sábado, 2 de maio de 2020

EX-MINISTRO DA JUSTIÇA SÉRGIO MORO VAI DEPOR HOJE NA POLÍCIA FEDERAL


Moro depõe em meio à crise institucional entre o Planalto e o Judiciário

Renato Souza 





© Ed Alves/CB/D.A Press O ex-ministro da Justiça Sergio Moro deve prestar depoimento no final da manhã deste sábado (2/5) na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, no inquérito que investiga supostos crimes cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro. O ex-juiz será questionado por dois delegados do grupo da corporação que atua nos inquéritos junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, três procuradores destacados pela Procuradoria Geral da República (PGR) também vão atuar na oitiva do ex-juiz da Lava Jato. Moro deve ser ouvido por policiais que atuam na divisão de combate ao crime organizado, o que inclui delitos de corrupção. Ele voltou a morar na capital paranaense após pedir demissão do governo Bolsonaro, na semana passada.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, destacou os procuradores João Paulo Lordelo Guimarães Tavares, Antonio Morimoto e Hebert Reis Mesquita. De acordo com informações obtidas pela reportagem, por meio de fontes na PF do Paraná, pelo menos um dos delegados que deve participar da oitiva de Moro atuou na Lava Jato, e já cumpriu determinações de Moro quando ele era juiz.
O inquérito aberto pelo Supremo vai apurar a conduta do presidente da República, Jair Bolsonaro, acusado pelo ex-ministro da Justiça de tentar interferir no trabalho da Polícia Federal e de querer acessar relatórios de inteligência. A investigação vai se concentrar na suposta prática dos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça e corrupção passiva.
Se não provar as acusações que fez, Moro pode responder por denunciação caluniosa e crime contra a honra. O ministro Celso de Mello, relator do caso no Supremo, deve determinar, ainda, o cumprimento de mandados de busca e quebras de sigilo telefônico de alguns envolvidos para colher provas.
Em meio à investigação sobre acusações feitas pelo ex-ministro Sergio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, rebateu as críticas feitas pelo ex-juiz da Lava Jato. Em nota divulgada ontem, o chefe do Ministério Público fez críticas em relação aos procedimentos realizados no caso sem citar diretamente Moro. Ele encerrou a nota com uma declaração contundente: “O procurador-geral da República, Augusto Aras, reitera que não aceita ser pautado ou manipulado ou intimidado por pessoas ou organizações de nenhuma espécie. Ninguém está acima da Constituição!”, escreveu.
Em entrevista à Veja, Moro disse ter visto uma ação “intimidatória” na peça de Aras, que pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) abertura de inquérito para investigar declarações dele que apontam supostos crimes cometidos pelo presidente. Ao enviar o requerimento de abertura de investigação à Corte, o procurador enquadrou o ex-ministro como investigado, alegando que ele pode ter cometido denunciação caluniosa e crimes contra a honra se não conseguir provar as acusações.
“Verdade real”
Juiz de primeira instância no Paraná por 22 anos e principal responsável por condenações de políticos e empresários na Lava Jato, Sergio Moro afirmou à Veja que discorda de como a peça foi apresentada ao Supremo. “Entendi que a requisição de abertura desse inquérito que me aponta como possível responsável por calúnia e denunciação caluniosa foi intimidatória”, disse. No âmbito processual, Aras vem sofrendo algumas derrotas impostas pelo ministro Celso de Mello, relator do caso no Supremo. Ao aceitar o pedido para abrir inquérito, o magistrado não mencionou a possibilidade de Moro ter cometido crime em suas declarações.
Na última quinta-feira, o ministro também atendeu a um pedido de deputados para que o ex-juiz seja ouvido em um prazo de cinco dias pela Polícia Federal. Então o procurador enviou nova peça ao Supremo afirmando que a hipótese de parlamentares solicitarem diligências não é abrangida pela legislação brasileira. Em resposta, Mello determinou que “seja transmitido ao Senhor Procurador-Geral da República o teor integral da decisão” proferida na qual ele acolheu, “em parte, o pleito ontem deduzido por ilustres congressistas”.
Em nota, publicada ontem, Augusto Aras rebateu as declarações de Moro e diz que agiu de acordo com o que prevê a legislação. “A Procuradoria-Geral da República tem o dever de averiguar todos os fatos — e as versões que lhes dão os envolvidos — em busca da verdade real. O requerimento de inquérito encaminhado ao Supremo Tribunal Federal obedece à consagrada técnica jurídica de apurar fatos, em tese, ilícitos, identificando os responsáveis e a existência ou não de sua materialidade, em busca de formar convicção sobre a ocorrência ou não de crimes”, escreveu o procurador.
O chefe do Ministério Público sustentou, ainda, que não houve ação intimidatória no pedido de abertura de inquérito. “A petição de inquérito apenas narra fatos e se contém nos limites do exercício das prerrogativas do Ministério Público, sem potencial decisório para prender, conduzir coercitivamente, realizar busca e apreensão, atos típicos de juízes – e, só por isso, não tem caráter intimidatório”, completou o texto.

