Linhas de desmontagem
Nada do que Renan Calheiros levou a Dilma, como proposta contra a crise,
tem a ver com a crise ou pode nela influir para dissolvê-la, em seu aspecto
econômico ou no político. Não é mais do que um amontoado de manjadas propostas
sem nexo entre si, e quase tudo sujeito a fácil identificação com intenções
subalternas, em benefício de diferentes áreas de poder econômico –logo, também
financeiro. Se fossem propostas isentas de interesses escusos, não seria Renan
Calheiros a levá-las à Presidência.
As fanfarras e a louvação com que a própria Dilma recebeu Renan, e as
tais propostas, explicam-se por utilidades que independem do teor do presente.
Aos dois lados convinha a reaproximação.
Renan não é político que viva de costas para o poder. Dilma precisava da
contribuição de Renan para encarar no Senado as bombas de Eduardo Cunha
aprovadas na Câmara. De quebra, ter Renan em seu círculo é distanciá-lo de
Eduardo Cunha e atrapalhar a recente fraternidade a ele dedicada por José
Serra, Aécio Neves e outros do opositor PSDB. Afora isso, em um dizer antigo, é
questão de estômago.
Mas talvez seja o caso de lamentar que as sugestões de Renan Calheiros
não ofereceçam alguma utilidade contra a crise. O otimismo expresso por Dilma,
com a ideia de que "vivemos uma transição e em breve vamos retomar o
crescimento", não encontra nem o mínimo apoio em parte alguma da
realidade. Muito ao contrário, são dados objetivos, e não meras especulações do
quanto pior mais impeachment, que sugerem estarmos no último estágio econômico
e social em que ainda é possível deter a degringolada geral. E reverter os
danos mais perigosos ou absurdos.
O país está parando. Os eventos e providências que Dilma anuncia, nas
andanças para a pretendida e improvável reanimação do país, não tocam nos
problemas da crise. Olham para um futuro impreciso e não condizem com o
presente do governo. Mas são já os avanços do número de empregados, da
remuneração do trabalho, de várias faces da ascensão econômica que regridem,
que se perdem sob as vistas indiferentes dos mestres de ajustes que desajustam.
A jornalista Flávia Oliveira, de múltiplas competências, formulou uma síntese
precisa: "Crise é tempo de promover ajustes, não o desmonte".
Se o governo persiste no rumo do tal "ajuste fiscal", como se
alheio ao que se passa com e no país, pode-se desde logo desacreditar que Dilma
e Joaquim Levy consigam o tal ajuste fiscal que pensam buscar –quanto mais a
retomada do crescimento, difícil e longa até em caso de êxito da atual suposição
de política econômica e de governo.
Novidade
Logo chegará por aqui, como sempre, uma posição adotada anteontem pelo
comando da Anistia Internacional, reunido na Irlanda: defender, com a
descriminalização da prostituição, também a de todo comércio sexual e mesmo a
dos intermediadores de prostituição.
Ou seja, confusão total. "Intermediadores" são proxenetas, são
gigolôs, são exploradores de mulheres, tantas delas sujeitadas pelo medo e a
violência em situação equivalente à de escravas. Mesmo quando os defendem, o
que não é incomum, não se sabe quando o fazem sob ameaças ou não.
Considerar tolerável e normal a exploração de mulheres –isso o meu
ceticismo nunca imaginou. Mas, sosseguemos, não faltarão brilhantes
argumentações em favor da nova tese.

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