domingo, 4 de setembro de 2022

CONSIDERAÇÕES SOBRE MIKHAIL GORBACHEV MORTO RECENTEMENTE

 

Artigo
Por
Jorge Fontoura – Gazeta do Povo


O último líder soviético, Mikhail Gorbachev, que morreu aos 91 anos.| Foto: EFE/EPA/STRINGER

A morte de Mikhail Gorbachev, em meio ao alarido belicista de Vladimir Putin, com sua guerra à destempo e revelia da civilização e da história, repercutiu para além do mero obituário, evocado como louvado e reconhecido estadista.

De fato, Gorbie, o último premiê soviético, entra para a galeria de vultos a celebrar mais pelo que impediu que se fizesse, do que pelo que de fato fez, no rearranjo da Rússia da glasnost (reforma política) e da perestroika (liberalização).

Com a dissolução do império soviético, a par da derrocada do projeto dirigista das utopias autoritárias, era necessário reposicionar a Rússia. Encontrar saída aceitável para o gigante moribundo, que sobrava e soçobrava, sem tolher-lhe a dignidade histórica de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. O desmonte das oligarquias viciadas, a par do esforço para construir a nova relação com os vizinhos e com o mundo foi imenso desafio. Da mesma forma, a economia destroçada por seguidos desgovernos não alentava.

Por um lado, como gestor da ruína, Mikhail Gorbachev foi responsabilizado por ultranacionalistas por toda a derrocada da ex-União Soviética, e por outro foi reconhecido na prevenção de tragédias imensuráveis.

A busca de abertura como solução de choque, adotada como novo modelo, que não permitiu ou ao menos adiou a virulência das guerras intensas, mostrou-se providencial. Basta lembrar, como tristemente constatamos em seguida, o que aconteceu na implodida e massacrada Iugoslávia. Ao evitar banho de sangue imediato ao fim da URSS, também Gorbie foi admirável.

Se por um lado, como gestor da ruína, Mikhail Gorbachev foi responsabilizado por ultranacionalistas por toda a derrocada da ex-União Soviética – e até pelos muros que se dissolviam no ar – por outro, foi reconhecido na prevenção de tragédias imensuráveis, ao agir no controle de arsenais atômicos das sub potências que restavam do colapso socialista.

O fim de século que se viveu, no rescaldo da Guerra Fria e no apaziguamento das viúvas da Cortina de Ferro, levará nome e sobrenome. Também no que concerne à revalorização da aura russa no ocidente, como “constructo” de um possível pertencimento comum pelo compartilhar cultural, que o premiê sorridente acabou por refazer despertar.

Nesse sentido, era o líder culto, educado e confiável a resgatar o quê russo da alma clássica, tão marcante também no ocidente, seja pela seja literatura imortal de Tolstói, Dostoiévski, Tchekhov, seja pela música indelével de Tchaikovsky, Rachmaninov ou Stravinsky.

Eric Hobsbawm, o historiador da Guerra Fria por excelência, resumiu de forma singela o perfil de Mikhail Gorbachev, como um dos homens essenciais de seu e de todos os outros tempos. “Íntegro e notoriamente bonachão, suas ações foram marcantes. Como secretário-geral do Partido Comunista Soviético, a partir de 1985, suas escolhas condicionaram a estabilidade regional e a ordem internacional. Ser seu contemporâneo é um privilégio. A humanidade sempre estará em dívida com ele”, escreveu o historiador.

Jorge Fontoura é professor e advogado.
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A IMPORTÂNCIA DA MISSÃO ARTEMIS PARA A HUMANIDADE

 

Artigo
Por
Cássio Barbosa – Gazeta do Povo


Os novos trajes espaciais da Nasa para ir à Lua| Foto: Andrew CABALLERO-REYNOLDS/AFP

Após um breve adiamento por conta de problemas no hidrogênio líquido de um de seus motores, a missão Artemis 1 tem uma nova data para o seu aguardado lançamento, segundo a Nasa, a agência espacial norte-americana: sábado, dia 3 de setembro, caso as condições técnicas e climáticas permitam.

Tudo em uma missão como a Artemis precisa ser realizado com o máximo de diligência para que planejamentos de quase duas décadas e bilhões de dólares investidos não sejam desperdiçados. Contudo, o lançamento da Artemis 1, que não será tripulado, é apenas o primeiro passo de uma série de testes até 2025, no qual veremos as capacidades e potenciais riscos de um retorno ao solo lunar desde que estivemos lá pela última vez, em 1972, com a Apollo 17.

De modo mais vital, os dois principais pontos de atenção para a Nasa nesse primeiro lançamento da Artemis são o seu mega foguete e a cápsula onde eventualmente estarão os astronautas da agência. Chamado de Space Launch System ou SLS (em português, Sistema de Lançamento Espacial), ele é o foguete mais potente já criado, e será capaz de lançar a Órion, nave que terá astronautas um dia, para uma viagem ao redor da Lua, a cerca 384 mil quilômetros, e retornar. O desafio será estabelecer uma operação de lançamento e retorno que o torne reutilizável em suas próximas missões, um total de seis nos próximos três anos.

Quanto à Órion, que estará representada na Artemis 1 por meio de diversos sensores, as observações serão focadas no funcionamento da integração do Módulo de Serviço Europeu (ESM), construído pela Airbus, aos módulos de Serviço e Comando, feitos pela Lockheed Martin. Até o momento, segundo a Nasa, a Órion tem muito de seus sistemas aviônicos e eletrônicos já montados. Mas os testes ambientais e de ciclos térmicos, sua capacidade estrutural de resistir à reentrada na Terra – aquecida a milhares de graus Celsius e com perspectiva de um enorme impacto na água – serão mostradas agora em condições reais.

A primeira missão de fato tripulada da Artemis com o intento de pisar na Lua deve ocorrer apenas em 2025, mas a Nasa já aposta em uma composição de equipe de até quatro tripulantes marcada pela diversidade. Há um interesse real em tornar esse retorno humano à Lua mais alinhado aos valores da Nasa e da sociedade do século XXI, promovendo uma visão diversificada para o futuro da exploração espacial. Já é garantido, conforme anunciado, que ao menos um dos astronautas da missão será uma mulher e outro não será caucasiano.

Pisar na lua novamente, após 50 anos, será algo novo e com uma perspectiva completamente diferente em uma era na qual a exploração espacial tem aspectos comerciais, com empresas como SpaceX e Blue Origin disputando novos domínios. O que a Artemis propõe, apesar de parecer repetido, são novos capítulos da nossa jornada às estrelas, como colocar um satélite na órbita da Lua e criar uma base para habitação humana, coisas que serão essenciais para entender como avançaremos para outros planetas no futuro.

Cássio Barbosa é mestre em Astrofísica pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e doutor em Astronomia pela Universidade de São Paulo. Foi coordenador do Observatório de Astronomia e Física Espacial da UNIVAP e atualmente é professor adjunto na FEI. 
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PERSEGUIÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL AO EX-JUIZ SÉRGIO MORO

 

Alvo de operação
Por
Wesley Oliveira


Ex-juiz Sergio Moro disputa vaga do Senado pelo estado do Paraná| Foto: Reprodução/Facebook

Uma operação da Policia Federal apreendeu na tarde deste sábado (3) diversos materiais de campanha do ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) por supostas irregularidades. Moro é candidato ao Senado pelo estado do Paraná a ação foi autorizada pela Justiça Eleitoral.

De acordo com a juíza auxiliar Melissa de Azevedo Olivas, do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR), os materiais de campanha do ex-juiz estavam com uma série de irregularidades. A decisão acatou um pedido da federação formada por PT, PCdoB e PV e que apoia o ex-presidente Luiz Inácio Lula Silva.

Na decisão, a juíza afirma que nas redes sociais do Twitter, Instagram e no site oficial, indicados na inicial, Moro “sequer menciona o nome dos suplentes, em absoluta inobservância à legislação eleitoral”. “É evidente a desconformidade entre o tamanho da fonte do nome do candidato a senador relativamente a dos suplentes”, disse, referindo-se aos banners publicados pelo candidato nas redes.

Além disso, a magistrada alegou que a palavra “MORO” está em evidência e em tamanho “muito superior a 70% do nome dos suplentes, sendo imperiosa a remoção dos conteúdos que veiculam propaganda irregular, nas URLs indicadas no documento”.

Ainda de acordo com o TRE-PR, o material passível de apreensão é “tão somente aquele indicado na presente decisão, arquivado em Secretaria e comprovadamente em desconformidade com a legislação”. Se mantiver as propagandas em desconformidade com a Lei Eleitoral, Moro será obrigado a pagar uma multa diária de R$ 5 mil.


Moro criticou ação movida pelo partido de Lula
A apreensão dos materiais com a supostas irregularidades ocorreu na casa de Sergio Moro, pois o endereço foi o informado por ele no registro de sua candidatura como o do escritório da campanha. Entre os materiais excluídos, estão todos os vídeos do canal de Sérgio Moro do YouTube, inclusive aqueles com críticas ao ex-presidente Lula.

