sábado, 31 de julho de 2021

PEC DO VOTO IMPRESSO NA CÂMARA PREVÊ CONTAGEM MANUAL DOS VOTOS

 

Eleições

Por
Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Brasília

Deputado Filipe Barros (PSL-PR) é o relator da PEC do voto impresso auditável: por ter pedido prazo para acolher sugestões dos partidos, ele, agora, elabora um substitutivo ao texto vigente| Foto: Cleia Vianna/Câmara dos Deputados

O relator da PEC do Voto Impresso Auditável na comissão especial da Câmara que analisa a matéria, deputado Filipe Barros (PSL-PR), pretende manter em seu novo relatório a proposta de mudar a forma como os votos são contados no Brasil. A ideia é que a apuração seja pública e feita manualmente pela contagem de 100% dos votos, que serão impressos.

Esse foi um dos pontos que quase levou a PEC a ser derrubada em votação que seria realizada antes do recesso parlamentar. A votação só não ocorreu porque, numa manobra regimental, os defensores da proposta na comissão especial conseguiram adiar a apreciação com o argumento de que o texto seria modificado.

Muitos parlamentares reclamaram de que a apuração manual dos votos impressos não fazia parte da ideia original, que era que os votos impressos fossem usados para auditar a totalização eletrônica dos resultados. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também é contra esse modelo de apuração de votos.

Agora, a expectativa é de que o novo relatório da PEC seja votado na próxima quinta-feira (5) – o recesso parlamentar termina na segunda (1.º). Filipe Barros ainda trabalha no substitutivo que será apresentado para a votação. Algumas modificações foram feitas em relação ao texto que estava em discussão e outras ainda ocorrerão. Mas a apuração por meio da contagem de votos impressos vai ser mantida.

A proposta do relator é de que, na etapa de apuração, os mesários abram na própria seção eleitoral a urna onde as impressões de voto estarão depositados. Com uma cédula em mãos, um mesário mostraria aos demais presentes, leria em voz alta a informação contida no registro impresso – que não teria as informações do respectivo eleitor – e conferiria a cédula no equipamento de leitura ótica da própria urna utilizada na votação.

A argumentação é de que isso representa uma dupla auditagem, pelo registro digital do voto (RDV) – que estaria presente na impressão por meio de um código QR a ser auditado no equipamento de leitura ótica – e pelo registro impresso das informações dos candidatos. E essa dupla auditagem, que fica facultada no substitutivo, seria feita em cada uma das cédulas contidas na urna nas próprias sessões eleitorais.

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Por que Filipe Barros insiste com a apuração manual
Filipe Barros diz que vai insistir com a apuração manual de cada cédula nas próprias sessões eleitorais para solucionar o que ele considera ser os dois principais gargalos do sistema eleitoral brasileiro. “O primeiro problema é não permitir ao eleitor conferir o registro de seu próprio voto através da impressão. O segundo é a apuração e totalização secreta ao eleitor”, diz Barros.

O deputado afirma que TSE alega que as urnas são auditáveis, mas que isso não é acessível ao próprio eleitor. “O TSE consegue auditar de acordo com os requisitos de auditoria definidos pela própria Corte. Os partidos conseguem auditar até os limites impostos pela Justiça Eleitoral. Mas o eleitor não consegue auditar seu voto, nem acompanhar a apuração, o atual sistema não permite.”

Barros destaca que os boletins emitidos pelas urnas eletrônicas ao fim do processo de apuração traz diversas informações relativas aos dados registrados, mas não possibilita ao eleitor a auditagem de seu voto específico. Os dados dos votos são gravados em um cartão de memória e levados aos fóruns eleitorais, que, por sua vez, são encaminhados ao TSE, que executa a etapa de totalização – também sem a possibilidade de verificação pelo eleitor.

Nas eleições de 2018, a ministra Rosa Weber, presidente do TSE à época, autorizou a presença de representantes técnicos das campanhas de Jair Bolsonaro e Fernando Haddad na chamada sala-cofre localizada no prédio da Justiça Eleitoral em Brasília, onde é feita a totalização dos votos. Até os pleitos anteriores, representantes dos candidatos eram convidados a assistir a apuração em uma sala onde haviam apenas monitores para o acompanhamento da totalização.

Por todos esses motivos, Barros justifica que insistirá em propor a apuração manual de 100% das cédulas nas sessões eleitorais, apesar das resistências de partidos políticos.

“Com exceção do exercício do voto, que tem que ser sigiloso e ninguém vai mexer nisso, até porque é uma cláusula pétrea, as outras fases são atos administrativos que devem ser públicos e transparentes. O voto deve ser auditável pelo próprio eleitor ao conferir o registro impresso. E a apuração não pode ser secreta. Deixar isso mais claro tem sido minha meta principal”, diz o relator da PEC do Voto Impresso.

Quais as principais diferenças do substitutivo da PEC do Voto Impresso
O substitutivo esboçado pelo relator se difere do parecer que quase foi votado principalmente pela forma como ele decidiu conceituar tecnicamente as diferentes etapas do processo eleitoral: o exercício do voto; o registro do voto; a apuração; a totalização; e a proclamação do resultado.

O exercício do voto é definido por Barros como o “ato personalíssimo” e deve ser secreto, a fim de garantir a plena liberdade de escolha do eleitor. Essa etapa termina a partir do momento em que a cédula do voto entra na urna. O relator não especificou na PEC uma tecnologia específica para esse processo.

O registro do voto é definido por ele como o “procedimento no qual a manifestação de vontade do eleitor é computada”, que deve ser “conferido por papel pelo próprio eleitor assim que gerado”. Já a apuração é apontada como “ato administrativo necessariamente público e transparente”.

Ainda na apuração, Barros estabelece que é uma etapa que deve contar com a presença de eleitores na “contagem dos votos colhidos na seção eleitoral”. Ou seja, ele também manteve a possibilidade de os eleitores serem fiscais de suas próprias seções após a contagem de votos colhida pelos mesários “imediatamente após o período de votação”.

A totalização é classificada pelo relator como outro ato administrativo “necessariamente público e transparente”, que deve contar com a presença de “representantes de partidos políticos” após a soma de todos os votos obtidos em todas as seções eleitorais na apuração. Essa etapa é realizada pelas “autoridades estaduais eleitorais e posteriormente transmitida à autoridade nacional eleitoral”, o TSE.

A proclamação do resultado, por fim, é tipificado por ele como o “ato em que a autoridade nacional eleitoral, após regular apuração e totalização, anuncia o resultado da votação da eleição, do plebiscito ou do referendo”.

