quinta-feira, 12 de maio de 2022

AS BIG TECHS SÃO OBRIGADAS A ENTREGAR À JUSTIÇA CONVERSAS DE USUÁRIOS?

 

Julgamento nesta quinta

Por
Renan Ramalho – Gazeta do Povo
Brasília

Aplicativos de banco, cartão de crédito e redes sociais arquivos para banco de imagem Next Nubanck WhatsApp facebook google +

Big techs dizem que conteúdo só pode ser obtido pela Justiça americana| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) vai analisar uma ação que opõe diretamente as grandes plataformas digitais – como Facebook, Google e Yahoo – às autoridades brasileiras que atuam em investigações criminais – Ministério Público e Justiça, principalmente. A Corte deverá decidir se as big techs que oferecem seus serviços no Brasil e têm sede no exterior são obrigadas a atender ordens judiciais de obtenção de conteúdos trocados por seus usuários. O julgamento originalmente estava marcado para esta quinta-feira (12), mas foi adiado para que ações pendentes da quarta sejam julgadas.

Em geral, a pedido do Ministério Público ou da polícia, juízes determinam que as empresas forneçam e-mails, conversas, mensagens e arquivos trocados por seus usuários quando eles podem provar crimes como tráfico de drogas, homicídio, roubo, organização criminosa, etc. Mais recentemente, magistrados têm exigido das empresas, a pedido de procuradores, comunicações privadas relacionadas à divulgação de fake news e discurso de ódio, “ataques” a instituições e propagandas irregulares em campanhas eleitorais.

O problema é que as empresas vêm se recusando a entregar o conteúdo das comunicações de seus usuários, alegando, em geral, que quem controla esses dados são suas sedes, que devem atender apenas a ordens em seus países de origem. Uma das principais interessadas na controvérsia é o Facebook, controladora do WhatsApp, aplicativo de mensagens mais popular no país.

As filiais, agências ou subsidiárias das big techs instaladas no Brasil dizem que não possuem acesso direto aos e-mails, mensagens e arquivos que trafegam em suas redes, mas apenas a dados cadastrais dos usuários e de acesso aos seus serviços – esses sim, alegam, podem ser entregues à Justiça brasileira assim que requisitados por qualquer juiz brasileiro.

Big techs dizem que juízes devem respeitar acordo internacional
As empresas alegam que, para obtenção de conteúdo, os juízes brasileiros devem recorrer a um acordo internacional firmado entre Brasil e Estados Unidos em 2001. Esse acordo, conhecido como MLAT (Mutual Legal Assistance Treaty), impõe uma série de regras para a assistência jurídica entre os dois países em matéria penal. Possibilita, basicamente, que cada um obtenha provas localizadas no outro país, desde que atendidas uma série de requisitos (detalhamento do caso, especificação das provas, justificativa para acesso, etc).

O país que recebe o pedido, no entanto, pode recusá-lo se a solicitação “prejudicar a segurança ou interesses essenciais”. Em relação às comunicações nas redes, a legislação americana impede que as empresas forneçam material de seus usuários para autoridades estrangeiras – a ordem tem de vir de órgãos ou juízes dos Estados Unidos.

De acordo com o MLAT, um juiz brasileiro não pede diretamente a um juiz americano para obter os dados. Eles têm de enviar o pedido ao Ministério da Justiça, subordinado ao governo federal, que repassa o pedido ao Departamento de Justiça dos EUA (equivalente à Procuradoria-Geral da República nos EUA), que avalia o caso e, caso considere o pedido aceitável, só então manda um juiz americano fornecer os dados.

Trata-se de um caminho considerado “tortuoso” e “penoso” pelo Ministério Público e criticado também pelo Departamento de Recuperação de Ativos de Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), o órgão interno do Ministério da Justiça que faz essa intermediação. Ambos os órgãos defendem, com base no Marco Civil da Internet, que a Justiça pode determinar diretamente à representação da empresa no Brasil que forneça as comunicações, desde que ela ofereça serviços no Brasil ou tenha agência, filial ou subsidiária no país.

As empresas de tecnologia, no entanto, reclamam. Dizem que suas controladoras estão sujeitas a pesadas multas caso forneçam o conteúdo privado que trafega em suas plataformas, em razão de uma legislação mais protetiva à privacidade e à liberdade de expressão vigente nos Estados Unidos. Só podem fazer isso mediante ordem judicial americana e, daí, a defesa do MLAT como instrumento para isso.

E, no âmbito da ação no STF, elas protestam contra multas milionárias que já vêm sendo aplicadas por juízes no Brasil quando não conseguem entregar os dados requisitados pelo MP. Além das multas, os magistrados também têm autorizado processos judiciais contra os administradores brasileiros das empresas. Na ação que será julgada no STF, elas pediram uma liminar para impedir essas medidas, mas isso foi negado pelo relator do caso, Gilmar Mendes.

Em 2019, ele apenas proibiu que os valores já recolhidos das multas fossem movimentados e usados para outros fins, como políticas públicas, por exemplo. Na prática, deverão ficar congelados em contas judiciais para serem devolvidos, caso a Corte decida que as subsidiárias brasileiras não têm a obrigação de fornecer comunicações privadas à Justiça brasileira.

