História de Mariana Sanches e Leandro Prazeres – Da BBC News Brasil em Washington e em Brasília

Trump e Bolsonaro se encontraram em 2019. Bolsonaristas apostam em
posse de Trump para que movimento de direita no Brasil mantenha
relevância doméstica e internacional© Alan Santos/Presidência da
República
“Estou me sentindo uma criança novamente com o convite de Trump.
Estou animado. Não tomo mais nem Viagra”. Foi assim que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) descreveu
ao jornal americano The New York Times como se sentia ao ter sido
convidado para a posse do presidente dos Estados Unidos.
Bolsonaro não irá, porque o Supremo Tribunal Federal (STF) não liberou seu passaporte, retido pela Justiça por suposto risco de fuga do ex-presidente, alvo de investigações criminais.
Se Bolsonaro assistirá ao evento pela TV, uma delegação estimada em
pelo menos 30 políticos bolsonaristas, além da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, está na capital norte-americana para participar da posse nesta segunda-feira.
A empolgação do ex-presidente e a ida da comitiva bolsonarista à
posse de Trump não é uma mera deferência ao poder da maior potência
econômica e militar do planeta. Para parte dos bolsonaristas, a chegada
de Trump ao poder é vista como uma fonte de esperança para a
revitalização do bolsonarismo em um momento marcado por reveses do seu
principal líder.
Desde 2022, Bolsonaro perdeu as eleições presidenciais para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi tornado inelegível até 2030 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condenado
por suposto abuso do poder político e econômico na campanha eleitoral,
virou alvo de diversas investigações junto ao STF e, no final do ano
passado, foi indiciado pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado.
Bolsonaro e sua defesa alegam que ele não praticou nenhum ato ilegal
nos casos em que é investigado ou no que foi indiciado. Dizem que ele é
alvo de uma perseguição política perpetrada por adversários e por
setores do Poder Judiciário brasileiro, entre eles, o próprio STF.
Nesse contexto, a chegada ao poder de um presidente norte-americano
com quem tem laços pessoais antigos e afinidade ideológica vem sendo
vista pelo próprio Bolsonaro e aliados como uma possibilidade de ventos
políticos mais favoráveis.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que a posse de
Trump tem sido “vendida” pelo bolsonarismo como uma aposta de mudança e
de possível reforço do grupo no Brasil.
Entre eles, há expectativa de que Trump e sua equipe possam fazer
movimentos de apoio a Bolsonaro e até mesmo de pressão contra membros do
Judiciário — que, no melhor cenário, poderia pressionar por uma
rediscussão de sua inelegibilidade.
Apesar disso, há certo ceticismo sobre até que ponto essa proximidade
poderá levar, por exemplo, à reabilitação dos direitos políticos de
Bolsonaro ou qualquer efeito prático.

Trump recebeu camisa do Brasil com seu nome em visita de Bolsonaro aos EUA em 2019© Getty Images
“Chama de esperança”
Em novembro de 2024, quando a vitória do republicano nas urnas se
confirmou, Bolsonaro e seu entorno já ventilavam essa esperança.
“Trump não precisa fazer nada. Só a atmosfera política criada pela
eleição dele já ativa o imaginário dos brasileiros de que o Bolsonaro
também pode retornar […] Com Trump retornando, isso aumenta o imaginário
do brasileiro de que o Bolsonaro também poderá fazê-lo. Há males que
vêm para o bem”, disse então o deputado federal e filho de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) à BBC News Brasil.
A expectativa se mantém alta nas alas bolsonaristas.
“Para o movimento conservador de direita e o bolsonarismo no Brasil, a
posse de Trump é muito importante. Ele é um aliado de primeira hora,
sua ascensão terá reflexos na economia do Brasil e nas relações
bilaterais”, disse à BBC News Brasil o deputado federal Sóstenes
Cavalcante (PL-RJ).
O parlamentar é um dos que deve participar da comitiva de deputados e
senadores que participarão das cerimônias em torno da posse de Trump
nesta semana.
Para o professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
Marco Antônio Teixeira, a aposta em Trump acontece em um momento
delicado para o futuro do bolsonarismo.