Pelas redes sociais, o candidato ao Senado criticou o partido do ex-presidente Lula e afirmou que não será intimidado. “Imprimir santinhos com letras dos nomes dos suplentes supostamente menores do que o devido é nada comparável aos bilhões de reais roubados durante os governos do PT e do Lula. Não me intimidarão. Repudio a tentativa grotesca de me difamar e de intimidar minha família”, disse Moro.

Em nota, o PT criticou Moro e também o candidato do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Senado no Paraná, Paulo Martins (PL). “A legislação eleitoral deve ser cumprida. Os candidatos ao Senado no Paraná, Sérgio Moro e Paulo Martins, não estão acima das regras eleitorais, assim como qualquer outra candidatura. Reafirmamos nosso compromisso com a democracia, com eleições justas e limpas. Seguimos vigilante no combate a possíveis irregularidades”, disse o PT.


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POLARIZAÇÃO ROCK IN RIO E 7 DE SETEMBRO

 

Polarização
Eventos simultâneos ganham conotação política
Por
Leonardo Desideri – Gazeta do Povo
Brasília

(Brasília – DF, 07/09/2021) Comemorações pelo dia da Independência. Foto: Alan Santos/PR


Grupo B-38 organiza manifestações de apoio a Bolsonaro para 7 de setembro em 2,9 mil cidades| Foto: Alan Santos/PR

Na semana em que o Brasil comemora 200 anos de sua Independência, dois grandes eventos simultâneos deverão traduzir o clima de polarização política que o país vive hoje.

Para o dia 7 de setembro, estão marcadas manifestações nas ruas de todo o país convocadas por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, com o Rio de Janeiro sendo o palco principal. A data coincide com o período do festival de música Rock in Rio, que começou na última sexta-feira (2) no Parque dos Atletas, também no Rio de Janeiro, e vai até o dia 11 de setembro.

Oficialmente, o festival não tem viés político, mas, a julgar pelo que ocorreu em março no Lollapalooza, em São Paulo, e pelo viés ideológico de grande parte dos artistas que estarão no Rock in Rio, é difícil imaginar que não se veja nenhum tipo de manifestação política contra Bolsonaro.

É provável que as demonstrações partam mais do público do que dos músicos, já que houve um cuidado dos organizadores do evento para orientar os artistas a estarem atentos à Lei Eleitoral durante o período de campanha. “Não será autorizada a presença de nenhum candidato a estas eleições em seus palcos”, disse a organização em um comunicado, recomendando que “todas as empresas, instituições e artistas envolvidos com o evento tenham conhecimento da Lei Eleitoral”.

Bolsonaro estará no Rio de Janeiro nos dias 7 e 8 de setembro, e o Rock in Rio terá shows dos dias 2 a 4 e dos dias 8 a 11.

Esta será a primeira vez em seus 37 anos que o festival acontecerá em período eleitoral. Os organizadores têm buscado definir o evento como apolítico e desassociá-lo de um dos lados da disputa eleitoral. Em entrevista de julho à revista Veja, a chefe da organização do evento, Roberta Medina, disse que “política não se faz em festival, nem com torcida, e sim com debate”.

Para os eventos do 7 de setembro, a tendência de politização tem preocupado as Forças Armadas, de acordo com a CNN. O Comando Militar do Leste do Exército Brasileiro estaria estudando colocar as autoridades presentes no desfile mais próximas do Forte de Copacabana e mais distantes do hotel Copacabana Palace, perto de onde se deverão concentrar atos pró-Bolsonaro. A ideia seria evitar dar um tom politizado às comemorações oficiais.

O que pode e não pode ser feito nos eventos?

A preocupação com o teor das manifestações durante os eventos não é por acaso: o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, usou a palavra “implacável” para definir como será a atuação da Justiça Eleitoral durante seu mandato.

O advogado Acácio Miranda, especialista em Direito Constitucional, diz que a liberdade de manifestação é assegurada pela lei mesmo durante o período eleitoral. Todos têm o direito de expressar suas opiniões, desde que não convertam os eventos em comícios – que, para ocorrerem, precisam ser declarados à Justiça Eleitoral.

“Um comício difere de uma manifestação pública. Passeatas não configuram, juridicamente, um comício. A liberdade de manifestação é assegurada. Por mais que no Rock in Rio, por exemplo, um candidato não possa se manifestar, o artista tem liberdade de expressão, desde que ele a exerça dentro dos limites legais. Ele não pode transformar o show num comício, mas pode manifestar a sua opinião”, explica.

Miranda reconhece que “isso carrega certo grau de subjetivismo”, mas diz que há dois aspectos mais importantes: que os candidatos não participem dos atos, e que o artista se expresse “dentro de um limite de razoabilidade, manifestando a opinião, sem fazer campanha”.

A situação muda para eventos oficiais, nos quais não se admite qualquer tipo de manifestação favorável a um lado político. Isso explica por que o Comando Militar do Leste estaria tentando desassociar ao máximo as celebrações oficiais dos 200 anos da Independência das manifestações pró-Bolsonaro.

“Em um evento custeado com o dinheiro público, não se pode fazer campanha, porque não se pode usar dinheiro público para campanha. Neste contexto, caso alguém faça alguma manifestação, aí sim nós estaríamos diante de uma ilegalidade”, diz Miranda.

Nas manifestações extraoficiais das ruas ou em um evento de caráter privado como o Rock in Rio, há mais flexibilidade, mas, mesmo assim, há certas restrições, em especial no que se refere à participação de candidatos.

“O candidato não pode pedir votos, porque nós estaríamos equiparando essa circunstância a um comício, e o comício depende de autorização da legislação eleitoral, o que nós não teríamos neste contexto”, explica o advogado. “Um comício deve ser divulgado antecipadamente como comício, para que só compareçam, por livre e espontânea vontade, as pessoas que estejam aderindo àquele candidato.”


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CRÍTICA AO VOTO EM BRANCO

 

Literatura numa hora dessas?

Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo


O personagem desta crônica nasceu com um único propósito: exalar arrogância e votar nulo ou em branco (ele não tem certeza ainda).| Foto: Reprodução/ Senado

Este personagem se chama Rafael. Não é nenhuma referencia indireta nem homenagem. Foi só o nome que ocorreu ao escritor na hora em que estava escrevendo a primeira frase. Como todo personagem que se preze, Rafael veio ao mundo com um único propósito e, para isso, nasceu já todo vestido com sua roupa de domingo. É que ele vai votar.

Como convém a um eleitor, pois, o personagem tem mais de 16 anos. O escritor que o concebeu assim apressadamente lhe conferiu outros atributos, a saber: orelhas pontudas como as de um elfo ou asno (por que não?), cabelos abundantes (por que não?) e, no bolso, um cartão de crédito sem limite (por que não?). Além disso Rafael é, para todos os efeitos, um menino inteligente – ou pelo menos esforçado.

Uma vez nascido Rafael, vale dizer que ele acabou de tomar um café da manhã reforçado a fim de participar da festa da democracia. [barulho de um prato jogado contra a parede] Cuidado! Tá todo mundo bem aí? Esqueci de avisar, mas Rafael é dado a ataques de violência quando escuta falarem em “festa da democracia”. E esta é outra circunstância do personagem que cabe ao escritor esclarecer: Rafael não acredita em democracia, não gosta de democracia, talvez até odeie democracia. “Sim, eu odeio a democracia”, esclarece ele. E, por isso, Rafael está saindo de casa para votar nulo. Ou em branco – ele não tem certeza ainda.

A decisão de votar nulo/branco foi tomada há muito tempo. Antes mesmo de Rafael nascer. O escritor não sabe precisar quando. E é neste instante que o personagem se levanta para dar de dedo na cara de quem o criou com tanto amor e carinho e dizer que foi no dia 25 de setembro de 2021, numa discussão entremeada por sarcasmos e chistes, durante a qual Rafael percebeu que simplesmente era muito superior à ralé (palavras dele!) que “fica nessa disputa aí entre Jair Bolsonaro e Lula”.

O escritor, com toda a paciência do mundo, cogita argumentar que em 2021 não tinha nem pensado na possibilidade de escrever esta crônica, mas desiste. Seria perda de tempo. Vamos em frente com a história. E é melhor correr, porque Rafael já está lááááá longe, quase entrando na seção eleitoral. Repara, leitor, como o personagem empina o nariz e, todo garboso, cumprimenta os desconhecidos. E sobe um, dois, três lances de escadas até o salão nobre da escola Paulo Freire, onde, de dois em dois anos, é convidado a depositar esperanças difusas em uma ou mais pessoas com as quais ele jamais trocou uma só palavra. Rafael suspira.

“Esse aí não dá”, diz ele para o escritor – que nem lhe perguntou nada. “Esse outro também não”, acrescenta, sem que o escritor precise lhe pedir qualquer tipo de esclarecimento. “Pode botar aí na sua crônica que eu não tenho político de estimação”, pede, ou melhor, manda Rafael a um escritor que, na pressa, esqueceu o bloquinho de anotações. Além do mais, quem esse personagem acha que é para sair dando ordens assim? Não vou anotar porcaria nenhuma.

