Nem a Rússia nem a Ucrânia devem realizar qualquer ação militar
decisiva na Ucrânia este ano, disse o chefe da inteligência militar do
Reino Unido à BBC.
Falando em uma rara entrevista, o general Jim Hockenhull também disse
que estava de olho em um eventual uso de armas nucleares pela Rússia.
Em 23 de fevereiro deste ano, Hockenhull recebeu um telefonema
dizendo que havia alguns indicadores estranhos de atividade na fronteira
ucraniana. Veio a confirmação de que a Rússia havia de fato invadido
seu vizinho.
Minutos depois, ele informou o primeiro-ministro e o secretário de
Defesa do Reino Unido sobre o início do maior conflito armado da Europa
desde a Segunda Guerra Mundial.
Como chefe de Inteligência de Defesa nos últimos quatro anos,
Hockenhull trabalha nas sombras, administrando uma organização que lida
com informações altamente secretas. A guerra na Ucrânia tornou seu
trabalho mais importante.
Ele diz que ficou cada vez mais convencido de que a Rússia estava
prestes a lançar sua invasão em novembro do ano passado. Foi quando
pensou que “isso vai acontecer”, lembra.
Na semana anterior à invasão, ele tomou a decisão altamente incomum
de publicar um mapa prevendo os prováveis planos de invasão da Rússia
no Twitter.
Foi uma decisão que ele diz não ter sido fácil, mas ele estava
convencido de que havia a necessidade de divulgar as informações para o
domínio público. “É importante divulgar a verdade antes que as mentiras
venham”, diz ele.
Ele também defende a decisão do Ocidente de destacar o potencial da
Rússia de usar armas químicas e biológicas. Ele acredita que isso ajudou
a impedi-los de retratar os ucranianos ou o Ocidente como instigadores
do conflito.
Raramente tanto material de inteligência foi compartilhado com o
público. Desde então, a inteligência da Defesa publica atualizações
diárias sobre a guerra.
A inteligência não é uma ciência – as previsões são feitas em uma
escala de probabilidades, e há uma série de coisas que surpreenderam a
inteligência de Defesa do Reino Unido.
Hockenhull diz que a força da unidade ocidental e a resistência
ucraniana superaram as expectativas. Assim como os fracassos dos
militares russos, cujo comando, controle e logística têm sido “pobres”,
sugere ele. Também houve interferência política, do nível estratégico ao
tático, acrescenta.
Houve uma falta de confiança entre a classe política e militar da
Rússia – e Hockenhull diz estar surpreso que Moscou tenha sofrido todos
esses problemas ao mesmo tempo.
Related video: Aliados de Putin discutem futuro da Ucrânia e os nomes
peculiares dos bebés: análise de José Milhazes e Nuno Rogeiro
O que acontecerá agora?
Devemos ter cuidado ao pensar em termos binários – que os lados estão
ganhando ou perdendo – ou pensar que é um impasse, diz Hockenhull.
A Rússia, afirma ele, está claramente tentando se recompor depois de
sofrer perdas significativas. Também está tendo que redistribuir algumas
de suas tropas de Donbass para o sul, onde está sob pressão
significativa das forças ucranianas.
Mas Hockenhull diz ainda não ser realista esperar uma mudança decisiva no sul nos próximos meses.
Ele afirma que entende o desejo da Ucrânia de retomar o território,
mas acrescenta que, embora haja contra-ataques e contra-ofensivas, ele
não acredita que haverá ações decisivas tomadas este ano por nenhum dos
lados.
Isso levanta outra questão: o que o presidente russo, Vladimir Putin,
fará se continuar enfrentando contratempos para cumprir seus objetivos
militares? Ele poderia recorrer ao uso de armas nucleares?
Hockenhull diz que isso é observado de “muito, muito de perto”.
A doutrina militar russa, ao contrário da do Ocidente, inclui o uso
de armas nucleares táticas ou de campo de batalha para operações
militares.
Embora ele acredite ser improvável que armas nucleares táticas sejam
empregadas em breve, ele diz que é algo que continuará observando.
A probabilidade de serem usadas pode mudar se a dinâmica do campo de batalha se alterar, explica ele.
Preocupações com a China
Depois de quatro anos como chefe de Inteligência de Defesa,
Hockenhull irá agora chefiar o Comando Estratégico da Defesa do Reino
Unido – que inclui supervisionar as atividades no espaço, no ciberespaço
e no uso de forças especiais.
Ele ainda vê a Rússia como a maior ameaça, mas também está cada vez
mais preocupado com a China. Pequim vem fazendo demonstrações de força
militar perante Taiwan nas últimas semanas.
Hockenhull diz que seria um equívoco não considerar uma “incrível
modernização militar com um país determinado a resolver uma questão
política” como um problema.
O trabalho da inteligência militar britânica não vai ficar mais fácil.
O blog que fiscaliza o gasto público e vigia o poder em Brasília
Por Lúcio Vaz – Gazeta do Povo
Fachada do TJMG, tribunal que mais gastou com indenizações| Foto: Robert Leal/TJMG
Enquanto
o Congresso Nacional e o governo federal buscavam recursos para pagar o
Auxílio Emergencial durante a pandemia da Covid-19, os cinco maiores
tribunais do país gastaram R$ 1,4 bilhão em pagamentos retroativos e R$
870 milhões em indenizações de férias. No Tribunal de Justiça de Minas
(TJMG), pelo menos 10 juízes receberam pagamentos extras em torno de R$
1,7 milhão, cada. Entre retroativos, indenizações de férias e
férias-prêmio, o tribunal torrou R$ 1,2 bilhão. O Tribunal de Justiça de
São Paulo (TJSP) gastou R$ 800 milhões em retroativos e “venda” de
férias.
Os retroativos são dívidas antigas pagas em parcelas quando há “sobra
de caixa”. O blog questionou como os tribunais conseguiram essa verba
extra num momento de escassez de recursos públicos. O TJSP, o maior do
país, respondeu que “as medidas contingenciais adotadas para o
enfrentamento da pandemia da Covid-19 foram detidamente analisadas e
reavaliadas a todo tempo durante os anos de 2020 e 2021, refletindo na
possibilidade de pagamentos de verbas retroativas para magistrados e
servidores”.
No TJMG, os maiores pagamentos de retroativos foram feitos aos
desembargadores Lauro Bracarense (R$ 1,75 milhão), Paulo Tinoco (R$ 1,75
milhão) e Lauro Pacheco Filho (R$ 1,74 milhão). Em março deste ano, o
tribunal pagou R$ 94 milhões em retroativos. Os 357 maiores pagamentos
tiveram valor médio de R$ 250 mil. Em agosto de 2021, já havia sido paga
uma bolada de R$ 120 milhões. Naquele mês, o desembargador José de
Anchieta recebeu R$ 319 mil. Os retroativos são dívidas antigas, pagas
em parcelas. A maior parte para cumprir a equivalência de remuneração
entre juízes e parlamentares.
O tribunal mineiro também pagou R$ 133 milhões em indenizações de
férias no período da pandemia. Quando não podem tirar férias, por
“necessidade do serviço”, os magistrados recebem o valor em dinheiro,
sem desconto do imposto de renda, por se tratar de uma indenização, e
com acréscimo de 1/3 da remuneração. Houve ainda o pagamento de R$ 133
milhões em “férias-prêmio”. O juiz João Rodrigues Neto recebeu R$ 544
mil em novembro do ano passado. Muitos magistrados deixam de gozar o
benefício durante toda a carreira para receber o valor em dinheiro no
momento da sua aposentadoria.
Pagamentos de “diferenças salariais” O TJSP gastou R$ 445
milhões em pagamentos retroativos no período da pandemia. Em 2021, os
retroativos somaram R$ 263 milhões. O tribunal afirmou ao blog que os
pagamentos resultam de “diferenças salariais não recebidas à época em
que foram reconhecidas”. Acrescentou que os pagamentos são efetuados de
forma parcelada, “observando estritamente a condição orçamentária e
financeira do Tribunal”, diz nota do TJSP.