Recentemente, a polêmica sobre a forma de obtenção dos dados envolveu o próprio STF num caso concreto. No final de 2020, o ministro Alexandre de Moraes determinou que o Facebook entregasse, a pedido de uma delegada da Polícia Federal, comunicações privadas de pessoas investigadas no inquérito dos “atos antidemocráticos”.

A empresa diz que o ministro violou o devido processo legal, pois deveria ter obtido os dados por meio do MLAT. Exigir que sua sede americana forneça os dados seria violar a soberania americana. O Facebook pediu a Gilmar Mendes para derrubar a decisão, mas ele se negou, dizendo que um ministro não pode anular ato de outro, algo que caberia somente ao plenário, mediante recurso.

Empresas brasileiras de mídia têm interesse no julgamento
A controvérsia também interessa a empresas de mídia brasileiras. Em 2019, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) pediu para participar da ação, defendendo a possibilidade de a Justiça exigir as comunicações de usuários em poder das big techs dentro do Brasil, sem necessidade de usar o acordo internacional, como defende o MP.

As emissoras brasileiras argumentaram que elas estão sujeitas ao mesmo procedimento, pois também podem guardar dados privados de usuários. Isentar as empresas de tecnologia dessa obrigação, diretamente perante a Justiça brasileira, quebraria a igualdade na competição.

“A concorrência entre as empresas do setor, que a Constituição Federal pretende justa e limpa, restaria profundamente conspurcada, caso, conforme pretendido pelo autor, se imunizassem certas empresas da abrangência imperativa da atuação dos juízes e tribunais brasileiros, isentando-as do ônus de atender e cumprir os seus comandos, ao passo que outras – justamente as empresas nacionais, que impulsionam o crescimento do país – permaneceriam sujeitas ao jugo”, disse a Abert.

Na ação, a Presidência, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República se manifestaram pela rejeição do pedido das big techs, de restringir a obtenção das comunicações por meio do acordo internacional. Repetiram que o Marco Civil da Internet já sujeita elas à legislação brasileira e que o uso do MLAT atrasa a entrega das provas.

A PGR disse, por exemplo, que as sedes nos EUA podem dificultar ainda mais a entrega das comunicações, ao transferir o controle sobre para filiais em outros países que não têm acordo de cooperação com o Brasil.


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NÃO CONFUNDA LIBERDADE DE EXPRESSÃO COM DISCURSO DE ÓDIO

 

Editorial
Por
Gazeta do Povo

| Foto: Steve Buissinne/Pixabay

Os limites da liberdade religiosa e da liberdade de expressão estão sendo novamente testados graças a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contra uma escola confessional católica do município de Itaúna, acusada de publicar um informativo considerado ofensivo à população homossexual e transexual. O MP pede que a escola seja condenada a pagar R$ 500 mil por “danos morais coletivos” – o dinheiro seria destinado a entidades de defesa dos direitos da população LGBT –, além de custear a publicação de material “contranarrativo ao discurso de ódio praticado”. A ação tem por base a recente decisão do Supremo Tribunal Federal que equiparou a homofobia ao racismo, e mostra como a decisão em si, mal fundamentada, e a sua aplicação por instituições como o MP e o Judiciário estão efetivamente criando tabus, como a Gazeta do Povo já havia previsto ainda antes do resultado final do julgamento.

O informativo em tela foi enviado pela escola única e exclusivamente aos pais dos alunos em janeiro deste ano, e tinha como objetivo alertá-los para o uso corriqueiro de uma série de imagens que simbolizariam valores contrários aos do cristianismo – caso, por exemplo, da icônica foto do comunista argentino Ernesto Che Guevara. O colégio ainda citou imagens de caveiras, que representariam a “cultura da morte”; e, por fim, o que motivou a ação civil pública, ainda alertou sobre o uso de arco-íris e unicórnios. “O arco-íris, que é um símbolo de aliança de Deus com seu povo, foi raptado pela militância LGBT”, afirma o colégio; em outra passagem, o informativo afirma que o unicórnio “é sempre representado como uma figura doce e encantadora. Sua origem é diversa, mas o perigo é o que ele representa atualmente, pois também é utilizado por personalidades para identificar alguém de gênero não binário”.

Na prática, “discurso de ódio” já não é algo que objetivamente estimule a violência ou a discriminação contra uma pessoa ou um grupo, mas qualquer ideia da qual se discorde

O Ministério Público, acionado pela deputada federal Áurea Carolina (PSol), pela Aliança Nacional LGBTI e por outras pessoas e entidades, enxergou no informativo a existência de “discurso de ódio”, o que demonstra um indevido alargamento deste conceito para, no fim das contas, abarcar qualquer manifestação da qual se discorde, ainda por cima fazendo-o de forma bastante subjetiva. Afinal, uma das alegações dos promotores foi a de que as próprias manifestações enviadas ao MP já comprovariam que o informativo foi” recebido por uma coletividade de pessoas como discurso odioso de cunho LGBTfóbico”. Ora, o critério para avaliar quando determinada manifestação deve ser considerada “discurso de ódio” tem sempre de ser objetivo, e não subjetivo: o seu conteúdo propriamente dito, não a suscetibilidade de uma pessoa ou de um grupo. Até porque, do contrário, já poderíamos dispensar praticamente todas as fases do processo penal: bastaria que alguém se dissesse ofendido para termos aí a prova cabal do cometimento do crime, sem necessitarmos de investigação ou julgamento.