O escritor se perde nesse ressentimento inútil e, quando percebe, o personagem já está diante da mítica e, você sabe, infalível urna eletrônica. Sem ligar para os mesários, o escritor avança e se coloca ao lado de Rafael. Para deputado federal ele vota 9999, vira-se para o escritor e ri. “Quem se importa?”, pergunta. Para deputado estadual, 99999, a mesma risada e a mesma pergunta, resumida a um arquear sarcástico de sobrancelha. Para Senador, 999. “Ops, resvalei no botão aqui”, diz. Para governador, 99.

O personagem está prestes a votar para presidente quando é detido pela mão firme do escritor. “Me deixa!”, pede ele com algo de desespero na voz. Nessa hora, o escritor ainda tenta explicar que, neste exato momento, deve ter leitor confuso, pensando que esta é uma crônica de apologia à abstenção, de elogio ao voto nulo e em branco. “Duvido que tenha gente que pense uma coisa dessas!”, diz um Rafael subitamente surpreso. E, pela primeira vez desde que veio a este mundo, assustado.

O escritor, então, pede que o personagem explique ao leitor por que ele pretende votar em branco. “Não está claro já?”, pergunta Rafael, um tanto quanto impaciente. O escritor responde que não. Que o leitor quer tudo mastigadinho. Ainda mais numa crônica de sábado. Suspirando, revirando os olhos e fazendo biquinho, Rafael explica que vai votar em branco só para poder dizer que votou em branco. “Preciso mostrar que estou acima dos demais”, diz ele, com a honestidade sem filtros dos homens inventados.

Rafael aperta o botão da prepotência, ouve a musiquinha e vai embora se sentindo superior à ralé (palavras dele) que espera na fila. Já na rua, antes de desaparecer nos labirintos da imaginação do escritor, Rafael ainda tem tempo de perguntar se é verdade mesmo que alguns leriam a crônica como uma exaltação ao voto nulo e branco. “Eles não vão perceber como sou arrogante? Ridiculamente arrogante? Não captarão toda a minha soberba?”, pergunta Rafael. O escritor não responde. Afinal, o que nunca lhe faltou foi a esperança de ser compreendido.


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OS EMPREENDEDORES VÃO MUDAR O BRASIL

Guilherme Benchimol  – Fundador da XP

Em conversa com o co-presidente da gestora General Atlantic, fundador da XP reforça a importância da disposição a mudanças e exalta educação financeira

Os empreendedores são os principais protagonistas da transformação do Brasil em uma economia mais sólida e próspera, avaliou Guilherme Benchimol, presidente executivo do Conselho de Administração da XP Inc. “Quem vai mudar o Brasil são os empreendedores”, disse, em entrevista ao podcast Breakthrough Labs, em episódio conduzido por Martín Escobari, co-presidente da gestora norte-americana General Atlantic, e um dos maiores investidores do mercado de private equity do mundo.

Um dos ‘sonhos grandes’ de Benchimol é continuar inspirando brasileiros a empreender, por meio do exemplo da própria XP, que deve seguir focada na melhoria constante de processos em todas as áreas. “Temos um time insaciável, que coloca a barra cada vez mais alta. Nosso sonho é seguir melhorando e avançando. Se mantivermos esse mindset, a empresa vai continuar sendo maior e melhor ao longo do tempo.”

Após 21 anos desde a fundação, a companhia que funcionava em uma sala de 25 metros quadrados, em Porto Alegre, com menos de uma dezena de funcionários, se transformou em uma potência de 7 mil colaboradores e mais de 3,6 milhões de clientes. Para Benchimol, um dos principais alicerces que ajudou a sustentar a trajetória de sucesso foi a educação financeira. “Se ajudarmos as pessoas a conhecerem coisas diferentes e novas, isso gera uma empatia muito grande, além criar clientes fiéis e uma marca mais forte”, disse. “Ajudar é uma palavra muito importante e que gera uma felicidade genuína”, complementa.

A disposição ao erro é outro elemento importante, que apesar de ir de encontro à cultura latino-americana, é fundamental no esforço de atingir “metas impossíveis”, diz Benchimol. “Fazer uma empresa inovadora é ter um time disposto a errar. Mas não errar na intenção de errar. É errar a partir de fatos e dados, de forma pequena, para fazer com que a empresa fique mais completa ao longo do tempo.” Segundo o fundador da XP, um dos maiores méritos que teve em sua jornada profissional foi a capacidade de não ter medo de mudar pessoas e cargos. “Se não transformar a empresa num ser vivo, literalmente, dificilmente ela terá longevidade.”

Atento ao novo momento da empresa, que abriu capital na Nasdaq em 2019, Benchimol conta que decidiu abrir mão do cargo de CEO, após 20 anos, para dar lugar ao então CTO Thiago Maffra. Motivaram a decisão a transformação tecnológica que a empresa estava passando e a convicção de que Maffra seria um CEO melhor. Atualmente, Benchimol defende uma complementariedade entre os dois. “O Thiago se preocupa com os próximos três anos, e eu olho a partir do terceiro até o décimo”, diz. “Todo fundador e CEO que está há muito tempo no cargo deveria fazer uma transição similar. Quando você está há muito tempo nesta posição, percebe que outras pessoas fariam melhor. E também percebe que poderia aproveitar o tempo disponível para fazer coisas ainda mais incríveis pela empresa.”

O caminho a ser percorrido é proporcional às metas traçadas: no ano passado o sistema financeiro do país teve receita de R$ 830 bilhões, dos quais a XP capturou R$ 13 bilhões, ou apenas 1,5% do market share. “Quando trago esses números fica evidente que estamos só começando. Temos um time faminto, e continuo acreditando que nosso avião pode voar muito mais alto e longe.”

Mesmo em meio ao crescimento exponencial da empresa, Benchimol defende o valor da meritocracia, que, na sua avaliação, é formada por performance e cultura. Para ele, performance é a capacidade de as pessoas atingirem ‘metas impossíveis’ e cultura é o termômetro que mede o quão aderente cada colaborador está aos valores da empresa. O funcionário ideal é aquele que agrega essas duas variáveis. E independente do tamanho e da proximidade dos líderes em relação aos funcionários, o caminho é a consolidação de processos. “Cultura forte e homogênea é baseada em processos”, defende.

Na entrevista, Benchimol também fala de como teve a ideia de organizar a Expert, hoje o maior festival de investimentos do mundo, inspirada no Impact, evento da corretora norte-americana Charles Schwab. Este ano, o evento da XP aconteceu pela primeira vez de forma híbrida, e reuniu, presencialmente, cerca de 15 mil pessoas, além de mais de 1 milhão de acessos online.

Sobre a XP Inc.

A XP Inc. é uma plataforma tecnológica de investimentos, serviços financeiros e educação, dona das marcas XP, Rico, Clear, XP Educação, entre outras. A XP Inc. tem mais de 3,6 milhões de clientes e R$ 846 bilhões de ativos sob custódia. Nos últimos 21 anos, a empresa vem transformando o mercado financeiro brasileiro para melhorar a vida das pessoas, garantindo relações mais transparentes entre os clientes e as instituições financeiras. Para mais informações, acesse o site www.xpinc.com.

STARTUP VALEON UMA HOMENAGEM AO VALE DO AÇO

Moysés Peruhype Carlech

Por que as grandes empresas querem se aproximar de startups? Se pensarmos bem, é muito estranho pensar que um conglomerado multibilionário poderia ganhar algo ao se associar de alguma forma a pequenos empresários que ganham basicamente nada e tem um produto recém lançado no mercado. Existe algo a ser aprendido ali? Algum valor a ser capturado? Os executivos destas empresas definitivamente acreditam que sim.

Os ciclos de desenvolvimento de produto são longos, com taxas de sucesso bastante questionáveis e ações de marketing que geram cada vez menos retorno. Ao mesmo tempo vemos diariamente na mídia casos de jovens empresas inovando, quebrando paradigmas e criando novos mercados. Empresas que há poucos anos não existiam e hoje criam verdadeiras revoluções nos mercados onde entram. Casos como o Uber, Facebook, AirBnb e tantos outros não param de surgir.

E as grandes empresas começam a questionar.

O que estamos fazendo de errado?

Por que não conseguimos inovar no mesmo ritmo que uma startup?

Qual a solução para resolver este problema?

A partir deste terceiro questionamento, surgem as primeiras ideias de aproximação com o mundo empreendedor. “Precisamos entender melhor como funciona este mundo e como nos inserimos!” E daí surgem os onipresentes e envio de funcionários para fazer tour no Vale e a rodada de reuniões com os agentes do ecossistema. Durante esta fase, geralmente é feito um relatório para os executivos, ou pelas equipes de inovação ou por uma empresa (cara) de consultoria, que entrega as seguintes conclusões:

* O mundo está mudando. O ritmo da inovação é acelerado.

* Estes caras (startups) trabalham de um jeito diferente, portanto colhem resultados diferentes.

* Precisamos entender estas novas metodologias, para aplicar dentro de casa;

* É fundamental nos aproximarmos das startups, ou vamos morrer na praia.