As indenizações de férias do tribunal de São Paulo somaram mais R$
355 milhões. Foram R$ 157 milhões em 2021. O TJSP afirmou que a
indenização é permitida quando não ocorre o gozo efetivo deste direito,
“dada a absoluta necessidade do serviço, o que se constatou no momento
pandêmico registrado nos anos de 2020 e 2021, quando apenas foi alterada
a forma de atuação, do trabalho presencial para o remoto, sem diminuir a
carga do serviço de magistrados e servidores. Os pagamentos observam a
condição orçamentária e financeira do tribunal”.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) gastou R$ 130 milhões
com indenizações de férias e R$ 88 milhões com pagamentos retroativos. O
tribunal não respondeu aos questionamentos enviados pelo blog.
“Por necessidade do serviço” No Tribunal de Justiça do Paraná
(TJPR) a maior despesa foi com indenização de férias, num total de R$
200 milhões pagos no período da pandemia. A juíza Aline Passos recebeu
R$ 245 mil de indenização em julho do ano passado. O tribunal afirmou
que os pagamentos resultaram de “indenização de férias não usufruídas
por necessidade do serviço”. Mais R$ 76 milhões foram gastos em
pagamentos retroativos.
O TJPR ressaltou que todos esses pagamentos ocorreram utilizando o
orçamento próprio do Poder Judiciário “como resultado da boa gestão
financeira do TJPR”. Acrescentou que repassou aproximadamente R$ 130
milhões ao Poder Executivo (Funsaúde) em 2020 como contribuição ao
combate à pandemia por Covid-19 no Paraná.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) consumiu R$ 83
milhões com indenizações na pandemia. Segundo o tribunal, esses
pagamentos “são relativos à indenização em pecúnia de períodos de férias
vencidos a magistrados, em decorrência de absoluta necessidade da
continuidade da prestação dos serviços”.
O TJRS afirmou ainda que tem honrado seus compromissos com receitas
próprias, “sem onerar o estado com suplementações, inclusive no período
da pandemia, no foi possível contingenciar mais de R$ 300 milhões no
orçamento em ajuda ao Executivo para o enfrentamento da crise”.
Há um assunto presente o tempo todo nas
discussões políticas e econômicas, que está permanentemente em pauta no
Congresso Nacional e serve de bandeira a políticos e candidatos:
trata-se da reforma tributária. As propostas de reforma do caótico
sistema tributário são várias e nunca saem da lista de projetos em
tramitação no Legislativo federal. A reforma tributária e a justiça
social são tão presentes nas discussões nacionais quanto são ignoradas
as teorias sobre o que ambas vêm a ser. Não está sendo diferente neste
momento, em especial por ser ano de eleições gerais estaduais e
federais, com candidatos cuja bandeira é a eternamente propalada reforma
tributária.
Para fins de análise, os tributos (impostos, contribuições e taxas)
podem ser chamados simplesmente de “impostos” – os termos específicos se
diferenciam apenas em função de sua lógica de incidência e de
distribuição entre os três entes federativos: municípios, estados e
União. Os tributos têm em comum o fato de serem instrumentos para
extração compulsória de dinheiro da sociedade – pessoas físicas e
pessoas jurídicas. De início, o problema pode ser colocado em duas
perguntas: Por que deve haver impostos? E por que se defende tanto a
reforma tributária no Brasil?
A reforma tributária e a justiça social são tão presentes nas
discussões nacionais quanto são ignoradas as teorias sobre o que ambas
vêm a ser
Quanto à primeira questão, é preciso retroceder muito no tempo. Em um
dado momento, as famílias humanas passaram a viver no mesmo espaço a
fim de promover trocas de bens e serviços e desenvolver o relacionamento
social. Assim, surgiram as comunidades rudimentares, espécies de
tribos, que mais tarde deram origem às cidades, que por sua vez passaram
a ser afetadas por eventos que demandavam solução coletiva, como
ataques por comunidades estrangeiras ou catástrofes naturais
(tempestades, inundações, epidemias etc.). Para enfrentar os problemas
coletivos, os membros da comunidade tinham de contribuir com os recursos
requeridos pelos atos de solução, como o caso da formação de grupos de
soldados para resistir aos ataques estrangeiros.
A organização de um exército treinado e alimentado para lutar em
defesa da comunidade foi uma das primeiras experiências a exigir
contribuição dos membros da comunidade, uma espécie rudimentar de
imposto, que também devia sustentar os líderes e comandantes, ou seja,
uma estrutura de governo. A existência e a ampliação dos impostos
residem na evolução da história humana; aos poucos, houve a expansão das
tarefas atribuídas a uma organização representante da coletividade, e
nisso está a origem do Estado, do governo e da ciência política. Como
consequência, Estado e governo se tornaram estruturas formadas por
recursos materiais, recursos humanos, bens e serviços de manutenção e
gastos de funcionamento.
Para operar as funções pertinentes ao aparelho estatal, surgiram
duas classes: os políticos (dirigentes) e os funcionários públicos
(executores operacionais) submetidos às regras do Estado e do governo,
entre elas a apresentação do orçamento de gastos pelas estruturas
montadas e o sistema de contribuições compulsórias feitas pelos membros
da comunidade, ou seja, os impostos. O tamanho do Estado, suas funções,
as regras de funcionamento e o formato para constituição do Estado e
escolha dos governantes e dos funcionários é o que informa se um país é
democrático (com eleições e regras feitas pelo povo, diretamente ou por
seus representantes) ou ditatorial (em que o Estado e seus comandantes
determinam tudo e obrigam o povo a obedecer sob pena de severa punição).
Os impostos se tornam necessários e são maiores ou menores conforme o
tamanho do setor estatal e a extensão de suas funções e tarefas, mas
também dependem de como o Estado e o governo, com seus três poderes,
gastam o dinheiro que tomam da comunidade. O aparato estatal será tão
mais caro e oneroso quanto mais for contaminado por ineficiência,
desperdício, corrupção, benefícios e privilégios concedidos a seus
operadores – políticos e funcionários. Esses vícios do aparelho de
Estado e dos governos existem em grande escala no mundo inteiro,
qualquer que seja a orientação ideológica, política e econômica adotada
pelo país, razão por que é comum a carga tributária ser alta como
porcentual do Produto Interno Bruto (PIB) na maioria dos 193 países
reconhecidos pela Organização das Nações Unidos (ONU).
O Brasil tem um péssimo sistema de tributação e não tem conseguido
mudanças que o transformem numa estrutura virtuosa e favorável ao
desenvolvimento
Quanto à segunda pergunta, a reforma tributária somente é assunto
permanente no Brasil por causa da alta carga tributária (34% do PIB, em
termos efetivos arrecadados); do excessivo número de tributos (incluindo
algumas taxas que vigoram somente em alguns estados, são 85 tributos);
do excessivo número de leis e normas; das regas pouco claras e, ainda
por cima, instáveis; da discordância quanto à distribuição entre os
municípios, estados e União; da distorção econômica na incidência
tributária (excessivos impostos indiretos e distorção na oneração
segundo as classes sociais); e do elevado custo de obediência em relação
ao PIB. Um caos tributário dessa magnitude tem efeitos óbvios: cria
ônus e desestímulo à criação de empresas e negócios, freia o
desenvolvimento econômico e dificulta a distribuição de renda, pois o
sistema tributário brasileiro tem efeito distribuidor de renda ao
inverso, isto é, transfere renda das classes baixas para as classes
altas.
A tão falada “injustiça fiscal” começa com o custo do setor estatal e
com a existência de remuneração, benefícios e privilégios na estrutura
de recursos humanos (políticos e funcionários) nos três poderes bem
acima dos equivalentes no setor privado, conforme já atestou o próprio
Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (Ipea), órgão do governo
federal. Se a isso somar-se a injustiça fiscal resultante de todos os
vícios já citados do sistema tributário, está explicado por que o Brasil
tem um péssimo sistema de tributação e por que não tem conseguido
mudanças que o transformem numa estrutura virtuosa e favorável ao
desenvolvimento. Resumidamente, é por esses aspectos que o tema da
reforma tributária não morre e assim vai continuar, mesmo porque, em
algum momento, o Brasil terá de enfrentar o manicômio tributário no qual
se transformou o sistema de extração de dinheiro da sociedade para
financiar o setor estatal e seus governos.
