NET-ATIVISMO: Ação
colaborativa em redes digitais – Não tem uma lógica – vai se definindo à medida
que vai ocorrendo alguma coisa.
As Jornadas de Junho/2013
foi um movimento espontâneo, sem líderes, que agregou pessoas diferentes em
torno das seguintes reivindicações: Mobilidade (Transporte), Educação,
Segurança Pública e Saúde e não à Copa do Mundo no Brasil. Estes manifestantes
não querem o poder – o que eles querem?
Net-ativismo. De uma
política antropocêntrica para uma lógica virtual plural. Entrevista especial
com Massimo Di Felice
“A
grande transformação da nossa época se expressa não apenas por meio de uma
mudança de pensamento, mas pela alteração de uma condição habitativa e,
portanto, pela passagem de um estatuto ecológico antropocêntrico para outro
estatuto, mais amplo e mais complexo”, assegura o sociólogo.
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“A razão política europeia moderna” e “antropocêntrica”, que “limita” ao
humano a atividade política, a qual “gerou a urbanização antes, a
industrialização depois e a destruição das biodiversidades atualmente”, que
pensou o “meio ambiente, a técnica, os animais como objeto, meio para a
realização de sua própria ação”, “chegou hoje ao fim e marca um dos principais
significados da crise da civilização ocidental”, diz o sociólogo Massimo Di Felice à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail. Surge
em seu lugar, como tentativa de superar a política moderna, “uma lógica
virtual, que é plural, se alimenta do presente e não possui ideologia além
daquela produzida no presente pelo ato impulsivo de interação conectiva”.
Na interpretação do
pesquisador, o imaginário político e social europeu desenvolveu um imaginário
antropocêntrico, “excluindo completamente os outros membros constituidores do
hábitat natural (biodiversidades, animais, vegetais, inorgânicos) e colocando-os
na posição de objetos receptores da ação política dos atores-humanos”.
Entretanto, esta antropologia tradicional parece estar em processo de mudança
desde o advento da internet à medida que o mundo está passando de uma visão
“política antropocêntrica e limitada à ação humana para uma dimensão que
incluía os membros não humanos”.
O conceito de net-ativismo, nesse sentido, pode apontar uma nova contribuição
para a democracia, apesar de surgirem duas compreensões divergentes acerca do
que vem a ser tal contribuição.
Segundo ele, “ao
edificar uma nova ecologia, que representa a alteração da condição habitativa
produzida pela cultura ocidental, as redes digitais conectivas podem significar
o advento de uma qualitativa transformação, não apenas pela dimensão política.
Esta nova condição habitativa que experimentamos pode significar a
possibilidade da construção de uma nova epistemologia, que interprete o
conjunto das atividades que se desenvolvem na bioesferas entre atores de
diversas naturezas como a possiblidade de repensar o estatuto da nossa dimensão
humana”.
Massimo Di Felice é graduado em sociologia pela Università degli Studi La Sapienza, doutor em Ciências
da Comunicação pela Universidade de São Paulo - USP e
tem pós-doutorado em Sociologia pela Universidade Paris Descartes V, Sorbonne.
Atualmente leciona na USP e é professor visitante na Libera Università di Lingue e
Comunicazione - IULM de Milão e professor convidado na Universidade Nacional de Córdoba, Argentina.
Confira
a entrevista.
IHU
On-Line - As ideologias políticas foram superadas? Como e desde quando?
Massimo
Di Felice - Em primeiro lugar, gostaria de agradecer pela oportunidade que a
qualidade destas perguntas oferece de poder explicar melhor, a mim mesmo e aos
leitores, o significado das questões e dos estudos que venho produzindo sobre a
temática do net-ativismo. O formato da
entrevista nos obriga a ir direto ao ponto e a fazer um esforço de
simplificação dos conceitos e das ideias. A resposta a esta primeira questão é
articulada.
Isto é, a crise das ideologias políticas é provocada por um
conjunto de fatores. Em primeiro lugar, a crise das ideologias, não somente
daquelas políticas, é abordada no final do século XX. Penso a obra de F. Lyotard, que aborda a crise das meta-narrativas,
indicando-a como a expressão do advento de uma complexidade global sem síntese
e, sobretudo, como a expressão de uma crise profunda do pensamento positivista
europeu, que ordenava o mundo a partir de conceitos e categorias considerados
universais e objetivos (como o marxismo, a psicanálise, o liberalismo, etc.).