“O bolsonarismo está sofrendo uma diminuição no seu tamanho e
relevância muito grande após a derrota para a presidência da República e
de todo o processo ocorrido após os episódios do dia 8 de janeiro de 2023.
Esse risco de diminuição aumenta ainda mais com a manutenção da
inelegibilidade de Bolsonaro”, disse Teixeira à BBC News Brasil.
Segundo ele, não é por acaso que tantos parlamentares estão indo à posse de Trump.
“A vitória de Trump tem sido turbinada pela direita como uma chama de esperança para o futuro do bolsonarismo”, disse.
Realinhamento de forças
Especialistas e políticos ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que a
posse de Trump pode influenciar a dinâmica da política doméstica no
Brasil.
Uma das arenas em que essa dinâmica se dará é a disputa entre big
techs americanas e as instituições brasileiras que tentam regulamentar o
funcionamento das redes sociais no Brasil. Elon Musk,
dono do X, é hoje um dos principais influenciadores das políticas de
Trump, que tem recebido apoio de outros empresários do setor, como Mark Zuckerberg.
“Em setembro de 2024, havia uma disputa muito específica, quase
pessoal, entre Elon Musk e Alexandre de Moraes. Hoje, com a debandada
das Big Techs em direção ao governo Trump, essa pressão não vai ser mais
individual, de uma figura que se sentiu prejudicada por políticas
tomadas por uma autoridade do Brasil. Vai ser um movimento quase que de
setor contra o Brasil, a Suprema Corte”, disse o cientista político e
internacionalista Guilherme Casarões, da FGV, citando a suspensão do X
no país no ano passado.
Segundo ele, a situação tem alto potencial de gerar desgaste político
para a gestão Lula, “ainda mais considerando que o governo se associou
ao STF no combate às fake news, na luta contra a desinformação e na regulação das redes”.
Sóstenes Cavalcante disse acreditar que os impactos da chegada de Trump ao poder poderão ser sentidos na economia brasileira.
Segundo ele, Trump deverá adotar um distanciamento em relação ao
governo Lula que, como consequência, poderia favorecer a volta da
direita ao poder no Brasil.
“Coisas como não liberar o presidente Bolsonaro para vir à posse vão
fazer com que os investidores americanos vejam o Brasil com certa
desconfiança. Eles terão o pé atrás com o Brasil e isso trará prejuízos
econômicos. Isso vai afetar o Brasil e desgastar o governo. E à medida
que afeta o governo, cria condições para que a direita volte com mais
força”, disse o parlamentar.
Guilherme Casarões concorda que Trump tem claras preferências na
política doméstica brasileira e atuará para privilegiar este lado.
“A influência já está sendo construída desde que Trump apoiou
Bolsonaro, em 2022, e chamou Lula de lunático de extrema-esquerda. [O
secretário de estado indicado por Trump ] Marco Rubio fez o mesmo. A
incidência do peso político norte-americano sobre a política nacional é
um dado da realidade, já está acontecendo e tende a se intensificar”,
disse, mas completou:
“Não acho que Trump vai bancar uma nova tentativa de golpe para garantir que Bolsonaro seja eleito em 2026”, disse.
O professor Marco Antônio Teixeira compartilha da mesma análise.
“Por mais que estejam turbinando a importância da posse de Trump para
o bolsonarismo, a vitória dele não vai reverter a inelegibilidade de
Bolsonaro”, afirmou.
Javier Milei, Jair Bolsonaro e Donald Trump são três dos principais líderes de direita da atualidade© Reuters/EPA
Inimigos (e amigos) comuns
Parte da aposta bolsonarista em Trump reside no fato de que,
aparentemente, o presidente norte-americano e Bolsonaro têm alguns
amigos e inimigos comuns.
Trump se elegeu tendo por principal financiador o bilionário Elon
Musk, dono da plataforma X, que chegou a ser suspensa no Brasil no ano
passado depois que Musk se recusou a cumprir ordens judiciais do
ministro Alexandre de Moraes e do colegiado do Supremo Tribunal Federal.
Musk e Bolsonaro compartilham os mesmos alvos no país, Moraes e STF, a
quem criticam com argumentos semelhantes: o de Moraes estaria
exacerbando seus poderes legais e cerceando a liberdade de expressão,
especialmente de grupos da direita radical.
