Laudo
autentica provas em caso de terreno do Instituto Lula
Estadão Conteúdo
O laudo de perícia
nos arquivos do Drousys e do MyWebDay, os sistemas de comunicação e o de
contabilidade do setor de propinas da Odebrecht apresentado pela Polícia
Federal na sexta-feira (23) à Justiça Federal, confirma a
autenticidade das provas entregues da mega delação da empreiteira, no processo
em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de receber R$ 12,2
milhões na compra de um terreno que serviria de sede para o Instituto Lula, em
São Paulo. O documento, de 325 páginas, marca uma das etapas finais da segunda
ação penal em que o ex-presidente Lula será julgado pelo juiz federal Sérgio Moro
por corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato.
O laudo 335/2018, do Setor Técnico-Científico da PF do Paraná, pode encerrar a
fase de diligências - que antecede a sentença de Moro - e, na avaliação de
advogados e investigadores ouvidos em reservado pela reportagem, aprofunda os
elementos que indicam o setor de propinas da Odebrecht como origem de parte dos
recursos da compra - depois desfeita - do terreno da Rua Haberbeck Brandão,
178.
O documento afasta ainda a tese que buscava invalidar o material entregue pela
Odebrecht e seus delatores no acordo de colaboração fechado com o Ministério
Público Federal sob o argumento de que ele havia sido violado, segundo apurou a
reportagem.
Lula é acusado nesse segundo processo da Lava Jato de Curitiba de corrupção
passiva e lavagem de dinheiro por ter sido supostamente beneficiado no esquema
de cartel e corrupção da Petrobrás com o acerto de R$ 12,4 milhões em propinas
da Odebrecht. A maior parte na compra no terreno e R$ 504 mil na compra do
apartamento ocupado por ele vizinho ao seu, no Edifício Hill House, em São
Bernardo do Campo.
O imóvel, adquirido em 2010, em nome de Glaucos da Costamarques Bumlai, que
também atuou na compra do terreno, mas foi substituído pela construtora do
amigo de Marcelo Odebrecht DAG Construtora, é usado pelo ex-presidente desde
2003, pelo menos. Para Lava Jato, Glaucos, primo do amigo de Lula José Carlos
Bumlai, é "laranja" e nunca recebeu aluguel pelo imóvel.
O laudo pericial entregue à Justiça confirma que os dados que constam no
processo sobre a origem dos R$ 12 milhões usados pela DAG para compra do
terreno e dos R$ 500 mil usados por Glaucos para adquirir o apartamento tiveram
origem na Odebrecht, parte dele no Setor de Operações Estruturadas - a máquina
de fazer propinas do grupo, que em dez anos movimentou R$ 10 bilhões, segundo
confessaram os delatores.
A perícia foi feita nos arquivos fornecidos pela Odebrecht à Lava Jato do
Drousys e o MyWebDay. Eles são sistemas de informática distintos, mas
relacionados. A denúncia contra Lula explica que o primeiro "funcionava
para alimentar e controlar os dados financeiros relativos à contabilidade
paralela" e o segundo para a comunicação entre o setor de propinas,
executivos e doleiros e controladores de contas.
"O sistema Drousys consistia em máquinas virtuais, inicialmente abrigado
em data center localizado na Suíça e depois migrado para a Suécia, que
proporcionava e-mail e bate-papo, o que, como referido, era usado para a
finalidade de comunicação pela equipe do Setor de Operações Estruturadas."
O laudo feito na fase final do processo confirma que são autênticos os
documentos entregues na delação premiada da Odebrecht e constantes na denúncia
do MPF que indicam a origem dos recursos da compra, no setor de propinas,
passando pela DAG, até chegar à offshore Beluga Holdings LTD, pertencente a
Mateus Claudio Gravina Baldassarri, um dos proprietários do imóvel , por
intermédio da empresa ASA - Agência Sul Americana de Publicidade.
Confirmou ainda a autenticidade do repasse de R$ 1,034 milhão, via DAG
Construtora, a Glaucos da Costamarques e ao escritório Teixeira, Martins
Advogados, do compadre de Lula Roberto Teixeira, réu também no processo que
atuou na negociação, acusado de lavagem de dinheiro.
"O montante de R$ 1.034.000,00 é compatível com a soma de dois valores
repassados pela empresa DAG Construtora para Glaucos da Costamarques (R$
800.000,00) e Teixeira, Martins Advogados (R$ 234.000,00). Estes valores foram
corroborados com a movimentação bancária da DAG Construtora", informa o
laudo.
A defesa de Lula afirma que a cobertura usada pelo ex-presidente é alugada de
Glaucos Costamarques. Glaucos, no entanto, disse em depoimento que nunca
recebeu aluguel. O Instituto Lula nunca usou o prédio comprado pela Odebrecht
em nome da DAG e, em depoimento, Lula afirmou que chegou a visitar o imóvel,
mas considerou a localização inadequada e, por isso, não aceitou.
O documento entregue à Justiça servirá para o juiz federal Sérgio Moro analisar
a acusação do Ministério Público Federal contra Lula. Já a Odebrecht confirmou
em sua delação que comprou o terreno por acerto feito com o ex-ministro Antonio
Palocci, que era o "gerente" da conta que a empresa tinha com o PT e
Lula por seus negócios com o governo. Identificado como "Italiano", foi
ele quem deu aval para a compra pela empreiteira.