Esta perspectiva de Lyotard demonstra
que não apenas a política aponta para a crise de um tipo particular de
episteme, e que, portanto, a partir desse ponto de vista, se coloca próxima da
crítica que Popper produz no âmbito da filosofia da ciência.
Trata-se, assim, de uma crítica não apenas política, mas epistêmica à forma e
ao método da razão ocidental. Um segundo significado da crise das ideologias
políticas é aquele produzido por Vattimo, que na obra A sociedade transparente faz
coincidir a crise da modernidade com a crise da concepção unitária da história
e com a crise do colonialismo europeu, ou seja, com a crise da concepção
europeia da história. Este segundo significado aponta para outro tipo de crise,
que diz respeito ao contexto e às origens, geográficas e culturais, das
ideologias políticas da época moderna. Estas, de fato, surgiram na Europa, no
âmbito da cultura iluminista, e se desenvolveram no âmbito industrial e no
interior da razão positivista. Este aspecto me parece importante, porque
atribui às principais ideologias políticas da modernidade uma origem e
características culturais específicas, isto é, europeia e não universais.
A recepção de tal análise, hoje, no contexto latino-americano, é
extremamente importante, pois nos permite refletir sobre um elemento
significativo, o qual podemos sintetizar desta maneira: as ideologias políticas
e a cultura política latino-americana, quase sem exceções, se formaram
basicamente através da transposição mecânica e acrítica das ideologias
europeias, baseadas no modelo iluminista e positivista. De S. Bolivar até as democracias contemporâneas,
passando pelos diversos tipos de marxismo e de liberalismo, os países do
hemisfério Sul da América não produziram uma concepção política própria,
limitando-se à imitação dos modelos e dos paradigmas que vinham do velho Continente.
Se esse foi um processo normal na época moderna, que aconteceu quase
naturalmente no interior dos processos de modernização dos diversos países
latino-americanos, hoje, no âmbito contemporâneo — depois da difusão e da
consolidação das democracias constitucionais e das crises mundiais das
ideologias —, a ausência de um debate e de uma proposta na busca de uma via
democrática e política envolvendo as práticas e os valores das diversas
culturas que enriquecem o universo destes países se torna algo incompreensível.
Não apenas como explicitado por Vattimo, as
ideologias políticas modernas são europeias e, portanto, portadoras de uma
específica visão de mundo. Porém estas nasceram num âmbito culturalmente
homogêneo, como o âmbito dos contextos culturais europeus, não contemplando,
portanto, a diversidade cultural como um elemento central. Ao contrário, a
tradição política europeia fundou-se sobre o princípio de igualdade e sobre a
uniformidade linguística e identitária.
O significado da crise da ideologia política na América Latina também remete, portanto, a um
significado cultural e antropológico que marca claramente a diferença entre o
contexto sociocultural latino-americano, composto por povos, etnias e culturas
diversas, e aquele originário europeu no interior do qual surgiram as
principais ideologias políticas da modernidade. Existe, enfim, mais um
significado a respeito da crise da ideologia política, este provavelmente ainda
mais profundo e que tem a ver com a superação do caráter antropomórfico, próprio
da narrativa política ocidental. Desde a Atena de Péricles, o imaginário político e social europeu
desenvolveu um imaginário antropocêntrico, que reduzia o cosmo e o universo à
dimensão dos debates das ideias e ao conjunto de deliberações dos cidadãos
humanos, excluindo completamente os outros membros constituidores do hábitat
natural (biodiversidades, animais, vegetais, inorgânicos) e
colocando-os na posição de objetos receptores da ação política dos
atores-humanos. M. Serres, no Contrato Social; B. Latour, em Política das Naturezas; I. Stenger, no seu
conceito de cosmopolítica, descrevem a passagem de uma política antropocêntrica
e limitada à ação humana para uma dimensão que incluía os membros não humanos e
apontam para a necessidade de pensar a ação e as atividades sociais no interior
de uma dimensão de complexidade que expresse as dimensões de uma condição
habitativa ecológica, e não apenas urbana ou nacional.