Moraes e o Supremo rebatem essas acusações, por outro lado, dizendo
que, ao combater a engenharia de distribuição de notícias falsas, ambos
estariam salvaguardando a democracia brasileira.
A julgar por manifestações recentes de Trump, que chegou a usar o
caso da suspensão do X no Brasil como um exemplo dos perigos à liberdade
de expressão em democracias ocidentais, o STF deve se tornar alvo de
intensa pressão por parte da nova administração Trump.
No Congresso americano, parlamentares republicanos chegaram a
apresentar dois projetos de lei no ano passado que previam punições,
como sanções e cortes de financiamento, a entidades estrangeiras que se
envolvessem no que os projetos legislativos qualificavam como censuras
ou atentados à primeira emenda da constituição dos EUA, que assegura
liberdade de expressão irrestrita.
Os políticos republicanos não fizeram segredo de que os projetos foram pensados para ter por alvo o STF. E não foi só isso.
Entre outros senadores e deputados republicanos, Marco Rubio,
indicado para secretário de Estado de Trump, remeteu uma carta em
setembro de 2024 em que se dizia “profundamente preocupados com o fato
de Alexandre de Moraes,
ministro do Supremo Tribunal brasileiro, estar abusando do seu poder e
envolvendo-se numa campanha cada vez mais arbitrária para coagir uma
empresa americana de redes sociais a sufocar a oposição política interna
e a minar os direitos de liberdade de expressão do povo brasileiro”.
Ao New York Times, Bolsonaro deixou claro que tem expectativas de que
Trump seja capaz de alterar as correlações de força no Brasil de modo a
favorecê-lo, embora tenha se recusado a especificar como isso seria
feito. “Não vou tentar dar nenhuma dica a Trump, nunca”, disse ele. “Mas
espero que a política dele realmente se espalhe para o Brasil.”
Segundo o diário, Bolsonaro demonstrou ainda satisfação em ver a
recente guinada de Mark Zuckerberg, o CEO da Meta, a quem pertence o
Facebook, o Instagram e o Whatsapp, em direção ao caminho de Musk.
Ao anunciar o fim das checagens de fatos em suas redes, Zuckerberg
criticou “decisões secretas de tribunais da América Latina” para
retirada de conteúdos do ar, no que foi entendido como uma alusão ao
STF.
Entre os “amigos comuns”, Trump e Bolsonaro compartilham vínculos ideológicos com líderes como os presidentes da Argentina, Javier Milei, e de El Salvador, Nayib Bukele.
Enquanto Bolsonaro terá que assistir à posse pela TV, o argentino
Javier Milei já está em Washington e deve mais uma vez esbanjar
intimidade tanto com Donald Trump quanto com Elon Musk.
Depois da vitória de Trump, ele foi a a Mar-a-Lago prestigiar o
republicano — que o chamou de seu “presidente favorito” e tem trocado
experiências de cortes de gastos públicos com Musk, que vai chefiar o
esforço de austeridade no time de Trump.
No sábado, quando participou do chamado Hispanic Ball, ou baile
hispânico, parte das celebrações da posse de Trump, Milei atacou o
governo Lula ao ser perguntado a respeito da ausência do ex-presidente
brasileiro.
“Bolsonaro é meu amigo e lamento muito que o regime de Lula não tenha deixado ele vir”, afirmou a jornalistas brasileiros.
Se a assimetria dos momentos de Bolsonaro e Milei pode sugerir uma
concorrência pelas atenções de Trump, aliados de ambos ouvidos pela BBC
News Brasil afirmam que a relação é de “cooperação, não de competição”.
Estudioso dos movimentos de direita radical, Casarões concorda: “A
relação da família Bolsonaro e do movimento bolsonarista com o Milei é
de cooperação muito intensa até porque, de certa maneira, o Milei se
sente, em parte, devedor à família Bolsonaro por sua ascensão e sua
inserção internacional uma vez eleito presidente da Argentina”.
Segundo Casarões, Milei deve a Eduardo Bolsonaro seu primeiro contato telefônico direto com Trump.