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Por que o relator decidiu tipificar as diferentes etapas eleitorais
Dois motivos levaram Filipe Barros a tipificar as diferentes etapas eleitorais. Além da busca em deixar mais claro os procedimentos pela transparência da auditagem pelo eleitor, ele também busca garantir o avanço das tecnologias eleitorais.

No parecer atual, Barros tentou apresentar uma redação que não engessasse a progressão tecnológica das urnas. O problema é que o texto foi criticado por lideranças parlamentares e membros da comissão especial da PEC, que avaliaram ser pouco claro na forma proposta.

Os deputados cobraram de Barros um texto mais enxuto e claro sobre as propostas de voto impresso. Por ora, em termos de enxugamento, não é o que o relator sinaliza. O substitutivo esboçado é extenso, mas detalhado.

No relatório discutido na comissão especial, Barros especificava que “os registros do voto deverão ser depositados na urna indevassável separadamente para cada cargo, ou de outra forma, desde que se garanta o sigilo do voto”. No substitutivo, ele pormenoriza menos ao estabelecer que o registro precisa ser impresso e o voto é exercido quando a cédula entra a urna.

“Conceituar as etapas do processo eleitoral é a maneira de fazer com que, independentemente da tecnologia utilizada — se for de primeira, segunda ou terceira geração —, se garanta o formato essencial do procedimento público e transparente de votação”, explica.

Que pontos ainda podem ser alterados na PEC do Voto Impresso
O relator planeja apresentar o texto final de seu substitutivo até a próxima terça-feira (3). Até lá, Filipe Barros admite que mudanças podem ser feitas à versão atual do texto. O deputado aguarda que lideranças de outros partidos lhe deem um retorno. E ainda terá uma conversa com o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira.

A ideia do relator é convencer os partidos de que a apuração manual de 100% das impressões de voto é a melhor alternativa para assegurar a transparência do processo eleitoral e evitar contestações judiciais na Justiça Eleitoral.

Mas ele sabe que prosseguir com isso é uma missão difícil diante do atual cenário político, contestado até por membros da base governista do Centrão. Por esse motivo, Barros admite que seu texto pode ser alterado.

Lideranças políticas discutem outras duas formas de debater a auditagem eleitoral: com a contagem manual de 100% das cédulas nos fóruns eleitorais, não nas seções; ou por amostragem. Uma parte considerável do Congresso propõe, contudo, formas alternativas de auditagem que não sejam pela impressão do voto.

O relator vai ouvir as sugestões e, se for da vontade da maioria dos partidos alterar o processo de apuração, ele diz estar à disposição para discutir uma mudança. Mas questiona as alternativas. “Como seria feita a apuração de 100% nos fóruns eleitorais? Por apenas uma mesa receptora? Se for assim, vai demorar ainda mais [a apuração]”, diz.

Na apuração por amostragem, seriam contabilizados eletronicamente os votos, como funciona atualmente, e seriam auditados apenas os votos de um percentual pré-determinado de urnas. Os partidos discutem um percentual entre 2% a 10%. “Essa é uma grande furada. Se apura 10%, quem perdeu a eleição vai judicializar e pedir a recontagem dos outros 90%”, diz Barros.

Já a alternativa de auditar os votos sem o registro impresso, por meio de uma cópia certificada do registro digital fora da urna, embora não seja totalmente descartada por Barros, não é bem avaliada por ele.

“A ideia não é ruim, mas ela por si só não resolve o problema do sistema sigiloso e obscurantista que nós temos. Tem que ser necessariamente complementada com a impressão do voto. Não adianta ter a auditagem só com certificação digital”, justifica.

Outro ponto que pode entrar em discussão é a implementação gradual das urnas de voto impresso. Partidos político chegaram a propor um porcentual inicial de 20% de urnas com a tecnologia de impressão do voto para as eleições de 2022. Mas o “piso mínimo” considerado por Barros é de 55%. Esse é o percentual de urnas atuais que já são adaptáveis para a geração do registro impresso, segundo informou o TSE nas audiências públicas da comissão especial


Transporte, recontagem e investigação: o que prevê o novo texto
No substitutivo de Filipe Barros, encerrada a apuração, os registros impressos de voto serão transportados até os fóruns eleitorais a cargo das “forças de segurança pública” ou das Forças Armadas. Uma vez entregues, a responsabilidade pela custódia e preservação das impressões ficaria sob a responsabilidade da autoridade eleitoral.

A proposta de transporte do substitutivo se difere do parecer atual, que previa essa etapa sendo realizada apenas pelas Forças Armadas. Uma vez entregues nos fóruns eleitorais, o substitutivo propõe que os registros impressos sejam preservados pelo período de um ano contado a partir do dia seguinte da proclamação do resultado.

A exceção do prazo estipulado ficaria condicionada a “situações em que haja pedido de recontagem ou procedimentos de investigação”. “Ocasião na qual os registros impressos de voto deverão ser guardados até o trânsito em julgado do respectivo procedimento”, diz o substitutivo.

O período de um ano previsto para a preservação das impressões de voto é diferente do relatório entregue em junho, que sugeria o armazenamento até 31 de janeiro do ano seguinte às eleições, “salvo situações excepcionais definidas pelo TSE”.

A grande diferença do substitutivo para o parecer vigente está na previsão de que os pedidos de recontagem e “qualquer investigação sobre o processo de votação” deverão ser conduzidos pela Polícia Federal e pela Justiça Federal de primeira instância, e não pelo TSE. Barros ainda veda que o processo tramite em segredo de Justiça.

O relator defende sua proposta, que, na prática, reduz as atribuições do TSE sobre o processo de eventual recontagem. “O TSE, hoje, é o administrador eleitoral. Se houver uma falha ou uma fraude numa sessão eleitoral, ou ele é vítima ou alguém ali dentro pode ser o autor da falha ou da fraude. Portanto, a Corte não pode ser parte da investigação, nem se for vítima, e nem se for responsável ou um dos autores. Então, tem que se manter independente”, sustenta.


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SE FOSSE O LULA PEDINDO VOTO AUDITÁVEL JÁ ESTARIA TUDO RESOLVIDO

 

Mundo bizarro

Por
Paulo Polzonoff Jr.

