Trump dá 20 passos com Kim e reabre negociação nuclear
Presidente americano
torna-se o primeiro líder de seu país a pisar em território norte-coreano,
formalmente um terreno inimigo
SEUL - Durante décadas, os presidentes dos EUA que visitaram a Zona
Desmilitarizada, dividindo a Península Coreana,
seguiram o mesmo manual: usar binóculos para ver os guardas norte-coreanos,
manter um olhar severo e advertir Pyongyang contra provocações. Donald Trump
rompeu o precedente ontem, tornando-se o primeiro líder americano no
cargo a pisar na Coreia do Norte. O terceiro encontro com o ditador
Kim Jong-un representa a reabertura das negociações entre os países.
"Atravessar
essa linha foi uma grande honra", disse Trump, referindo-se aos 20 passos
dados ao lado de Kim em território que formalmente ainda é inimigo. Ele elogiou
o ditador norte-coreano e convidou-o para visitar a Casa Branca. O encontro
durou pouco mais de uma hora.
Trump e Kim se cumprimentam na fronteira entre as Coreias
Trump demonstrou
irritação com comentários de que suas propostas para Kim não levaram a nenhuma
medida significativa para acabar com o programa nuclear da Coreia do Norte. Em
quase todas as vezes em que Trump apareceu diante das câmeras, incluindo o
ponto de observação da DMZ, queixou-se de não ter recebido crédito suficiente
por desarmar as tensões na Península Coreana.
"Houve um
grande conflito aqui antes da nossa reunião em Cingapura", disse Trump
sobre seu primeiro encontro com Kim no ano passado. Ele repetidamente criticou
Barack Obama, dizendo que o ex-presidente tinha buscado reuniões com Kim, mas
fora rejeitado. A alegação é refutada pelo vice-conselheiro de segurança
nacional de Obama, Ben Rhodes.
Segundo reportagem
do New York Times, por trás do encontro aparentemente sem planejamento
estaria uma ideia que tem ganhado força dentro da administração Trump de que
Washington passaria a aceitar o status quo, ou seja, a Coreia do Norte como uma
nação nuclear, em troca de não desenvolver novas armas. Segundo o jornal, esse
conceito poderia ser a base para a nova fase de negociações entre Trump e Kim.
Membros do governo republicano têm afirmado com frequência que isso seria algo
inaceitável.
O maior
sucesso da reunião na DMZ foi um acordo para retomar as conversas, que não deram
em nada desde que Trump saiu de uma cúpula em fevereiro com Kim em Hanói.
Aquele encontro fracassou depois de Trump rejeitar o pedido de Kim de ajuda
humanitária em troca do desmantelamento apenas do principal complexo nuclear da
Coreia do Norte em Yongbyon.
Embora a retomada das negociações seja uma conquista, um alto
funcionário do governo americano disse que a Coreia do Norte ainda não
articulou o que para ele representaria uma verdadeira
"desnuclearização".
Ceticismo
A próxima rodada de negociações "não terá nenhum resultado
se a Coreia do Norte voltar com a mesma posição", disse Chun Yung-Woo,
ex-negociador-chefe nuclear da Coreia do Sul com a Coreia do Norte. A Coreia do
Norte continuou a construir "sem tréguas" seu arsenal nuclear,
afirmou. "No geral, foi mais espetáculo e percepção do que diplomacia a
sério", disse Chun. "Vou julgar o resultado com base em como a
reunião se traduzirá no congelamento da produção de material físsil e na
redução das capacidades nucleares da Coreia do Norte."
Trump disse que as sanções continuariam contra a Coreia do Norte,
embora ele tenha indicado que poderia amenizá-las em algum ponto. O presidente
da Coreia do Sul, Moon Jae-in, que participou de parte da conversa, tentou
propor um caminho, sugerindo que Kim poderia obter alívio das sanções depois de
"desmantelar completamente Yongbyon".
Kim resistiu até agora, em busca de melhores condições. Ele não
ofereceu nenhuma indicação de que renunciaria a armas nucleares que o regime
considera essenciais a sua sobrevivência. Recentemente, deu aos EUA um prazo
até o fim do ano para apresentar uma oferta melhor.
Sem um progresso em direção a um acordo, as repetidas reuniões de
Trump com Kim, servem para polir a reputação do ditador. Analistas dizem que o
presidente americano corre o risco de passar a impressão de que os EUA
aceitaram o status da Coreia do Norte como um país com armas nucleares.
Kim enfrenta alguma pressão política. Ele saiu de mãos vazias
depois de enconrar Trump duas vezes, na esperança de ganhar alívio nas sanções
internacionais. "Em algum momento, os apertos de mão terão de levar a
resultados benéficos reais para ajudar a justificar a permanência nesse
caminho", disse Jenny Town, editora-chefe do 38 North, site que fornece análise
técnica e política sobre a Coreia do Norte.
A Coreia do Sul chamou o encontro de "uma flor de esperança para a
Península Coreana". Horas depois, o regime norte-coreano classificou a
reunião como "histórica" e "surpreendente". Ivanka Trump,
que acompanhou o pai à DMZ com seu marido e conselheiro presidencial Jared
Kushner, considerou a experiência "surreal".
Mintaro Oba, ex-diplomata americano que trabalhou em questões da
Península Coreana, disse que Trump estava engajado em uma "diplomacia de
desfibrilador" que mantém o processo vivo sem "tratar a doença
subjacente". "Está claro que os dois lados ainda não avançaram em
nenhum dos principais problemas, como diferenças em relação ao alívio de
sanções", disse Oba. "Se os negociadores em operação não tiverem um
mandato para lidar com esses problemas, é difícil ver a atmosfera positiva
entre os líderes ser traduzida em resultados reais."
Repercussão
Em
Washington, o encontro foi recebido com cautela pelos republicanos. Um dos
senadores mais próximos de Trump, Lindsey Graham, aprovou a retomada do diálogo
com o norte-coreano, mas ressaltou que o objetivo da Casa Branca deve ser a
desnuclearização do país. Do lado democrata, a iniciativa foi usada pelos
vários pré-candidatos à presidência para criticar o governo. / BLOOMBERG e EFE
Frases do encontro
"É bom ver você de novo. Nunca esperei encontrá-lo neste
lugar"
"Isso (cruzar a fronteira) tem muito significado porque quer
dizer que nós queremos pôr um fim ao passado desagradável e tentar criar um
novo futuro. Então, esse é um ato muito corajoso e determinado"
Kim Jong-un
"Eu disse: 'Quer que eu cruze a linha?' Ele respondeu: 'Me
sentirei muito honrado se você cruzar'. Eu realmente não sabia o que ele ia me
dizer"
"Cruzar
aquela linha foi uma grande honra. Um grande progresso foi feito. Essa tem sido
uma grande amizade, em particular"
"Se ele não aparecesse, a imprensa ia me fazer parecer muito
mal"
Donald Trump
"Acho que (negociadores) estão (vivos). Posso te dizer que a
principal pessoa está. E espero que o restante esteja também"
Trump (ao ser questionado se negociadores
norte-coreanos ainda estão vivos, após rumores de que teriam sido executados
após o fracasso do encontro no Vietnã)
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