No ano passado, um membro do Free Enterprise Project esteve em
uma reunião de acionistas da Coca-Cola, para questionar suas políticas
identitárias, como um treinamento de diversidade que sugeria a
funcionários “tentar ser menos brancos”; a foto é da planta de Málaga,
em 2020| Foto: EFE/Jorge Zapata
Balizador da economia mundial por
quase cinco décadas, o princípio do capitalismo acionário (aquele em
que o propósito de uma corporação é gerar lucro para seus donos) vem
sendo ameaçado por uma onda militante, cuja crença é a de que as
empresas têm o dever moral de tornar o mundo um lugar melhor. Se, como
dizem os progressistas, o capitalismo “acordou”, a verdade é que
despertou consigo a reação de acionistas conservadores, que têm se
organizado em iniciativas como o Free Enterprise Project (FEP, ou
Projeto de Livre Empresa, em tradução livre). Fundado em 2007, pelo
Centro Nacional de Pesquisa de Políticas Públicas dos Estados Unidos, o
programa compra ações de empresas de capital aberto, para fazer
perguntas difíceis nas reuniões de acionistas. O objetivo é combater as
políticas “woke”, para tirar as corporações americanas da política.
No ano passado, os alvos do FEP incluíam Warner Bros. Discovery,
Comcast, Twitter e Coca-Cola. Entre as críticas à produtora do
refrigerante mundialmente famoso estava uma lição do LinkedIn Learning
(posteriormente removida), instruindo funcionários a “tentar ser menos
brancos”, como parte de um treinamento de diversidade, além da oposição a
um projeto de lei tido como discriminatório por exigir documento de
identificação para eleitores na Geórgia. “Nós nos opomos a medidas que
possam procurar diminuir ou restringir o acesso a voto. Defendemos o
amplo acesso, a conveniência do eleitor, a integridade da eleição e a
neutralidade política. Qualquer coisa que possa inibir estes princípios
pode levar à supressão do voto”, disse na ocasião o CEO da Coca-Cola
para a América do Norte, Alfredo Rivera.
Em uma reunião de acionistas do Bank of America, o diretor do Free
Enterprise Project, Scott Shepard, pediu ao CEO Brian Moynihan que
“explicasse especificamente como exigir que os eleitores mostrem
identidade para evitar fraudes é racista”. A resposta, considerada por
Shepard uma pequena vitória, foi que talvez o banco devesse ter uma
comissão bipartite para decidir quando entrar em questões políticas.
“Todo o ativismo dos acionistas nos últimos 20 anos foi da esquerda
e, cada vez mais, da extrema esquerda. Nosso objetivo não é que as
empresas adotem posições políticas conservadoras de repente, mas que
voltem ao negócio de vender refrigerantes”, argumenta Shepard.
Em uma reunião de acionistas da Progressive, terceira maior
seguradora dos Estados Unidos, Ethan Peck, do FEP, questionou “a
valorização das características superficiais em detrimento do mérito” e
por que a companhia prioriza “cor da pele e órgãos reprodutivos” ao
contratar funcionários. A CEO Tricia Griffith exaltou a Diversidade,
Equidade e Inclusão (DE&I), dizendo que a empresa deseja que sua
força de trabalho “reflita os clientes que atendemos e que nossos
líderes reflitam as pessoas que lideram”.
Questionada por Peck se isso supunha que “as pessoas com uma certa
cor de pele pensam de uma certa maneira”, ela encerrou a conversa: “Você
não pode se colocar no lugar de outra pessoa se não tiver uma
organização representativa que represente o país como um todo. Você
nunca poderia saber como é ser uma mulher, eu nunca poderia sentir como é
ser um homem, então precisamos representar todos”.
Dificuldades A experiência de intervir em reuniões de acionistas
tem encontrado uma resistência “criminosa” por parte dos executivos,
segundo relata Ethan Peck. “As elites corporativas tomam todas as
medidas possíveis para excluir e silenciar os acionistas que pagam seus
salários multimilionários”, conta. As dificuldades encontradas por eles
nas reuniões vão desde a permissão para entrar nas assembleias (mesmo
sendo proprietários), até ter suas perguntas reformuladas ou ignoradas e
suas propostas de acionistas omitidas. “Embora os acionistas de
centro-direita sejam os mais discriminados, os executivos ainda os
desprezam mais por serem acionistas do que por serem conservadores”,
garante.
A hipótese levantada por Peck é que, longe de serem militantes
progressistas ou sinalizadores de virtudes, os executivos estejam usando
o “capitalismo de stakeholders” (em tradução livre, capitalismo das
partes, ou seja, funcionários, clientes, fornecedores, comunidades
locais e a sociedade em geral), como eufemismo para um “golpe da cúpula
contra os verdadeiros donos das empresas, os acionistas”. “Os executivos
postulam que as corporações são responsáveis não por seus acionistas,
mas sim por ‘todas as partes’. Isso permite que a liderança corporativa
confisque o poder dos acionistas sob o pretexto de ajudar os outros.
Não é diferente do comunismo, na verdade: ‘Dê-me sua propriedade; É para
um bem maior!’”, denuncia Peck.
Segundo ele, algumas corporações utilizaram os protocolos de combate à
Covid-19 para fazer reuniões virtuais (que permitiram pré-selecionar,
modificar ou omitir comentários e perguntas de acionistas) ou para
exigir a vacinação (o que excluiu muitos acionistas). “Nossas perguntas
foram totalmente ignoradas nas reuniões da Alphabet, Amazon, Meta,
Twitter, BlackRock, JPMorgan, Visa, Starbucks, Coca-Cola, Pepsi, Exxon,
Chevron e outros. Na Apple, Raytheon, Boeing, US Bancorp, Marriott,
Nordstrom e outros, nossas perguntas foram estrategicamente reformuladas
para perguntas fáceis por um moderador. A Pfizer e a Netflix não se
deram ao trabalho de responder a nenhuma pergunta. American Express,
Abbott Laboratories e AES nos negaram a entrada por completo”, enumera.
Na reunião da Lincoln Financial, Ethan Peck era o único acionista
presente. Ao questionar o então presidente Bill Cunningham acerca
do apoio de Lincoln à Human Rights Campaign (que participou do lobby
contra a lei proibindo o ensino sobre identidade de gênero para alunos
do jardim de infância até a terceira série na Flórida) ele teve sua
pergunta blindada por um assessor e acabou sem resposta.
O Free Enterprise Project também denuncia que as eleições de
diretores corporativos não são confiáveis. Das 57 reuniões em que seus
membros estiveram presentes em 2022, nenhum candidato deixou de ser
eleito, de acordo com Peck. “Na verdade, nunca vi um membro do conselho
receber menos de 90% dos votos. Há uma explicação simples para isso:
BlackRock, Vanguard, State Street e outros gigantes da gestão passiva
votam em nome de seus clientes – que são os verdadeiros acionistas –
para colocar no poder esses membros do conselho que desprezam os
acionistas”, lamenta.
Acionistas engajados Investidores interessados em combater o
capitalismo woke, podem se tornar acionistas engajados, juntando-se ao
Free Enterprise Project. No site do programa, há uma série de
orientações práticas, explicando como participar de uma assembleia de
acionistas, fazer perguntas em uma assembleia virtual ou presencial,
elaborar uma boa pergunta, votar e apresentar propostas em reuniões.
Contrário aos boicotes, que “são ineficazes e, francamente, um
desperdício de tempo e energia”, o projeto acredita que o combate ao
progressismo ocorrerá por meio do engajamento de acionistas ativistas
conservadores. “Incentivamos fortemente os acionistas a se envolverem
ativamente como proprietários da empresa. A melhor maneira de
responsabilizar essas corporações é participar de assembleias anuais de
acionistas, votar em seus procuradores, questionar executivos de
negócios durante sessões de perguntas e respostas e votar em membros do
conselho que abandonaram seus deveres fiduciários”, defende o FEP, em
uma das “perguntas frequentes” do site.
Fórum de Davos
O conceito “capitalismo de stakeholders” tem mais de cinco décadas,
mas ganhou forças nos últimos anos, com a publicação do Manifesto de
Davos 2020, assinado pelo fundador e presidente executivo do Fórum
Econômico Mundial, Klaus Schwab (que cunhou o termo ainda nos anos
1970).
“O propósito de uma empresa é engajar todos os seus stakeholders na
criação de valor compartilhado e sustentado. Ao criar esse valor, uma
empresa atende não apenas a seus acionistas, mas a todos os seus
stakeholders – funcionários, clientes, fornecedores, comunidades locais e
a sociedade em geral. A melhor maneira de entender e harmonizar os
interesses divergentes de todas as partes interessadas é por meio de um
compromisso compartilhado com políticas e decisões que fortalecem a
prosperidade de longo prazo de uma empresa”, afirma o Manifesto.
