Desde
criança tenho a lembrança de escutar minha avó recitando um poema em especial.
Minha mãe diz que minha bisavó costumava recitá-lo também com uma sensibilidade
impressionante (é a lembrança mais forte que ela tem da avó dela). Nunca ouvi
minha bisa, mas posso dizer que a minha avó o declama com tanta emoção que
mesmo sem entender muito bem do que se tratava, eu ficava arrepiada. Meus olhos
enchiam d´água no final. Na verdade, enchem até hoje, mesmo ouvindo várias
vezes.
Passaram-se
os anos, me formei em História, virei professora e um dia dando uma aula sobre
Primeira Guerra Mundial lembrei do poema de minha avó que tem como objeto as
tensões geradas pela anexação de Alsácia pela Alemanha, depois da Guerra
Franco-Prussiana de 1870.
Sim, é
uma poesia francófila, nacionalista, mas ainda assim me emociono. Não por
levantar a bandeira da França, mas pela brava atitude do rapaz que poderia ser
qualquer um em qualquer outro lugar do mundo.
Alsácia é
um território localizado na fronteira da França com a Alemanha e rica em
reservas de carvão. Foi anexada pela França durante o reinado de Luis XIV
(1643-1715), mas desde 500 havia sido povoada principalmente por povos de
origem germânica. Da mesma forma que o francezinho na poesia resiste ao severo
professor alemão, alguns séculos antes, muitos germânicos resistiram à
imposição dos costumes franceses.
Quando os
germânicos anexaram este território durante o processo de Unificação da
Alemanha, no final do século XIX, a cultura francesa já estava bastante
enraizada e aí houve o movimento inverso. Desta vez, houve uma imposição da
cultura alemã sobre os franceses e, como consequência, gigantescas migrações
(tanto de franceses fugindo do território, quanto de alemães se mudando para
lá) ocorreram. Com o fim da Primeira Guerra Mundial e a assinatura do Tratado
de Versalhes, Alsácia voltou para as mãos da França e qualquer vestígio de
identidade germânica foi duramente reprimido. Na Segunda Guerra Mundial,
novamente passou para as mãos da Alemanha (note-se que não como território
ocupado, mas como parte integrante da Grande Alemanha, sendo seus cidadãos
convocados para a guerra como qualquer alemão) e houve um movimento de combate
à cultura francesa.
Finalmente,
em 1944, Alsácia voltou ao domínio francês e, mais uma vez, políticas de
repressão à identidade germânica foram implementadas - situação que só se
flexibilizou nos anos 90. Até 1984, o uso da língua alemã em jornais era
restrito a um máximo de 25%!
Portanto, sem dúvida alguma, é um
assunto complexo e polêmico. Tanto a França quanto a Alemanha recebem respaldo
por parte da população no momento das anexações, já que ali residem tanto
pessoas mais identificadas com a cultura francesa, quanto com a cultura alemã.
Reitero aqui que, com este poema, não estou tomando o partido da França. Da mesma forma que foi um francês, poderia ter sido um alemão em outra circunstância histórica. Mas que este poema é um belo presente para a cultura universal, isso é. Uma pena que vocês não possam ouvir minha avó declamando.... é de arrepiar!
-"É aqui dentro! aqui é que está a França!"
Reitero aqui que, com este poema, não estou tomando o partido da França. Da mesma forma que foi um francês, poderia ter sido um alemão em outra circunstância histórica. Mas que este poema é um belo presente para a cultura universal, isso é. Uma pena que vocês não possam ouvir minha avó declamando.... é de arrepiar!
O estudante alsaciano
Antigamente, a escola era risonha e franca,
Do velho Professor as cãs, a barba branca,
Infundiam respeito, impunham simpatia,
Modelando as feições do velho, que sorria
E era como criança em meio das crianças.
Como ao pombal correndo em bando as pombas mansas,
Corriam para a escola; e nem sequer assomo
De aversão ou desgosto, ao ir para ali como
Quem vai para uma festa. Ao começar o estudo,
Eles, sem um pesar, abandonavam tudo,
E submissos, joviais, nos bancos em fileiras,
Iam todos sentar-se em frente das carteiras,
Atentos, gravemente, uns pequeninos sábios.
E o velho professor, tendo sempre nos lábios
Uma frase a animar aquele bando imbele,
Ia ensinando a este, ia emendando áquele,
De manso, com carinho e paternal amor.
Por fim, tudo mudou. Agora o professor,
Um grave pedagogo, é austero e conciso;
Nunca os lábios lhe abriu a sombra de um sorriso.
E aos pequenos mudou em calabouço a escola!
Pobres aves, sem dó, metidas na gaiola!
Lá dentro, hoje, o francês é língua morta e muda:
Unicamente o alemão ali se fala e estuda,
São alemães o mestre, os livros e a lição;
A Alsácia é alemã; o povo é alemão,
Como na própria pátria é triste ser proscrito!
Ferquentava também a escola um rapazito
De severo perfil, enérgico, expressivo,
Pálido, magro, o olhar inteligente e vivo
Mas de íntima tristeza aquele olhar velado
Modesto no trajar, de luto carregado...
-Pela Pátria, talvez! - Doze anos só teria.
O mestre, de uma vez, chamou-o a geografia:
-"Diz-me cá, rapaz... Que é isso? estás de luto?
Quem te morreu?"
-"Meu pai, no último reduto,
Em defesa da Pátria!"