* Somos lentos e burocráticos, e isso impede que a inovação aconteça da forma que queremos.

O plano de ação desenhado geralmente passa por alguma ação conduzida pela área de marketing ou de inovação, envolvendo projetos de aproximação com o mundo das startups.

Olhando sob a ótica da startup, uma grande empresa pode ser aquela bala de prata que estávamos esperando para conseguir ganhar tração. Com milhares de clientes e uma máquina de distribuição, se atingirmos apenas um percentual pequeno já conseguimos chegar a outro patamar. Mas o projeto não acontece desta forma. Ele demora. São milhares de reuniões, sem conseguirmos fechar contrato ou sequer começar um piloto.

Embora as grandes empresas tenham a ilusão que serão mais inovadoras se conviverem mais com startups, o que acaba acontecendo é o oposto. Existe uma expectativa de que o pozinho “pirlimpimpim” da startup vá respingar na empresa e ela se tornará mais ágil, enxuta, tomará mais riscos.

Muitas vezes não se sabe o que fazer com as startups, uma vez se aproximando delas. Devemos colocar dinheiro? Assinar um contrato de exclusividade? Contratar a empresa? A maioria dos acordos acaba virando uma “parceria”, que demora para sair e tem resultados frustrantes. Esta falta de uma “estratégia de casamento” é uma coisa muito comum.

As empresas querem controle. Não estão acostumadas a deixar a startup ter liberdade para determinar o seu próprio rumo. E é um paradoxo, pois se as empresas soubessem o que deveria ser feito elas estariam fazendo e não gastando tempo tentando encontrar startups.

As empresas acham que sabem o que precisam. Para mim, o maior teste é quando uma empresa olha para uma startup e pensa: “nossa, é exatamente o que precisamos para o projeto X ou Y”.

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sábado, 3 de setembro de 2022

LIÇÕES DA CRISE ARGENTINA QUE DEVEM SER EVITADAS NO BRASIL

 

Vizinho do Mercosul

Por
Vandré Kramer – Gazeta do Povo


Bandeira da Argentina: país tem uma das seis maiores inflações do mundo e está em crise| Foto: Pixabay


Como num tango, um velho parceiro volta a flertar com a Argentina: a crise. Os ingredientes são os mesmos: déficits fiscais sucessivos, que levam à ampliação da quantidade de moeda em circulação e contribuem para a elevação da inflação. O problema foi agravado pela Covid-19 e pela guerra na Ucrânia.

“O que para a maioria dos países foi a causa de uma crise, para a Argentina foi o catalisador de uma nova”, destaca o economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira. Além do mais, ele cita que o país também demorou a retirar os estímulos concedidos durante a pandemia.

Fatores conjunturais se somaram a problemas estruturais. “Os argentinos vêm enfrentando ondas de crise há décadas e não dão um sinal de estabilidade para o resto do mundo”, afirma Leonardo Paz, analista do Núcleo de Prospecção em Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (NPII/FGV).

A isso, some-se a dificuldade permanente em atrair capitais. “São sempre crises bem parecidas”, diz o analista de macroeconomia da hEDGE point Global Markets, Alef Dias.

Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que o cenário argentino traz algumas lições para o Brasil. Veja abaixo:

1) Pouco intervencionismo, ter metas de inflação e responsabilidade fiscal
Uma das principais lições que a Argentina deixa para o Brasil é a importância de respeitar o tripé econômico formado por superávit primário e não se endivide a longo prazo, ter metas de inflação definidas e pouco intervencionismo, como no câmbio, aponta o analista internacional da XP Investimentos, Francisco Nobre. “Isto dá mais credibilidade.”

A Argentina vem apresentando sucessivos déficits primários – quando a arrecadação não consegue dar conta das despesas, mesmo sem levar em conta aquelas com juros. O problema se acentuou com a crise causada pela pandemia da Covid-19, quando chegou a 6,5% do PIB.

O país tem uma meta estabelecida em acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de 2,5% do PIB. O Ministério da Economia diz que a Argentina vai perseguir esse objetivo, mas o mercado está reticente quanto a essa possibilidade. O Itaú, por exemplo, projeta que o déficit será de 3% neste e no próximo ano.

O analista da XP também destaca a necessidade de ter metas definidas de inflação, que ajudariam a direcionar a política monetária. Ele aponta que, para isso, é necessário ter um banco central independente, a exemplo do que ocorre no Brasil.

Desde 2018, o país vizinho acabou com a estratégia de metas de inflação e, de lá para cá, só não viu os preços aumentarem acima dos 50% ao ano em 2020.

O cenário está piorando. Somente em julho, ela foi de 7,4%, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec, na sigla em espanhol e acumulou uma alta de 71% em 12 meses. Isto faz com que a Argentina tenha a sexta maior inflação do mundo. À frente, segundo a plataforma de informações econômico-financeiras TradingEconomics, estão Zimbábue, Líbano, Sudão, Venezuela e Turquia.

As expectativas são de que o cenário possa piorar nos próximos meses: o Itaú projeta que a inflação poderá chegar a 95% em 2022 e 2023. A XP projeta menos: 84% para este ano. Mas aponta que a dinâmica inflacionária, que já era complicada, vem se agravando com variações mensais cada vez mais altas.

Outro fator importante, segundo Nobre, é deixar o câmbio quase que flutuar livremente: “as consequências do intervencionismo podem ser ruins no longo prazo”. A Argentina conta com várias taxas de câmbio e limita o acesso da população aos dólares. Cada pessoa pode comprar US$ 200 por mês e o que exceder é taxado em 75%. São, pelo menos, dois impostos incidentes sobre a compra de moeda estrangeira.

2) Manter um sólido arcabouço institucional
Outra lição que a Argentina deixa para o Brasil é a necessidade de ter um forte arcabouço institucional. “A situação atual da Argentina é um reflexo da instabilidade política e econômica registrada nas últimas décadas”, afirma Nobre, da XP.

São problemas de corrupção, excessivo intervencionismo do governo na economia e instabilidade política. Paz, da FGV, cita que a Argentina tem uma dinâmica político-partidária complicada que favorece a queda de ministros, como ocorreu no início de julho, com Martín Guzmán, no Ministério da Economia.

Mas a sua sucessora, Silvina Batakis, ficou só 24 dias no cargo. Ela foi substituída por um político influente, o ex-presidente da Câmara, Sergio Massa, que se comprometeu a reduzir subsídios, dar mais estabilidade à economia e cumprir as metas do acordo firmado com o FMI.

Entretanto, os problemas são grandes. O atual presidente Alberto Fernández, que tomou posse em dezembro de 2019, vive às turras com sua vice, Cristina Kirchner, que também é presidente do Senado. Ambos são potenciais candidatos à Presidência nas eleições do próximo ano.

Os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam também que é preciso manter uma política econômica coerente ao longo do tempo. “Não dá para ficar mudando de uma hora para outra, como vem acontecendo”, cita Nobre.

Viera, da Infinity Asset, destaca que falta à Argentina adotar uma política econômica mais séria e ortodoxa. “A adoção de teses sem comprovação efetiva só serve para acentuar os problemas. E dinheiro não leva desaforo.”

Analistas também apontam que um dos erros cometidos pela Argentina é focar em soluções de curto prazo. “Essas medidas geram alívio temporário, mas, no médio e longo prazo, a situação degringola”, cita Paz, da FGV.


3) Não criar empecilhos para o capital estrangeiro
Seguir o tripé macroeconômico e manter um sólido arcabouço institucional são fundamentais para que a Argentina seja atraente para o capital estrangeiro. Uma das maiores dificuldades do país é atrair esses recursos, mesmo com elevadas taxas de juro.

O problema é reforçado pelas sucessivas moratórias para o pagamento de compromissos internacionais. Desde a independência, em 1810, foram, pelo menos, nove episódios. Três deles neste século: 2001, 2014 e 2019. “Isto significa que há um risco muito grande em investir na Argentina”, diz Paz, do NPII/FGV.

No início de agosto, o país subiu a taxa básica de juros (Leliq) para 69,50% ao ano, uma das mais elevadas no mundo. “Foi necessário numa tentativa de conter a inflação e evitar a desvalorização cambial”, diz Dias, de hEDGE Point Global Markets.

Uma das consequências da dificuldade em atrair o capital estrangeiro são as baixas reservas internacionais. Elas estão em seu nível mais baixo desde 2018, quando chegaram à marca de US$ 62,6 bilhões. No dia 26, segundo o Banco Central da República Argentina (BCRA), eram US$ 36,9 bilhões, uma queda de US$ 2,7 bilhões em relação ao início do ano. Elas não pagariam um semestre de importações.

É uma situação diferente da do Brasil, um país que tem uma economia quatro vezes maior e um volume de reservas mais de nove vezes superior. Elas são suficientes para pagar 16 meses de compras no exterior.

Apesar desse cenário mais complicado, a Argentina tem lá seus atrativos. Os ativos estão muito baratos e não é uma economia pequena. São mais de 46 milhões de habitantes e é um dos maiores produtores mundiais de alimentos.