Este último significativo da crise da ideologia política exprime a
passagem qualitativa de uma condição que limitava o mundo às representações do
humano e suas dimensões para uma dimensão que abrange a inteira biosfera e a
própria Gaia (J. Lovelock). Esta é, a meu ver, a
grande transformação da nossa época, que se expressa não apenas por meio de uma
mudança de pensamento, mas pela alteração de uma condição habitativa e,
portanto, pela passagem de um estatuto ecológico antropocêntrico para outro estatuto,
mais amplo e mais complexo.
IHU
On-Line - O que é o net-ativismo e de que forma contribui para a democracia?
Massimo
Di Felice - Começarei com a segunda parte da pergunta, relativa à contribuição
do net-ativismo para a democracia. Existem duas
linhas opostas. Uma que pensa que o acesso aos dados e a tomada coletiva da
palavra provocados pelo digital sejam, de fato, a ampliação da esfera pública
moderna e a constituição de uma nova esfera digital de participação e interação (M. Castells, P. Levy), mais
aberta e horizontal, capaz de realizar tecnologicamente as promessas de
inclusão e de participação da democracia ocidental.
A segunda linha de interpretação trata da relação entre net-ativismo e democracia ao contrário: podemos
pensá-la a partir do último significado de crise das ideologias políticas, que
acabamos de relacionar com as políticas da natureza de Latour, a teoria de Gaia de J. Lovelock,
o contrato natural de M. Serres e, sobretudo,
com o conceito de cosmopolítica de I. Stenger.
Nesta perspectiva, o net-ativismo pode
ser entendido não como a ampliação da esfera pública, mas como a arquitetura de
uma nova condição habitativa e de um particular novo tipo de ação, que reúne
indivíduos em dispositivos, banco de dados e territorialidades.
Assim, o net-ativismo não é
pensado como a ampliação ou o aprimoramento da democracia ocidental, mas, ao
contrário, como a sua superação enquanto expressão de um tipo de social não
mais apenas antropomórfico, mas ampliado a uma dimensão maior, não apenas
representativa ou opinativa. Esta passagem marca a crise do modelo democrático
desenvolvido no ocidente que, apesar de determinar o alcance de formas mais
inclusivas e não violentas de participação, resulta hoje insuficiente para
alcançar os desafios ecológicos da nossa contemporaneidade e para acompanhar os
desejos e as possibilidades tecnológicas de participação nos âmbitos comunicativos digitais.
IHU
On-Line - Quais são as principais formas de net-ativismo e como elas se
desdobram em países como Brasil, França, Itália e Portugal?
Massimo
Di Felice - Numa recente pesquisa internacional, coordenada pelo Centro de Pesquisa Atopos, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo —
e que reuniu importantes centros de pesquisa internacionais —, foram
identificadas algumas características comuns que marcaram a qualidade das ações
net-ativistas nestes diversos países.
A pesquisa obteve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo - FAPESP, foi desenvolvida durante os anos de
2011 a 2013 e contou com a participação dos coordenadores de três centros de
pesquisas envolvidos no projeto, a saber: Prof. José Bragança de Miranda,
do Centro de Estudos de Comunicação e Linguagem – CECL, da Universidade Nova de Lisboa; Prof. Alberto Abruzzese, do Núcleo Italiano de Midiologia - N.I.M., da Universidade de Milão; Prof.
Michel Maffesoli, do Centro de Estudos sobre o Atual
e o Cotidiano - CeaQ, daUniversidade Sorbonne,
Paris.
A pesquisa internacional desenvolveu um estudo comparativo sobre a
qualidade da ação nestes diversos países. Aprimeira característica foi
identificada na particular ecologia de tais ações e nas suas múltiplas
localidades. Estas têm como origem as redes digitais e continuam nas ruas das
cidades, sem deixar a sua dimensão informativo-digital, sendo filmadas,
transmitidas, fotografadas, postadas e comentadas on-line. Expressam, assim, as
dimensões não apenas locais ou urbanas, uma vez que a qualidade dessas ações e
sua eficácia são o resultado muito mais de suas capacidades conectivas atópicas
do que de suas específicas localidades físicas e geográficas. (Refiro-me aqui
ao conceito de atopia por mim elaborado no livro Paisagens pós urbanas. Ed. Annablume, São
Paulo.)