O ex-presidente aparece nas planilhas do setor de propinas como
"Amigo", referência à sua amizade com o patriarca do grupo, Emílio
Odebrecht.
Foi Moro quem pediu que os peritos avaliassem seu os arquivos continham
"documentos ou lançamentos que possam estar relacionados com o
objeto" da ação penal.
Um dos elementos descobertos na triagem feita nos arquivos entregues pela
Odebrecht está a descoberta da origem de R$ 150 mil determinados para serem
pagos da última parcela de três de R$ 1,057 milhão, que saíram do Setor de
Operações Estruturadas, que foram repassados para a DAG - do total de R$ 12
milhões.
Um e-mail encontrado nos arquivos foi destacado pelo laudo, há referência a um
valor de R$ 150 mil no sistema Drousys. A mensagem é de 14 de janeiro de 2011 e
foi encaminhada pelo codinome Waterloo (ex-executivo da Odebrecht Fernando
Miglicaccio) para Tumaine (a secretaria do setor de propinas Angela Palmeira) e
Tulia (secretaria do setor Maria Lucia Tavares), com cópia para Vinho
(possivelmente, o doleiro Alvaro Novis). Assunto: "Crédito
Paulistinha".
"É necessário apontar três detalhes, no referido e-mail, que poderiam
indicar que os R$ 150.000,00 seriam parte dos R$ 1.057.920,00", informa o
laudo.
"Em primeiro lugar, a proximidade temporal com os demais pagamentos. O
segundo indício seria o envolvimento da pessoa de João Lovera, o mesmo apontado
no manuscrito e diversas vezes citado com papel ativo na negociação de um dos
imóveis objeto da Ação Penal e a citação a MO (Marcelo Odebrecht). Finalmente,
há referência à palavra 'TERRENO', conforme pode ser atestado no e-mail."
Essa descoberta do laudo completa outra perícia feita pelo setor da PF, que
havia descoberto uma fórmula matemática no setor de propinas da Odebrecht
vinculada à "Planilha Italiano", codinome de Palocci, que chegou a
ter R$ 200 milhões em créditos de propinas ao PT, segundo Marcelo Odebrecht e
Emílio Odebrecht.
Intactos
A perícia foi requisitada após a defesa questionar sua validade e problemas no
material. Moro determinou em 2017 os peritos fizessem uma descrição geral dos
sistemas Drousys e do MyWebDay usados pela Odebrecht e disponibilizados ao MPF.
Questionou ainda que fosse analisada a autenticidade dos arquivos eletrônicos e
buscadas informações sobre eventuais alterações. Os advogados de Lula chegaram
a pedir a suspensão da perícia no início do ano, mas o juiz negou e informou
que o pedido não 'fazia o menor sentido'.
A perícia constatou que o material está intacto do ponto de vista das provas
relevantes para o processo. "Foram identificados 842 arquivos, de um total
de 1.912.667 arquivos, correspondendo a 0,043%, que apresentam não
conformidades", diz a perícia. As alterações não atingem dados
questionados, no entanto.
O laudo tem 321 páginas e foi feito nos 11 HDs e 2 pen drives entregues pela
Odebrecht. Sete peritos criminais federais das áreas de contabilidade e
informática trabalharam no documento: Rodrigo Lange, Edmar Edilton da Silva,
Roberto Brunori Junior, Ronaldo Rosenau da Costa, Aldemar Maia Neto, Ivan
Roberto Ferreira Pinto e Ricardo Reveco Hurtado. O material, sob coordenação do
chefe do setor, Fábio Augusto da Silva Salvador, foi concluído na quinta-feira,
22, e anexado ao processo na sexta-feira, 23.
O juiz Sergio Moro deu prazo de 15 dias para a defesa de Lula e para o MPF
analisarem os arquivos periciados.
Com a palavra, o advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula
"A perícia realizada pela Polícia Federal nos autos da Ação Penal nº
5063130-17.2016.4.04.7000/PR, não estabeleceu qualquer vínculo entre contratos
da Petrobrás com os imóveis indicados na denúncia e muito menos apontou o
pagamento de qualquer vantagem indevida a Lula, como sempre foi afirmado pela
defesa do ex-presidente.
Lula jamais solicitou ou recebeu da Odebrecht ou de qualquer outra empresa
imóvel destinado ao Instituto Lula, que funciona no mesmo local desde 1991.
Tampouco solicitou ou recebeu a propriedade do apartamento que é locado pela
família, mediante o pagamento de aluguéis.
Lula jamais praticou qualquer ato para favorecer a Odebrecht ou qualquer outra
empresa no cargo de Presidente da República, tampouco pediu ou solicitou
vantagens indevidas.
A mesma perícia destacou que não conseguiu 'colocar em funcionamento o sistema
MyWebDay' e que a análise foi realizada com base 'fragmentos de relatórios
financeiros, todos em formato PDF' entregues pela Odebrecht, que não servem
para fazer prova de qualquer fato. Reforça esse entendimento os peritos da
Polícia Federal terem identificado arquivos que foram modificados após o MPF
ter recebido o material da Odebrecht (página 82 do laudo)".