Mas, mesmo assim, o investimento estrangeiro privado – aquele aplicado no setor produtivo – corresponde a cerca de 1% do PIB. No Brasil, esse percentual é de 3,45%, de acordo com o Banco Central.

4) Ter uma moeda nacional confiável
Outro grande problema da Argentina é a falta de confiabilidade da população no sistema financeiro e na moeda local. Segundo a Bloomberg, em julho, cerca de 1,4 milhão de pessoas, o maior número desde 2020, comprou dólares no mercado formal, apesar dos fortes desincentivos.

Os argentinos sacaram pouco mais de US$ 1 bilhão de depósitos em dólar dos bancos desde o início de julho, informa o Valor. Transações rotineiras, como a compra de imóveis ou estabelecer um contrato de aluguel, são feitas na moeda norte-americana.

Um dos termômetros dessa desconfiança está na acentuada desvalorização do peso. E não é só frente ao dólar, como também ao real. Em 2019, R$ 1 comprava aproximadamente 15 pesos. Atualmente, quase 27 pesos. “É um problema que já se tornou crônico”, diz o professor Marco Antônio Rocha, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/Unicamp).

Outro fator que, segundo ele, ajuda a complicar os problemas argentinos é a falta de mecanismos em moeda nacional para financiar a economia. “É uma lição que o Brasil já fez”, diz o professor. Mas Leonardo Paz, do NPII/FGV, lembra que o argentino é menos tolerante a juros.

“Quando cresce, a Argentina se endivida em dólar. Aumenta a demanda por esta moeda e se cria as condições para uma espiral perversa: há escassez de divisas, o que leva a mais alta nos preços, causando novas pressões de custos. Isto gera uma retroalimentação do problema inflacionário”, explica o professor da Unicamp. E, para complementar, há o problema de déficits.

Um dos caminhos para a Argentina, de acordo com ele, seria o de criar mecanismos de financiamento interno, em pesos. E também de estimular o desenvolvimento de cadeias produtivas locais que pudessem ser opções quando há uma maior pressão cambial encarecendo os artigos importados.

Os argentinos não tem muita saída, dizem os especialistas. “Elas obrigatoriamente terão de renegociar com o FMI e tentar atrair capitais estrangeiros”, destaca Rocha. E promover mudanças estruturais. Só assim, eles podem evitar perder espaços onde ainda são muito competitivos, como na produção de óleo e de farelo de soja, afirma Dias.


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PUTIN ESTÁ PROMOVENDO UMA QUEIMA DE ARQUIVO NA RÚSSIA?

 

Rússia

Por
Mariana Braga – Gazeta do Povo


Desde quando assumiu a presidência da Rússia, em 2000, Putin é acusado de mandar envenenar opositores.| Foto: EFE/EPA/VYACHESLAV PROKOFYEV/SPUTNIK/KREMLIN

Ravil Maganov, presidente da segunda maior produtora de petróleo russa, Lukoil, morreu “após cair de uma janela de um hospital” em Moscou nesta quinta-feira (01), segundo a agência Reuters. A estranha causa da morte do administrador de 67 anos cria mais suspeitas em relação ao governo de Vladimir Putin, porque a Lukoil se posicionou contra a guerra na Ucrânia diversas vezes desde a invasão russa. 

Em comunicado no dia 3 de março, por exemplo, a diretoria da empresa pediu o fim “imediato” dos combates, expressando solidariedade aos atingidos pela tragédia. 

Duas fontes próximas a Maganov afirmaram à agência de notícias ser altamente improvável que o executivo tivesse cometido suicídio. Questionada pela Reuters se investiga a morte como suspeita, a polícia de Moscou disse ter encaminhado o caso ao Comitê de Investigação. 

O Hospital Central de Moscou, onde Maganov estava, costuma ser chamado de  “Hospital do Kremlin”, por ter membros das elites políticas e empresariais da Rússia entre seus pacientes.

Sequência de mortes desde a invasão russa à Ucrânia
Maganov faz parte de uma lista de executivos de energia que tiveram mortes suspeitas desde o conflito na Ucrânia. Alexander Subbotin, de 43 anos, que também foi diretor da Lukoil, companhia petrolífera russa, membro do conselho de administração da Lukoil Trading House LLC, também irmão de Valery Subbotin, ex-vice-presidente da empresa, foi encontrado morto após um ritual de cura xamâmico. 

Entre outros executivos que tiveram mortes suspeitas, esteve o gerente de alto nível da Gazprom, Alexander Tyulakov, que foi encontrado morto em sua casa em São Petersburgo, um dia após a invasão russa ao país vizinho. 

Em abril, Sergei Protosenya, oligarca multimilionário e ex-vice-presidente da Novatek, a maior produtora de gás natural liquefeito (GNL) da Rússia, foi encontrado sem vida com a esposa e a filha na Espanha. 

Além de muitos outros oligarcas russos que tiveram morte atípica, nas últimas duas semanas três importantes figuras políticas morreram na Rússia de Vladimir Putin. Pouco antes de Ravil Maganov, foi a vez de Dmitry Litovkin. 

O correspondente de guerra Dmitry Litovkin teve morte repentina

Segundo a imprensa russa, aos 51 anos, Litovkin “adoeceu repentinamente e foi colocado em coma induzido”. Depois disso, ele morreu no último domingo (28). Litovkin esteve ativamente envolvido em atividades de propaganda nos últimos anos e era editor-chefe de uma revista militar russa. 

“Dmitry Litovkin estava profissionalmente conectado com a Marinha, com a esfera de controle de armas, com os problemas no exército na utilização de tecnologia. Além disso, ele tinha um conhecimento notável em áreas como armas de mísseis de várias classes, sistemas de defesa aérea e antimísseis, sistemas de mísseis antitanque e veículos aéreos não tripulados”, relatou o periódico russo Nezavisimaya Gazeta. 

Darya Dugina morre em explosão de automóvel que dirigia
A jornalista e cientista política Darya Dugina, de 30 anos, foi morta no dia 20 de agosto, em Moscou, após uma explosão de bombas instaladas debaixo do carro que ela dirigia. 

“Um dispositivo explosivo foi colocado na parte de baixo do carro, no lado do motorista. Darya Dugina, que estava ao volante, morreu no local”, disse o Comitê de Investigação da Rússia, órgão federal ligado diretamente à presidência. 

Os russos trabalham com a hipótese de o incidente ter sido criado por uma cidadã ucraniana que vive na Rússia, como represália pela guerra, mas que teria a intenção de matar o pai de Darya – e dono do automóvel, Alexander Dugin. 

Analista e estrategista controverso, Dugin é conhecido por visões ultranacionalistas. Ele defende o conceito de “mundo russo” e o envio de tropas para a Ucrânia. O estrategista segue o eurasianismo – filosofia que defende que a Rússia precisava se afastar dos ideais europeus e criar um império russo-asiático. 

A Ucrânia nega fazer parte do incidente. “Não estamos envolvidos na explosão que matou essa mulher. É uma obra dos serviços secretos russos”, disse o secretário do Conselho de Segurança e Defesa Nacional da Ucrânia, Oleksii Danilov.

Histórico de envenenamento nos serviços secretos russos

Desde quando assumiu a presidência da Rússia, em 2000, Putin é acusado de mandar envenenar opositores, uma prática centenária que teria sido herdada dos tempos da extinta União Soviética. O presidente foi oficial do serviço secreto soviético da KGB. 

Um dos primeiros casos de envenenamento ocorrido durante o governo Putin aconteceu em setembro de 2004, quando o candidato da oposição à eleição presidencial ucraniana, Viktor Yushchenko, ficou gravemente doente e teve seu rosto desfigurado, mas sobreviveu. A doença havia sido provocada por uma substância tóxica que ele teria ingerido durante uma refeição. 

Em 2020, o principal líder da oposição russa, Alexei Navalny, foi envenenado e passou por uma longa recuperação. No começo de 2021, depois de meses fora da Rússia, ele voltou para o país pela primeira vez desde seu envenenamento e foi preso. 

De acordo com o governo alemão, Navalny foi envenenado por uma substância conhecida como Novichok. A maior parte do agente químico teria sido plantada na cueca dele. O Kremlin negou as acusações de envolvimento.

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PAUTAS DOS ORGANIZADORES PARA OS MOVIMENTOS DE PROTESTOS NO DIA 7 DE SETEMBRO

 

Entrevista Paulo Generoso

Por
Rodolfo Costa
Brasília


Empresário Paulo Generoso é criador e coadministrador da página República de Curitiba na internet| Foto: Divulgação

Os movimentos de rua acreditam que as manifestações convocadas para a próxima quarta-feira, 7 de setembro, serão as maiores da história do país. Em pauta, a celebração do Bicentenário da Independência do Brasil, e a defesa das liberdades e de eleições transparentes. Os organizadores também admitem que os atos de 7 de setembro serão um ato de apoio à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).

