segunda-feira, 1 de julho de 2019

GOVERNO BOLSONARO COMPLETA SEIS MESES


Os turbulentos primeiros seis meses do governo Bolsonaro

Atritos com Congresso, disputa por poder e poucos resultados marcaram o primeiro semestre de Bolsonaro no comando do país. Para analistas, natureza impulsiva do presidente é contraproducente.Vídeos duvidosos, grandes provérbios, muitos tuítes e pouca política de verdade. Em seis meses turbulentos como presidente, Jair Bolsonaro desperdiçou capital político e decepcionou as expectativas. O troco: apenas 32% da população considera seu trabalho ótimo ou bom, segundo pesquisa divulgada na última semana. E a tendência é cair ainda mais.

Bolsonaro funciona melhor em modo de campanha e já fala em reeleição para "manter acesa a chama", diz cientista político
A queda de popularidade não é de admirar, disse à DW o cientista político Marco Aurélio Nogueira, pois, "em seis meses, ele não fez nada". O projeto favorito do líder, a liberação de armas de fogo, fracassou até agora diante da resistência do Congresso.
E também a luta contra a corrupção, seu segundo cavalo de batalha, não avançou. "Ele não só não apresentou nada de novo, como se viu envolvido em várias encrencas", diz Nogueira.
Seu próprio partido, o PSL, teria desviado financiamento de campanha. E seu filho Flávio Bolsonaro está envolvido em transações imobiliárias duvidosas e é suspeito de empregar funcionários fantasmas em seu gabinete - incluindo membros do submundo carioca.
Isso tudo não seria tão ruim se a economia finalmente tomasse fôlego, explicou à DW o cientista político Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas. Mas esse quesito também deixa a desejar. O Banco Central acabou de reduzir a previsão de crescimento da economia para 2019 de 2% para 0,8%.
Segundo Stuenkel, os mercados apostaram no "Chicago boy" ultraliberal Paulo Guedes, mas o ministro da Economia não dispõe das liberdades esperadas. Para o cientista político, isso se deve principalmente ao próprio presidente, que prefere evitar decisões impopulares, como cortes nas aposentadorias e privatizações de empresas estatais.
"Os mercados já perceberam que Guedes tem dificuldade em implementar seus planos", aponta Stuenkel. Tendo assumido o posto como superministro, agora ele é substituível.
Guedes ficou particularmente magoado com o fato de o Congresso ter modificado sua reforma da Previdência, fazendo seu próprio esboço. Nesse contexto, os parlamentares mostram mais interesse na reforma previdenciária do que o próprio presidente.
Stuenkel diz acreditar que, provavelmente, a reforma será aprovada não graças ao governo, mas apesar dele. "Dificilmente isso será contabilizado como uma conquista de Bolsonaro", acrescenta Nogueira.
Para o analista, o novo poder adquirido pelo Congresso é uma surpresa. "Parece um pouco como se a gente tivesse, de repente, um parlamentarismo", comenta Nogueira. Essa perda de poder desagrada Bolsonaro, que reclamou que querem transformá-lo na "rainha da Inglaterra".
Bolsonaro, no entanto, não tem mostrado ter nem uma relação boa com o Congresso nem intermediários habilidosos. "Como ele se omite na questão política e administrativa, uma parte do Congresso ocupou esse espaço", diz Nogueira.
Para Stuenkel, o presidente não está em condições de trabalhar construtivamente com o Congresso. Portanto, a anunciada "nova política" fracassou. Com ela, Bolsonaro pretendia governar sem uma base firme e buscar maiorias para cada projeto de lei.
Diante dos escândalos de corrupção em torno do financiamento de campanha e partidário, ele anunciou o fim da negociação de cargos e da corrupção na política. Mas o Congresso não entrou no jogo do presidente. "Foi uma derrota atrás da outra", comenta Stuenkel.
Agora surge a pergunta: até que ponto o presidente vai recorrer à velha política para levar seus projetos adiante? "O estilo de Bolsonaro vai se ajustar lentamente à velha política. Embora ele não esteja em condições de fazê-lo", afirma Stuenkel. Pois, além de não ter habilidade e experiência, falta-lhe simplesmente o desejo de governar, acredita o cientista político.
"No fundo, ele continua sendo um negador da política. Eu duvido que ele tenha vontade de governar da maneira tradicional. Porque este é um desafio difícil, requer grande conhecimento do ser humano e o interesse em buscar consenso. Na minha opinião, ele não tem competência para isso", diz Stuenkel.
Isso também afeta a coesão do heterogêneo gabinete de governo. A constante luta pelo poder entre os antiglobalistas, os militares e os defensores do liberalismo econômico torna, atualmente, o Brasil completamente imprevisível, aponta Stuenkel. "Na política interna e externa, o país tornou-se difícil de avaliar, dada a aberta e constante luta pelo poder entre as três facções."
Recentemente, os antiglobalistas em torno de Olavo de Carvalho, guru da nova direita brasileira e inspiração intelectual de Bolsonaro e seus filhos, ganharam a dianteira, alertando contra a conspiração mundial marxista, que há muito tempo teria se infiltrado em instituições globais como as Nações Unidas, inventando mentiras como as mudanças climáticas.
Devido a isso, uma série de militares altamente condecorados e defensores de um governo mais sóbrio teve que deixar o governo. Politicamente inexperientes, eles se envolveram em disputas de poder desnecessárias com o entorno mais próximo de Bolsonaro.
Isso inclui também o ministro da Justiça, Sergio Moro, visto como estrela do gabinete ministerial em Brasília. Como juiz federal, Moro pôs atrás das grades o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, arqui-inimigo e adversário de Bolsonaro. Mas depois da recente divulgação de supostas conversas entre Moro e procuradores da Operação Lava Jato, o futuro político do ministro parece sombrio, acredita Stuenkel.
Paradoxalmente, para Bolsonaro, a fraqueza de Moro é bastante positiva, já que assim o presidente pode se destacar da antes dominante figura do ex-juiz. E, ao mesmo tempo, ele se livra do provável maior desafiante para a reeleição em 2022.
Dada as dissonâncias no gabinete de governo, Bolsonaro aposta agora cada vez mais na ocupação de postos importantes com figuras de seu "círculo interno", velhos amigos e pessoas da família.
"Fica claro que o presidente requer lealdade acima de tudo, e até mesmo pessoas competentes estão tendo de ir embora, se não elogiarem publicamente Bolsonaro", afirma Stuenkel. Especialmente os militares estão descontentes com esse obrigatório canto de louvor a Bolsonaro. "Ele prefere bajuladores que o apoiam radicalmente."
Na política externa, também há embates, como recentemente entre a chanceler federal alemã, Angela Merkel, e Bolsonaro sobre a questão do desmatamento na Amazônia. Apenas alguns anos atrás, havia uma cooperação construtiva nessa área. "Internacionalmente, o Brasil se tornou um parceiro muito difícil nos últimos meses", observa Stuenkel.
A natureza impulsiva de Bolsonaro é contraproducente, considera o cientista político. "Ele prefere buscar o confronto e o caos, criando publicamente inimigos. Esse é o estilo dele, e não deve mudar muito."
Especialmente por se distanciar do debate climático e se retirar do pacto de migração da ONU, o país ficou isolado, aponta Stuenkel. "O Brasil sempre foi sinônimo de confiabilidade e previsibilidade, apostando sempre na cooperação internacional. O Brasil não está mais desempenhando um papel construtivo internacionalmente", diz.
Da mesma forma que seu ídolo Donald Trump, Bolsonaro parece funcionar melhor em modo de campanha do que na rotina diária do governo e já está falando sobre sua reeleição em 2022.
"Como ele não está conseguindo apresentar nada concreto, falar na candidatura de 2022 é manter a chama acesa", afirma Nogueira. "É dar oxigênio aos seguidores dele."