Uma localidade,
portanto, não mais expressa pelas contraposições real/virtual, público/privado,
mas conectivas, continuamente redefinidas pelo atravessamento de fluxos
informativos e por suas conexões sincrônicas.
A segunda característica identificada dos diversos
movimentos net-ativistas se expressa na singular não linearidade de suas ações.
Esta, de fato, apresenta-se como o conjunto de ações não apenas humanas, isto
é, não apenas expressões da vontade de um sujeito-ator, de movimentos sociais
ou de opinião, mas resultado da sinergia de diversos actantes (circuito
informativo, dispositivos, smarthphones, câmaras digitais, gravadores, redes
sociais, comoFacebook, movimentos sociais, indivíduos etc.), como
manifestado na teoria ator-rede de Bruno Latour.
Em síntese, a
especificidade de tais ações que não se originam, portanto, apenas na esfera
política e das reivindicações, foi apontada na complexa e intermitente dimensão
de alteração da própria condição habitativa, proporcionada pela conectividade
aos circuitos informativos territoriais. Um ulterior aspecto identificado pela
pesquisa encontra-se na recursividade de suas ações que parecem ter, como
objetivos principais, ao lado das reivindicações públicas e externas, a
consciente expressão de reivindicações internas que se exprimem na exigência
radical de transparência, de democracia real e de tomada coletiva das decisões
no âmbito dos próprios movimentos, deslocando, assim, de forma elíptica, a própria
ação e a direção do seu próprio impacto.
Enfim, além da qualidade das ações, da ecologia da condição habitativa e
da recursividade, a pesquisa apontou mais duas características. A primeira, a valorização do anonimato e a recusa de uma
identidade política, ideológica ou sintetizada em figuras carismáticas ou em
líderes; e a segunda, caracterizada pela recusa
da institucionalização, expressa seja na comum aversão aos partidos políticos
de qualquer tendência, seja na recusa, também generalizada de se tornar uma
força política institucional. Nesse sentido, parecem evidentes as distinções
dos movimentos sociais em rede em relação aos movimentos sociais políticos
modernos.
IHU
On-Line - O senhor menciona que as redes digitais criaram outros tipos de fluxo
comunicativo, descentralizados, que permitem o acesso às informações e a
participação de todos na construção de significados. O que isso significa em
contraposição ao modelo político e comunicacional anterior?
Massimo
Di Felice - Aqui também a resposta pode assumir dois rumos e dois tipos de
interpretações distintas. Para a concepção segundo a qual o net-ativismo constituiria a ampliação da
esfera pública e o advento de uma forma mais aprimorada da democracia (M. Castells), as formas de ativismo em redes podem ser
entendidas como a possibilidade histórica do acesso de todos a todos os dados.
Tal tipo de transformação remeteria, segundo tal interpretação, a um conjunto
de inovações que tem, na tecnologia de informação e no acesso aos dados, suas
caraterísticas principais. Tais perspectivas se articulam em diversos pontos.
Em primeiro lugar, prevê a
possibilidade de melhorar a performance do governo na sua relação com os
cidadãos, na perspectiva da construção do E-governament, ou governo eletrônico,
e da divulgação digital das informações por parte dos governos.
Um segundo nível é constituído
para a criação de arquiteturas de diálogo que permitem um nível inicial de
interação entre a população e as instituições. Um terceiro nível, enfim, é
constituído pela criação de arquiteturas para a consulta direta da população.
Todas estas formas remetem ainda a uma perspectiva de tomada de decisões
centralizada, embora baseada em forma de consulta. A forma mais avançada de
e-governance que está sendo desenvolvida atualmente de forma experimental na
Europa, pelo partido Pirata, pelo movimento 5 stelle e
pelo 15 M, prevê a construção de arquiteturas digitais para
o debate e a decisão colaborativa mediada por redes de decisões. A população,
através de interações e debates on-line, propõe e discute as leis, chegando até
a sua elaboração definitiva. Esta perspectiva diferencia-se da forma do governo
eletrônico e constituiria uma nova era da democracia, não mais limitada à
dimensão representativa e ao processo eleitoral.
