Preparado
para ‘guerra’, Lula ataca a semântica
Josias de
Souza
Lula foi
ao Rio de Janeiro na noite desta terça-feira (24/02/2015) para estrelar um “ato
em defesa da Petrobras”. Ao discursar, fez o que os presidentes americanos
costumam fazer quando precisam unir a nação em seu apoio: declarou guerra ao
inimigo. “Eu quero paz e democracia, mas se eles querem guerra, eu sei lutar
também.'' Provou que falava sério. Armado do microfone, fez sua primeira
vítima. Fulminou a semântica.
Ao
insinuar que a Petrobras virou escândalo pelas mãos de uma “elite que não se
conforma com a ascensão dos mais pobres”, Lula deixou claro que o Brasil vive
uma crise de significado. Mostrou que a crise é terminal ao dizer que irá às
ruas para “defender a Petrobras e a reforma política”. Considerando-se que o orador
avalizou as nomeações dos petrogatunos e governou por oito anos com o
apoio de sarneys, renans, collors e malufs, fica claro que o vocábulo
“significado” perdeu o significado.
O
correto, se as palavras ainda valessem alguma coisa, seria Lula pedir perdão
por ter levado a Petrobras ao balcão da baixa política. Mas como qualquer coisa
quer dizer qualquer coisa, Lula chama o crime de “caca” e sai de fininho: “Que
vergonha eu posso ter se, no meio de uma família de 86 mil pessoas, uma pessoa
comete um erro, faz uma caca. […] Não podemos jogar a Petrobras fora por causa
de meia dúzia de pessoas ou 50 pessoas.''
O
razoável, se a semântica não estivesse na UTI, seria Lula expiar o pecado de
ter deflagrado a sangria que levou a Petrobras a perder o grau de investimento
que fazia dela um porto seguro para quem quisesse investir. Mas como nada mais
quer dizer coisa nenhuma, na hora em que a agência Moody’s dava a má
notícia, Lula jactava-se: “Tenho orgulho da maior capitalização do capitalismo
mundial, que foi a capitalização da Petrobras, que se tornou uma das empresas
mais importantes do mundo.”
Lula
sustenta que “eles” —eufemismo para FHC e a mídia golpista— “continuam fazendo
hoje o que sempre fizeram antes. A ideia básica é criminalizar antes, tornar
bandido antes de ser investigado e julgado.” Pessoas que não sabiam de nada,
como ele e Dilma, são tratadas com base na “tal da teoria do domínio do fato.
[…] É o pressuposto de que a mãe tem que saber que o filho é drogado ou não foi
bem na escola e o boletim dele está ruim.”
Para não
dizer que Lula é um cínico, deve-se deduzir que ele é apenas mais uma vítima da
crise de semântica. Alguém que chama o mensalão de fábula tem imunidade para
comparar ladrões a filhos desgarrados e seus padrinhos a mães relapsas. É isso
ou Lula adotou para se isentar de responsabilidade o velho adágio segundo o
qual não se faz omelete sem quebrar os ovos. A frase aniquila qualquer
princípio ético. Mas absolve tudo, do “Paulinho” manejando contratos ao Vaccari
operando a caixa registradora.
Lula
aconselhou Dilma Rousseff a levantar a cabeça.
Apresentou-se como exemplo: “Sou filho de uma mulher analfabeta, de um pai
analfabeto. E o mais importante legado que minha mãe deixou foi o direito de eu
andar de cabeça erguida. E ninguém vai fazer eu baixar a cabeça neste país.
Honestidade não é mérito, é obrigação.”
É
reconfortante saber que Lula não perdeu a fronte alta que traz do berço. Com
alguma sorte, ainda vai cruzar com um espelho qualquer hora dessas. E talvez
perceba que a crise semântica fez dele um personagem sem nexo. (abaixo, o
discurso do “guerreiro'')
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