Dias eletrizantes em Brasília
23 de abril
Presidente Jair Bolsonaro avisa a Sergio Moro sobre troca no comando da Polícia Federal. O ministro discorda. Em um dia de muita especulação em Brasília, informações de bastidor indicam que o ministro pode deixar o governo.
24 de abril
Às 5h, Diário Oficial da União oficializa a demissão de Maurício Valeixo do cargo de diretor-geral da PF. O decreto vem assinado tanto pelo presidente quanto por Sergio Moro. O ministro convoca uma entrevista coletiva para o final da manhã e anuncia a saída do governo. Diz que foi surpreendido pela demissão de Valeixo e não assinou o ato oficial. Horas mais tarde, o governo republica o decreto sem o nome de Moro.
No anúncio da demissão, Moro acusa o presidente de tentar interferir no comando da Polícia Federal para obter acesso a informações sigilosas e relatórios de inteligência de investigações em curso. Seis horas depois, ao lado de praticamente todos os ministros, o presidente Jair Bolsonaro admite ter pedido acesso a relatórios da PF e acusa Moro de barganhar uma vaga no Supremo.
O Procurador-geral da República, Augusto Aras, pede ao STF autorização para apurar se foram cometidos pelo presidente os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra.
27 de abril
O ministro Celso de Mello autoriza a abertura de um inquérito para investigar as declarações do ex-ministro contra Bolsonaro. Integrantes do MPF apontam que, como Aras pediu ao STF a apuração do crime de denunciação caluniosa e contra a honra, o inquérito pode se voltar contra Moro, caso as investigações não confirmem as acusações.
30 de abril
Celso de Mello determina prazo de cinco dias para o ex-ministro da Justiça prestar depoimento sobre o caso. Pela decisão, Moro deverá apresentar provas das acusações contra o presidente Jair Bolsonaro. O decano do STF atendeu a pedido de parlamentares pela redução do prazo, inicialmente até 60 dias.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

COLUNA ESPLANADA DO DIA 01/05/2020


Comício virtual

Coluna Esplanada – Leandro Mazzini







O ímpeto verbal do presidente Jair Bolsonaro conseguiu algo histórico neste 1º de Maio: reuniu contra ele os ex-presidentes Lula da Silva, Dilma Rousseff, Fernando Henrique Cardoso, o presidenciável Ciro Gomes – além do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, no pacote. Todos confirmaram participação na ‘live’ da festa dos trabalhadores das Centrais Sindicais (CUT, Força, UGT, CGT etc), a partir das 10h de hoje nas redes sociais. É a primeira vez, em décadas da tradicional festa, que as centrais saem das ruas e realiza seu evento virtualmente.
Urnas x coronavírus
O Brasil está a dois meses do prazo final para convenções e registro de candidaturas. O TSE está em alerta mas ainda não indicou se vai mudar o calendário eleitoral.
Desafio
Fato é que os partidos não estão preparados para realizar convenções online e votação virtual de delegados para escolher seus candidatos a vereadores e prefeitos.
Parques privados
O Governo federal vai conceder a administração dos parques nacionais Aparados da Serra (RS/SC) e Serra Geral (RS/SC). Está no Decreto 10.331, que os incluiu no Programa Nacional de Desestatização.
Dossiê
O ódio dos bolsonaristas contra o presidente do PSL, deputado federal Luciano Bivar (PE), parece não ter fim. Circula na praça dossiê sobre a vida privada de Bivar e de seus amigos nos últimos 30 anos. O documento foi parar nas mesas de altos gabinetes em Brasília. Citam até um envolvimento dele com uma massagista nos anos 80.
Ajuda holandesa
O Fundo COPPETEC de apoio aos hospitais da UFRJ recebeu ontem doação de 11.350 mil euros (perto de R$ 66 mil) da fundação Brasil-Holanda para aquisição de equipamentos de proteção individual de médicos e enfermeiros. O material será distribuído nas nove unidades de saúde da Federal.
Contribuição
Até ontem, o fundo já arrecadara R$ 864,3 mil – e R$ 710 mil investidos na aquisição de EPIs. Doações pelo BB, Ag. 2234-9, Conta 55.620-3; CNPJ : 72.060.999/0001-75.
Risco total
Os garis da Prefeitura do Recife não estão cumprindo as determinações quanto ao uso de máscaras para proteção contra o coronavírus. A Coluna flagrou vários caminhões de lixo com funcionários pelas ruas da capital. Pernambuco é o quarto Estado com contaminados pela Covid-19. Só perde para São Paulo, Rio de Janeiro e o Ceará.
STJ no Nobel
O ministro Moura Ribeiro, do STJ, é um dos concorrentes ao Nobel da Paz neste ano pela contribuição para o fortalecimento da teoria do Capitalismo Humanista. Seu nome foi levado à comissão norueguesa pelo advogado Ricardo Sayeg, um dos criadores da teoria. A Associação dos Magistrados Brasileiros, com 14 mil associados, enviou para a Noruega uma moção de apoio ao ministro.
Comércio futuro
Especialistas em comércio e grandes empresários já citam em palestras virtuais as perspectivas do setor pós-pandemia: As lojas serão mostruário, com e-commerce e entregas mais fortes. Haverá migração da mão de obra da Ásia para países de origem das marcas. O termo ‘insalubridade’ entra de vez nos contratos de trabalho.
Compra online
Desde o início da pandemia o site Mercado Livre conquistou 1,7 milhão de novos compradores. Os produtos campeões de buscas na América do Sul foram: Máscaras (10 milhões de buscas); Álcool em gel (8,5 milhões); Antibacterianos (3,5 milhões); e Termômetros (1 milhão).
Ficou
Quem adora o Brasil e não deve vir ao país de férias em julho (o verão dos americanos), para conhecer os novos colegas, é o âncora da CNN, Anderson Cooper. Tradicionalmente, ele passa o mês na sua casa no Quadrado, em Trancoso (BA).