TRUMP E KIM-JONG-UN SE CUMPRIMENTAM NA FRONTEIRA ENTRE AS DUAS CORÉIAS.


Trump dá 20 passos com Kim e reabre negociação nuclear

Presidente americano torna-se o primeiro líder de seu país a pisar em território norte-coreano, formalmente um terreno inimigo
SEUL - Durante décadas, os presidentes dos EUA que visitaram a Zona Desmilitarizada, dividindo a Península Coreana, seguiram o mesmo manual: usar binóculos para ver os guardas norte-coreanos, manter um olhar severo e advertir Pyongyang contra provocações. Donald Trump rompeu o precedente ontem, tornando-se o primeiro líder americano no cargo a pisar na Coreia do Norte. O terceiro encontro com o ditador Kim Jong-un representa a reabertura das negociações entre os países.

"Atravessar essa linha foi uma grande honra", disse Trump, referindo-se aos 20 passos dados ao lado de Kim em território que formalmente ainda é inimigo. Ele elogiou o ditador norte-coreano e convidou-o para visitar a Casa Branca. O encontro durou pouco mais de uma hora.
 Trump e Kim se cumprimentam na fronteira entre as Coreias
Trump demonstrou irritação com comentários de que suas propostas para Kim não levaram a nenhuma medida significativa para acabar com o programa nuclear da Coreia do Norte. Em quase todas as vezes em que Trump apareceu diante das câmeras, incluindo o ponto de observação da DMZ, queixou-se de não ter recebido crédito suficiente por desarmar as tensões na Península Coreana.
"Houve um grande conflito aqui antes da nossa reunião em Cingapura", disse Trump sobre seu primeiro encontro com Kim no ano passado. Ele repetidamente criticou Barack Obama, dizendo que o ex-presidente tinha buscado reuniões com Kim, mas fora rejeitado. A alegação é refutada pelo vice-conselheiro de segurança nacional de Obama, Ben Rhodes.
Segundo reportagem do New York Times, por trás do encontro aparentemente sem planejamento estaria uma ideia que tem ganhado força dentro da administração Trump de que Washington passaria a aceitar o status quo, ou seja, a Coreia do Norte como uma nação nuclear, em troca de não desenvolver novas armas. Segundo o jornal, esse conceito poderia ser a base para a nova fase de negociações entre Trump e Kim. Membros do governo republicano têm afirmado com frequência que isso seria algo inaceitável.
O maior sucesso da reunião na DMZ foi um acordo para retomar as conversas, que não deram em nada desde que Trump saiu de uma cúpula em fevereiro com Kim em Hanói. Aquele encontro fracassou depois de Trump rejeitar o pedido de Kim de ajuda humanitária em troca do desmantelamento apenas do principal complexo nuclear da Coreia do Norte em Yongbyon.
Embora a retomada das negociações seja uma conquista, um alto funcionário do governo americano disse que a Coreia do Norte ainda não articulou o que para ele representaria uma verdadeira "desnuclearização".