São Bernardo do Campo SP 15 11 2020-O ex presidente Luis Inacio Lula da Silva votou em ABC hoje pela manhã. foto Ricardo Stuckert

Tudo seria muitíssimo diferente se fosse Lula, e não Bolsonaro, a fazer campanha pela PEC 135, a PEC do Voto Auditável.| Foto: Fotos Públicas

Se fosse Lula pedindo o voto auditável, hoje ninguém estaria escrevendo longas e tediosas digressões sobre a diferença entre “provas” e “indícios”. E, diante do argumento de que é da natureza das urnas auditáveis não deixar rastros de fraude, daí a necessidade de uma comprovação física, todos estariam levando a mão ao queixo, aquiescendo e dizendo uns para os outros: “Como é que eu não pensei nisso antes?”.

Se fosse Lula pedindo o voto auditável, todos estariam enaltecendo a honestidade e altivez de caráter de um presidente tão, tão, tão, tão democrático que só quer garantir a seu povo eleições limpas e que faz questão de frisar que, se o povo escolher por outro caminho, a vontade popular será respeitada. Se fosse Lula pedindo o voto auditável, nos dicionários sua foto apareceria ao lado do verbete “estadista”.

Se fosse Lula pedindo o voto auditável, meus colegas jornalistas não estariam rindo da ideia como se ela fosse uma conspiração de maus futuros perdedores. Não estariam desprezando o voto auditável como mais um capricho de um presidente narcisista. Nem estariam criando narrativas estúpidas, baseadas em clichês, como a de que o voto auditável favorece o voto de cabresto ou é uma cortina de fumaça.

Se fosse Lula pedindo voto auditável, aliás, os tais “jornalistas de dados” estariam todos debruçados sobre os indícios, por mais estapafúrdios que fossem. Eles falariam em modelos matemáticos e explicariam tintim por tintim o que aconteceu nas eleições de 2014. Se fosse Lula pedindo voto auditável, o Sindicato dos Jornalistas brindaria seus associados com uma camiseta estampando a imagem do grande líder, juntamente com um sloganzinho manjado qualquer.

Se fosse Lula pedindo voto auditável, ninguém questionaria o custo “altíssimo” da medida. Tampouco estariam por aí exaltando a infalibilidade da máquina como se fosse um dogma desse cientificismo aplicado ao processo eleitoral. Pelo contrário, se fosse Lula pedindo voto auditável, todos estariam empenhados em questionar o “progresso” hoje inquestionável.

Se fosse Lula pedindo voto auditável, a inexplicável teimosia de Luís Roberto Barro teria explicações melhores do que as de hoje. Aliás, se fosse Lula pedindo o voto auditável, os cientistas políticos e outras figuras do nosso folclore estariam dizendo que a polícia é a arte da negociação e que, para garantir a segurança de um dos pilares dessa nossa democracia de palafita, é preciso garantir que ao menos parte dos votos sejam auditáveis já nas eleições de 2022.

Se fosse Lula pedindo o voto auditável, o ministro Luís Roberto Barroso estaria pessoalmente empenhado em garantir a aprovação da PEC 135. Que, por sinal, receberia nomes fofos como PEC da Urna Confiável, PEC das Eleições Transparentes, PEC do Amor ao Voto ou PEC da Confiança. E haveria transmissão dos debates e das votações nas comissões e depois no Congresso e no Senado. E os deputados e senadores exigiriam voto nominal para poderem aparecer na televisão dizendo que “pela democracia, pelo futuro do país, em defesa do Estado Democrático de Direito, eu voto ‘sim’!!!!”.

Se fosse Lula pedindo voto auditável, os sociólogos estariam falando desse que é o aspecto mais intangível da democracia, o vínculo de confiança entre o eleitor e o “sistema”, e ressaltando a ameaça representada pela quebra desse mesmo vínculo. Os menos exaltados estariam usando palavras como “golpe”. Os mais exaltados estariam criando alguma conspiração conservadora-direitista contra a vontade popular.

Se fosse Lula pedindo o voto auditável, estaria todo mundo batendo palmas pela nomeação de um senador do Centrão para a Casa Civil. “Esse Lula é um baita enxadrista”, diria alguém. Enquanto outro diria que, veja bem, o Lula é o presidente de todos os brasileiros e que é importante respeitar o princípio da representatividade, não sei o quê, não sei o que lá. Ciro Nogueira seria recebido com flores. E entraria para os livros de história como O Verdadeiro Cirão da Massa.

Se fosse Lula pedindo o voto auditável, haveria diariamente pesquisas de opinião sobre o voto auditável ou sobre a confiabilidade das atuais urnas. As redes noticiosas exibiriam longuíssimos programas de debate nos quais estatísticos, engenheiros, advogados, artistas e até esportistas pediriam ansiosamente a palavra para demonstrarem apoio ao voto auditável.

Se fosse Lula pedindo voto auditável, Chico Buarque e Zélia Duncan comporiam o Samba do Piririririm, a ser entoado nas enormes manifestações de 1º de agosto. Wagner Moura, Letícia Sabatella e José de Abreu estrelariam na Netflix um filme de ação no qual imperialistas malvados tentam impor ao povo brasileiro o Tirânico Voto Inauditável, até que as forças populares, lideradas por uma quilombola trans, se revoltassem.

Se fosse Lula pedindo o voto auditável…
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VOLTA A SER CRIADO O MINISTÉRIO DO TRABALHO

 

Reforma ministerial
Ministério do bem-estar

Por
Alexandre Garcia – Gazeta do Povo

Reforma trabalhista completa um ano, mas geração de empregos é baixa. A reforma trabalhista passou pelo Congresso Nacional com a garantia que a modernização das leis que regem o mercado de trabalho era necessária para que o país voltasse a gerar empregos e reduzir a informalidade. Foi aprovada em julho do ano passado e passou a valer em novembro. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, o Caged, do Ministério do Trabalho, com as novas regras foram criados 372,7 mil postos de empregos formais em todo país. Na foto: Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). Foto: Ana Volpe/Agência Senado

Trabalho e Previdência voltarão a ter um ministério próprio.| Foto: Ana Volpe/Agência Senado

Volta a ter status de ministério o Trabalho e a Previdência. Nem deveria ter perdido a força política e virar uma secretaria especial do Ministério da Economia, porque é um dos setores mais importantes do Poder Executivo Federal. A Previdência está presente em todas as famílias, que têm alguém aposentado, pensionista, doente ou contribuinte. E o Trabalho, nem é preciso demonstrar a importância, em tempos da pandemia que fechou, desempregou e derrubou a renda.

