizendo exatamente o contrário? Ou todas são seguras, menos estas?
Bom, tem também aquelas que (ainda) não se romperam, ou que talvez nem se rompam durante a sua utilização. Aí a criança de sete anos tem outra dúvida. A capacidade delas é infinita? Não, né? Depois que estão lotadas, o que acontece? Parece que são “desativadas”. Desativar um troço desses quer dizer o que? Deixar uma montanha de lixo tóxico eternamente represada? Vai aguentar 10 anos? 100 anos? E depois desses 100 anos, quem estiver no caminho faz o que, pratica o velho, e não tão bom, salve-se quem puder?
Nossa! Não, pera aí, tava me esquecendo. Já explicaram mil vezes que essa lama não é tóxica. O que ela é então? Adubo pra terra? Comida pros peixes?
Enfim, vamos falar de coisa boa. Em meio a tanto caos, teve uma ação que me chamou a atenção em especial, pelo inusitado e pela prova de coragem. Li que trilheiros e jipeiros, acostumados a se aventurar na região, enfiaram suas motos e jipes lama adentro, em busca de sobreviventes nos lugares onde ninguém mais conseguia chegar. Isso fora as tantas manifestações de solidariedade, um povão mobilizado pra minimizar o sofrimento de quem nem conhece.
Tá certo que existem os responsáveis, e eles é que precisam dar um jeito no estrago que fizeram. Mas, enquanto eles discutem no bem bom do ar condicionado, com muito rabo preso pela força da grana, as vítimas têm fome e precisam de lugar pra dormir. Nessas horas, só a empatia do ser humano pra dar jeito. E é sempre ela que dá.

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