sábado, 1 de janeiro de 2022

INFLUÊNCIA DE FATOS NAS ELEIÇÕES DE 2022

 

Movimentos políticos

Por
Isabella Mayer de Moura – Gazeta do Povo

Operação Lava Jato / Lula – 10-05-2017 – Depoimento do Ex-Presidente Lula na Justiça Federal, em Curitiba, para o juiz Sargio Moro. O encontrou durou quase cinco horas e na sequencia Lula partiu para a Praça Santos Andrade. Para uma plateia estimada em 5 mil pessoas na Praça Santos Andrade, no Centro de Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou na noite desta quarta-feira (10) o desejo de ser candidato à Presidência da República. Na foto, Lula no palco armado na Praça Santos Andrade.

O ex-presidente Lula.| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo/Arquivo

Movimentos políticos, legislativos e judiciais que ocorreram na política em 2021 prepararam o cenário para as eleições de 2022 e terão grande influência nas disputas para a presidência, Congresso e governos dos estados.

Um dos fatos mais significantes de 2021 foi a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à corrida presidencial, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou os julgamentos do petista decorrentes da Operação Lava Jato, que tinham impedido ele de disputar as eleições em 2018.

Regras eleitorais, jurisprudência e a entrada de novos nomes na arena política também terão seu peso. Confira a seguir cinco fatos de 2021 que vão mexer com as eleições de 2022:

  1. Filiação do Moro ao Podemos

O ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro entrou de vez para a política em 2021, e promete mexer com a disputa à Presidência em 2022. Ao se filiar ao Podemos em 10 de novembro, Moro se lançou como pré-candidato ao Palácio do Planalto, posicionando-se, segundo analistas políticos, como a opção mais viável entre as até agora apresentadas pelos partidos de centro e centro-direita.

Para melhorar sua posição e fazer frente aos dois presidenciáveis mais populares, o ex-presidente Lula (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), Moro está buscando aumentar o seu repertório para temas além do combate à corrupção. Nesse sentido, está fazendo contato com nomes que deverão compor sua equipe de campanha, como o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, escalado para a área econômica.

Moro também busca se aproximar da classe política. A tarefa pode não ser fácil, já que ele acumulou desafetos durante os anos em que trabalhou como juiz da Lava Jato. Mas é necessária porque precisará do apoio de outros partidos para alavancar uma eventual candidatura.

O Podemos está mantendo diálogos com líderes do União Brasil – partido que resultará da fusão entre DEM e PSL e que ainda precisa ser homologado pela Justiça Eleitoral. Busca também uma aproximação com o ex-presidente Michel Temer, do MDB – que, apesar de ter lançado a senadora Simone Tebet como pré-candidata à Presidência, está conversando sobre alianças com outras siglas.

Moro já fez um aceno para a classe política, dizendo que “existem pessoas boas no Centrão” e que não descarta a possibilidade de fazer alianças com a maioria dos partidos e políticos.

O ex-juiz da Lava Jato também se reuniu com outros pré-candidatos à Presidência para discutir a possibilidade de uma terceira via unificada. Ele acredita que pode encabeçar uma chapa única de centro se sua avaliação nas pesquisas de opinião estiver melhor do que as dos demais candidatos no decorrer de 2022. Para isso, sua estratégia passa por conquistar votos dos eleitores de centro-direita que, em 2018, foram para Jair Bolsonaro, focando nas pautas do combate à corrupção e da economia liberal.

A entrada do ex-juiz da Lava Jato na política dará arsenal para a campanha do PT à Presidência, que buscará colar esse fato à narrativa petista de que a Lava Jato foi uma perseguição judicial ao partido e ao ex-presidente Lula. Mas, ao mesmo tempo, colocará o combate à corrupção no centro do debate eleitoral – junto com outros temas importantes, como a pandemia e a economia – sendo um lembrete constante para o ex-presidente dos crimes de corrupção que ocorreram durante os governos de seu partido.

Qual destes assuntos você acha que deveria ser o mais discutido pelos candidatos durante as eleições presidenciais de 2022?
Economia/inflação/desemprego
Corrupção/Lava Jato
Saúde/pandemia
Educação
Políticas sociais
Infraestrutura (estradas, portos, aeroportos)
Privatizações
Liberdades individuais
Democracia
Agenda de costumes (aborto, liberdade religiosa, ideologia de gênero, etc.)

  1. Jurisprudências e regulações do TSE
    O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao cassar o mandato do deputado estadual Fernando Francischini (do Paraná), abriu um precedente que poderá embasar eventuais ações contra a candidatura à reeleição do presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.

Os ministros do TSE consideraram que, ao dizer em suas redes sociais no dia da eleição que havia manipulação de votos em duas urnas que apresentaram falha técnica, Francischini espalhou “fake news” sobre o sistema de votação e cometeu abuso de poder por ter invocado imunidade parlamentar.

A decisão poderia respingar na candidatura de Bolsonaro em 2022 porque partidos e outros candidatos poderão ajuizar ações que busquem a inelegibilidade do presidente por causa de comentários dele sobre as urnas eletrônicas durante uma transmissão ao vivo na internet, em julho de 2021. Eles terão, porém, que justificar por que isso afetaria a disputa presidencial do ano que vem. Bolsonaro é alvo de uma investigação do Supremo Tribunal Federal (STF), suspeito de disseminar “notícias fraudulentas sobre as condutas dos ministros do STF e contra o sistema de votação no Brasil”, depois que apresentou, em uma live, acusações de fraude em eleições passadas, sem apresentar provas.

Ainda no contexto das fake news, o TSE editou uma resolução que pune a veiculação, por quem quer seja, de “fatos sabidamente inverídicos” que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos, a fim de influenciar eleitores e de notícias contendo injúrias, calúnias ou difamações com o intuito de beneficiar candidatos, partidos federações ou coligações. A divulgação de notícias falsas poderá ser punida com prisão de dois meses a um ano e pagamento de multa.

Incorporando princípios da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o TSE também proibiu que seja feita propaganda por meio de disparos em massa em aplicativos de mensagem, como o WhatsApp, sem o consentimento do destinatário.

  1. Lula de volta ao páreo para as eleições 2022

Impedido de disputar as eleições de 2018 por causa de uma condenação em segunda instância por corrupção num processo da Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estará livre para disputar as eleições de 2022 graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de abril de 2021.

Por oito votos a três, os ministros da Corte entenderam que a 13.ª Vara da Justiça Federal de Curitiba era “incompetente” – ou seja, não estava apta – para julgar os processos contra o petista, já que não havia, no entendimento do STF, uma relação direta entre eles e os casos de corrupção na Petrobras, que estavam sob alçada do ex-juiz Sergio Moro.

Com isso, todas sentenças emitidas pela Justiça Federal de Curitiba nos processos da Lava Jato envolvendo Lula foram anuladas, inclusive no caso do tríplex do Guarujá. Com as sentenças de primeira instância anuladas, as de segunda instância também perderam o efeito. E Lula, por ter sido condenado em segundo grau no processo do tríplex, se tornou inelegível em 2018.

O PT já começou uma ofensiva publicitária contando sobre suas vitórias na Justiça, indicando que Lula foi “inocentado” em 22 processos. Essas vitórias deverão ser seu principal trunfo na campanha de 2022 e, aliadas à decisão do STF que considerou Moro imparcial no processo do tríplex, serão usadas para dizer que houve uma perseguição judicial ao ex-presidente.

  1. Criação das federações partidárias, novidade das eleições 2022
    A eleição de 2022 será a primeira de nível federal sem as coligações partidárias para disputas legislativas. A volta delas chegou a ser debatida pelo Congresso em 2021, mas não vingou. O que foi aprovado, porém, foi uma alternativa às coligações: as federações partidárias.

Elas são um novo dispositivo legal que permite que os partidos se unam e atuem como se fossem uma única agremiação partidária. A principal diferença em relação às coligações é que, sob a federação, os partidos deverão atuar juntos, tanto na eleição quanto na legislatura, permanecendo filiados à federação por pelo menos quatro anos.

A lei determina que as federações terão abrangência nacional e devem respeitar as normas que regem as atividades dos partidos políticos no que diz respeito às eleições, “inclusive no que se refere à escolha e registro de candidatos para as eleições majoritárias e proporcionais, à arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais, à propaganda eleitoral, à contagem de votos, à obtenção de cadeiras, à prestação de contas e à convocação de suplentes”.

Os partidos federados conservarão seu nome, sigla, número, filiados, e o acesso aos recursos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial para Financiamento de Campanha (FEFC), o Fundo Eleitoral.

Na avaliação do analista político Lucas Fernandes, da BMJ Consultoria, as federações partidárias deverão se comportar como uma bancada e, por isso, a aprovação desse instrumento não deverá ser prejudicial para a governabilidade.