O texto ainda defende que “uma empresa é mais do que uma unidade
econômica geradora de riqueza. Ela cumpre as aspirações humanas e
sociais como parte de um sistema social mais amplo. O desempenho deve
ser medido não apenas pelo retorno aos acionistas, mas também pela forma
como atinge seus objetivos ambientais, sociais e de boa governança”.
Iniciativa da Sala de Reuniões
Em abril, o Free Enterprise Project e o 2ndVote (outra organização
contra o ativismo corporativo), juntamente com o fundador do grupo
conservador Job Creators Network, Bernie Marcus, firmaram uma parceria
com o ex-CEO do McDonald’s Ed Rensi e o ex-CEO da Best Buy Brad Anderson
para criar o The Boardroom Initiative (A Iniciativa da Sala de
Reuniões, em tradução livre), uma ação em defesa da capitalismo.
“Servir a uma minoria vocal por ignorância é absolutamente
inaceitável. Quando as empresas públicas tomam partido em debates
políticos, é em detrimento dos acionistas da empresa. O capitalismo de
livre mercado – um sistema responsável por tirar bilhões da pobreza e
melhorar o padrão de vida mundial – está sob ataque e, em muitos casos,
as corporações estão participando avidamente desses ataques por um senso
de virtude equivocado”, defende Rensi, presidente executivo da
Iniciativa.
O trabalho da coalizão pretende realinhar as corporações com seus
principais objetivos, por meio de propostas de acionistas, da promoção
da diversidade de pontos de vista nos conselhos das empresas e pela
utilização de canais digitais para divulgar as ações. A ideia é dar aos
acionistas as ferramentas necessárias para “vencer a luta”. O primeiro
esforço da Boardroom Initiative foi uma proposta de acionistas na
reunião anual do Bank of America, pedindo auditoria nas políticas de
diversidade da empresa, de modo a garantir que nenhum grupo de raça ou
gênero seja excluído em nome de equidade ou anti-racismo.
Ação de deputado do PSB no STF quer tornar obrigatória a vacina contra varíola dos macacos| Foto: Nelson Jr./STF
Os pequenos partidos, que não têm votos suficientes no plenário do
Congresso para fazer valer suas vontades, continuam usando o Supremo
Tribunal Federal como ferramenta política. O próprio presidente do STF,
Luiz Fux, já fez um apelo sobre isso aos colegas da Corte: partido
político tem que decidir essas questões no plenário político e não nos
tribunais. Mas não adiantou nada.
Agora, um deputado do PSB do Distrito Federal entrou no STF contra o
presidente Jair Bolsonaro por causa da varíola dos macacos. O ministro
Alexandre de Moraes foi sorteado relator. E o que quer o deputado? Quer
que a vacina contra a varíola dos macacos seja obrigatória.
Em primeiro lugar, quem já tomou vacina contra varíola está vacinado,
segundo ouvi de especialistas em imunologia. Em segundo lugar, estão
matando macacos, por envenenamento, imaginando que a doença vem deles,
mas não vem. Basta que a gente se informe: essa varíola passa de homem
para homem – não é de homem para mulher – em 98% dos casos.
Então deixem os macacos e quem não é grupo de risco e já tomou vacina
contra varíola em paz. Essa história de vacina obrigatória virou mania.
Morte de delator Paulo Roberto Costa, o primeiro a fazer um acordo
de delação premiada com a Justiça na Lava Jato, morreu no sábado (13),
de câncer, aos 68 anos. Ele foi diretor da Petrobras entre 2004 e 2012,
indicado pelo líder do PP na Câmara, o deputado paranaense já falecido
José Janene.
Naquele tempo, era isso que acontecia. Os líderes dos partidos
decidiam sobre os rumos da Petrobras, o que ela podia comprar ou não.
Eram os intermediários das negociatas, que resultava em dinheiro para
partidos, empreiteiras, políticos.
Costa estava condenado a 70 anos de prisão, mas passou os últimos de
vida em casa, beneficiado pelo acordo de colaboração premiada. Entrou
para a história como o primeiro delator a dizer como funcionava o
esquema do petrolão.
Processo arquivado O juiz da 10ª Vara Federal de Brasília, Ricardo
Leite mandou arquivar, por sugestão do Ministério Público, o processo
contra os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, e o ex-ministro Aloizio
Mercadante por suposta obstrução da Justiça. E por que foi para o
arquivo? Porque Lula e Dima tem mais de 70 anos e o prazo de prescrição
se reduz pela metade. O caso Lula na Lava Jato lá de Curitiba foi uma
questão de CEP, agora foi uma questão de calendário.
São as artimanhas que os políticos põem na lei que fazem para se
livrar quando chegar neles. A lei penal brasileira, com essas
prescrições, audiências de custódia e etc, é feita para derrubar tudo
aquilo que você, pai, mãe, mestre, pastor, padre…, diz quando ensina as
crianças que o crime não compensa. A lei brasileira derruba isso, mostra
que aqui no Brasil o crime compensa. Muito triste isso!
Numa entrevista em 2017 à prestigiada
revista científica Science, o professor Scott Rozelle, do Instituto
Freeman Spogli de Estudos Internacionais da Universidade de Stanford,
nos Estados Unidos, fez um alerta: quase um terço da população da
segunda maior economia do mundo está ficando para trás na formação
escolar.
Naquela época, pesquisas realizadas pela equipe de Rozelle,
coordenador do Programa de Ação de Educação Rural (Reap, na sigla em
inglês), apontaram que mais da metade dos alunos da oitava série em
áreas rurais pobres na China tinham QI abaixo de 90 e um terço ou mais
das crianças nessas regiões não completava o ensino fundamental.
Acrescentando a essa conta os 15% ou mais de crianças moradoras de
áreas urbanas chinesas que também apresentavam resultados ruins em
avaliações de habilidades e aprendizado, Rozelle estimou à Science que
cerca de 400 milhões de chineses corriam “o risco de se tornarem
deficientes cognitivos”.
Uma proporção tão grande da população sem conseguir a formação
escolar adequada seria um indicador ruim em qualquer país, mas é
especialmente dramática para a China, que aposta na capacitação do seu
povo para seguir crescendo a níveis superiores ao do resto do mundo e
para aumentar sua classe média, com foco no crescimento da renda pessoal
e do consumo.
“Este é o maior problema que a China está enfrentando e que ninguém nunca ouviu falar”, destacou Rozelle há cinco anos.
Tentando verificar se havia estratégias que poderiam reverter esse
cenário preocupante, a equipe do pesquisador de Stanford monitorou nos
últimos anos nove programas, abrangendo 11 intervenções, que
contemplaram 47.480 alunos do ensino secundário (etapa que antecede o
ensino médio no currículo escolar chinês) rural em 713 escolas chinesas.
Em maio, um relatório apontou o resultado dessas estratégias e ele
foi desanimador: elas foram incapazes de gerar melhorias significativas
de aprendizado na população estudantil atendida.
Esses programas e intervenções foram baseados em quatro eixos
principais. O primeiro foi ajuda financeira, já que nas regiões rurais
da China muitas famílias não conseguem pagar as mensalidades da educação
básica, “que estão entre as mais altas do mundo em desenvolvimento”.
O segundo eixo foi incentivar a continuidade dos estudos por meio de
aulas-extras em que os professores abordaram com os estudantes
possibilidades de carreira, níveis salariais almejados e habilidades e
formação necessárias para atingir esses objetivos, além de controle
emocional e maneiras de lidar com a ansiedade – que é alta entre
estudantes das áreas rurais da China.
Outro eixo foram treinamentos online suplementares e acompanhamento
contínuo dos professores que atuam nessas regiões, além da introdução de
um sistema de pagamentos em que os docentes receberam bônus salariais
com base não no nível médio de desempenho de seus alunos, mas sim nos
ganhos de desempenho de cada estudante em comparação com alunos em
outras escolas que apresentavam nível semelhante quando o programa
começou.
Por fim, o quarto eixo consistiu na entrega de óculos grátis para estudantes com problemas de visão.
Entretanto, quase cinco anos depois da entrevista de 2017, a equipe
de Rozelle concluiu que nenhuma das 11 intervenções aplicadas foi capaz
de melhorar o desempenho dos alunos monitorados no estudo.