E o que nos diz o conteúdo do texto enviado pelo colégio aos pais? Deixemos de lado, até por ser irrelevante no caso em questão, a veracidade ou não das afirmações feitas ali a respeito do histórico e do significado da iconografia criticada. O fato é que em nenhum momento o informativo traz ofensas ou estimula atos de discriminação contra a população LGBT – se o fizesse, aliás, a escola estaria desrespeitando o próprio ensinamento da Igreja Católica, com o qual a instituição diz ter “profunda sintonia”, já que o Catecismo da Igreja Católica afirma que “[os homossexuais”] devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal de discriminação injusta”. Não cabe, portanto, falar em “discurso de ódio” para descrever uma manifestação que em momento algum incita ódio contra pessoas ou grupos.

Como se não bastasse o descasamento entre o conteúdo da manifestação questionada e a avaliação que se faz dele, é preciso recordar, também, que a liberdade religiosa ganhou proteção especial naquele mesmo julgamento em que o Supremo criminalizou a homofobia. Diz o acórdão da decisão, redigido pelo relator, Celso de Mello: “A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero”.

Ressalte-se, aqui, que, embora o acórdão mencione explicitamente “atos de culto e respectiva liturgia”, ele não protege apenas o que é dito no púlpito ou por um ministro religioso, mas também as manifestações feitas em qualquer ambiente confessional, público ou privado. Isso, evidentemente, se aplica perfeitamente ao caso de uma escola católica que pretenda avisar pais de alunos sobre o uso de símbolos ligados a ideologias ou atitudes que a Igreja Católica condena, como o comunismo ou os atos homossexuais. No entanto, a proteção desejada pelo STF se viu ignorada neste caso, bem como em outro episódio protagonizado pelo MPMG, o de um colégio batista que publicou vídeo contrário à ideologia de gênero – a investigação ainda está em andamento.

Que a proteção à liberdade religiosa expressamente determinada pelo Supremo esteja sendo relativizada, neste caso, é uma agravante para um fenômeno mais amplo e mais nocivo: a absolutização da sensibilidade como critério para se determinar a existência de um “discurso de ódio” que mereça condenação e punição pelas mãos do Estado. Na prática, “discurso de ódio” já não é algo que objetivamente estimule a violência ou a discriminação contra uma pessoa ou um grupo, mas qualquer ideia da qual se discorde. Faz parte do jus sperneandi que alguém deseje reparação por ler ou ouvir algo que lhe faça se sentir ofendido, mas também faz parte da missão de instituições como o Ministério Público avaliar com sensatez cada queixa, sem aderir cegamente ao ethos censurador de parte da militância identitária.


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ALFABETIZAÇÃO É UMA PRIORIDADE DO GOVERNO

 

Entrevista Carlos Nadalim, Secr. de Alfabetização do MEC

Programas do MEC “viralizam” entre professores

Por
Cristina Graeml – Gazeta do Povo


Alfabetização virou prioridade no Brasil há pouco mais de três anos. Opositores do presidente Bolsonaro alardeiam que a área de Educação foi esquecida pelo atual governo, mas omitem o fato de que, pela primeira vez, o Brasil tem uma Secretaria Nacional de Alfabetização, com foco exclusivo em melhorar políticas para a base do ensino.

Criada já nos primeiros dias do atual governo, em janeiro de 2019, a Secretaria de Alfabetização não ganhou o devido destaque. Tudo porque era parte de um ministério considerado pela imprensa, à época, “ideológico”.

No comando estava o professor Ricardo Vélez Rodríguez, que atraiu para si a fama de polêmico e aí sim é que nada de bom podia ser noticiado na área de Educação. Fazendo buscas por políticas do MEC naquele período só se encontra notícia ruim, abordando intrigas e banalidades.

No portal do Ministério da Educação, porém, está registrada a informação de que aquele ministro tão criticado já concentrava esforços na melhoria da alfabetização das crianças brasileiras. Segue o primeiro parágrafo de uma matéria publicada em 15 de março de 2019.

“O ministro da Educação, professor Ricardo Vélez Rodríguez, em consonância com o desejo do presidente Jair Bolsonaro, estipulou como uma das 35 metas para os 100 primeiros dias do governo federal a elaboração de uma Política Nacional de Alfabetização. Para a missão, foi criado, em janeiro, um Grupo de Trabalho que tem como objetivo estabelecer uma política de alfabetização eficaz, baseada em evidências científicas, ou seja, na ciência cognitiva da leitura, que foi a base para experiências bem-sucedidas em diversos países.”

Trecho de reportagem publicada no portal do MEC em 15/03/2019
Entrevista com Secretário de Alfabetização

Na entrevista em vídeo, que você pode assistir clicando no play da imagem que ilustra esta página, o secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, explica quais as evidências científicas que foram seguidas na elaboração da Política Nacional de Alfabetização. Detalha também os programas já lançados dentro desta nova forma de pensar a Educação.