O empresário Paulo Generoso, criador e coadministrador da página República de Curitiba na internet, assegura, porém, que os movimentos estão atentos para não tornar as manifestações em um ato de campanha. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele fala sobre a agenda de Bolsonaro nos atos, a respeito da preocupação dos organizadores com a segurança, e rechaça as acusações feitas por críticos que chamam as manifestações de atos antidemocráticos.

Há algumas semanas no Brasil, o empresário, que mora nos Estados Unidos, articula com organizadores de todo o país os atos para o aniversário de 200 anos da independência. Segundo ele, há um esforço por trás do trabalho voluntário. “Eu procuro me redimir. Eu sou avô já, e a minha geração deveria ter entregue um país muito melhor para os nossos filhos e nossos jovens, e não entregou. Então, uma forma de nos redimir é fazendo esse trabalho de resgate dos nossos valores, da nossa liberdade, da nossa democracia”, diz.

O empresário rejeita ser associado como um dos principais coordenadores das manifestações e se diz como um dos “milhares de brasileiros patriotas anônimos que têm ido às ruas” pelo país. “Nossas ruas não têm dono, é uma nação, um povo lutando pela liberdade, pela democracia, e por um país melhor e mais justo. E apoiando o nosso governo, que está no caminho certo”, afirma Generoso.

Confira a entrevista completa abaixo:

Quais são as pautas das manifestações de 7 de setembro?
Paulo Generoso: Em primeiro lugar, o desejo de celebrar e fazer uma grande festa democrática pelos 200 anos da Independência. Neste bicentenário, continuamos lutando por nossa liberdade, outra pauta. Também defenderemos a defesa das instituições, da nossa democracia e de eleições transparentes, que não é pauta de direita, nem de esquerda, acho que é de interesse de todo eleitor brasileiro que as eleições sejam transparentes.

O que os brasileiros que forem às ruas podem esperar?
Como todas as manifestações democráticas de verde e amarelo até agora, será uma manifestação para toda a família. Podem ir pessoas idosas, podem levar crianças. Está todo mundo animado em fazer uma manifestação patriótica, democrática, pacífica e ordeira em celebração aos 200 anos da Independência do Brasil neste 7 de setembro. Então, podem reunir a família, vestir sua camisa verde e amarela, pegar sua bandeira do Brasil, essa bandeira linda, verde, amarela, azul e branca, e ir para as ruas em todo o país.

O apoio à reeleição do presidente Jair Bolsonaro será um tema a ser defendido nos atos?
Com certeza! Eu acredito que fica difícil desassociar essas manifestações democráticas dos últimos anos, principalmente portando nossa bandeira verde e amarela, do apoio ao governo e à reeleição do presidente. Por coincidência, neste 7 de setembro estaremos no mês de uma campanha presidencial e demonstrando toda nossa preocupação com o futuro do nosso país. Com certeza, estaremos apoiando, sim, o presidente Jair Messias Bolsonaro, e muitos discursos e palestrantes defenderão o voto nele.

A operação contra empresários ordenada pelo ministro Alexandre de Moraes estimula mais pessoas a irem às ruas?
Com certeza, muita gente está muito mais motivada ainda e pensando em levar muito mais pessoas e se mobilizando mais ainda por conta disso. Se a gente não lutar por nossa liberdade hoje, estaremos lutando nas ruas por um prato de comida depois. Não abrimos mão da nossa liberdade, este é um dos motivos da nossa pauta de estar nas ruas neste 7 de setembro.

A decisão que embasou a operação é avaliada por alguns juristas como inconstitucional. O senhor entende que foi uma medida abusiva e que os manifestantes também irão às ruas protestar com essa percepção?
Sim, e inclusive tem um vídeo do [ex-procurador da Lava Jato] Deltan Dallagnol e da procuradora Thaméa Danelon que colocam 12 pontos de ilegalidades nesse inquérito contra os empresários. É típico de Cortes aparelhadas, como na Venezuela e em Cuba, e não de uma democracia, como nós vivemos. Pela primeira vez, além de dividir o STF, vimos muitos veículos de imprensa condenando essa atitude do Alexandre de Moraes. Acho que já é um começo e o Brasil começa a perceber o abuso do Judiciário através do Alexandre de Moraes, que está chegando em um ponto exorbitante e inaceitável.

Empresários investigados pela decisão de Moraes estão convidados a fazer uso da palavra nas cidades onde haverá atos?
Os empresários investigados no inquérito ilegal do Alexandre de Moraes são muito bem vindos e, com certeza, estão convidados a subirem em qualquer trio, a qualquer momento. São patriotas, nos orgulhamos deles, são pessoas honestas e decentes que geram emprego em um país difícil para o empreendedor até os dias de hoje, que está melhorando muito com o presidente Bolsonaro. Com certeza serão muito bem vindos e recebidos como heróis em qualquer manifestação no 7 de setembro.

Existe algum monitoramento sobre o engajamento da população nas manifestações?
Sim, há um monitoramento em grupos de WhatsApp, onde viraliza muita coisa, até algumas coisas mais do que em plataformas como Facebook e Instagram, e também nas redes sociais. A gente percebe uma movimentação grande. Principalmente o pessoal “lavajatista”, e muita gente que estava até desmotivada com a campanha e a reeleição do presidente está voltando a apoiar Bolsonaro e se mobilizando para o 7 de setembro com o receio, realmente, de que a esquerda volte e a gente tenha um Judiciário cada vez mais aparelhado. É o que a gente está percebendo nesse movimento com os contatos feitos.

Como será a participação do presidente no dia 7 de setembro?
O presidente vai estar em Brasília, às 9 horas, na parada militar. Pela primeira vez, inclusive, haverá 28 tratores juntos participando do desfile militar, sendo cada um dos 27 com uma bandeira de um estado, e um liderando na frente. É uma deferência e uma honra, a convite do presidente, ao agro, que tem sido fundamental não só para o Brasil, mas para o mundo. É uma forma de honrar o nosso agro que tem feito um excelente trabalho sempre, não é de hoje, apesar do candidato do PT chamar de fascista e não gostar do agro, o agro tem sido honrado pelo presidente e sido motivo de orgulho para nós.

E depois do desfile cívico-militar em Brasília?
Depois da parada, temos a manifestação. O pessoal do agro está colocando um trio na Esplanada. O presidente vai passar lá, está convidado para passar no nosso trio, a Esplanada estará lotada. Depois de Brasília, ele irá ao Rio de Janeiro, onde haverá um grande movimento também em Copacabana, com a Esquadrilha da Fumaça, mais Marinha e a Aeronáutica. De lá, vai falar com o pessoal que estiver na [Avenida] Paulista por uma ligação.

Vai ser um vídeo gravado previamente ou uma ligação ao vivo feita no Rio de Janeiro?
Será uma ligação ao vivo no Rio de Janeiro transmitida na Paulista.

Será transmitida só a voz ou terá imagem do presidente também?
Olha, é possível ter imagem, só que a gente sempre tem problema na Paulista com a questão de sinal, até pela quantidade de pessoas lá. Não dá para garantir que terá imagem também, mas a ligação dele ou uma fala para o pessoal da Paulista é certa.

Essa transmissão será feita em um telão ou na caixa de som dos trios?
Nos dois modelos. A gente vai passar em um telão e na caixa de som também nos trios.

A ida do presidente ao Rio de Janeiro não desestimula os participantes do ato na Paulista?
Com tudo o que vem acontecendo, os 200 anos da Independência, todos os problemas que temos enfrentado para garantir a nossa liberdade nas ruas, mais esse ato do Alexandre de Moraes contra os empresários “bolsonaristas” sem prova nenhuma, mais a campanha pela reeleição do presidente, o que está em jogo é o futuro do nosso país, das nossas crianças, do nosso povo, da nossa nação. E o povo está consciente disso, então, não vai desanimar. Vamos lotar a Paulista, as ruas de Copacabana e a Esplanada [dos Ministérios], em Brasília.

Os organizadores preveem atos em quantos municípios?
Temos confirmadas manifestações em mais de 300 cidades no Brasil. Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro serão, com certeza, as maiores, mas teremos atos também em Belo Horizonte, Recife, Vitória, Curitiba, Porto Alegre, que sempre faz uma bela manifestação, Florianópolis… Não tenho a menor dúvida de que o Brasil inteiro fará uma das maiores manifestações patrióticas e democráticas da história do país.

Haverá manifestações em todas as capitais?
Com certeza, todas as capitais farão grandes eventos neste 7 de setembro.

Há preocupação dos organizadores com relação a segurança?
A gente sempre tem preocupação com a segurança do evento em si. Não nos preocupamos com quem participa do evento de forma democrática e ordeira. Nunca tivemos problemas com o pessoal de direita. Mas, especificamente nesta data, a preocupação é maior. Inclusive, passei para os órgãos de inteligência [o nome de] um jornalista, não lembro o nome agora, escrevendo uma matéria sugerindo que surja neste 7 de setembro mais um mártir como foi, segundo ele, o Adélio [Bispo, que atentou contra a vida de Jair Bolsonaro em 2018].