-"Ah! sim, bem sei, adiante...
Tu tens assim um ar de ser bom estudante,
Quais são as principais nações da Europa? Vá!"
-"As principais nações são... a França..."
-"Hein? que é lá?...
Com que então, a primeira a França!Bom começo!
De todas as nações, pateta, que eu conheço,
Aquela que mais vale, a que domina o mundo,
Nas grandes concepções e no saber profundo,
Em riqueza e esplendor, nas letras e nas artes,
Que leva o seu domínio ás mais remotas partes,
A mais nobre na paz, a mais forte na guerra,
De onde irradia a ciencia a iluminar a terra,
A maior, a mais bela, a que das mais desdenha,
Fica-o sabendo tu, rapaz, é a Alemanha!"
Ele sorriu com ar desprezador e altivo,
E a cabeça agitou num gesto negativo.
E tornou com voz firme:
-"A França é a primeira!"
O mestre furioso, ergue-se da cadeira,
Bate o pé e uma praga enérgica se lhe escapa.
-"Sabes onde está a França? Aponta-ma no mapa!"
O aluno ergue-se então, os olhos fulgurantes,
O rosto afogueado; e enquanto os estudantes
Olham cheios de assombro aquele destemido,
Ante o mestre, nervoso, audaz e comovido,
Tímido feito herói, pigmeu tornado atleta,
Desaperta febril, a sua blusa preta,
E batendo no peito, impávida, a criança
Do velho Professor as cãs, a barba branca,
Infundiam respeito, impunham simpatia,
Modelando as feições do velho, que sorria
E era como criança em meio das crianças.
Como ao pombal correndo em bando as pombas mansas,
Corriam para a escola; e nem sequer assomo
De aversão ou desgosto, ao ir para ali como
Quem vai para uma festa. Ao começar o estudo,
Eles, sem um pesar, abandonavam tudo,
E submissos, joviais, nos bancos em fileiras,
Iam todos sentar-se em frente das carteiras,
Atentos, gravemente, uns pequeninos sábios.
E o velho professor, tendo sempre nos lábios
Uma frase a animar aquele bando imbele,
Ia ensinando a este, ia emendando áquele,
De manso, com carinho e paternal amor.
Por fim, tudo mudou. Agora o professor,
Um grave pedagogo, é austero e conciso;
Nunca os lábios lhe abriu a sombra de um sorriso.
E aos pequenos mudou em calabouço a escola!
Pobres aves, sem dó, metidas na gaiola!
Lá dentro, hoje, o francês é língua morta e muda:
Unicamente o alemão ali se fala e estuda,
São alemães o mestre, os livros e a lição;
A Alsácia é alemã; o povo é alemão,
Como na própria pátria é triste ser proscrito!
Ferquentava também a escola um rapazito
De severo perfil, enérgico, expressivo,
Pálido, magro, o olhar inteligente e vivo
Mas de íntima tristeza aquele olhar velado
Modesto no trajar, de luto carregado...
-Pela Pátria, talvez! - Doze anos só teria.
O mestre, de uma vez, chamou-o a geografia:
-"Diz-me cá, rapaz... Que é isso? estás de luto?
Quem te morreu?"
-"Meu pai, no último reduto,
Em defesa da Pátria!"
-"Ah! sim, bem sei, adiante...
Tu tens assim um ar de ser bom estudante,
Quais são as principais nações da Europa? Vá!"
-"As principais nações são... a França..."
-"Hein? que é lá?...
Com que então, a primeira a França!Bom começo!
De todas as nações, pateta, que eu conheço,
Aquela que mais vale, a que domina o mundo,
Nas grandes concepções e no saber profundo,
Em riqueza e esplendor, nas letras e nas artes,
Que leva o seu domínio ás mais remotas partes,
A mais nobre na paz, a mais forte na guerra,
De onde irradia a ciencia a iluminar a terra,
A maior, a mais bela, a que das mais desdenha,
Fica-o sabendo tu, rapaz, é a Alemanha!"
Ele sorriu com ar desprezador e altivo,
E a cabeça agitou num gesto negativo.
E tornou com voz firme:
-"A França é a primeira!"
O mestre furioso, ergue-se da cadeira,
Bate o pé e uma praga enérgica se lhe escapa.
-"Sabes onde está a França? Aponta-ma no mapa!"
O aluno ergue-se então, os olhos fulgurantes,
O rosto afogueado; e enquanto os estudantes
Olham cheios de assombro aquele destemido,
Ante o mestre, nervoso, audaz e comovido,
Tímido feito herói, pigmeu tornado atleta,
Desaperta febril, a sua blusa preta,
E batendo no peito, impávida, a criança
Exclama:
-"É aqui dentro! aqui é que está a França!"
Acácio Antunes
Notas sobre o Autor: Acácio Graciano Antunes Brás,
nasceu na Figueira da Foz em 26 de Agosto de 1853 e faleceu em Lisboa
em 2 de Abril de 1927, Jornalista, teatrólogo, escritor e poeta de
grande mérito, tendo escrito cerca de 60 obras sobre teatro,
nomeadamente comédias, revistas, cançonetas, operas cómicas e operetas,
sendo autor deste conhecido monólogo. (in Figueira.net, a Figueira da Foz na Internet )
EMENDA:
Minha mãe,
hoje, com 96 anos, ainda declama esta bela poesia, que com muita alegria,
publico para o conhecimento de todos vocês.
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