Mesmo sem ganhar destaque na imprensa, os programas da Secretaria foram sendo descobertos por professores e educadores de norte a sul do Brasil, tanto da rede pública quanto da privada, e também por milhares de famílias com crianças pequenas, independentemente da faixa de renda ou escolaridade.

Segundo Nadalim, programas como Tempo de Aprender, Práticas de Alfabetização, Alfabetização Baseada na Ciência (ABC) e Práticas de Produção de Textos têm ajudado professores de educação infantil e primeiros anos do Ensino Fundamental a elaborar planos de aula mais atraentes, que resultam em mais engajamento e aprendizado.

Já as famílias, especialmente após as primeiras semanas de pandemia, descobriram e passaram a consumir outros dois programas, também muito utilizados pelos professores: Conta Pra Mim e Graphogame. São as meninas dos olhos da equipe da Secretaria de Alfabetização, que conseguiu, em poucos anos, atrair milhões de acessos aos materiais.

Famílias descobrem o MEC
Não é exagero dizer que os programas Conta Pra Mim, lançado em dezembro de 2019 e Graphogame, em plena pandemia, salvaram milhares de famílias do desespero de ver as crianças longe dos livros e do encanto pelo aprender.

O primeiro ensina práticas de contação de histórias para crianças e fornece farto material em áudio, vídeo ou textos para imprimir. Há ainda a distribuição de livros infantis para escolas, bibliotecas e famílias carentes beneficiárias do programa Auxílio Brasil.

A Coleção de Livros Conta pra Mim tem 40 títulos. O material, disponibilizado de graça pela Secretaria de Alfabetização do MEC tem também 28 vídeos com o músico Toquinho, narrando fábulas de Monteiro Lobato e interpretando cantigas tradicionais brasileiras.

E há ainda a playlist de histórias infantis e contos de fadas em áudio, narrados para que os pais ouçam muitas vezes com seus filhos. O convite no site do MEC, sob o título “Era Uma Vez…” é irrecusável! “Feche os olhos e imagine que você está em uma outra época, há muito tempo…”

Já o GraphoGame, como o próprio nome sugere, é um jogo educacional com um ambiente virtual para a aprendizagem de habilidades fonológicas. Essas habilidades são relacionadas com os sons da linguagem e ajudam a aprender a ler eletrônico.

Disponível através de um aplicativo trazido da Finlândia, o GraphoGame tem ajudado crianças brasileiras a entrar no mundo das letras, sílabas, palavras e textos.

Isso não quer dizer que a alfabetização tradicional esteja sendo substituída por um jogo eletrônico. É apenas uma nova ferramenta, mais uma na nova era da Educação que prioriza a alfabetização.


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O BRASIL LIBERA O IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO PARA ALGUNS PRODUTOS

 

Imposto zerado

Por
Alexandre Garcia

Carne. Foto: Divulgação

Governo zerou imposto de importação de carne bovina desossada e congelada, e de outros alimentos| Foto: AENPR

A partir de agora está mais baixo o imposto de importação de aço para indústria da construção civil. Era uma demanda do setor para baratear o custo num momento de inflação provocada pela grande demanda e a oferta insuficiente de aço. A alíquota baixou de 10,8% para 4%.

Já para a importação de ácido sulfúrico, que é um insumo para a produção de fertilizantes, e de um fungicida muito importante o imposto foi zerado para atender o agronegócio.

Também foi zerado o tributo para importar milho em grão, que serve para ração de aves e de suínos principalmente; a farinha de trigo, que é para o nosso pão; biscoitos e bolachas; e carnes congeladas, como a bovina desossada e o frango em pedaços, como asa, peito e coxa, por exemplo.

É a pressão da inflação sobre os alimentos. O governo decidiu abrir mais o mercado para ver se a oferta maior ajuda a baixar os preços. Grandes redes de supermercados, por exemplo, poderão comprar no exterior a preço mais acessível.

Novo ministro de Minas e Energia
O presidente Jair Bolsonaro decidiu trocar o comando do Ministério de Minas e Energia porque parece que o ex-ministro Bento Albuquerque não conseguiu um diálogo que explicasse à direção da Petrobras que não é bom aumentar tanto o diesel. Tudo bem que a Petrobras tenha que atender ao interesse de seus acionistas, e o maior deles é o povo brasileiro, mas num momento como esse tem que atender o agro e os caminhoneiros que sofrem muito com esse aumento do diesel.

Nunca é demais lembrar que a Petrobras foi a petroleira que teve o maior lucro do planeta no primeiro trimestre. Ganhou da Shell, da Chevron, da Exxon e da chinesa. Só a União recebeu, no último balanço R$ 17,7 bilhões de dividendos.

No lugar de Albuquerque entrou Adolfo Sachsida, que vinha tendo um excelente desempenho no Ministério da Economia. Ele era secretário de Política Econômica. Depois criaram uma secretaria especial onde ele passou a administrar a Secretaria de Política Econômica, o Ipea e o IBGE. Ele é funcionário de carreira do Ipea.