“Uma interpretação disso é que o desempenho dos alunos no ensino
secundário rural chinês não é suscetível a simples mudanças nas
políticas”, apontou o relatório. “Depois de explorar algumas hipóteses,
encontramos evidências sugestivas de que a natureza da política chinesa
de matrícula no ensino médio e o currículo do ensino secundário são as
melhores possibilidades para explicar a falta de ganhos de desempenho.”
O estudo de Stanford apontou que o sistema de educação imposto pela
ditadura comunista, altamente centralizado, impede que estudantes com
mais dificuldades ou aprendizado mais lento sejam atendidos
satisfatoriamente – e acabam sendo deixados para trás.
“Devido à importância do exame de admissão ao ensino médio, o
currículo no ensino secundário é altamente estruturado, difícil e
acelerado. Também é regulamentado em um nível superior de administração
(por exemplo, o condado, a prefeitura ou a província), de modo a ser
justo para todos os alunos da jurisdição”, destacou o relatório da
equipe de Rozelle.
“Como todos na jurisdição fazem o mesmo exame, todos precisam cobrir o
mesmo material para o exame no mesmo período e com a mesma
profundidade. Como resultado, o ritmo da aula muitas vezes escapa ao
controle de professores e diretores – e não considera as diferenças de
habilidade entre os alunos”, descreveram os pesquisadores americanos.
Nos últimos anos, o ditador Xi Jinping colocou a educação como um dos
pilares para a transformação da China em uma “nação socialista moderna”
até 2035 e em uma grande potência “próspera” e “forte” até 2049, ano do
centenário da vitória comunista na Guerra Civil chinesa.
Entretanto, assim como o Partido Comunista defendeu no ano passado
que a China é uma “democracia que funciona”, a diferença entre discurso e
prática segue o padrão local de gigantismo e o alerta de que 400
milhões de chineses podem ser atropelados pela história segue válido.
Sem medo da polícia Por Gabriel de Arruda, especial para a Gazeta do Povo
Clipe da música “Carro Forte”.| Foto: Reprodução/Youtubr
As
letras de duplo sentido são coisa do passado no mundo do funk. Com cada
vez mais frequência, crime, drogas e sexo têm sido tratados de forma
crua para uma audiência de milhões de pessoas e com a simpatia do
chamado mainstream cultural. Além dos perigos da influência nociva sobre
os mais jovens, o fenômeno traz à tona a relação entre facções
criminosas e artistas do mundo do rap — ou dos seus subprodutos funk e
trap.
A existência dos chamados funk “proibidões”, que exaltam o crime, não
é nova. A novidade é que a apologia à atividade criminosa deixou de ser
algo amador, quase secreto, para atingir um público gigantesco e ganhar
a legitimação de parte do establishment cultural — sem serem
incomodados pelo Judiciário e das plataformas como o YouTube, que
costumam ser mais ágeis ao sancionar quem questiona a eficácia das
vacinas ou a confiabilidade da urna eletrônica.
Os exemplos se multiplicam O carioca Marlon Brendon Coelho Couto
da Silva, conhecido como MC Poze do Rodo, é um dos principais nomes do
rap nacional. Poze é amigo do jogador Gabigol, tem 7,6 milhões de
seguidores no Instagram e, em 2021, participou até mesmo do jogo das
estrelas de fim de ano, organizado pelo ex-jogador Zico e transmitido
pelo canal Sportv. Acontece que, para a polícia do Rio, Poze do Rodo é
mais do que isto: ele é um porta-voz do Comando Vermelho.
E não é difícil dar credibilidade a esta tese. Não só porque ele já
apareceu, de fuzil em punho, ao lado de criminosos da facção, ou porque
ele faça apresentações em áreas onde o tráfico de drogas detém o
monopólio dos bailes funk, mas porque o próprio Poze do Rodo faz questão
de proclamar sua ligação com o crime.
E uma de suas músicas mais populares, “Cara do Crime”, os versos iniciais são estes:
“Ela fala que quer crime e eu sou criminoso. Ela é da Zona Sul e eu sou cria do Rodo”
Na letra, assim como faz em boa parte de suas músicas, Poze do Rodo
também pede “liberdade aos amigos”, em referência aos aliados que estão
na prisão.
O videoclipe da música tem 258 milhões de visualizações no YouTube. O
sucesso levou Poze do Rodo a lançar duas partes para a música, em
parceria com outros rappers. Na parte 3 (que teve 36 milhões de
visualizações até agora), as referências ao crime organizado são ainda
mais diretas.
No videoclipe, o rapper Bielzin aparece no alto do morro, em uma
laje, com um radiocomunicador nas mãos e uma mochila nas costas. É o
estereótipo do soldado do tráfico. Ele canta:
“É a melhor gestão Complexo dominando o alto igual falcão Fazendo a ronda com os crias”
“Gestão” é como os defensores das facções criminosas se referem ao
grupo de traficantes que controlam uma área específica. Nesse caso, o
Complexo do Alemão, cuja “gestão” é do Comando Vermelho.
A poesia segue:
“Fazendo a ronda com os cria Na atividade dobrada Mil e duzentas no porte do homem Se tentar contra nós, tu se f.”
A canção também tem a participação de Filipe Ret, que acabou de
lançar uma música com a cantora Anitta. Ele aparece entoando os
seguintes versos:
“Queimando um no meio-fio Desse perfume eu vendo quilo”
Os versos se referem ao uso e tráfico de maconha. Para quem tem alguma, Filipe Ret faz questão de deixar claro:
“A cara do chefe do crime perfeito Fala o que quiser, nós é exemplo mermo”
O que talvez seja ainda mais chocante é que o vídeo tem o patrocínio
da Blaze, um site de apostas que, além de youtubers, é o principal
patrocinador da equipe do Botafogo. No videoclipe, entre ameaças aos
inimigos e versos de exaltação própria, os artistas aparecem utilizando o
aplicativo da Blaze.
“A Cara do Crime” foi produzido pela Mainstreet, uma gravadora que
tem perfil verificado no YouTube. A empresa foi criada pelo rapper
Orochi e apresenta um longo catálogo de músicas com apologia ao crime —
todas elas com grande audiência no YouTube.
Em uma canção batizada de “Quebra Osso”, por exemplo, é possível
encontrar ameaças aos “pilas” — aparentemente, uma referência à polícia.
“Eu tô de glockada, com a mochila cheia de pente Dois ar e os cobertura na cautela, nós foi pela linha amarela Da janela eu vi os pila, mas o carro não é blindado Se eles vim tentar dar bote é duas pra baixo, eu largo o aço”
Outra produção da gravadora, “Carro Forte”, descreve um assalto a um carro forte de forma detalhada.
“É só pitbull de raça Se reagir nós te passa” (mata).
O vídeo tem mais de 45 milhões de visualizações. O clipe exibe
exatamente o que a letra descreve: armas e mais armas, seguranças sendo
feito reféns e os criminosos celebrando o assalto. Assim como quase
todas as músicas que exaltam a atividade criminosa, a letra de “Carro
Forte” inclui menções pouco lisonjeiras às mulheres, que são
apresentadas como interesseiras e descritas em termos vulgares.
A Mainstree não é uma gravadora marginal. O canal do grupo no YouTube
tem 2,2 milhões de inscritos e o selo de verificação da plataforma. Em
março deste ano, o jornal O Globo fez uma reportagem elogiosa à
Mainstreet com o título de “Gravadora carioca faz sucesso unindo trap
dos EUA com o funk da favela”.
A tolerância com a apologia ao crime parece estar se tornando cada
vez maior. Em 2019, a cantora Ludmilla fez uma música exaltando maconha –
não só o uso, mas o comércio da droga – e isso não tirou dela o espaço
como atração na TV Globo. A letra de “Verdinha”, que não exige maiores
explicações:
“Eu fiz um pé lá no meu quintal Tô vendendo a grama da verdinha a um real (…) Fiquei loucona, chapadona Só com a marola da ‘juana”
Ludmilla teve a oportunidade de entoar estes versos em rede nacional,
no programa Encontro com Fátima Bernardes. Talvez o interesse comercial
explique as vistas cegas à apologia ao crime. Segundo o Spotify, o funk
foi o segundo estilo mais ouvido entre os brasileiros em 2021, atrás
apenas do sertanejo.