Politicamente é uma imensa força. João Goulart começou como ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, e acabou presidente da República; recentes ministros da Previdência viraram governadores, como Jair Soares, Antônio Brito e Waldir Pires. Na vizinha Argentina, o Ministério do Bem-Estar Social, com a Previdência e o Trabalho, foi a força que sustentou o peronismo.

A Previdência é um gigante. Questões presentes e futuras ligadas ao trabalho, ao emprego e à Previdência Social têm ligação umbilical com a recuperação econômica pós-pandemia, isso sem contar o socorro a 60 milhões de brasileiros, a maioria informais, sem carteira assinada. Além disso, é bom lembrar que a tão necessária reforma da Previdência foi desidratada. Falava-se em trilhões; depois reduziu-se ao trilhão; caiu para 800 milhões e agora deve estar aquém disso.

É uma questão social importantíssima. Contam-se 20 milhões de idosos provedores de famílias. Noventa por cento dos idosos contribuem com o orçamento de casa. Os benefícios previdenciários representam 75% da renda de quase 6 milhões de lares. O ministro Onyx Lorenzoni, que foi o primeiro aliado do candidato Bolsonaro, quer aproveitar ideias do tempo em que era ministro da Cidadania, porque na outra ponta etária estão jovens sem emprego e sem rumo profissional. Só isso dá uma pequena ideia do tamanho do desafio. Para reduzir o número de ministérios, o presidente sobrecarregou o ministro da Economia e reduziu o poder político dessa importante área do bem-estar social. Agora volta, sem alterar o total de 23 ministros, já que o presidente do Banco Central perdeu esse status.


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A ESQUERDA TRATA O LIBERALISMO COMO VILÃO

 

Por
Bruna Frascolla – Gazeta do Povo

| Foto: Pixabay

A palavra “liberalismo” passa, no Brasil, por um processo análogo ao que a palavra “democracia” passou nos anos 70. No começo os comunistas honestos diziam abertamente que a democracia era um regime burguês, portanto capitalista, portanto fadado a perecer na Revolução. A Revolução acabaria com a democracia para instaurar a ditadura do proletariado. Mas lá pelos anos 70 começaram a pipocar as “democracias populares”, que seriam verdadeiras democracias, enquanto que as “democracias burguesas” seriam democracias falsas. Alemanha Oriental era a República Democrática Alemã; a Coreia do Norte e a China são a República Popular Democrática da Coreia e a República Popular da China. Enquanto isso, a Alemanha Ocidental era a República Federal da Alemanha; a Coreia do Sul e Taiwan são República da Coreia e República da China. O termo “popular” é escolhido por causa do demos de democracia.

É a homenagem involuntária que o totalitarismo presta à democracia: é tão boa, que precisam tomar suas roupas emprestadas, passar a mesma maquiagem, imitar os trejeitos e tentar enganar os incautos fazendo passar-se por ela. Ir à rua gritar “comunismo” nunca será tão frutífero quanto gritar “democracia”.

Desde os anos 70, o brasileiro estava acostumado a ver o liberalismo retratado como vilão. Quem frequentou a escola nos anos 90 e 00, como eu, terá visto o liberalismo como vilão desde a época escolar, pelo menos com um professor de história. No imaginário brasileiro, o liberalismo era um sinônimo menos usado de neoliberalismo, que a seu turno é o capeta em pessoa. Rouba dos pobres para dar aos banqueiros. Se não fossem os social-democratas ou a esquerda, o neoliberalismo nos transportaria para dentro do filme “Tempos Modernos”, de Chaplin.

Desde o impeachment de Dilma Rousseff temos visto no Brasil a palavra “neoliberalismo” tomar chá de sumiço e de repente, não mais que de repente, o liberalismo ser convertido em mocinho.

Dilma põe a Unicamp em desgraça
Creio que o principal motivo para isso tenha sido o reconhecimento inequívoco de que as políticas intervencionistas de Dilma Rousseff foram um fracasso. Gente leiga em economia, como eu, via economista falando de economia do mesmo jeito que poderia ver bioquímicos discutindo bioquímica. Mas a queda de Dilma levou consigo toda a prestigiosa escola da Unicamp. (Já dizia Roberto Campos que ou o Brasil acaba com os economistas da Unicamp, ou os economistas da Unicamp acabam com o Brasil. Podemos dizer que, depois de eles enfim quase acabarem com o Brasil, o Brasil os atirou à “lata de lixo da História”, como diziam os marxistas d’antanho.) De repente, passou a haver economistas que um leigo consegue identificar como charlatães. A Unicamp teve um professor de economia como presidente do BNDES na gestão Dilma (o professor titular Luciano Coutinho). Esse poder veio junto com o próprio descrédito.

A queda da Unicamp acarretou a ascensão, no debate público, da figura de Marcos Lisboa: um economista liberal que participou dos anos dourados da presidência de Lula e sempre esteve às turras com os economistas petistas. Marcos Lisboa é um excelente orador, tem carisma e logo atraiu um enxame de jovens (que logo passaram a defendê-lo fervorosamente na internet, como se fosse um líder de banda). Abriu terreno para que ganhassem atenção outros críticos da Escola da Unicamp. Esta caiu em desgraça e o seu lugar foi ocupado por uma plêiade de instituições de elite privadas: o Insper, a PUC-Rio e a GV. Enquanto isso, tudo o que a USP tinha a oferecer era Laura Carvalho. Essa mudança acadêmica na Economia fez estilhaçar a crença na superioridade das universidades públicas sobre as privadas.

Em 1993, o sucesso do Plano Real, de economistas da PUC-Rio, se deu sob as barbas de um marxista teórico da dependência, e não serviu para enterrar a Unicamp. Isto só aconteceu em 2016, com o fracasso retumbante de um governo todo ao gosto de economistas da Unicamp.

Assim, desmoronou-se todo um cenário intelectual que parecia inamovível a quem nasceu até a década de 90. Ouvíamos desde a escola que Celso Furtado era o economista mais genial do mundo, tão injustiçado quanto Carlos Chagas por não ter recebido um Nobel. (Se eu fosse escolher um brasileiro injustiçado por não receber Nobel, seria Rondon, que Einstein queria que recebesse o da paz por integrar os índios. Mas Rondon era militar, então tem que ser esquecido.)

A captura do termo
Expostos os fatos acima, não creio que tenha havido um plano deliberado da esquerda para capturar o termo. Dilma Rousseff foi, sem querer, a maior força em prol da aceitação do liberalismo no Brasil. Fez tudo o que a elite acadêmica da economia queria e deu tudo errado – pior para a elite.