Voltando à segunda interpretação, esta remete, ao contrário, a uma
diversa concepção do processo de tomada de decisões não mais pensado como a
esfera de deliberações dos cidadãos humanos, mas como um articulado e complexo
processo de interação e de escolha que envolve todos os membros da bioesfera,
humano e não. As referências teóricas por esta segunda interpretação estão em
diversos autores, entre eles M. Serres, B. Latour e, sobretudo, I. Stenger.
IHU
On-Line - Que mudanças políticas são possíveis vislumbrar a partir da
democratização da informação e dessa articulação horizontal em rede? Como essa
mudança no fluxo comunicativo muda ou mudou a dimensão política?
Massimo
Di Felice - A crise da forma política representativa, que limita a
participação do cidadão à formulação do voto na urna eleitoral a cada quatro
anos, atribuindo assim a participação apenas a uma dimensão opinativa, que
afasta o cidadão da tomada de decisões, é hoje explícita e mundial. Não
evoluímos muito a respeito da dinâmica eleitoral e opinativa da Atenas do século V a.C. Mas a
verdadeira transformação está, a meu ver, na alteração do mesmo conceito de
política e de participação que marca o advento e a qualidade das ações
net-ativistas.
Estas não são
apenas a expressão das ações dos sujeitos-atores que ao se conectar expandem
seu protagonismo e seu poder. A qualidade das interações net-ativistas remete a
uma alteração da condição habitativa e exprime a emergência de um novo tipo de
ação, que merece uma análise mais profunda. Vou tentar explicar por pontos.
1. As formas de
conflitualidade difundidas nos últimos anos em cada região do planeta não são
apenas a expressão de um novo tipo de conflitualidade social, mas a
consequência de uma profunda alteração da condição habitativa que se
caracteriza pela agregação, por meio de diversos tipos de conectividade, de
indivíduos, dispositivos de conexão, fluxos de informações, bancos de dados e
territorialidades.
2. Tal interação
singular é o resultado da difusão em larga escala, de um lado, dos dispositivos
móveis de conexão (tablets, smarthphones, notebooks, etc.) e de formas de
conexão wi-fi (banda larga, satélite, RFID, etc.) e, de
outro, da proliferação das social networks, as quais deram origem a uma
particular forma conectiva ecológica, não só social, capaz de conectar, em
tempo real, pessoas, dispositivos, informações, territórios e dados de todo
tipo.
3. Tal interatividade
representa o advento de formas conectivas e ecossistêmicas do habitar que
exprimem um tipo particular de interação o qual associa pessoas, dispositivos,
fluxos informativos, bancos de dados e territorialidades em um novo tipo de
sociabilidade reticular, não mais exprimível a partir da linguagem teórica do
social desenvolvido pelas disciplinas positivistas europeias, nem delimitável
por meio da tradicional dimensão antropomórfica da política.
4. As
características destas interatividades são determinadas por um novo tipo de
ação em rede, não mais expressão da atividade de um único sujeito-ator, nem
consequência de um tipo de movimento de um ator em direção ao exterior e ao
território.
5. A ação em
rede apresenta-se, pois, como um ato de conexão a outros “actantes” (B. Latour) que, ao interagirem, contribuem para
modificar a geometria da ação, colaborando para a construção tanto da forma
como do significado dela própria.
6. Os diversos
membros que intervêm e contribuem para a realização de uma ação não são,
portanto, apenas sujeitos humanos, mas também todos os conjuntos de
dispositivos, tecnologias, circuitos, bancos de dados e todo tipo de
entidade-ator que “deixa rastro” (B. Latour).
7. É necessário
repensar, pois, a qualidade da ação expressa pelas formas de ativismo em rede,
dado que a mesma não exprime apenas o agir de um sujeito (seja este um
indivíduo, grupo ou movimento), mas torna-se o resultado imprevisível da
conexão dos diversos actantes e atores-rede humanos e não humanos (B. Latour).