“Existe uma percepção por parte do bolsonarismo que, estando eles
fora do poder, a segunda melhor opção é ter um aliado importante na
Argentina, colocando pressão e tensionando o governo Lula e, ao mesmo
tempo, podendo abrir a possibilidade de um olhar interessado da
administração Trump para a América Latina e para a América do Sul,
sobretudo”, diz Casarões.
Segundo ele, “é natural que Milei ganhe mais protagonismo agora diante de Trump porque tem o poder da caneta”.
A avaliação é também compartilhada por bolsonaristas, que acreditam
que, caso Bolsonaro ou algum aliado volte ao poder em 2026, o papel de
aliado principal das Américas retornaria ao Brasil, não apenas porque a
relação Bolsonaro-Trump já dura anos e tem características pessoais
profundas, como também pelo tamanho econômico e geopolítico do Brasil. O
país seria um ator mais potente para barrar os planos da China na
região ou encampar planos trumpistas em relação à Venezuela, por
exemplo.
Histórico de proximidade
O convite de Trump para que Bolsonaro participasse da sua cerimônia
de posse foi apenas o mais recente exemplo da proximidade entre os dois
líderes conservadores. Durante a apuração dos votos, em novembro
passado, Eduardo Bolsonaro estava junto a Trump no resort de Mar-a-Lago,
na Flórida.
Essa proximidade entre a família Bolsonaro e Trump remonta aos anos
em que o ex-presidente brasileiro esteve no poder e, também, ao destino
que ambos tiveram após deixarem o comando de seus países.
Em 2016, Trump venceu as eleições norte-americanas defendendo ruptura
com a chamada “velha política” e implementou um estilo de comunicação e
de governo que foi, posteriormente, incorporado por Bolsonaro.
Em 2018, foi a vez de Bolsonaro vencer as eleições no Brasil após ter
sido apontado como um “azarão” antes do início da campanha. Em comum,
Bolsonaro e Trump se elegeram com discursos alinhados contra movimentos
de esquerda, prometendo uma guinada conservadora em seus países e
acusando a “grande mídia” de perseguição.
Com frequência, Bolsonaro foi chamado de “Trump dos trópicos” em uma alusão aos estilos semelhantes entre ambos.
Assim como Trump, o ex-capitão do Exército brasileiro utilizou sua
forte presença nas redes sociais para se comunicar diretamente com sua
base, criticando instituições e divulgando suspeitas de fraudes
eleitorais, ainda que sem evidências concretas.
Ao longo de seus mandatos, tanto Bolsonaro quanto Trump reforçaram
seus discursos nacionalistas e conservadores, defenderam a
flexibilização de políticas ambientais, declararam-se contrários ao que
chamaram de “ideologia de gênero” e acusaram opositores de ameaçarem a
soberania nacional.
Durante a pandemia de Covid 19, por exemplo, ambos minimizaram,
inicialmente, a gravidade do vírus, se colocaram contra restrições
impostas por governadores e prefeitos e frequentemente confrontaram
especialistas em saúde que defendia medidas como fechamento do comércio
ou limitações à movimentação de pessoas.
Trump e Bolsonaro perderam suas tentativas de reeleição. O
republicano foi derrotado por Joe Biden em 2020, enquanto o brasileiro
perdeu para Lula, 2022. Nos dois casos, ambos relutaram em aceitar o
resultado das urnas e levantaram suspeitas sobre a lisura do processo
eleitoral.
Alimentando ainda mais as semelhanças entre os dois, a saída do poder de ambos também foi marcada por episódios parecidos.
Nos Estados Unidos, uma multidão de apoiadores de Trump insatisfeita
com a derrota do então presidente à reeleição invadiu o Capitólio, em
Washington, no dia 6 de janeiro de 2021. Dois anos depois, em 8 de
janeiro de 2023, foi a vez de uma multidão de bolsonaristas
insatisfeitos com a derrota do ex-presidente invadiu as sedes dos Três
Poderes, em Brasília.
Fora do poder, ambos mantiveram a proximidade. Em 2022, Trump
declarou apoio a Bolsonaro durante a sua tentativa de reeleição. Em
2024, foi a vez de Bolsonaro declarar apoio a Trump.