É formado em Direito e Economia, doutor em Economia pela Universidade do Alabama, lecionou na Universidade do Texas e na Católica de Brasília. Sachsida é da inteira confiança do ministro da Economia, Paulo Guedes, que agora fica mais ligado ao Ministério de Minas e Energia. E, sobretudo, tem a confiança do presidente Bolsonaro, a quem ele vem acompanhando desde a campanha em 2018.

“Fora, Lula” em Juiz de Fora
O ex-presidente Lula esteve em Juiz de Fora (MG) nesta quarta-feira (11) e se deu mal. O povo de lá, muito marcado pela facada que o presidente Bolsonaro recebeu do Adélio Bispo em 6 de setembro de 2018, saiu para as ruas com bandeiras do Brasil para gritar “fora, Lula”. Mas, enfim, foi uma escolha do candidato Lula. Faz parte do ano eleitoral, um ano cheio de emoções.


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O TEATRO DO TSE SOBRE OS SISTEMA ELEITORAL NÃO CONVENCE NINGUÉM

Por
Flavio Gordon – Gazeta do Povo

Novas sugestões para votação eletrônica não foram acatadas pelo TSE.| Foto: Divulgação/TRE-PR

“A eleição como fato público é o pressuposto básico para uma formação democrática e política. Ela assegura um processo eleitoral regular e compreensível, criando, com isso, um pré-requisito essencial para a confiança fundamentada do cidadão no procedimento correto do pleito.” (Andreas Vosskuhle, juiz do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, que em 2009 considerou inconstitucional o uso exclusivo das urnas eletrônicas de primeira geração)

Ao que tudo indica, o TSE pretende seguir empurrando goela abaixo do eleitor brasileiro a peça de ficção científica segundo a qual os seus ministros são os mocinhos guardiões de uma democracia ameaçada por terríveis vilões golpistas, os quais – sacrílegos! – ousam levantar dúvidas sobre o inescrutável e quase cabalístico processo eleitoral brasileiro. Conforme insinuou um boquirroto ex-presidente do tribunal, até mesmo as Forças Armadas brasileiras fariam parte do arranjo golpista, tendo sido politizadas e transformadas em meras despachantes do presidente da República. Espanta, nesse caso, a sem-cerimônia com que porta-vozes de uma corte infestada de militantes antibolsonaristas desabridos – capazes, por exemplo, de veicular fake news a fim de debochar da legítima demanda social por mais auditabilidade no processo eleitoral – berram contra uma suposta politização de outra instituição de Estado enquanto mal disfarçam a própria politização, essa sim cada vez mais escandalosa.

O teatro fica claro quando, após convidar as Forças Armadas, com afetos de magnanimidade, para integrar a tal Comissão de Transparência Eleitoral – cujo objetivo nominal, vejam vocês, era garantir eleições mais transparentes –, o tribunal eleitoral (mais uma das muitas jabuticabas brasileiras) rejeita nada menos que todas as recomendações feitas por uma equipe militar altamente especializada em questões de cibersegurança. Pelo jeito, imaginando poder usar o prestígio do Exército brasileiro para legitimar os próprios procedimentos – quiçá até a própria inércia –, o TSE talvez não esperasse que os técnicos militares fossem a fundo na identificação de possíveis problemas e na proposta de melhorias. Mas, depois de acusar falsamente os defensores do voto auditável de quererem a simples volta do voto em cédula, de afirmar que a urna eletrônica é 100% inviolável, e de pressionar o Congresso pela não aprovação da PEC do voto impresso – atropelando com isso o princípio constitucional da separação entre os poderes –, nada mais surpreende na postura do tribunal.

O teatro fica claro quando, após convidar as Forças Armadas, o TSE rejeita todas as recomendações feitas por uma equipe militar altamente especializada em questões de cibersegurança

Uma das recomendações das Forças Armadas foi que, para o teste de integridade, as urnas eletrônicas fossem selecionadas por sorteio. A resposta dada pelo tribunal é inacreditável, soando quase como deboche, e levantando suspeitas sobre o caráter viciado da amostragem. Como informa reportagem do Valor Econômico: “As Forças Armadas também defenderam que as urnas que farão parte do teste devem ser escolhidas por sorteio. Segundo o TSE, esse modelo pode ser adotado nos próximos pleitos, mas, para 2022, já há um combinado para que a escolha das seções eleitorais seja feita pelas próprias entidades fiscalizadoras”.

Que história é essa de “já há um combinado”? O TSE está de gozação com a cara do eleitor brasileiro? Ora, uma exigência básica de qualquer teste é que a amostragem do material em análise seja aleatória, e não previamente selecionada pelas “entidades fiscalizadoras” que, como sugere o velho adágio latino – Quis custodiet ipsos custodes? –, deveriam, elas sim, ser fiscalizadas em primeiro lugar.

Em condições normais de temperatura e pressão, aliás, a sensata recomendação das Forças Armadas seria até desnecessária, por demasiado óbvia. Mas, pelo jeito, os próceres do tribunal eleitoral não estão interessados em mais transparência, muito menos na descentralização dos mecanismos de auditoria. Ao contrário, parecem estranhamente comprometidos a circunscrever o processo eleitoral nas fronteiras de gabinetes secretos de apuração, minando o princípio da publicidade exigido para que um pleito possa ser considerado verdadeiramente democrático. E sim, esses gabinetes existem, e não comete fake news quem o afirma, senão, ao contrário, os que insistem em negá-lo.