Mas dois fatos internos favoreceram no Brasil o mimetismo da esquerda dos EUA, país em que os liberals são a esquerda. O primeiro fator é que o liberalismo chegou a nós como uma doutrina econômica, quando na verdade é, antes de tudo, uma doutrina de garantias contra o poder absoluto.

O liberalismo surgiu na Revolução Gloriosa, em 1688, na Inglaterra, quando as casas legislativas conquistaram garantias contra o poder do Rei. O filósofo que expressou o ideário do liberalismo é John Locke, que defende a separação entre os poderes Executivo e Legislativo e o fim do Absolutismo. A igualdade perante a lei torna-se então um diferencial do mundo anglo-saxônico. Entre nós, os ibéricos, a tradição é de códigos legislativos que estipulam privilégios, com crimes sendo punidos com severidade variável conforme o status do súdito.

Outro fator que ajudou a captura do termo pela esquerda é a de Marcos Lisboa ter trabalhado no governo Lula. Assim, o seu sucesso pode ser colocado sob as barbas da social-democracia, do mesmo jeito que o sucesso de um Gustavo Franco foi com FHC. O petismo pode brincar de bad cop com Guido Mantega e good cop com Marcos Lisboa. Fica fácil fazer a “autocrítica” da esquerda e dizer que tudo dará certo daqui para a frente. Uma pitada de Bobbio (com o conceito de esquerda liberal) ajuda a operação.

O “liberalismo” comunista chinês da pandemia
A ignorância da história do liberalismo fez com que a desigualdade perante a lei fosse defendida por autodeclarados liberais. Se a tradição ibérica d’antanho exigia pureza de sangue para ocupar uma cátedra na universidade, verificando se candidato era cristão velho de quatro costados, o “liberal” de hoje defende um tribunal racial constituído pelo Estado para julgar o sangue dos candidatos.

O liberalismo é uma doutrina contra o arbítrio do Estado, mas o pseudoliberal brasileiro que leu uns livrinhos da fase mais socializante de Mill quer dar poder ao Estado para criar estamentos de privilegiados e tratar os cidadãos de maneira desigual. O Estado torna-se o juiz do que é uma injustiça social e o retificador de injustiças históricas. Haja poder!

O mais novo passo dos pseudoliberais brasileiros é, fechando os olhos para o caráter experimental das vacinas e para as vítimas letais dos efeitos colaterais, dizer que a vacina da covid tem que ser obrigatória. Mais ainda: o cidadão não pode ser “sommelier de vacinas”; isto é, não pode escolher se toma uma vacina cujos efeitos colaterais são coágulos ou miocardite. Tudo em nome do bem-estar coletivo. Aliás, em nome do bem-estar coletivo, deve-se também evitar falar de efeitos colaterais, para que todos tomem as vacinas.

Em última instância, é exigir que as pessoas sacrifiquem a própria vida em nome do coletivo. E esse sacrifício deve ser destituído de qualquer valor moral, já que, além de compulsório, é feito em estado de ignorância. Que controle esses “liberais” entregam ao Estado, não é mesmo?

Indivíduo ganha respeito no presídio
É interessante como agora, no debate brasileiro, coexistem um individualismo solipsista e um coletivismo totalitário, os quais às vezes estão até na boca da mesma pessoa. Quando se trata de crimes violentos, o – cof, cof, – reeducando merece todo o respeito.

Os presídios não existem mais para preservar a coletividade, que não quer conviver com estupradores e assassinos. Em vez disso, o presídio vira uma instituição educacional e a Justiça deve pensar no pobre coitado que estava aí assaltando. Para que ele fique bem, é preciso soltá-lo na sociedade. A sociedade que se vire. Que se vire com os reeducados e com os cracudos, que exercem o seu inalienável direito de fumar crack no meio da rua e puxar a faca para os passantes.

Assim sendo, proponho que se criminalize a não-vacinação de uma vez. Assim, quem sabe, as garantias individuais não ganham um apigreide, quando o cidadão conquistar os mesmos direitos dos bandidos.


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CULTURA DO CANCELAMENTO PROVOCA LINCHAMENTOS

 


  1. Economia
     

A cultura do cancelamento teve o mérito de chamar a atenção para grandes preconceitos e para intolerâncias, mas tem a tendência de também produzir linchamentos de pessoas, boicotes e interdições

Celso Ming*, O Estado de S.Paulo

Em seu livro Meditaciones del Quijote, o filósofo e ensaísta espanhol Ortega y Gasset, deixou um pensamento que continua despertando debates. E deve ser lembrado especialmente agora quando recrudesce a chamada cultura do cancelamento. Escreveu ele: “Yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo”.

Alguém já chamou São Paulo de escravocrata? Não, provavelmente. Não consta que ele tivesse escravos. No entanto, ele assumiu posições que aceitavam a escravidão. É o que se pode conferir na Epístola a Timóteo 6:1: “Todos os que estão sob o jugo da escravidão devem considerar os seus próprios senhores como dignos de todo o respeito…”. Ou seja, Paulo de Tarso não tacaria fogo na estátua de Borba Gato por ter sido um preador de índios, tal como também foi outro bandeirante, Fernão Dias Paes Leme, sepultado com honras na nave central da igreja do Mosteiro de São Bento, em São Paulo.

Ilustra
A cultura do cancelamento provoca linchamentos como se viu nos tempos da Santa Inquisição, da caça às bruxas e ao longo de tantas guerras religiosas. Ilustração: Marcos Müller/Estadão. 

cultura do cancelamento não nasceu com as redes sociais. É coisa antiga, ainda que com outros nomes. Algumas vezes teve o mérito de chamar a atenção para grandes preconceitos e para intolerâncias, mas tem a tendência de também produzir linchamentos de pessoas, boicotes e interdições, como se viu nos tempos da Santa Inquisição, da caça às bruxas e ao longo de tantas guerras religiosas.

O termo “bugre” não está apenas carregado de depreciação dos indígenas do Brasil. Não se limita a considerá-los brutos e atrasados. Também encerra preconceitos de outra ordem. Quando chegaram ao Brasil, os portugueses ficaram estupefatos com duas práticas dos nativos: a antropofagia e a larga difusão de relações homoafetivas, que os jesuítas chamaram de “pecado nefando”. É que, no século 11, aparecera uma doutrina nos Bálcãs que não se limitava a pregar ensinamentos maniqueístas, mas, também, a recomendar relações homossexuais. Depois de condenada, ficou conhecida como “heresia búlgara”. Quando chegaram a estas terras, os portugueses viram o que viram entre os índios e os apelidaram de “búlgaros”. Como são dados a comer letras e fonemas, os lusitanos abreviaram “búlgaros” por “bugres”. Esta é, pelo menos, a explicação que prevalece na obra clássica Casa Grande & Senzala, do antropólogo Gilberto Freyre.