8. A distinção
entre ação e ato (M. Maffesoli) — no sentido do αìον
grego, que ressalta sua dimensão espontânea, impermanente e sua não
reprodutibilidade — determina a qualidade das ações em rede como a emergência
de um ato conectivo (Di Felice) que interpreta o agir
não mais do ponto de vista do sujeito-ator, nem do sujeito teleológico —
consequência de uma estratégia racional humana —, mas a partir da dimensão
ecossistêmica e conectiva própria dos contextos reticulares.
9. O ato
conectivo configura-se, assim, como a expressão de uma forma comunicativa do
habitar (Di Felice) instável e emergente, que restabelece
continuamente, por meio da intermitência das práticas conectivas das interações
entre os diversos actantes, as características e as dimensões da condição
habitativa.
10. Mais que
parte da esfera pública e da dimensão opinativa e política, as práticas do
net-ativismo são a expressão mais evidente da emergência de uma nova cultura
ecológica não mais sujeito-cêntrica nem tecnocêntrica, mas portadora de uma
ontologia relacional (M. Heidegger) e de uma dimensão conectiva específica que
lhe altera continuamente forma e significados.
11. Tal ação se
dissemina, portanto, fora do social, ou seja, fora da dimensão urbana e
política ocidental, enquanto portadora de uma ecologia interativa diversa a
qual não pode ser explicada apenas por meio de sua dimensão comunicativa, se
por comunicação entendemos somente a dimensão midiático-informativa das trocas
de informações.
12. O advento das
condições singulares de interações reticulares, expressas pelas formas do
net-ativismo e pelas dimensões heteronômicas da conectividade, é responsável
pela qualidade e pelos significados de um tipo particular de interação que não
encontra forma e explicação anterior ao seu próprio surgimento, mas somente
após a conexão e às práticas de interatividade ecossistêmicas.
13. Determina-se,
assim, a passagem das lógicas frontais (A. Abruzzese),
estruturais, identitárias e teóricas do social e da ecologia para as lógicas
imersivas, ecossistêmicas, intermitentes, imprevisíveis e inovadoras das formas
temporárias e instáveis das agregações conectivas.
IHU
On-Line - Recentemente o senhor afirmou que a “razão política moderna é fálica
e cristã, busca dominar o mundo, rotula pensamentos enquanto os simplifica,
necessita de inimigos e promete a salvação. Já a lógica virtual é plural, se
alimenta do presente e não possui ideologia, além de viver o presente ato
impulsivo”. Que acréscimos e mudanças vislumbra a partir dessa lógica virtual e
plural em contraposição à “razão política moderna fálica e cristã”?
Massimo
Di Felice - A razão política europeia moderna é antropocêntrica. Na democracia
ocidental, a atividade política limita-se ao humano e às suas ideias sobre o
mundo. A política é o debate das ideias que vai decidir a ação do humano sobre
a natureza. É este o sentido das atividades da “polis”, que gerou a urbanização
antes, a industrialização depois e a destruição das biodiversidades atualmente.
Há um laço histórico que marca a civilização ocidental e está exatamente nesta
sua caraterística de pensar o meio ambiente, a técnica, os animais como objeto,
meio para a realização de sua própria ação. Tal cultura, que põe o homem ao
centro e acima de tudo, chegou hoje ao fim e marca um dos principais significados
da crise da civilização ocidental.
A causa de tal mudança está também no processo de disseminação de um
novo tipo de protagonismo tecnológico que vai desde a bio e a nanotecnologia até os dispositivos de conectividades
e das interações em redes, que nos deram a clara percepção do limite da
concepção autopoiética do humano. Sabemos, hoje, através de circuitos
informativos digitais, que as ações humanas são recursivas, provocam consequências
e impactos não apenas “ao externo”, mas no próprio humano.