A Eleição do Fim do Mundo

Uma das frases feitas mais recorrentes no discurso dos porta-vozes do tribunal é que, em 25 anos de utilização das urnas eletrônicas no Brasil, “não houve nenhum registro de fraude”. A palavra “registro” é crucial aí e, antes que tranquilizar, o que faz é inquietar ainda mais o eleitor atento. Pois, na hipótese improvável de que não tenha havido em todo esse tempo ao menos tentativas de fraudar as urnas, a falta de registro pode muito bem constituir prova adicional da insegurança do sistema, que teria falhado em detectar o problema. Afinal, ausência de registro de fraude não significa necessariamente ausência de fraude.

Esse, aliás, foi o principal argumento utilizado nos muitos países em que houve questionamentos ou mesmo a proibição das urnas eletrônicas de primeira geração, as direct recording electronic voting machine (DREs), vetusta engenhoca da qual muito se orgulham nossas autoridades eleitorais, decerto acompanhadas nisso por seus colegas do Butão e de Bangladesh, que, junto com o Brasil, formam o bloco BBB – o nostálgico trio de países ciosos de uma tecnologia de votação dos tempos do baile de debutante da Hebe Camargo, de saudosa memória. A impossibilidade de auditagem nas urnas de tipo DRE esteve no cerne, por exemplo, de uma ação judicial movida por eleitores e candidatos locais de New Jersey durante as eleições presidenciais americanas de 2004.

De acordo com matéria do New York Times, a queixa dos requerentes era que as urnas eletrônicas não permitiam uma recontagem capaz de certificar que os votos tinham sido computados corretamente, além de serem vulneráveis à eventual manipulação de programadores mal-intencionados. Nesse contexto, um grupo formado por advogados de defesa dos direitos dos eleitores e técnicos de computação reuniram 20 mil assinaturas numa petição exigindo que as urnas eletrônicas provessem um registro impresso dos votos.

Hoje, não há maior ataque às instituições republicanas e ao Estado de Direito do que o comportamento arrogante, partidário e provinciano de nossas autoridades eleitorais

Em resposta aos questionamentos, o procurador-geral do estado, Peter C. Harvey, respondeu de modo semelhante ao das autoridades eleitorais brasileiras. “Nossa experiência em New Jersey não registrou qualquer problema com as urnas eletrônicas” – disse Harvey, convocando os “especialistas” de um tal Conselho de Tecnologia Eleitoral para minimizar as críticas. Recorrendo a argumentos tão falaciosos quanto os utilizados pelo nosso tribunal eleitoral, um porta-voz do Conselho declarou: “Essas pessoas querem voltar ao tempo da eleição de 2000, quando funcionários eleitorais tinham de iluminar cédulas para descobrir a intenção de voto. É impressionante que uma tecnologia criada para eliminar toda ambiguidade da infraestrutura de votação seja alvo de tantas críticas”.

Representando os queixosos estava a advogada Penny M. Venetis, professora de Direito da Rutgers University. Em resposta àqueles comoventes manifestos de fé tecnológica, Venetis pôs o dedo na ferida: “É assaz irônico que essas máquinas, supostamente designadas para resolver os problemas causados por sistemas de votação antiquados, estejam simplesmente tornando invisíveis esses problemas”. Como também disse certa vez Bruce Schneier, criptógrafo americano especialista em segurança da informação: “Se você acredita que a tecnologia pode resolver os seus problemas de segurança, então você não compreende nem os problemas e nem a tecnologia”.

A demanda do eleitor brasileiro pelo voto impresso auditável advinha precisamente desse aspecto, a percepção de que o nosso sistema eleitoral é uma caixa preta acessível apenas a técnicos especializados, funcionários de um tribunal que concentra em si um poder que, segundo uma lógica elementar de pesos e contrapesos, deveria estar distribuído entre várias instituições. Que ministros do TSE tenham feito lobby junto ao Congresso para ignorar essa demanda é a prova que faltava – se é que ainda faltava alguma – da baixa credibilidade do nosso sistema e, por conseguinte, da nossa própria democracia, cada vez mais parecida com “democracias” de tipo venezuelano, chinês ou norte-coreano. Hoje, não há maior ataque às instituições republicanas e ao Estado de Direito do que o comportamento arrogante, partidário e provinciano de nossas autoridades eleitorais. São elas as principais responsáveis por cobrir o pleito vindouro com um manto de desconfiança e animosidade social. Já passou da hora de descerem do palco!


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AS ESTATAIS NUNCA SERÃO AS PRIORIDADES DOS GOVERNOS MODERNOS

  1. Opinião 

Não há justificativa de natureza histórica, técnica ou estratégica para manter empresas estatais no Brasil, salvo as que ainda suprem falhas de mercado.

Maílson da Nóbrega, O Estado de S.Paulo

Neste ano eleitoral, o PT renovou sua recusa à privatização. A ideia mantém-se entranhada na mente de seus líderes, para agradar militantes e apoiadores. Um erro. Cabe aos líderes políticos, entre outros, entender as mudanças, educar eleitores e promover avanços institucionais. Não podem ser prisioneiros de visões que prejudiquem o País, caso sejam eleitos.

A esquerda europeia evoluiu com a social-democracia alemã nos anos 1950 e 1960 e, depois, em países como Reino Unido, Espanha, França e Itália. Reformas estatutárias revogaram textos que prescreviam o controle dos meios de produção, inspirados no socialismo soviético. Grandes privatizações foram realizadas por líderes de esquerda como o espanhol Felipe González e o britânico Tony Blair.

Empresas estatais são fenômeno dos séculos 19 e 20. Elas não são encontráveis na ascensão europeia impulsionada por transformações derivadas da máquina de imprimir, da reforma protestante, dos grandes descobrimentos, da revolução científica e do Iluminismo. A Holanda, o primeiro país europeu a beneficiar-se desses avanços, tornou-se uma potência marítima no século 17 pela capacidade, entre outras, de explorar as oportunidades do comércio mundial. Não criou estatais.

As estatais europeias surgiram no século 19, na Revolução Industrial. O enriquecimento da Inglaterra – e de seu incontrastável poder militar – serviu de exemplo para que outros países buscassem imitá-la, promovendo a industrialização. Sucede que não possuíam as estruturas econômicas e financeiras desenvolvidas na Inglaterra ao longo de séculos de transformação institucional e política. Eram “falhas de mercado”, evidentes nas áreas bancária e de ferrovias. Criaram-se, então, empresas estatais para superar a deficiência. Essas empresas não tinham a mesma eficiência das companhias privadas, mas, nas circunstâncias, os benefícios superavam os respectivos custos.

O Japão fez o mesmo na modernização resultante da restauração Meiji (1867). Emissários foram enviados à Europa e aos Estados Unidos para estudar as fontes de sua prosperidade. Seus relatos acarretaram mudanças até na adoção de trajes ocidentais. Estatais supriram falhas de mercado nas áreas bancária, ferroviária, mineral e outras. A privatização – provavelmente a primeira da História – ocorreu a partir do fim do século 19, tão logo a deficiência desapareceu. Na Europa – que experimentara um surto estatista no governo trabalhista de Clement Attlee (1945-1951) – as privatizações aconteceram com a primeira-ministra Margaret Thatcher (1979-1990). França, Itália, Bélgica e outros países seguiram o mesmo passo nos anos 1980.

No Brasil, políticas semelhantes surgiram nos anos 1920 (ferrovias e bancos estaduais), expandiram-se nos anos 1940 e 1950 e, depois, no regime militar. A percepção das disfunções das estatais e de que o setor privado estava apto a atuar em muitos de seus campos originou o primeiro programa de privatização, no governo Figueiredo. Começou com as empresas criadas pelo setor privado e assumidas pelo Estado em razão de insolvências. O processo continuou no governo Sarney. Nos períodos Collor e FHC ocorreu a privatização de grandes empresas estatais federais, destacando-se a Vale do Rio Doce e a Telebrás. Praticamente todos os bancos estaduais passaram ao controle do setor privado.

A criação de estatais brasileiras se deu em meio a uma cultura impregnada de anticapitalismo e desconfiança em torno do lucro. A maioria da sociedade abraçou a ideia menos por sua justificativa econômica – suprir falhas de mercado – e mais por razões ideológicas. O processo foi intensificado pela defesa, por grupos militares e de esquerda, da ideia de que as estatais tinham função estratégica (como se estratégica não fosse a educação, negligenciada em todos esses tempos). Ainda hoje, mais de 40 anos depois do início das ações de privatização, 69% dos brasileiros se opõem à privatização, segundo o Datafolha.

Não há justificativa de natureza histórica, técnica ou estratégica para manter empresas estatais no Brasil, salvo as que ainda suprem falhas de mercado, como o BNDES e a Embrapa. Mesmo assim, as duas tendem a perder relevância diante da evolução do mercado de capitais – que se torna crescentemente fonte de crédito de longo prazo – e do interesse do setor privado, particularmente de multinacionais, em desenvolver a atividade de pesquisa agropecuária no Brasil.

Infelizmente, não dispomos de líderes políticos capazes de mobilizar a sociedade em torno de um amplo processo de privatização. A medida depende do convencimento sobre os seus benefícios e de neutralizar a pressão de grupos corporativistas e de uma esquerda que não se renovou. Mesmo assim, é preciso bater nesta tecla permanentemente, para manter viva a ideia, que tem tudo para promover a expansão do potencial de crescimento da economia, da renda e do emprego, além de reduzir a pobreza.

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SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA, FOI MINISTRO DA FAZENDA

 

RÚSSIA AMEAÇA AS NAÇÕES COM GUERRA NUCLEAR

 

  1. Opinião 

As ameaças de Putin, ainda que não se concretizem, poderão gerar uma nova corrida armamentista,desta vez de artefatos nucleares táticos.

Sergio Amaral, O Estado de S.Paulo

Clausewitz, o grande estrategista militar prussiano do século 19, afirmava que a lógica da guerra é a escalada aos extremos. É o que estamos assistindo hoje no conflito na Ucrânia.

