Antônio Álvares da Silva
O ministro do STF Gilmar Mendes sugeriu, segundo recentes publicações na imprensa, que a vigência do novo Código de Processo Civil (CPC) seja adiada, para que haja tempo de melhor estudo e compreensão de seus dispositivos.
Tem razão o ministro, mas apenas parcial. Precisamos de uma reforma mais profunda para que o novo CPC atinja suas finalidades. Para que os códigos e leis se apliquem, precisamos de normas processuais simples, objetivas e flexíveis que resolvam a controvérsia, em vez de prolongá-la no tempo com recursos e medidas protelatórias. Esta é hoje a tendência universal do processo.
O novo CPC não preenche esta finalidade, pois mantém as pilastras clássicas da estrutura processual, que vêm desde o século XIX. Mantém as quatro instâncias (STF, tribunais de terceiro e segundo graus processuais) em vez de reduzi-las. Se uma demanda passar por todas elas, torna-se imprevisível a duração do processo. Isto sem falar na execução, que pode não dar em nada.
Qual a solução? A medida que proponho é simples, mas eficiente. E resolve, ou pelo menos, melhora a aplicação das leis através do processo: sugiro que o Congresso revogue a lei 13.015, de 2015, que introduziu o novo CPC, e imediatamente se constitua uma comissão de juristas (juízes, procuradores, advogados e professores universitários) que apresentará uma proposta de revisão completa da lei processual, aproveitando o lado positivo do novo CPC – lei 13015/15, e também a parte boa do atual CPC, de 1973. Com esta medida faremos a reforma, olhando para o futuro, mas sem destruir o passado.
É assim que têm agido os povos cultos na reforma de suas leis. A França editou o famoso Código Civil de Napoleão em 1804, que, acolhendo os ideais da Revolução Francesa e do Iluminismo, modificou e atualizou as leis civis com profunda influência nos contratos, família, responsabilidade civil. Não obstante as atualizações posteriores, dos 2.302 artigos que o compõem, 1.200 permaneceram intactos. Não houve revogação, mas sim reforma.
A Alemanha também reformou a legislação civil, publicando o Código Civil – Bürgerliches Gesetzbuch – em 1900. Aperfeiçoado por vários projetos, tornou-se um monumento jurídico do mundo ocidental, influenciando a legislação civil de vários países. Também aqui não houve revogação, mas seu aperfeiçoamento por sucessivas leis.
Como se vê, conciliou-se, tanto na França como na Alemanha, a tradição com a modernidade. Já no Brasil, nossa imaturidade, impulsionada pela ânsia de legislar sobre tudo, derrubou o código de processo de 73 e o substituiu pelo atual, que entrará em vigência um ano após sua publicação.
É certo que haverá um caos na prática dos tribunais, até que se firmem os novos dispositivos. Os tribunais superiores, já emperrados, receberão uma enorme carga de processos, pois o novo, em Direito, sempre precisa de interpretação. Veremos em pouco tempo um Judiciário semiparalisado, embora dotado de um código moderno.
Jean Étienne Portalis disse, no famoso “Discurso Preliminar sobre o Projeto do Código Civil francês”, que “mais útil do que mudar as leis, é melhor dar aos homens motivos para que amem as existentes.” Conciliar o passado com o presente é um ato de sabedoria. Não há razão para destruir o que a prática aprovou, mas enriquecer com o novo o que ela não foi capaz de construir.
Fundir os dois códigos é uma histórica missão do legislador. E ainda há tempo de realizá-la, antes da insensatez que está prestes a ser cometida com a vigência do novo CPC.
Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

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