Relações criminosas Para João Henrique Martins, cientista político
especializado em economia ilícita e controle do crime, o rap brasileiro
está profundamente ligado à urbanização acelerada e desordenada na
segunda metade do século 20. Ele diz que, em sua forma original, o
estilo falava sobre o crime, que era parte da realidade das periferias,
mas não exaltava o crime. Isso mudou a partir dos anos 1990, por dois
motivos. Em primeiro lugar, a expansão do poderio econômico das facções
criminosas, que passaram a financiar diretamente a indústria do rap e do
funk. Em segundo lugar, o avanço do relativismo cultural, promovido de
diversas formas, mas sempre retirando a responsabilidade moral dos
indivíduos.
Na opinião de Lucas Azambuja, doutor em sociologia e professor do
Ibmec, o que se vê no rap brasileiro e no funk, que tem uma gênese
parecida, também precisa ser visto como um eco das suas versões
originais, vindas da cultura de periferia americana —- onde referências
ao crime são comuns. “São estilos nascidos nos Estados Unidos e lá
também cantores desses estilos abordaram esses temas de modo semelhante
ao que vemos no Brasil. Então, há uma influência da absorção do próprio
estilo e ao mesmo tempo a sua adaptação à realidade social brasileira”,
diz ele.
Azambuja afirma não haver elementos suficientes para se falar em uma
“cultura pró-crime” impulsionada pelo rap e o funk. “A música tem sido
uma forma de expressão que muitas vezes visa chocar e causar algum tipo
de impacto. E de fato, a questão da criminalidade perpassa toda a
sociedade, seria estranho que nenhum estilo musical expressasse essa
questão”, diz ele.
Mas Martins, que também é oficial da reserva da Polícia Militar de
São Paulo e foi pesquisador do Núcleo de Políticas Públicas da
Universidade de São Paulo (USP), afirma que de fato existe um discurso
que justifica a atuação dos criminosos e a promoção de uma cultura à
margem da lei. Ele explica que a corrente teórica chamada de
Criminologia Crítica, popular nas faculdades de sociologia, sustenta um
discurso que legitima a atuação dos criminosos. “Os adeptos das teorias
críticas não têm nenhum compromisso com a realidade ou com valores
sociais, como a defesa da vida e a proteção das vítimas. Desta forma,
crimes como racismo e homofobia devem ser punidos com prisão, pois as
vítimas coletivas (negros e homossexuais) são politicamente importantes.
Já os autores de crimes como tráfico de drogas ou roubo, não devem ser
punidos porque foram primeiro vítimas da sociedade”, ele explica.
Para Luiz Fernando Ramos Aguiar, especialista em segurança pública e
Major na Polícia Militar do Distrito Federal, o interesse das facções
criminosas ao promover os bailes funk e financiar os artistas do gênero
vai além do aspecto financeiro. “O financiamento de artistas e de
eventos é fundamental para o fortalecimento da imagem dos traficantes
como defensores de suas comunidades. Na ausência de opções de lazer e de
eventos culturais, sejam financiados pela iniciativa privada ou
promovidos pelos governos locais, os marginais firmam sua posição como
benfeitores”, diz ele. “Dessa forma, eles criam um ambiente cultural que
acaba fazendo com que muitos moradores acabem se tornando defensores
das quadrilhas”, complementa. Além disso, esses eventos acabam servindo
para recrutar jovens para as fileiras do tráfico.
Martins concorda: “Criminosos que exercem controle territorial,
especialmente traficantes de drogas, têm custos econômicos e sociais
para manter um território sob controle, pois o caos pode ser útil para
tomar um território, mas não para mantê-lo. Para isso eles precisam
“imitar o papel do Estado, como garantidor do contrato social’ em alguma
medida”, ele afirma, antes de prosseguir: “Isso significa que não basta
controlar formalmente, no caso deles pelo crime e o terror, é preciso
estabelecer algum nível de soft power, ou controle informal, aquele
exercido pelo compartilhamento de valores e regras sociais”. A diferença
é que, com a internet, a exaltação do tráfico foi além das áreas
comandadas pelo crime.
Na opinião de Aguiar, a solução para o problema não depende apenas da
ação policial, mas também de uma mudança cultural e educacional — o que
não é simples. Ainda assim, diz ele, uma legislação mais rigorosa
alteraria o cálculo de custo-benefício feito por quem cogita ingressar
nas fileiras do crime organizado. “Mudanças legislativas que levem a
punições mais severas aos criminosos são imprescindíveis para que os
jovens que estão tentados a aderir às quadrilhas entendam que as
consequências desse estilo de vida não compensarão as vantagens”, diz
ele. Martins tem a mesma opinião: “Cometer crimes, ainda que seja
limitado a apologia, não pode valer a pena”, ele defende.
Por Fabio Milnitzky – CEO da Consultoria Estratégica IN
De cantora a empresária, artista é um case de sucesso para o Marketing
Definir Anitta tem sido quase que um desafio. A carioca de apenas 28
anos surgiu como funkeira em meados de 2013. Nove anos depois,
contrariando as apostas de muitas pessoas, que a julgaram como mais uma
artista de carreira meteórica, além de ser a primeira cantora brasileira
a conquistar o topo da parada global do Spotfy com o hit Envolver,
Larissa de Macedo Machado faz parte do conselho administrativo do
Nubank, é chefe de criatividade da Beats, marca da Ambev, lançou
recentemente um curso de empreendedorismo em parceria com a Estácio e
anunciou no fim de maio ter se tornado sócia investidora da Fazenda do
Futuro, startup que fabrica proteínas a base de vegetais (plant based).
Se no passado Larissa enfrentou alguma dificuldade por falta de
dinheiro, Anitta passou por cima disso com maestria. Ela aparece na
lista da revista Forbes entre os cantores mais ricos do mundo, com uma
quantia estimada em R$ 550 milhões. “É muito claro como o marketing
pessoal pode elevar um artista ao patamar de marca cultuada (cult
brand).
Anitta é militante de muitas causas e se expõe em negócios dos quais
se identifica com o propósito e valores. Ela estudou marketing e usa
isso muito bem a seu favor. Consistência, autenticidade e relevância”,
explica Fábio Milnitzky, CEO e fundador da iN, empresa de gestão de
marcas.
Para Fábio, o fato de Anitta criar estratégias que expandem sua
exposição, evidencia o fato de grandes empresas buscarem incluir a
artista em seus negócios. “Anitta passou a ser conhecida no mundo
inteiro através de músicas gravadas com artistas populares de outros
países. Ela chamou isso de ‘co-branding’ e essa fórmula foi bastante
assertiva. Sua formação em administração aliada a uma carreira em
ascensão mostra o quanto ela é competente no que faz e que sabe traçar
planos para alcançar seus objetivos. Quem não quer uma colaboradora de
sucesso?”, pontua.
Nomear artistas para cargos estratégicos tem sido mais recorrente, o
que mostra uma ruptura da visão de que apenas executivos ocupem tais
cadeiras. “As organizações precisam acompanhar o mercado, inovar, trazer
mentes brilhantes para formarem seus times. Se determinado artista
possui conhecimento profundo de um setor, entende o que os consumidores
querem e conhece o mercado, por que não? Além de serem ótimos
influencers, pois conversam com o público”, diz Milnitzky.
Para chancelar o poder da marca Anitta, ela recentemente foi
homenageada com uma estátua no museu de cera de Nova York, sendo a
primeira cantora brasileira a ser eternizada pelo Madame Tussauds.
Enquanto a luta por preservar vidas continua à toda,
empreendedores e gestores de diferentes áreas buscam formas de
reinventar seus negócios para mitigar o impacto econômico da pandemia.
São momentos como este, que nos forçam a parar e repensar os
negócios, são oportunidades para revermos o foco das nossas atividades.
Os negócios certamente devem estar atentos ao comportamento
das pessoas. São esses comportamentos que ditam novas tendências de
consumo e, por consequência, apontam caminhos para que as empresas
possam se adaptar. Algumas tendências que já vinham impactando os
negócios foram aceleradas, como a presença da tecnologia como forma de vender e
se relacionar com clientes, a busca do cliente por comodidade,
personalização e canais diferenciados para acessar os produtos e
serviços.
Com a queda na movimentação de consumidores e a ascensão do
comércio pela internet, a solução para retomar as vendas nos comércios
passa pelo digital.
Para ajudar as vendas nos comércios a migrar a operação mais
rapidamente para o digital, lançamos a Plataforma Comercial Valeon. Ela é
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inédito, traz vantagens econômicas para a sua empresa e pode contar com a
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região capaz de alavancar as suas vendas.