BOLSONARO E OS FILHOS NO PODER


Cálculo político revelador

Rogério L. Furquim Werneck





Não lhe bastassem a pandemia e a recessão, o presidente decidiu abrir uma terceira frente, ao deflagrar grave crise política que poderá até lhe custar o mandato.
Tendo se permitido incorrer nos custos de destituir Mandetta em meio à pandemia, Bolsonaro não se deu por satisfeito. Três dias depois, aceitou ser protagonista de grotesca manifestação antidemocrática, em frente ao QG do Exército, em Brasília. E, em seguida, não teve melhor ideia do que armar novo pandemônio político que culminou na renúncia do mais popular de seus ministros.
Diante de tantos despropósitos, é natural que muitos analistas estejam tentados a crer que o presidente já não se pauta por considerações racionais. E é até possível que estejam certos. Mas, por ora, parece mais realista presumir que o presidente continua tentando ser racional, ainda que com objetivos muito estreitos, péssima assessoria e manejo lamentável dos seus recursos políticos. É uma perspectiva analítica mais promissora, porque permite vislumbrar elementos cruciais do cálculo político do Planalto que escapariam a análises baseadas na presunção de irracionalidade.
Já é hora de passar a entender Bolsonaro & Filhos como um grupo político indissociável. Tendo conquistado a Presidência da República nas condições especialíssimas da eleição de 2018, o grupo atravessou 2019 cada vez mais convicto de que o feito poderia ser repetido em outubro de 2022.
Tal convicção viria a ser fatalmente abalada pela pandemia e seus complexos desdobramentos econômicos e sociais. E, para o grupo, a brusca reversão de expectativas seria traumática.
Mandetta caiu, em parte, por ter mostrado mais sucesso do que deveria. Mas, primordialmente, por ter insistido numa linha bem fundamentada de combate à epidemia que eliminava qualquer esperança de que a economia pudesse vir a ter, em 2020, desempenho compatível com o projeto de reeleição de Bolsonaro.
Ao erro crasso da destituição de Mandetta seguiram-se novos e graves equívocos. Inseguro com a extensão do desgaste que a troca do ministro da Saúde provocara, o presidente foi convencido a ter desastrosa participação na demonstração antidemocrática de domingo, 19, em Brasília. O que lhe rendeu, já no dia seguinte, solicitação da Procuradoria-Geral da República, ao STF, de instauração de inquérito sobre os patrocinadores da demonstração.
E aqui vem a questão crucial. Por que Bolsonaro & Filhos não pararam por aí? Por que, tendo já incorrido em tanto desgaste, decidiram desencadear, em momento tão inconveniente, a disputa pelo controle da Polícia Federal (PF), que redundaria na renúncia de Moro?
Na resposta a tal indagação, faz toda diferença supor que Bolsonaro & Filhos ainda tomam decisões racionais ou que já estão entregues à inconsequência. Se a decisão de enfrentar Moro adveio de um cálculo político racional, é porque os benefícios esperados superavam com folga os custos envolvidos.
Salta aos olhos quão enormemente custosa para o Planalto foi a renúncia de Moro. É difícil que Bolsonaro & Filhos tenham se surpreendido com as proporções do desgaste político que lhes foi imposto. Se, mesmo assim, foram em frente com a decisão, é porque os benefícios que esperavam auferir com o controle da PF lhes pareciam largamente compensadores.
Como é fácil perceber, a simples suposição de que a decisão de desafiar Moro decorreu de um cálculo político racional é o que basta para entrever quão alarmado estava o Planalto com sua vulnerabilidade. E quão urgente lhe parecia assumir controle imediato e absoluto sobre a PF.
Com a suspensão da nomeação do novo diretor da PF, por liminar do STF, o oneroso episódio que redundou na renúncia de Moro converteu-se no que no mundo anglo-saxão se rotula de all-cost operation. Só custos, nenhum benefício. Por ora, Bolsonaro & Filhos voltaram a se ver tão vulneráveis como antes se viam.
É assombrado por essa vulnerabilidade que o governo, agora, terá de lidar com o avanço da pandemia e a brutal crise econômica e social que o País tem pela frente.
*ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO