quinta-feira, 12 de maio de 2022

AS ESTATAIS NUNCA SERÃO AS PRIORIDADES DOS GOVERNOS MODERNOS

  1. Opinião 

Não há justificativa de natureza histórica, técnica ou estratégica para manter empresas estatais no Brasil, salvo as que ainda suprem falhas de mercado.

Maílson da Nóbrega, O Estado de S.Paulo

Neste ano eleitoral, o PT renovou sua recusa à privatização. A ideia mantém-se entranhada na mente de seus líderes, para agradar militantes e apoiadores. Um erro. Cabe aos líderes políticos, entre outros, entender as mudanças, educar eleitores e promover avanços institucionais. Não podem ser prisioneiros de visões que prejudiquem o País, caso sejam eleitos.

A esquerda europeia evoluiu com a social-democracia alemã nos anos 1950 e 1960 e, depois, em países como Reino Unido, Espanha, França e Itália. Reformas estatutárias revogaram textos que prescreviam o controle dos meios de produção, inspirados no socialismo soviético. Grandes privatizações foram realizadas por líderes de esquerda como o espanhol Felipe González e o britânico Tony Blair.

Empresas estatais são fenômeno dos séculos 19 e 20. Elas não são encontráveis na ascensão europeia impulsionada por transformações derivadas da máquina de imprimir, da reforma protestante, dos grandes descobrimentos, da revolução científica e do Iluminismo. A Holanda, o primeiro país europeu a beneficiar-se desses avanços, tornou-se uma potência marítima no século 17 pela capacidade, entre outras, de explorar as oportunidades do comércio mundial. Não criou estatais.

As estatais europeias surgiram no século 19, na Revolução Industrial. O enriquecimento da Inglaterra – e de seu incontrastável poder militar – serviu de exemplo para que outros países buscassem imitá-la, promovendo a industrialização. Sucede que não possuíam as estruturas econômicas e financeiras desenvolvidas na Inglaterra ao longo de séculos de transformação institucional e política. Eram “falhas de mercado”, evidentes nas áreas bancária e de ferrovias. Criaram-se, então, empresas estatais para superar a deficiência. Essas empresas não tinham a mesma eficiência das companhias privadas, mas, nas circunstâncias, os benefícios superavam os respectivos custos.

O Japão fez o mesmo na modernização resultante da restauração Meiji (1867). Emissários foram enviados à Europa e aos Estados Unidos para estudar as fontes de sua prosperidade. Seus relatos acarretaram mudanças até na adoção de trajes ocidentais. Estatais supriram falhas de mercado nas áreas bancária, ferroviária, mineral e outras. A privatização – provavelmente a primeira da História – ocorreu a partir do fim do século 19, tão logo a deficiência desapareceu. Na Europa – que experimentara um surto estatista no governo trabalhista de Clement Attlee (1945-1951) – as privatizações aconteceram com a primeira-ministra Margaret Thatcher (1979-1990). França, Itália, Bélgica e outros países seguiram o mesmo passo nos anos 1980.

No Brasil, políticas semelhantes surgiram nos anos 1920 (ferrovias e bancos estaduais), expandiram-se nos anos 1940 e 1950 e, depois, no regime militar. A percepção das disfunções das estatais e de que o setor privado estava apto a atuar em muitos de seus campos originou o primeiro programa de privatização, no governo Figueiredo. Começou com as empresas criadas pelo setor privado e assumidas pelo Estado em razão de insolvências. O processo continuou no governo Sarney. Nos períodos Collor e FHC ocorreu a privatização de grandes empresas estatais federais, destacando-se a Vale do Rio Doce e a Telebrás. Praticamente todos os bancos estaduais passaram ao controle do setor privado.

A criação de estatais brasileiras se deu em meio a uma cultura impregnada de anticapitalismo e desconfiança em torno do lucro. A maioria da sociedade abraçou a ideia menos por sua justificativa econômica – suprir falhas de mercado – e mais por razões ideológicas. O processo foi intensificado pela defesa, por grupos militares e de esquerda, da ideia de que as estatais tinham função estratégica (como se estratégica não fosse a educação, negligenciada em todos esses tempos). Ainda hoje, mais de 40 anos depois do início das ações de privatização, 69% dos brasileiros se opõem à privatização, segundo o Datafolha.

Não há justificativa de natureza histórica, técnica ou estratégica para manter empresas estatais no Brasil, salvo as que ainda suprem falhas de mercado, como o BNDES e a Embrapa. Mesmo assim, as duas tendem a perder relevância diante da evolução do mercado de capitais – que se torna crescentemente fonte de crédito de longo prazo – e do interesse do setor privado, particularmente de multinacionais, em desenvolver a atividade de pesquisa agropecuária no Brasil.

Infelizmente, não dispomos de líderes políticos capazes de mobilizar a sociedade em torno de um amplo processo de privatização. A medida depende do convencimento sobre os seus benefícios e de neutralizar a pressão de grupos corporativistas e de uma esquerda que não se renovou. Mesmo assim, é preciso bater nesta tecla permanentemente, para manter viva a ideia, que tem tudo para promover a expansão do potencial de crescimento da economia, da renda e do emprego, além de reduzir a pobreza.

*

SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA, FOI MINISTRO DA FAZENDA

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

  Brasil e Mundo ...