Lula
“indignado com corrupção” é como comandante de navio revoltado com mar
Josias de
Souza
“Hoje, se tem um brasileiro
indignado sou eu, indignado com a corrupção.” Com essa frase, dita por Lula num
ato público na noite desta terça-feira, o Brasil escalou uma espécie de cume do
cinismo. Pior do que a presunção de Lula de que ninguém se lembraria da sua
própria cumplicidade com os escândalos é a conclusão de que a presunção é
desnecessária.
Mesmo sabendo
que ninguém desconhece que os dois maiores escândalos da República —o mensalão
e o petrolão— têm origem no seu reinado, Lula acredita piamente que ainda pode
dizer o que bem entender. E no vácuo moral em que se encontra mergulhado o país
talvez possa mesmo. Tudo pode ser dito e feito quando nada tem consequência.
Tanto que
a “indignação” de Lula tem dois gumes. Serve para manifestar sua repulsa à
corrupção e também para realçar sua aversão às delações que desnudaram a
petrorroubalheira. Com a delação, “bandido vira herói”, resmungou o morubixaba
do PT, antes de sapatear sobre o trabalho criterioso da Procuradoria e do juiz
Sérgio Moro.
O delator
“não precisa nem delatar”, prosseguiu Lula. “Vai lá e fala eu acho, eu penso,
eu ouvi dizer que fulano de tal fez tal coisa. E já vira manchete. Não precisa
mais de juiz, a imprensa já condenou, a manchete já condenou, as pessoas estão
perdendo o direito de andar na rua, as pessoas estão sendo agredidas nos
aviões, nos restaurantes, sem prova nenhuma —apenas porque alguém que foi
acusado disse: ‘olha, eu fiz isso mas eu era tão bonzinho. Eu virei ruim
depois.”
Num
timbre antiatopeótico, Lula bradou: “Canalha já nasce canalha. Bandido já nasce
bandido.” Chama-se Paulo Roberto Costa o primeiro “canalha” a celebrar com a
força-tarefa da Lava Jato um acordo de delação premiada. Foi nomeado diretor de
Abastecimento da Petrobras no primeiro reinado de Lula, que chamava o “bandido”
de Paulinho. Só deixou o posto, sob elogios escritos, em 2012, já sob Dilma.
Lula
lamentou “o que estão fazendo com a Petrobras”. Tentam “mostrar que é uma
empresa corrupta”. Errou o tempo do verbo. O lamentável é o que fizeram com a
estatal. O dinheiro dos cofres da empresa só saiu pelo ladrão porque os ladrões
foram empurrados por partidos da coligação oficial dentro do cofre. Tudo com as
bênçãos de Lula, o indignado.
“Se teve
corrupção lá dentro não foi corrupção de uma totalidade”, constatou Lula, num
flerte com o óbvio. “Foi corrupção de uma ou outra pessoa, que terá que pagar o
preço por ter enganado o povo brasileiro.” Enganar o povo não foi nada. O
inacreditável é que autoridades como Lula e Dilma fujam de suas
responsabilidades, refugiando-se atrás da lorota do “eu não sabia”.
Sem
mencionar-lhe o nome, Lula evocou a delação do ex-gerente Pedro Barusco.
Referiu-se a ele como o “cidadão que vai fazer delação premiada e diz que tem
não sei quantos milhões lá fora”. A Justiça não só quantificou o desvio (US$ 97
milhões) como já está repatriando a grana, que estava entesourada na Suíça.
“Esse
cidadão repartiu com vocês?”, perguntou Lula aos militantes que o ouviam. “Ele
repartiu com algum partido político ou ele repartiu com a conta bancária dele?”
Lula deveria desperdiçar um naco do seu tempo lendo os depoimentos prestados
por Barusco. São peças públicas. Nelas, lê-se que, na diretoria que abrigava
Barusco, a de Engenharia e Serviços, cabia ao diretor Renato Duque, seu chefe,
cuidar do repasse da parte da propina que cabia ao PT.
Para
desassossego de Lula, Duque não era o único provedor do PT. A propósito, em
depoimento prestado horas antes de Lula despejar sua “indignação” sobre o
microfone, o doleiro Alberto Youssef contou que mandou
entregar petropropinas ao tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, na porta do
diretório nacional da legenda.
Lula
nunca viu governos tão maravilhosos quanto os governos do PT. “Ninguém em sã
consciência deve deixar de agradecer aos nossos 12 nos de governo, por ter
tirado o tapete que escondia a corrupção da sala e escancarar a investigação
nesse país. Fomos nós que escancaramos. Fomos nós que indicamos por quatro
vezes representantes do Ministério Público indicados pela categoria, sem
interferência do governo. Fomos nós que mais do que dobramos o número de
agentes da Polícia Federal, mais que dobramos o investimento em inteligência,
fomos nós…”
A lista
de Lula ficaria mais completa se o orador emendasse: fomos nós que levamos a
Petrobras ao balcão da baixa política; fomos nós que entregamos diretorias da
estatal a apaniguados do PT, do PMDB e do PP; fomos nós que confiamos o comando
da Transpetro a um apaniguado de Renan Calheiros por 12 anos, fomos nós que
permitimos que o melado do petrolão continuasse escorrendo mesmo depois do
envio da bancada do mensalão para a Papuda, fomos nós…
“Só tem
um jeito de um homem ou uma mulher não ser molestado nesse país governado pelo
PT: é ser honesto e não praticar nenhum desvio”, afirmou Lula, desobrigando o
país de fazer sentido. Lula indignado com corrupção é algo tão inusitado quanto
um comandante de navio rebelando-se contra o mar. O enredo atingiu o ápice. A
partir de agora tudo é epílogo.
COMENTÁRIO:
Roberto - Itanhaém
Eu acho que esse imbecil, ao
invés de ter perdido um dedo, deveria ter perdido a língua.
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