Em sua declaração de guerra de 24 de fevereiro, depois de relembrar os antecedentes históricos da invasão da Ucrânia, o presidente russo deixou uma ameaça no ar: se alguém interviesse na invasão das tropas russas ao país vizinho, sofreria consequências imprevisíveis, numa alusão às armas nucleares táticas russas.

As tropas russas deixaram um mar de devastação e provocaram uma crise humanitária na Ucrânia, mas não lograram ocupar Kiev nem mudar o seu governo. Uma nota formal da embaixada russa em Washington transmitiu ao governo norte-americano uma segunda advertência, de consequências também imprevisíveis, no caso de os EUA continuarem a armar a Ucrânia.

Se a Finlândia e a Suécia confirmarem sua intenção de ingressar na Otan, a ampliação substancial da fronteira da organização com a Rússia provocaria, nas palavras de Moscou, a perda da neutralidade de que gozam hoje ambos os países europeus. Por fim, o afundamento do navio Moscou, a nau capitânia da esquadra russa, no Mar Negro, na avaliação de Medvedev, ex-primeiro-ministro russo, provocará a nuclearização da esquadra russa na região. Mais uma vez, uma perigosa banalização do uso da arma nuclear.

Fracassado o plano inicial de tomar Kiev, Putin redirecionou suas tropas e tanques para a fronteira leste, com o objetivo de construir um corredor militarizado para assegurar a conexão por via terrestre da região de Donbass com a Crimeia, já anexada pela Rússia em 2014.

Neste ponto estamos. Mas a ambição de Putin parece ir ainda mais longe. Com a ocupação e virtual destruição de Mariupol, no sudeste, e a possível ocupação de Odessa, ao sul, os russos se propõem a fechar o acesso da Ucrânia ao mar e sufocar a sua economia. Foi o que deixou entender o comandante de Operações da Rússia no sul da Ucrânia.

Até há pouco, os países ocidentais pouco mais haviam feito do que adotar sanções econômicas, que afetam a economia russa e sua população, mas não arrefecem o ímpeto belicoso de Putin. Para detê-lo, seriam necessárias duas medidas. A primeira seria o embargo nas vendas de petróleo e gás pela Rússia, o que reduziria pela metade sua receita de exportação e daria um golpe fatal ao financiamento do esforço de guerra. A Alemanha, no entanto, ainda hesita em tomar essa medida extrema, pelo impacto que teria para a sua população e para a indústria alemã.

A segunda medida seria uma ampliação e o ajustamento da ajuda militar norte-americana às necessidades efetivas e prazos do exército ucraniano. Militares norte-americanos já reformados e que ocuparam altos cargos de comando na Otan têm se queixado publicamente da contemporização de Biden em fornecer os equipamentos que a Ucrânia desesperadamente solicita, talvez por receio de uma escalada russa para um confronto nuclear.

O que está em jogo, segundo esses militares, não são as conquistas localizadas de Putin no campo de batalha, mas a credibilidade do guarda-chuva nuclear americano diante das possíveis ameaças feitas a aliados dos EUA, o que preocupa sobretudo o Japão. Biden ajudará a Finlândia e a Suécia, que ainda não fazem parte da Otan? Se o fizer, por que não ajudaria também a Ucrânia, que está na mesma situação de um país aliado, mas que ainda não é membro da organização?

O encontro do secretário de Estado Antony Blinken e do chefe do Pentágono, Lloyd Austin, com o presidente da Ucrânia, Zelenski, em Kiev, há cerca de duas semanas, poderá alterar este panorama e elevar o conflito a um patamar mais alto, envolvendo diretamente, pela primeira vez, Washington e Moscou, como Putin aparentemente estava buscando. A visita de dois altos funcionários do governo Biden e a designação de um embaixador americano em Kiev dão dimensão política à crise. As várias modalidades da ajuda militar, seja pela sofisticação da tecnologia, seja pelo engajamento de oficiais norte-americanos no treinamento dos militares ucranianos, darão novo alento à Ucrânia em seu corajoso enfrentamento das tropas russas. Biden, por sua vez, parece determinado a aumentar a ajuda militar para a Ucrânia em mais de US$ 40 bilhões.

A invasão da Ucrânia trouxe uma reconfiguração do jogo de poder em escala mundial, com mais união na Europa e um fortalecimento da aliança transatlântica. Mas trouxe, também, uma perigosa banalização da arma nuclear. Enquanto na guerra fria a dissuasão visava a desestimular e mesmo evitar o recurso à arma nuclear, o artefato nuclear tático, de menor alcance ou carga, torna possível a escalada da guerra ao extremo de um confronto nuclear, ainda que limitado. Por essa mesma razão a Rússia elegeu a arma de pequeno porte como uma prioridade de sua estratégia militar. Sua carga pode ser de 0,5 quiloton a 10 quilotons, em comparação com a bomba de Hiroshima, que tinha 15 quilotons, portanto com uma capacidade de destruição bem maior.

As ameaças de Putin, ainda que não se concretizem, poderão gerar uma nova corrida armamentista, desta vez de artefatos nucleares táticos.

CONSELHEIRO DE FELSBERG E ADVOGADOS, FOI EMBAIXADOR DO BRASIL EM WASHINGTON

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

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