Aparentemente, o comportamento dos nativos das Américas continua chocando aqueles que vieram depois. A expressão “mulher de apache” indica que ela está habituada a apanhar dos seus maridos. As feministas que chegaram ao Brasil com o objetivo de proteger os yanomami da devastação produzida pelos brancos se decepcionaram quando viram que suas mulheres são habitualmente agredidas pelos seus companheiros.

As obras de Richard Wagner foram (ou continuam sendo) canceladas em Israel porque foi considerado o músico predileto dos nazistas. Os soviéticos baniram não só o que consideravam “a arte burguesa decadente” dos modernistas, mas, também, importantes áreas da ciência, como os princípios de genética do agostiniano Gregor Mendel.

Não se pode desqualificar a arte de Picasso apenas porque ele explorava suas mulheres a ponto de apagar seu cigarro na pele de uma delas.

Borba gato
Manifestantes atearam fogo na estátua de Borba Gato, localizada no bairro de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, durante a tarde do último sábado, 24. Foto: Felipe Rau/Estadão

Não é queimando estátuas ou trocando os nomes de algumas das principais rodovias de São Paulo – como BandeirantesAnhangueraFernão Dias e Raposo Tavares –, que se vão reparar as atrocidades que os bandeirantes cometeram quando escravizaram indígenas e arrasaram a tiro e espada quilombos e quilombolas. Eles não foram apenas isso. Também aprofundaram as fronteiras nacionais, contribuíram para domar o áspero sertão e para escrever a História do Brasil, não a ideal, mas a que aconteceu.

Isso não significa que erros, preconceitos e doutrinas condenáveis, como a escravidão, o nazismo, o racismo, a homofobia, a misoginia e tantas formas de discriminação e opressão tenham de ser tolerados. Quer dizer que as pessoas não podem ser linchadas ou excomungadas, apenas, pelos seus erros ou seus preconceitos, especialmente quando esses boicotes não deixam espaço para retratações e mudanças de mentalidade.

O julgamento sobre elas tem de ser filtrado pelas circunstâncias que as envolveram e que as condicionaram, sem o que não se salvará ninguém, nem os que condenam nem os que hoje praticam a cultura do cancelamento.

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA

sexta-feira, 30 de julho de 2021

O BRASIL DESPERDIÇA A OPORTUNIDADE DE INSTITUIR UM SISTEMA TRIBUTÁRIO MODERNO

 

Fernando Valente Pimentel* – Jornal Estadão

Fernando Valente Pimentel. FOTO: DIVULGAÇÃO

Desde a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil tem desperdiçado várias oportunidades de instituir um sistema tributário moderno, desburocratizado, isonômico na taxação de todos os setores e indutor do desenvolvimento. As disposições transitórias da Carta delimitaram o período de cinco anos para votação de emendas em turno único e maioria simples na Câmara dos Deputados e no Senado. Perdemos o prazo, dificultando a aprovação, para a qual são agora necessários dois turnos em cada casa do Parlamento e maioria absoluta de três quintos. Estas são as regras atuais e devemos segui-las.

Depois de 33 anos, o item “honrar tributos” representa cerca de R$ 270 bilhões do total de R$ 1,5 trilhão anual a mais que as empresas gastam para operar no nosso país em relação à média das nações da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), conforme revela estudo do Boston Consulting Group, com a participação de entidades de classe. Dentre os 12 fatores do “Custo Brasil” listados no relatório, os tributos são uns dos mais onerosos, com impacto significativo na competitividade e no nível de atividade. Nessas três décadas, crescemos muito abaixo da economia mundial. Em todos os rankings internacionais nosso país tem classificação vexatória entre os sistemas tributários vigentes no planeta.

Como a velha máxima de que “gato escaldado tem medo de água fria” segue atualíssima, preocupa-nos o fato de, mais uma vez, podermos vir a perder a oportunidade de concretizar a reforma tributária, dissipando a disposição política inicial de realizá-la nos presentes governo e legislatura federais, talvez a mais clara e entusiasmada a que assistimos dentre as várias tentativas ao longo desses 33 anos. Verifica-se, também, a disposição dos governos estaduais, inclusive com a possibilidade de renunciarem aos fundos de desenvolvimento regional.

Temos propostas colocadas no Congresso Nacional que foram objeto de exaustivos estudos e análises e que também resultam de mais de 20 anos de debate público sobre o IVA, que poderão nos conduzir à aprovação, mesmo que em distintas fases, de um modelo tributário mais simplificado, não gerador de cumulatividade, que não taxe os investimentos, com carga mais equânime entre os setores da economia e que não gere créditos de dificílimo recebimento contra os entes federativos, dentre outras características positivas.

Em paralelo à tributária, tramita a Proposta de Emenda Constitucional relativa à reforma administrativa, cujas regras de transição preveem um período longo, não resultando, de imediato, na concepção de um novo organismo público muito mais enxuto, racional e eficiente. O aperfeiçoamento do sistema de impostos, por sua vez, proporcionaria, em mais curto prazo, uma sinalização aos agentes econômicos de avanços importantes para o ambiente de negócios, competitividade, investimentos e geração de empregos. Há plenas condições e é importante que as duas propostas caminhem simultaneamente e sejam votadas pela Câmara dos Deputados e o Senado.

A conclusão das duas reformas de modo assertivo sinalizaria a possibilidade de um Estado mais eficaz, capaz de suprir de modo adequado as áreas prioritárias da saúde, educação e segurança, decisivas para nosso progresso, bem como estimularia investimentos, criando condições mais favoráveis à retomada econômica. Seriam reduzidos, de imediato, o grau de insegurança jurídica e os temores de que o Brasil siga fazendo do empreendedorismo uma corrida de obstáculos, fator tão nocivo à nossa economia.

