Um bom tumulto
Janio de Freitas
Ainda que paradoxal, na existência já de mais de 30 partidos, a criação
de outro –a ser decidida hoje– é capaz de levar a um necessário tumulto no
panorama partidário. Se autorizado pela Justiça Eleitoral e cumpridos os
acordos para adesão de deputados, o Partido Liberal resultará, mais do que no
fortalecimento de Dilma Rousseff, no enfraquecimento do PMDB. E enfraquecer o
PMDB é uma necessidade do país.
Desde a volta ao regime civil, o PMDB tem usado a sua preponderância
parlamentar como fator desestabilizante. Esta é uma afirmação contrária à ideia
estabelecida, mas coincidente com os fatos rememoráveis. Saído da ditadura com
a aura de representante da luta e da reconstrução democráticas, o PMDB se
posicionou como força orientadora e incontrastável. Cabe-lhe a responsabilidade
por grande parte dos fracassos administrativos e da intranquilidade política no
governo Sarney, sem que isso fosse reconhecido na época nem depois.
Ulysses Guimarães, instigado pelas correntes da divergência interna no
PMDB, e sempre desejoso de ser o líder de todas, foi o portador impositivo de
reivindicações e ambições peemedebistas incessantes. A estas juntaram-se as
manobras de Sarney para criar áreas de domínio seu no governo, de tudo
decorrendo um governo inviável. Com penosas consequências para o país como um
todo e sobretudo para as classes carentes. O PMDB não governou, porque não era
governo, mas também não fez oposição consequente, porque se supunha e agia como
o verdadeiro governo. O poder tinha que ser do PMDB.
Foi de Collor. Graças ao PMDB. A imposição do plano anti-inflacionário
tresloucado só foi possível porque o PMDB garantiu-o no Congresso. Todos os
desatinos que se seguiram foram apoiados ou consentidos pelo PMDB. Mesmo quando
a exacerbação dos problemas de Collor, em torno dele e no governo suscitou
animosidade nacional, o PMDB tergiversou o quanto pôde, acompanhado pelo PFL
(hoje DEM). O país não teria passado pela maior parte do acontecido no período
Collor, não fosse a garantia inicial dada pelo PMDB, com seu longo
comprometimento.
Fernando Henrique hoje posa, uma especialidade, de vestal udenista. Em
seu governo entregou-se ao PMDB, mas não só: também se entregou ao PFL. O
método pesado de Sérgio Motta, com as mãos nos bolsos, e, depois, a eficiência
sutil de Luís Eduardo Magalhães não evitaram a sucessiva entrega ao PMDB de
ministérios, de pedaços do governo, de muitas verbas altas e outras vantagens
pacificadoras. Dos muitos bilhões do Proer às privatizações, ou aos bloqueios à
CPI da compra de votos para reeleição e a outras CPIs, o governo Fernando
Henrique pagou altos preços pelo apoio ou pelo consentimento do PMDB. Sem os
quais Fernando Henrique e o governo não se aguentariam com tais escândalos,
mesmo sob a proteção midiática.
O primeiro mandato de Lula foi um entregar dos pontos para todos os
lados. Menos para aqueles com os quais o próprio Lula e o PT tinham o seu
compromisso existencial. A CPI do mensalão e o subsequente processo apenas
alargaram as portas para o alheio. No centro desse enclave invasor, o PMDB
-antecipando o que seria a forte "base aliada" do segundo mandato.
O governo Lula não foi erodido por crises, passado o mensalão. Mas, em
grande parte, porque o toma-lá/dá-cá com o PMDB foi executado com muito mais
habilidade, talvez como contribuição da experiência de Lula nas batalhas
sindicais. Mas a herança de Lula para Dilma começou e terminou na entrega da
faixa presidencial. O PMDB faz com Dilma o que fez com Sarney, em situações
política e econômica também semelhantes. Não é preciso mencionar o que o PMDB
das pautas-bombas tem feito. É suficiente chamar atenção para o verdadeiro
sentido da ação do PMDB: Dilma é vítima apenas circunstancial, do PMDB como do
PSDB, porque a verdadeira vítima é o país.
Se o PL nasce e recebe as adesões já combinadas, tornará possível uma
aliança partidária que se equipare em número ao PMDB. Sem efeito direto sobre a
crise -que a fraternidade PMDB-PSDB, com auxílio dos demais seguidores de
Eduardo Cunha, é bastante para manter. Mas a nova aliança quebraria a
perniciosa predominância parlamentar com que o PMDB se faz operador de crises,
tanto políticas como de governabilidade. Contra o país.
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