O presidente russo, Vladimir Putin, tem optado pela estratégia de
conquistar território pouco a pouco, porém, de forma sistemática| Foto:
EFE/EPA/MIKHAIL KLIMENTYEV/KREMLIN
Longe de ser um lunático
prestes a usar o maior arsenal nuclear do mundo, o presidente russo
Vladimir Putin parece estar sendo “cauteloso” em suas ações recentes na
guerra da Ucrânia. Não por ética ou benevolência, mas sim porque Putin
aparenta ter medo da capacidade militar da OTAN (aliança militar
ocidental), de uma eventual reviravolta na opinião pública na Rússia e
de que o país seja “engolido” pela economia chinesa.
O indício mais recente dessa cautela foi a resposta da Rússia às
explosões na base aérea russa em Saky, na Crimeia. A instalação militar
russa foi devastada por 12 detonações na terça-feira (9). Elas acabaram
com armazéns de munições e combustíveis, teriam deixado ao menos 60
mortos e destruído oito aviões de combate – o maior número de caças
russos liquidados de uma só vez desde o início da guerra.
A Ucrânia negou responsabilidade publicamente. Mas jornais
americanos, entre eles o New York Times, publicaram entrevistas de
oficiais ucranianos afirmando que as explosões teriam sido fruto de um
ataque ucraniano.
Essa possibilidade foi reforçada por analistas ocidentais que
avaliaram imagens de satélite da base, fornecidas pela empresa
norte-americana Planet Labs. O think tank Instituto Internacional de
Estudos Estratégicos (IISS) disse à rede britânica BBC que dois
edifícios usados para estocar munições podem ter sido atacados com o
objetivo de causar o máximo de danos possível a aviões de caça guardados
fora de hangares.
Após os vazamentos de informações ao New York Times, o presidente
ucraniano Volodymyr Zelensky repreendeu seus oficiais e os aconselhou a
não dar informações à imprensa sobre táticas de guerra.
Assim, não se sabe que tipo de armamentos poderiam ter sido usados no
suposto ataque. A posição militar da Ucrânia mais próxima de Saky fica a
160 quilômetros de distância – e os mísseis e foguetes mais potentes
que os ucranianos possuem, projetados para ataques contra alvos
terrestres, têm alcance máximo de 80 quilômetros.
Um eventual bombardeio também poderia ter sido realizado por aviões
de caça ou helicópteros ucranianos. Mas esse cenário é pouco provável,
porque a base tinha fortes defesas antiaéreas.
Uma das hipóteses que vem ganhando força é a de que os ucranianos
tenham adaptado mísseis nacionais antinavio Neptune para atacar alvos
terrestres. Eles têm alcance de 280 quilômetros.
A segunda possibilidade é que equipes de comandos (forças de
infantaria leve altamente treinadas) tenham invadido a base com ajuda de
partisans (guerrilheiros da resistência ucraniana) e dinamitado os
depósitos de munições.
Apesar dessas especulações, a reação da Rússia foi afirmar que as
explosões não foram causadas por um ataque ucraniano, mas sim por um
acidente. O ministro da defesa da Ucrânia, Oleksiy Reznikov, afirmou:
“Eu acho que os soldados russos dessa base desrespeitaram a regra mais
básica: não fumar em locais perigosos”.
Em outras palavras, Moscou minimizou o evento e também eventuais
baixas – dizendo inicialmente que apenas uma pessoa morreu. A conduta
foi a mesma adotada em abril, quando a Ucrânia atacou e afundou o navio
capitânia da armada russa no Mar Negro, o cruzador Moscou.
A embarcação foi localizada por meio de informações de inteligência
fornecidas pelas potências do Ocidente e destruída por uma provável
combinação de ataques de drones e mísseis Neptune.
Mas o Kremlin atribuiu a perda do navio a um incêndio acidental em um
depósito de munições. A resposta russa foi dada por meio de uma série
de ataques de precisão a instalações militares ucranianas em Kyiv, como
depósitos de combustíveis e munições e fábricas de blindados e mísseis.
Mas por que Moscou não responde à altura suas perdas militares?
Em linhas gerais, a doutrina militar russa autoriza a retaliação com o
uso de armas nucleares em caso de ataque contra território nacional,
segundo o think tank americano ISW (sigla em inglês do Instituto para o
Estudo da Guerra). A Crimeia foi anexada à Rússia em 2014 em um
referendo que não foi reconhecido pela comunidade internacional.
Mas uma retaliação russa de grandes proporções às explosões na base
de Saky poderia provocar também uma reação de grande intensidade da
OTAN. Ela poderia acontecer por meio do aumento da ajuda militar à
Ucrânia, fornecimento de equipamentos de ataque mais potentes – como
aviões de caça, por exemplo – ou mesmo poderia significar a entrada da
OTAN no confronto por meio da implantação de uma zona de exclusão aérea.
Putin parece estar tentando evitar quaisquer desses cenários. Isso
porque a escala atual da guerra tem permitido à Rússia conquistar
território pouco a pouco, porém, de forma sistemática. Ou seja, Moscou
trava uma guerra de atrito, na qual a superioridade de sua artilharia
vem conquistando cidade após cidade no leste da Ucrânia.
Mas o Kremlin pode usar armas nucleares, certo?
Em tese, sim. Mas isso poderia provocar uma resposta nuclear da OTAN e uma consequente escalada sem limites do conflito.
Ou ainda: se Moscou detonasse uma bomba nuclear tática de pequenas
proporções (com um décimo da potência da bomba de Hiroshima, por
exemplo), o cenário mais provável seria uma retaliação não nuclear de
grandes proporções por parte da OTAN. Segundo analistas ocidentais, a
Rússia não tem condições de vencer a aliança ocidental em uma guerra
convencional.
Além disso, uma escalada na intensidade da guerra da Ucrânia exigiria
que o Kremlin mobilizasse mais tropas e equipamentos. Por enquanto, a
necessidade de tropas adicionais, decorrente das baixas no campo de
batalha, vem sendo suprida em grande parte pela empresa militar privada
Wagner Group.
Mas se a Rússia precisasse aumentar significativamente seu poder
ofensivo, necessitaria para isso declarar mobilização nacional. Mesmo
com todo o aparato de repressão e controle das mídias, o recrutamento
massivo de soldados russos poderia abalar os altos índices de
popularidade de Putin.
Em outras palavras, a Ucrânia luta uma guerra absoluta de
sobrevivência da nação. Ou seja, uma guerra na qual todos os esforços do
Estado e do povo estão voltados para o conflito. Uma guerra sem
limites.
Já a Rússia encara a ação na Ucrânia como um conflito que tem grande
importância estratégica, mas que por ora não tem potencial para
determinar o destino da Rússia. Entre outros motivos, é por isso que
Putin chama a guerra de “operação militar especial”.
Os Estados Unidos e seus aliados europeus tampouco estão interessados
em entrar em uma guerra absoluta e, assim como Putin, temem uma
escalada do conflito. Talvez por isso, com medo de perder apoio, o
governo de Zelensky não cantou vitória abertamente sobre o suposto
ataque a Saky.
A China é a salvação ou uma ameaça à Rússia? Outro temor que influi no raciocínio russo em relação à guerra na Ucrânia é o papel da China na esfera econômica do conflito.
Putin e o ditador chinês Xi Jinping firmaram em 4 de fevereiro, antes
da guerra, uma “parceria sem limites” – que foi interpretada por
analistas ocidentais como um pacto de momento contra a hostilidade dos
Estados Unidos e seus aliados.
A curto prazo, Pequim se tornou um grande fornecedor de produtos e
comprador de energia de Moscou – substituindo parceiros comerciais
europeus que aderiram às sanções internacionais capitaneadas pelos
Estados Unidos e destinadas a isolar a economia russa.
Para se ter ideia, as vendas de petróleo e gás natural da Rússia para
a China chegaram a 8,4 milhões de toneladas em maio – 55% a mais do que
no mesmo período do ano anterior, segundo a Administração Geral de
Alfândegas da China. Assim, a Rússia desbancou a Arábia Saudita (7,8
milhões de toneladas) como o maior fornecedor de hidrocarbonetos para a
China.
Mas a salvação econômica tem um preço. Na medida em que o tempo passa
e as sanções continuam, a Rússia terá que aceitar condições
desfavoráveis em negociações comerciais com a China, segundo artigo do
analista Alexander Gabuev, do think tank Carnegie Endowment for
International Peace, publicado na revista Foreign Affairs.