A reforma tributária é urgente. Precisa simplificar o sistema, extinguir as assimetrias, com todos os setores sendo taxados na mesma proporção, incluir todos os impostos e ampliar a base de contribuintes. Para este último avanço, há duas medidas decisivas. A primeira é reduzir alíquotas, desestimulando a sonegação e incentivando o pagamento. Aliás, destinando menos dinheiro ao fisco, as empresas investem, ampliam a produção e pagam mais impostos. A receita fiscal cresce. A segunda providência diz respeito à necessidade de a reforma transcender à economia analógica, abrangendo também a digital, o que incluirá a taxação de numerosas atividades hoje informais. Este é outro fator que poderá reduzir a carga de cada contribuinte e ampliar a arrecadação total. Este último capítulo, porém, parece ainda não estar maduro para avançar.

Considerada a prioridade da reforma, não podemos esperar o próximo governo e a nova legislatura do Congresso Nacional, como já fizemos em tantas outras ocasiões. Ambos ainda têm quase metade de seus mandatos a cumprir, com as respectivas responsabilidades perante o País e seu povo. Não podemos ser a “República da Eterna Procrastinação”. Já perdemos três décadas! É urgente proporcionar ao Brasil uma alternativa para que volte a crescer e atenda à agenda da inclusão social, da proteção ambiental, da educação, saúde e segurança, direitos universais da humanidade e fatores condicionantes do desenvolvimento.

*Fernando Valente Pimentel é presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit)

A PALAVRA DEMOCRACIA TORNOU-SE UM FETICHE

 

Democracia e cultura

Por
Carlos Ramalhete – Gazeta do Povo

Detalhe de “Cincinato abandona o arado para ditar leis a Roma”, de Juan Antonio Ribera.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

Há palavras que, tendo perdido completamente o sentido, persistem como fórmulas mágicas, dotadas de conotações sem fim, mas desprovidas quase completamente de denotação. “Nazismo” ou “fascismo” e seus correlatos foram tão longe neste processo que já se fala há tempos duma “redução ad hitlerum” (em latim macarrônico mesmo; liga não), processo pelo qual numa discussão acirrada as chances de o opositor ser dito “nazista” aumentam exponencialmente. O espetáculo de milícias de rapazes violentos vestidos de preto surrando quem deles discorda politicamente, mas fazendo-se chamar “antifascistas”, é um espetáculo tão curioso que poderia ser usado para demonstrar o que é a pós-modernidade.

Outra palavra cujo sentido se perdeu completamente é a tal “democracia”. Como escrevi neste mesmo espaço sete longos anos atrás, a palavra tornou-se um fetiche, não mais um termo. São tantas as variações que não se tem mais como atingir um seu sentido real. As ditaduras comunistas diziam-se “democracias”, e os governos do dito Ocidente estão restringindo cada vez mais as liberdades públicas em nome do mesmo termo, contraposto pelo presidente norte-americano às autocracias. No discurso americano atual a tal democracia seria boa, enquanto as autocracias seriam más. Conotações pululam, e denotações são escassas. O que é, então, essa tal democracia?

Etimologicamente, é simplesmente o governo (kratós) feito pelo povo (demos). A ideia original grega é que a administração pode feita por todo o povo (a famosa democracia), por uma elite (a aristocracia), ou por uma pessoa só (a monarquia). Começa aí o primeiro problema: fazia sentido haver um governo de “todo o povo” quando o tal “povo” era minúsculo e desocupado. Em Atenas só tinha cidadania, ou seja, só contava como “povo”, um pequeno porcentual da população. Seus escravos trabalhavam para que eles pudessem participar do governo da cidade-Estado sem se preocupar com questões comezinhas como o pão de cada dia. Se os habitantes sem cidadania fossem incluídos no “demos”, a famosa democracia ateniense seria na verdade uma aristocracia.

A palavra “democracia” tornou-se um fetiche, não mais um termo. São tantas as variações que não se tem mais como atingir um seu sentido real

Mesmo assim, ainda há a possibilidade real de democracia direta – que é o sentido original do termo – em cidades pequenas o bastante para que todos se conheçam. No nosso interior há muitas delas, aliás. Do mesmo modo, ainda é possível haver tal forma de governo em qualquer instituição pequena e voltada a um fim determinado, como um clube. Em tal situação, a máquina de administração pode estar plenamente a serviço da população.

Não é isto que se vende por tal nome, todavia. A forma mais comum de governo dito democrático é hoje a democracia representativa, em que os cidadãos escolhem seus representantes e a eles confiam o governo. Em outras palavras, dão-lhes um cheque em branco na esperança de que cumpram suas promessas eleitorais ou eleitoreiras. Em tese, cada eleição serviria para reiterar a aprovação popular dos mandatários, com os picaretas e mentirosos alijados do poder. Na verdade, todavia, os problemas são tantos que o funcionamento realmente democrático de tal sistema acaba sendo a exceção antes que a regra. Para cada Suíça – país verdadeiramente democrático – há um sem-número de lugares que só diferem do estado do Rio no fato de estarem soltos os picaretas a locupletar-se anteriormente do erário. E este é outro recado grego: a democracia, quando degenera, torna-se demagogia. É quase inevitável que surjam do lodo das paixões humanas, tão humanas, personagens sórdidos como os sucessivos governadores do Rio de Janeiro, fazendo da administração pública balcão de negócios e acalmando o povo com pão e circo.

Este é um perigo sempre real na democracia, seja ela direta ou representativa, pela simples razão de que o tal povo no mais das vezes tem ocupações mais prementes que fungar no cangote de quem deveria administrar o que pertence a todos. É essa mania de comer todo dia que nos atrasa a vida, como sempre digo. Vou contudo ainda mais longe até: é necessário que haja uma cultura de participação real pelo cuidado da coisa pública e uma reta percepção do bem comum – que normalmente implica em sacrifícios presentes em prol do futuro – para que o que se cobra do administrador realmente seja o que ele deve fazer. É o caso suíço, por exemplo; palhaços demagógicos como Trump ou Garotinho não se criariam por lá.


Legitimidade e democracia
Faz parte das fraquezas do sistema democrático que a possibilidade real de galgar às rédeas do poder atraia as piores pessoas. Quem busca o poder, via de regra, é gente que jamais deveria ter poder. O político de sucesso e o estelionatário, como já escrevi, têm talentos semelhantes. São raríssimos os casos como o de Lúcio Quíncio Cincinato, duas vezes elevado ao poder em Roma. Em ambas as vezes ele resolveu os problemas, empobrecendo um tanto no percurso, e voltou à roça assim que pôde. Em cada vez ele teria podido, sem qualquer dificuldade, tornar-se tirano vitalício e instituir uma monarquia hereditária. Mas, justamente por não ter o perfil de quem busca o poder, fez o certo com grande prejuízo para si mesmo. Por essas e outras é que faz parte da sabedoria eclesial que os padres possam negar-se por apenas duas vezes a aceitar o episcopado: a Igreja sabe que o melhor bispo será aquele que jamais quis sê-lo.