Ceticismo

A próxima rodada de negociações "não terá nenhum resultado se a Coreia do Norte voltar com a mesma posição", disse Chun Yung-Woo, ex-negociador-chefe nuclear da Coreia do Sul com a Coreia do Norte. A Coreia do Norte continuou a construir "sem tréguas" seu arsenal nuclear, afirmou. "No geral, foi mais espetáculo e percepção do que diplomacia a sério", disse Chun. "Vou julgar o resultado com base em como a reunião se traduzirá no congelamento da produção de material físsil e na redução das capacidades nucleares da Coreia do Norte."
Trump disse que as sanções continuariam contra a Coreia do Norte, embora ele tenha indicado que poderia amenizá-las em algum ponto. O presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, que participou de parte da conversa, tentou propor um caminho, sugerindo que Kim poderia obter alívio das sanções depois de "desmantelar completamente Yongbyon".
Kim resistiu até agora, em busca de melhores condições. Ele não ofereceu nenhuma indicação de que renunciaria a armas nucleares que o regime considera essenciais a sua sobrevivência. Recentemente, deu aos EUA um prazo até o fim do ano para apresentar uma oferta melhor.
Sem um progresso em direção a um acordo, as repetidas reuniões de Trump com Kim, servem para polir a reputação do ditador. Analistas dizem que o presidente americano corre o risco de passar a impressão de que os EUA aceitaram o status da Coreia do Norte como um país com armas nucleares.
Kim enfrenta alguma pressão política. Ele saiu de mãos vazias depois de enconrar Trump duas vezes, na esperança de ganhar alívio nas sanções internacionais. "Em algum momento, os apertos de mão terão de levar a resultados benéficos reais para ajudar a justificar a permanência nesse caminho", disse Jenny Town, editora-chefe do 38 North, site que fornece análise técnica e política sobre a Coreia do Norte.
A Coreia do Sul chamou o encontro de "uma flor de esperança para a Península Coreana". Horas depois, o regime norte-coreano classificou a reunião como "histórica" e "surpreendente". Ivanka Trump, que acompanhou o pai à DMZ com seu marido e conselheiro presidencial Jared Kushner, considerou a experiência "surreal".
Mintaro Oba, ex-diplomata americano que trabalhou em questões da Península Coreana, disse que Trump estava engajado em uma "diplomacia de desfibrilador" que mantém o processo vivo sem "tratar a doença subjacente". "Está claro que os dois lados ainda não avançaram em nenhum dos principais problemas, como diferenças em relação ao alívio de sanções", disse Oba. "Se os negociadores em operação não tiverem um mandato para lidar com esses problemas, é difícil ver a atmosfera positiva entre os líderes ser traduzida em resultados reais."

Repercussão

Em Washington, o encontro foi recebido com cautela pelos republicanos. Um dos senadores mais próximos de Trump, Lindsey Graham, aprovou a retomada do diálogo com o norte-coreano, mas ressaltou que o objetivo da Casa Branca deve ser a desnuclearização do país. Do lado democrata, a iniciativa foi usada pelos vários pré-candidatos à presidência para criticar o governo. / BLOOMBERG e EFE

Frases do encontro

"É bom ver você de novo. Nunca esperei encontrá-lo neste lugar"
"Isso (cruzar a fronteira) tem muito significado porque quer dizer que nós queremos pôr um fim ao passado desagradável e tentar criar um novo futuro. Então, esse é um ato muito corajoso e determinado"
Kim Jong-un
"Eu disse: 'Quer que eu cruze a linha?' Ele respondeu: 'Me sentirei muito honrado se você cruzar'. Eu realmente não sabia o que ele ia me dizer"
"Cruzar aquela linha foi uma grande honra. Um grande progresso foi feito. Essa tem sido uma grande amizade, em particular"
"Se ele não aparecesse, a imprensa ia me fazer parecer muito mal"
Donald Trump
"Acho que (negociadores) estão (vivos). Posso te dizer que a principal pessoa está. E espero que o restante esteja também"
Trump (ao ser questionado se negociadores norte-coreanos ainda estão vivos, após rumores de que teriam sido executados após o fracasso do encontro no Vietnã)