De acordo com o pesquisador, no campo diplomático, a China pode
obrigar Moscou a abrir mão de parcerias de defesa com a Índia e com o
Vietnã, além de apoiar Pequim em suas demandas sobre Taiwan e a região
marítima ao sul da China. O Kremlin também terá que fazer negociações e
construir reservas financeiras baseadas na moeda chinesa.
No campo dos armamentos, a China poderá se beneficiar da compra de
tecnologia russa. Na exportação de maquinário pesado, os chineses devem
tentar substituir os alemães como grandes fornecedores para a Rússia.
Nesse processo, Xi Jinping terá que se preocupar em evitar as sanções
americanas por conta da ajuda a Moscou. Mas não pode forçar seu novo
parceiro a ponto de fragilizar demais o governo de Putin – pois a queda
do russo e sua substituição por um líder menos hostil ao Ocidente podem
prejudicar os interesses chineses.
Isto é, Moscou deve receber o apoio econômico que precisa para
continuar lutando na Ucrânia. Mas, se não souber lidar com os chineses, a
longo prazo a Rússia pode perder muito de sua autonomia estratégica –
tornando-se uma espécie de “parceiro júnior” da China, cuja economia
pode ultrapassar a americana por volta de 2030. Essa dependência é outro
medo que tem estimulado o exercício da cautela por parte de Putin.
Ameaça de catástrofe nuclear
As Forças Armadas da Rússia têm capacidade para atingir, a distância,
praticamente qualquer alvo na Ucrânia. Até agora, a despeito de toda a
destruição causada, elas vêm poupando centros de grande concentração
populacional, como a capital Kyiv.
Mas a atitude cautelosa na estratégia de guerra como um todo não está
acontecendo em relação à usina nuclear de Enerhodar, em Zaporizhzia, no
sul da Ucrânia.
A maior usina nuclear da Europa foi tomada pelos russos no dia 4 de
março. Na ocasião, tropas russas bombardearam e provocaram um incêndio
em uma parte da planta – que não resultou em vazamento de radiação. Na
época, o Kremlin tentou culpar a Ucrânia pelo incêndio.
Nos últimos dias, a usina voltou a ser bombardeada, nos dias 6 e 11
de agosto. Segundo os ucranianos, a Rússia posicionou peças de
artilharia entre os reatores nucleares. O objetivo é atirar contra
posições ucranianas nas proximidades, sem correr o risco de receber fogo
em retaliação.
Os ucranianos têm tentado então atingir os russos fora da usina, no
momento em que soldados entram e saem do complexo em trocas de turnos.
Já a Rússia acusa tropas ucranianas de serem as responsáveis pelos
ataques à usina. Kyiv, por sua vez, diz que jamais bombardearia as
instalações nucleares, pois um vazamento de radiação colocaria em risco a
sua população e contaminaria o território do país por décadas.
Não é possível verificar de forma independente quem foram os
responsáveis pelos recentes bombardeios. Mas essa é a primeira vez que
uma usina nuclear é palco de uma guerra de alta intensidade.
Um disparo de artilharia que atinja uma estrutura crítica da usina
pode resultar em dois cenários. No mais grave, a destruição dos sistemas
de resfriamento do núcleo de um reator nuclear poderia levar ao seu
derretimento e explosão. Nesse caso, uma nuvem de radiação equiparável
às dos desastres de Chernobyl, em 1986, ou Fukushima, em 2011, poderia
atingir não só a Ucrânia, mas a Rússia ou países da Europa, dependendo
das condições do vento.
O outro cenário possível seria um vazamento de radiação mais
limitado, mas que também poderia afetar a Ucrânia e os países vizinhos.
Em ambos os casos, o número de vítimas seria contado aos milhares,
grandes áreas ficariam inabitáveis por décadas e o dano ambiental seria
de magnitude catastrófica.
A ONU e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) vêm pedindo
que os combates na região cessem imediatamente e que a Rússia permita o
acesso de técnicos internacionais à planta e crie uma zona
desmilitarizada ao seu redor. A Ucrânia tem apoiado os pedidos
internacionais para que toda a área seja excluída da zona de conflito,
mas todos esses apelos por ora não têm sido atendidos.
Após 25 anos de restrição, o lítio brasileiro tem caminho aberto
para exportação e pode se beneficiar da crescente demanda pelos carros
elétricos.| Foto: EFE/EPA/Rungroj Yongrit
O governo federal pretende posicionar o Brasil como produtor
mundial de lítio ao retirar limitações impostas desde 1997 ao comércio
exterior do minério. Em decreto assinado no mês passado, o presidente
Jair Bolsonaro revogou medidas anteriores que por 25 anos mantiveram a
obrigatoriedade de autorização prévia da Comissão Nacional de Energia
Nuclear para a realização de exportações do material.
Então considerado “de interesse para a energia nuclear” (conforme
texto do decreto dos anos 1990), o lítio ganhou novos usos com o passar
das décadas e hoje é estratégico para a transição energética, com
destaque para sua ampla utilização na fabricação de baterias para carros
elétricos.
O desenvolvimento do segmento é acelerado e a perspectiva é de que a
dinamização do mercado brasileiro de lítio melhore as condições de
competitividade para garantir ao país boa fatia dessa cadeia.
Dados da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês)
apontam que 2021 foi de recorde nas vendas de carros elétricos, que
chegaram a 6,6 milhões de unidades – o dobro do ano anterior. Além do
paralelo já consolidado, as vendas globais continuam subindo fortemente
em 2022, “com 2 milhões [de veículos elétricos] vendidos no primeiro
trimestre, um aumento de 75% em relação ao mesmo período de 2021”, frisa
a IEA.
O avanço dos elétricos se dá globalmente, ao sabor de incentivos a
tecnologias limpas e restrições esperadas para os próximos anos, como o
banimento da venda de novos carros a combustão na Europa a partir de
2035.
Ao ganhar mais espaço, a indústria automotiva dos eletrificados puxa
também a busca pelos minérios utilizados na fabricação das baterias.
Números da consultoria S&P Global indicam que a demanda pelo lítio
deve atingir 2 milhões de toneladas até 2030; até 2040 a demanda deve
crescer mais de 40 vezes, projeta a IEA, um prato cheio para os
produtores.
Para o Ministério de Minas e Energia (MME), o decreto pode viabilizar
mais de R$ 15 bilhões em investimentos até 2030, concentrados no Vale
do Jequitinhonha, em Minas Gerais, uma das regiões mais pobres do país. É
lá que fica a maior parte das reservas conhecidas no país.
É esperada ainda geração de sete mil empregos diretos apenas na
mineração e mais de 84 mil postos de trabalho diretos e indiretos ao
longo das cadeias produtivas do lítio. Pelos cálculos da pasta, os
pagamentos de salários devem somar R$ 440 milhões por ano e a
arrecadação anual de royalties deve passar de R$ 100 milhões,
distribuídos, na maior parte, aos municípios produtores.
Para a pasta, o fim das restrições à exportação do lítio brasileiro
promove abertura que pode “posicionar o Brasil de forma competitiva na
cadeia global e atrair investimentos para pesquisa e produção mineral”,
além de fazer avançar nossa capacidade produtiva em processamento e
produção de componentes e baterias.
“A medida também representa um passo fundamental para ampliar o olhar
da indústria automotiva e atrair investimentos para a produção de
veículos elétricos no Brasil”, diz comunicado do MME.
Qual o tamanho das reservas e a produção de lítio no Brasil Comparativamente
aos “vizinhos” de América Latina, as reservas brasileiras conhecidas –
de aproximadamente 500 mil toneladas – são enxutas. O continente
concentra a maior parte das reservas mundiais do mineral, com destaque
para Bolívia, Argentina e Chile (com 21 milhões, 19,3 milhões e 9,6
milhões de toneladas de lítio, respectivamente).
Devido à exploração contínua do minério, entretanto, os recursos
identificados vem crescendo em todo o mundo, o que pode levar a novas
descobertas. Em 2021, havia 86 milhões de tonelada de lítio conhecidas
globalmente, conforme o Serviço Geológico dos Estados Unidos.
Ainda conforme dados do órgão norte-americano, a produção brasileira
em 2019 foi de 2,4 mil toneladas. Em comparação, a Austrália, maior
produtor, extraiu 45 mil toneladas no mesmo ano.