Por isso, a gente tem a preocupação com a segurança, sim, trabalhamos muito próximos com as secretarias de segurança de cada estado para que a gente não tenha problema nenhum. Mas, realmente, até por ser em período de campanha, a gente tem uma preocupação um pouquinho mais elevada com a segurança.

Qual tem sido o seu papel ao longo dessas últimas semanas na coordenação dos atos?

Olha, eu costumo dizer que as ruas não têm dono. E quem tentou se apoderar das ruas argumentando que era dono delas já quebrou a cara. Apesar de ajudar a organizar vários atos, principalmente em Curitiba, São Paulo e Brasília, sou mais um de tantos voluntários e patriotas que fazem isso de forma realmente voluntária.


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Como começou sua trajetória junto aos movimentos de rua?
Sempre acompanhei muito de perto a política e meu primeiro voto foi no PT, no Olívio Dutra, em 1988, em Porto Alegre [eleição municipal], na época que a gente ia para as ruas com a bandeira de um partido de graça, acreditando, realmente, que estava lutando por um país melhor, até ser enganado. Mas meu maior engajamento político surgiu em 2016, quando o ex-presidiário Lula falou que estava assustado com a “República de Curitiba”.

Então, eu criei a página República de Curitiba. E teve um crescimento gigante. A gente tem quase 2 milhões de seguidores. Depois fomos uma das grandes e primeiras páginas a apoiar a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, e continuamos trabalhando e apoiando o governo. Estou aí desde a época do impeachment da [ex-presidente] Dilma [Rousseff], passando pelo [ex-presidente Michel] Temer, e pela reeleição do presidente. Procuro contribuir e fazer minha parte para construir um país melhor.

O que o senhor diria aos críticos que acusam essas manifestações de serem antidemocráticas? 
Em primeiro lugar, acho que somos uma nação, somos um povo, nos consideramos todos irmãos. E quando a gente vê uma senhora de 80 anos de idade, uma criança, um pai, ou uma família inteira caminhando com uma bandeira do Brasil nas ruas de São Paulo, em Brasília, em Curitiba, enfim, em tantas cidades, saindo e ficando horas em uma manifestação de graça, pagando e gastando para estar lá, e a gente vê isso sendo chamado de manifestação antidemocrática, de um ato violento ou de um atentado à ordem jurídica do país, é um absurdo.

Só nos motiva mais ainda a estar nas ruas de forma pacífica, ordeira e lutando agora pela nossa democracia e liberdade para que a gente não tenha que ser escravizado depois. A gente está consciente de que temos um trabalho e uma missão de continuar lutando pela nossa liberdade. Percebemos um agrupamento de todos contra o presidente e o nosso governo, que teve mais de 57 milhões de votos na última eleição. A imprensa e a esquerda nunca aceitaram a vitória do presidente, e me parece que uma ala do Judiciário também não.

Como vocês atuam para evitar tons ou palavras que possam sugerir algo que os movimentos não defendam?
Existe uma comunicação constante e a internet nos possibilita isso. E desde 2018, se tu lembrar, tinha movimento pedindo intervenção militar e fazendo campanha pelo presidente ao mesmo tempo. É algo que não combina, e a gente combateu isso desde o início, não fazia o menor sentido. A gente vem tentando conscientizar também uma ala da direita de que a gente precisa lutar pela democracia dentro das leis, sem contrariar e combater as instituições, a despeito da atitude de alguns ministros e de algumas pessoas que tentam usurpar da sua função e estão exagerando na dose.

A gente tenta conscientizar no sentido de que votamos errado durante 30 anos e a gente precisa de alguns anos votando certo, da forma correta, para corrigir o que fez. Sempre culpamos a imprensa, o STF, o PT, e a gente nunca assume nossa parcela de culpa. Então, temos tentado fazer um trabalho nesse sentido de que votamos errado e em pessoas erradas durante 30 anos e não dá para querer que, no primeiro ano, o presidente Bolsonaro chegue lá e resolva todas as coisas.

Se a gente não tiver paciência, estratégia e sabedoria neste momento para continuar trabalhando pelo nosso país, a gente acaba se decepcionando muito fácil. Temos, sim, essa interação constante no sentido de pacificar e fazer com paciência essa transformação que o Brasil precisa rumo a uma democracia sólida, com instituições sérias e pessoas sérias também.

Ou seja, os organizadores não apoiam qualquer manifestação de pessoas que venham a defender um golpe de Estado?
De forma alguma, não vejo nem do presidente, nem de nenhum organizador, muito pelo contrário. O nosso objetivo é trabalhar pela democracia, e quando falamos em democracia, a gente pensa em instituições fortes, pois as pessoas passam. Bolsonaro passa, eu passo, qualquer líder e ministro do STF passa. As instituições permanecem. Então, o nosso objetivo é respeitar todas as instituições, o Legislativo, Executivo e Judiciário, e principalmente, a nossa Constituição. O que a gente quer é que todos os agentes de qualquer um desses três poderes respeitem a Constituição.

Não tem golpe nenhum, nunca fomos para a rua pedindo golpe e a maioria tem uma parcela que, até por talvez desconhecer algumas regras, algumas leis e a própria instituição, talvez possa pedir, mas é a minoria da minoria. A maioria das pessoas que irão às ruas são moderadas e procuram trabalhar por um país com democracia sólida, por nossa liberdade e pelo nosso governo.


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AUXÍLIO BRASIL COMBATE A MISÉRIA E A FOME DIZ BOLSONARO

 

Agenda social

Por
Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Brasília

(São Paulo – SP, 24/02/2022) Presidente da República, Jair Bolsonaro durante entrega simbólica do Cartão Auxílio Brasil. Foto: Isac Nóbrega/PR


Bolsonaro durante entrega simbólica do cartão do Auxílio Brasil, em fevereiro: programa é a principal aposta para o combate à fome e à miséria.| Foto: Isac Nóbrega/PR

O presidente Jair Bolsonaro (PL) tem sido confrontado com a informação de que 33,1 milhões de brasileiros passam fome – tecnicamente, situação de insegurança alimentar. Bolsonaro não reconhece esses dados; diz que são inflados. Mas, durante a campanha, ele vem afirmando que a insegurança alimentar e a extrema pobreza serão enfrentados com a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 em 2023.

O projeto de lei orçamentária para 2023, apresentado na quarta-feira (31) pelo governo, prevê R$ 405 para o Auxílio Brasil. Mas Bolsonaro garante que o valor de R$ 600 será mantido. Em entrevista na quinta-feira (1.º) à RedeTV, o presidente que pode haver taxação de lucros e dividendos de quem ganha acima de R$ 400 mil mensais para manter o valor mais alto. Também na quinta, numa live, disse que outra possibilidade é estender a vigência do decreto de calamidade pública caso a guerra da Ucrânia continue – isso abriria permitiria que a despesa adicional sem ficar limitada ao teto de gastos determinado pela Constituição.


Em entrevista na sexta-feira (26) ao programa Pânico, da Jovem Pan, Bolsonaro respondeu que os 33 milhões de pessoas em situação de fome “podem buscar o Auxílio Brasil” e associou os dados de insegurança alimentar à extrema pobreza. Também sinalizou o pagamento do benefício em R$ 600 como forma de enfrentar tais desafios.

Considera-se em situação de extrema pobreza o lar com rendimento médio mensal inferior a R$ 105 per capita ou a pessoa com renda individual diária menor que US$ 1,90 (atualmente, cerca de R$ 9,80 por dia ou R$ 294 mensais). “O Auxílio Brasil paga, hoje, R$ 20 por dia”, comentou Bolsonaro ao calcular que, em uma média diária, o beneficiário do programa social recebe aproximadamente o dobro da faixa de renda de alguém considerado extremamente pobre.

O ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, que atua como um dos coordenadores eleitorais da campanha de Bolsonaro, é outro a defender o programa social como resposta aos mais pobres. Em aceno a esse grupo, ele destacou o Auxílio Brasil e criticou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ministro da Casa Civil diz que Lula falou a palavra “pobre” uma única vez e “no minuto final” durante a sabatina promovida pelo Jornal Nacional, no dia 25. “Esse é o ‘pai dos pobres’. Bolsonaro não apenas fala: fez e faz. O maior programa social da história do Brasil, o Auxílio Brasil, de R$ 600. Lula antes falava da pobreza. Agora, nem isso faz. Prefere atacar o que está certo e elogiar o que está errado. O futuro vai vencer o passado e o atraso”, disse.

A comunicação sobre o Auxílio Brasil faz parte da estratégia da campanha de Bolsonaro em assumir a “paternidade” do programa social. O benefício foi protagonista das primeiras propagandas do presidente no horário eleitoral do rádio e da TV.

Em uma das propagandas, é veiculado um jingle que diz que o Bolsa Família “não existe mais”. “Agora é Auxílio Brasil de no mínimo R$ 600”, diz a propaganda. A referência ao “mínimo” é atribuída ao fato de que, além benefício, as famílias ainda podem receber recursos de outros programas sociais.