Em outras palavras, o governante ideal oculta-se entre os que têm de ser arrastados, esperneando, para o trono. Mas na democracia, mormente a representativa, isto é praticamente impossível. Só sobe ao trono quem quer o trono, ainda que quem queira o trono dificilmente dele seja digno. E é aí que entra novamente a questão que já coloquei acima: na Suíça é normal que os cidadãos nem sequer saibam o nome dos administradores públicos, exatamente por tê-los como servidores, não como mestres. Já aqui, e na maior parte dos lugares supostamente democráticos, ninguém se torna administrador sem popularizar ad nauseam suas fuças sorridentes e nome, pregando-os em postes, distribuindo-os em santinhos, mostrando-os na tevê.

Mais ainda: dado o alto custo de tal popularização, o desvio do erário (ilegal ou legal, mas sempre imoral) em prol de candidaturas não apenas enfraquece as finanças do Estado como dificulta a transição de poder. Sendo o obsceno fundo eleitoral tupiniquim distribuído em função do número de cadeiras de cada partido no parlamento, por exemplo, quem já tem poder é premiado com uma fortuna enquanto os novatos sem padrinhos nadam contra a corrente.

Para que o povo brasileiro esteja realmente no poder, direta ou indiretamente, é preciso, antes de mais nada, que ele entenda a conformação que toma o tal poder

Diz-se muito, com razão, que as leis brasileiras pressupõem que sejamos suíços. É verdade. Mas qual seria a solução para nossa tentativa de democracia? Infelizmente não me lembro de quem, indagado se era monarquista, respondeu que era antes legitimista: impor um rei aos suíços seria tão delirante quanto negar um aos espanhóis. A solução, creio, estaria nessa linha: é preciso discernir o que seria legítimo para nossa cultura. Tentar resolver os problemas por meio de leis (que no mais das vezes “não colam”), já vimos inúmeras vezes, é fantasioso em nosso contexto. Querer “trocar de povo”, à moda de Brecht – pois é exatamente isso o sonho de “educar o populacho ignaro para a cidadania” como forma de fazer funcionar a democracia –, é ainda mais surreal. Para que o povo brasileiro esteja realmente no poder, direta ou indiretamente, é preciso, antes de mais nada, que ele entenda a conformação que toma o tal poder. Ao contrário do que ora ocorre, claro. Enquanto se tem tamanho descompasso entre as instituições “para suíços” e as expectativas populares tupiniquins, não se pode ter legitimidade de governo.

Veja bem o meu solitário leitor que não estou, de modo algum, colocando-me contra a tal democracia. Muito pelo contrário, aliás, na medida em que o poder do administrador público é sempre efetivamente uma concessão subsidiária da população. Até mesmo um tirano mantém-se no cargo enquanto o povo o suportar, como os casos de Ceaucescu e Mussolini deixam claro. Os três modos de governo legítimo apontados por Aristóteles e Platão – democracia, aristocracia e monarquia – são meras expressões diversas duma reta percepção da administração pública como servidora, não mestra do povo. O problema começa, todavia, quando essas formas são corrompidas e decaem nas suas formas depravadas: a democracia torna-se demagogia; a aristocracia, oligarquia; e a monarquia, tirania. Demagogia, oligarquia e tirania são abomináveis, justamente por substituírem o bem comum pelo bem pessoal dos administradores, usando o poder dado pelo povo para espoliá-lo.

Não temos nenhuma das formas retas de governo. Ao contrário, o que temos é uma infelicíssima combinação das três formas corrompidas. A próxima eleição presidencial, a julgar pela situação atual, será na prática um concurso negativo de taxas de rejeição entre dois demagogos

Voltamos, então, à questão: o que é que realmente temos no Brasil? Dado o descompasso entre a teoria e a prática do poder, creio ser inegável que não temos democracia. Mais ainda, que não temos nenhuma das formas retas de governo. Ao contrário, o que temos é uma infelicíssima combinação das três formas corrompidas. A próxima eleição presidencial, a julgar pela situação atual, será na prática um concurso negativo de taxas de rejeição entre dois demagogos. As fétidas famílias que infestam o pântano da política brasileira – dos Sarney pra baixo – e suas criaturas compõem uma oligarquia que suga o sangue dos trabalhadores e pouco ou nada lhes dá de volta. Basta ver que todo assalariado de classe média paga impostos escorchantes, mas os milionários não, ou que a maior parte do dinheiro dos pobres vai-se embora em impostos obscenamente cobrados sobre comida e remédios, água e luz.

E, finalmente, temos o que Samuel Francis batizou de “anarcotirania”. É um fenômeno já percebido por Chesterton quase 100 anos atrás, quando escreveu que, quando não valem mais as grandes leis (não matarás, não roubarás…), as pequenas tornam-se tremendamente importantes. É por isto que no Rio de Janeiro, esse laboratório do futuro, a polícia faz barreiras toda noite para punir quem tenha bebido uma latinha de cerveja acompanhando o jantar. Ao mesmo tempo e no mesmo lugar, caravanas de traficantes armados até os dentes – os “bondes” – cruzam a cidade sem que ninguém os incomode. Na cidade do Rio, quase 60% da população vive em áreas dominadas pelo tráfico ou por milícias (aliás, outro curioso exemplo de corrupção de aristocracia em oligarquia), mas o IPTU é extorsivo. E por aí vai.

Para que se possa, enfim, discernir uma saída para a péssima situação presente, é preciso primeiro entender o que o brasileiro quer do Estado. Em segundo lugar, é necessário discernir como o brasileiro vê e o que aprecia nos administradores e juízes. E, finalmente, de forma um pouco mais indireta, deve-se definir como seria para o brasileiro a forma mais natural de sucessão no poder. Com certeza o que se teria seria tremendamente diferente do castelo de cartas mirabolante que passa por sistema administrativo em nosso país. Sem democraticamente ouvir e entender as expectativas da população, contudo, não se pode nem começar a consertar uma deriva em direção alheia à nossa cultura, que se pode dizer iniciada com o Ato Adicional de 1834. Faz já um tempinho que estamos no rumo errado, mas antes tarde do que nunca.


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