Sabemos hoje que
habitamos ecossistemas interagentes e que não podemos destruir o meio ambiente
para alcançar nossos objetivos sem arcar com as consequências que tal escolha
comporta. Trata-se de um problema filosófico, de uma forma particular de ver o
mundo e o humano que foi produzida ao largo dos séculos, encontrando, em
contextos diversos, várias aplicações, mas sempre mantendo sua oposição entre o
humano e a natureza, entre o sujeito e o objeto. É neste pressuposto filosófico
que se origina a razão política moderna, que também se apresenta como a prática
do agir humano e, ao mesmo tempo, como a promessa de sua emancipação. Na
política ocidental, a emancipação do humano coincide com a destruição do meio
ambiente e com o seu desenvolvimento socioeconômico pelo qual são utilizadas
matérias-primas e todos os recursos necessários. Esta dimensão construiu um
social simplificado, antropocêntrico, cujas interações eram erroneamente
pensadas apenas como o conjunto das atividades humanas.
Na América Latina, temos ainda hoje a
resistência de culturas nativas — sobreviventes de um dos maiores extermínios
da história da humanidade perpetuados pela civilização europeia —, portadoras
de uma concepção do social muito mais complexa do que a do ocidente e que
consideram os elementos não humanos como atores-membro da sociedade, e não
apenas como objeto. Sem dúvida, o cristianismo é um dos elementos
constituidores da cultura ocidental e, portanto, representou uma parte
significativa pela produção do mundo ocidental e de sua específica visão de
mundo. A centralidade europeia na história e sua pretensão de ser modelo e
inspiração para o mundo se deve, em boa parte, à ideia cristã de evangelização,
no seu sentido histórico, segundo a qual, em épocas distintas, era necessário
levar a “verdade” aos outros povos.
Este elemento disseminador, como observado por Peters, não se deu historicamente em forma de diálogo,
mas de disseminação, e constituiu o clima cultural no interior do qual se
produziu a dominação econômica, militar e política do ocidente. Outro elemento
que também marca a tradição política no ocidente e que encontra elementos
comuns no âmbito do cristianismo ocidental é o antropocentrismo, que embora no
caso da tradição religiosa não coincida com a prática da devastação da
biodiversidade, é sem dúvida uma caraterística importante que, seguindo a
tradição judaica, põe o homem como dono da criação e como único ser à imagem de
Deus.
Obviamente existem na tradição cristã outras tendências contrárias ao
antropocentrismo, como a espiritualidade e a concepção de S. Francisco de Assis ou
como as observações teológicas de S. Boaventura de Bagnoregio, entre outros, que, ao
contrário, produziram uma concepção ecológica da fé cristã e que, portanto,
constituem ainda hoje motivo de inspiração para os cristãos.
Mas a matriz
antropocêntrica foi historicamente a prevalente. O advento das redes digitais e
da digitalização, que permite a conexão e a interação entre humanos, objetos,
animais e a biodiversidade em geral, constitui um dos maiores desafios da nossa
época, que obriga as universidades, o pensamento e até mesmo as instituições
religiosas a saírem de sua matriz de conforto e a responderem aos desafios do
advento desta nova condição habitativa, que agrega em ecossistema interativo
entre humanos, objetos, dispositivos, territorialidades, circuitos, florestas e
tudo o que existe.
É neste sentido que
me referia na citação acima: a existência de uma lógica virtual é plural, se
alimenta do presente e não possui ideologia, além daquela produzida no presente
pelo ato impulsivo de interação conectiva. Ao edificar uma nova ecologia, que
representa a alteração da condição habitativa produzida pela cultura ocidental,
as redes digitais conectivas podem significar o advento de uma transformação
qualitativa, não apenas pela dimensão política.
Esta nova condição
habitativa que experimentamos pode significar a possibilidade da construção de
uma nova epistemologia, que interprete o conjunto das atividades que se
desenvolvem na biosfera entre atores de diversas naturezas como a possiblidade
de repensar o estatuto da nossa dimensão humana.
Esta mudança se
parece com uma oportunidade e um desafio que é possível pensar com mais
facilidade nos contextos epistêmicos brasileiros, pois é aqui no Brasil onde
ainda se podem encontrar, ainda vivas, formas de conhecimentos não ocidentais
que se associam e se misturam de forma original. Trata-se de um desafio para os
intelectuais brasileiros. Trata-se de um começo importante e de uma
transformação em direção a um novo conceito de ecologia e de humano. A nossa
época é interessante por isso, pois nos questiona em profundidade.
(Por Patricia
Fachin)