Em outra propaganda, Bolsonaro diz que o Bolsa Família pagava, em média, R$ 192, e que, segundo ele, algumas famílias recebiam apenas R$ 80 por mês. Ele comenta que, no fim do ano passado, foi criado o Auxílio Brasil e que cada família passou a receber, no mínimo R$ 400. O presidente ainda destaca na propaganda que, com o apoio do Congresso Nacional, o valor do Auxílio Brasil foi elevado para R$ 600. E prometeu manter esses recursos em 2023. “Esse valor será mantido a partir do ano que vem dentro da responsabilidade fiscal”, diz Bolsonaro. O benefício no patamar atual vai até dezembro.

Bolsonaro e Ipea contestam dado de que há 33 milhões de pessoas com fome
O presidente Jair Bolsonaro não reconhece os dados de que 33 milhões de pessoas estejam em situação de fome no Brasil. Os 33,1 milhões de pessoas em situação de fome foram apontados em junho pelo último Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 (Vigisan), divulgado por uma ONG – a Rede Penssan (Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).

Ao programa Pânico, Bolsonaro foi informado que a presidenciável do MDB, Simone Tebet, citou os dados sobre a fome no país. Em resposta, o presidente disse que ela “falou besteira”. Ele admitiu, porém, “que deve ter gente passa fome” e recomendou que se cadastrem no Auxílio Brasil “quem, porventura, está na linha da pobreza, passando fome”.

Além de Tebet, Lula e o presidenciável do PDT, Ciro Gomes, também tem falado sobre as 33 milhões de pessoas em situação de fome.

Em resposta, o coordenador da campanha de Bolsonaro no Nordeste, Gilson Machado, candidato ao Senado por Pernambuco, disse em publicação no Twitter que é “desonestidade” usar o dado como base para falar sobre a fome no Brasil. “Estudos fraudulentos encomendados por ONGs de esquerda agora são sumariamente desmascarados. Mais uma narrativa que cai por terra. A verdade é que os índices de pobreza caem no Brasil, enquanto sobem no mundo”, comentou.

Machado usou dados divulgados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para rebater o dado de que 33 milhões de pessoas passam fome. Segundo o Ipea, em função da criação do Auxílio Brasil e do aumento do número de beneficiários em relação ao Bolsa Família e do valor médio pago aos beneficiários, o país encerrará 2022 com 4,1% da população brasileira em situação de extrema pobreza. O cálculo é baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Confirmado o índice de 4,1% de pessoas extremamente pobres no Brasil ao fim de 2022 – que seria o menor desde 2015, quando ficou em 3,3% –, o Ipea estima que isso equivaleria a 2,9 milhões de famílias, ou aproximadamente 8 milhões de pessoas. O dado ainda pode ser alterado à medida em que mais pessoas sejam incluídas no Auxílio Brasil.

Pesquisador da área de pobreza desde 2003, o presidente do Ipea, Erik Figueiredo, questiona os dados de 33 milhões de pessoas passando fome e aponta a falta de transparência como uma justificativa. “Estaria tudo certo se fossem divulgados os microdados da Vigisan, mas não divulgam. Não há clareza sob o ponto de vista metodológico”, afirma à Gazeta do Povo.

Sem o acesso aos microdados, Figueiredo questiona, por exemplo, como o índice de insegurança alimentar da Penssan cresceu 3,2 pontos percentuais entre 2018 e 2020, enquanto o indicador de extrema pobreza divulgado pelo IBGE caiu 1,9 ponto percentual no mesmo período. “Os dados se conflitam e se deslocam de um histórico amplamente documentado. Como a extrema pobreza cai, é de se esperar que a insegurança alimentar também esteja caindo”, diz.

Entre 2004 a 2018, existia uma diferença de 2,1 pontos entre o índice de insegurança alimentar captado pela Penssan com o indicador de extrema pobreza registrados pelo IBGE. Entre 2018 e 2021, a diferença média salta para 13,8 pontos percentuais. Por esse motivo, Figueiredo questiona a hipótese de 33 milhões de pessoas em situação de fome e entende que o número não se confirma.

Em 2020, Figueiredo destaca ainda que foram gastos quase R$ 300 bilhões com o pagamento do Auxílio Emergencial, “em um valor sete vezes superior ao gasto com o Bolsa Família na época”. “Se focarmos apenas nos beneficiários do programa social da época, o Bolsa Família, esse gasto propiciou um aumento na renda média recebida por essas famílias de mais de 480%, passando de um tíquete médio de R$ 189 para R$ 908, o que pode ser atestado pelos dados da PNAD Covid. Em resumo, a redução da extrema pobreza e o ganho de renda propiciado pelo auxílio emergencial não são compatíveis com o aumento da insegurança alimentar”, diz ele.

Em 2021, os dados da Penssan apontam um crescimento de 6 pontos percentuais do índice de insegurança alimentar. Para Figueiredo, a alta se desloca ainda mais dos indicadores de pobreza extrema. Para o presidente do Ipea, chama ainda mais atenção os argumentos que sustentam o crescimento da insegurança alimentar nesse período.

Relatório do Vigisan aponta que houve “piora significativa dos índices” com o desemprego. Porém, Figueiredo destaca que, entre dezembro de 2020 e dezembro de 2021, o desemprego apresentou uma trajetória de queda, de 15% para 11,5% (atualmente, está em 9,3%). O presidente do Ipea pondera que, no meio acadêmico, o questionamento a um resultado de uma pesquisa faz parte do “dia a dia” e defende suas contestações.

“A conta não fecha e, curiosamente, a insegurança alimentar se descolou da extrema pobreza justamente após 2018 sem correspondência com outras estatísticas econômicas. Para um pesquisador, isso deveria levantar dúvidas”, diz. “Não digo que a pesquisa está errada, mas falamos de um salto médio de 2 pontos percentuais para 14 pontos entre os índices de insegurança alimentar e pobreza extrema [em 2021]”, complementa.

O relatório Vigisan fez a pesquisa em 12.745 domicílios fisicamente com adultos nas 27 unidades federativas em regiões rurais e urbanas. A coleta de dados ocorreu entre novembro de 2021 e abril de 2022, com a utilização de questionário contendo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia).
Há outros dados que apontam o aumento da pobreza. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) Social divulgou um relatório em junho que aponta que a pobreza extrema subiu de 4,2%, em 2020, para 5,9%, em 2021. Os dados também são contestados por Figueiredo. O presidente do Ipea diz que, quando se toma por base uma comparação de 2020, quando havia o auxílio emergencial, com 2021, quando o principal programa social era o Bolsa Família, é natural que os dados de pobreza sejam puxados para níveis “muito baixos”. “Deveríamos ter uma comparação mais honesta”, afirma.


Quais são as outras propostas para combater a extrema pobreza
Embora a manutenção do pagamento do Auxílio Brasil em R$ 600 seja o “carro-chefe” da campanha de Bolsonaro para o combate à fome e a miséria, o plano de governo apresenta outras medidas. Uma das medidas destacadas é manter a Atenção Primária como um “foco importante” e assegurar que nutrólogos e nutricionistas sejam ouvidos a fim de contribuir na segurança alimentar da população.

O objetivo é que esses especialistas proponham alimentos “adequados” e “compatíveis” com cada região do país, a fim de diminuir a pressão sobre o sistema de saúde “na medida que a boa alimentação inibe o aparecimento de doenças”.

Outra medida citada é o fortalecimento de programas como o Alimenta Brasil, que se baseia nas compras públicas da produção do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e na doação de alimentos adquiridos. O objetivo é contribuir de maneira paralela para a “emancipação econômica” dos agricultores familiares e para a segurança alimentar e nutricional de grupos socialmente vulneráveis.

O plano de governo de reeleição de Bolsonaro também assume o compromisso de garantir a “integração das políticas de segurança alimentar e a econômica, aumentando a eficiência da alocação de recursos”. Para isso, é apontado como “atividade estratégica” a produção de alimentos com o incremento do uso de “tecnologia de ponta, pesquisas e respeito ao meio ambiente”.

O combate à pobreza também é destacado em diversos trechos do plano de governo, principalmente na introdução. O texto diz que o modelo de gestão implantado no Brasil favoreceu a “proliferação da pobreza” ao mesmo tempo em que “impediu a implementação de um desenvolvimento econômico seguro, próspero e sustentável a longo prazo”.

A proposta de reeleição fala que o “novo modelo de gestão” proposto por Bolsonaro “produz e distribui riqueza” e “proporciona ao Brasil bater recordes na geração de empregos” e “o aumento de benefícios sociais para os mais vulneráveis”.

Também é destacada como prioridade a meta de ampliar e aprimorar “um sistema de proteção social efetivo e sustentável”. Há ainda uma referência sobre a água como “vetor de desenvolvimento econômico” para a redução da pobreza, com um destaque para a conclusão das obras da transposição do Rio São Francisco, um dos principais pontos explorados pela campanha de Bolsonaro no Nordeste.

Outro ponto destacado no plano de governo é a liberdade como meio para a “prosperidade individual e social”. “Ela é atingida ao se integrar políticas públicas direcionadas às famílias, em especial àquelas em situação de pobreza e extrema pobreza, com a transferência direta e indireta de renda”, diz trecho do plano de governo.


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