A mudança, já regulamentada pelo TSE, vai beneficiar partidos pequenos que corriam o risco de, sozinhos, não alcançarem os coeficientes eleitorais necessários para eleger seus parlamentares.

  1. Fusão do PSL e DEM para criar o União Brasil

Outro grande movimento político em 2021 foi a fusão do PSL e do DEM em uma nova sigla que se chamará União Brasil e que adotará o número 44 nas urnas. O novo partido, que ainda precisa ser aprovado pelo TSE, será a maior bancada no Congresso e terá um grande peso nas alianças para as disputas de governadores e presidente em 2022, já que contará com a maior fatia do financiamento público eleitoral e o maior tempo de propaganda gratuita em rádio e televisão.

Reconhecendo a importância da nova sigla, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, já falou que o União Brasil “talvez seja o player mais importante na consolidação de alianças que possam colocar um candidato no segundo turno com Lula ou Bolsonaro”.

O partido terá grande capilaridade pelo país e estima-se que deve ter candidatos a governador em cerca de dez estados. Com palanques organizados, será um aliado importante para impulsionar uma candidatura a presidente.

  1. Bolsonaro no PL

O principal movimento eleitoral do presidente Jair Bolsonaro em 2021 foi sua filiação ao Partido Liberal (PL), sigla do Centrão que tem a terceira maior bancada da Câmara dos Deputados.

Depois de ficar dois anos sem partido, Bolsonaro – que foi cortejado pelo PTB, PP, Patriota e Republicanos ao longo de 2021 – se filiou à mesma casa do deputado Marco Feliciano, que foi um de seus grandes aliados nas eleições de 2018. Levou consigo o filho Flávio Bolsonaro, senador pelo Rio de Janeiro que estava filiado ao Patriota, e Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional que pretende disputar um assento no Senado no ano que vem pelo Rio Grande do Norte.

Com essa definição, o presidente e seus aliados têm mais base para articular alianças regionais e definir candidaturas ao Congresso e aos governos estaduais. Também devem estar ao lado de Bolsonaro nas eleições de 2022 o Republicanos e o PP – embora haja resistências dessas siglas no Nordeste. Com eles, o presidente conseguirá mais tempo de propaganda gratuita em rádio e televisão e mais recursos provenientes de financiamento público de campanha. O PTB, apesar de ter sido rejeitado por Bolsonaro, deverá seguir fechado com o presidente.

  1. A “conquista” do PSDB por Doria; e seus efeitos nas eleições 2022

Também foram importantes dois movimentos que ocorreram no PSDB ao longo de 2021: a vitória do governador de São Paulo, João Doria, nas prévias para decidir o candidato a presidente do partido e a saída de Geraldo Alckmin da sigla.

O processo de prévias do PSDB foi tumultuado do começo ao fim. Durante a campanha, os rachas internos ficaram evidentes em confrontações verbais públicas entre apoiadores de Doria e os de Eduardo Leite, governador gaúcho e principal adversário do paulista nas prévias. No dia da escolha, um problema do aplicativo de votação atrasou em uma semana o anúncio do vitorioso.

A vitória de Doria desagradou alas do partido e culminou com a saída de Geraldo Alckmin do partido, Um dos fundadores do PSDB, o ex-candidato à Presidência já tinha uma desavença com o governador de São Paulo. Após o rompimento, Alckmin está considerando disputar como candidato a vice-presidente de Lula, pelo PSB ou PSD.


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PROBLEMAS COM O FINANCIAMENTO ESTUDANTIL FIES

 

Financiamento estudantil
Por
Rosana Felix, especial para a Gazeta do Povo

Em 2020, a taxa de inadimplência do Fies subiu quatro pontos percentuais em relação a 2019; nos últimos meses variou de 50% a 53%, afetando 1 milhão de contratos que somam cerca de R$ 6,6 bilhões em débitos atrasados.| Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

A despeito da sua relevância social, a proposta que o governo federal anunciou, nesta quinta-feira (30), para renegociar dívidas e anistiar contratos antigos de inadimplentes do Fies (Financiamento Estudantil) vem deixando em segundo plano uma discussão fundamental: essa política pública de acesso à educação superior é sustentável sob as regras vigentes?

Um dos pontos principais a ser analisado é se o pagamento do empréstimo vinculado à renda, como descrito na Lei 13.530/2017 vai funcionar, o que evitaria outras anistias no futuro. Mas há quem defenda novas mudanças para aperfeiçoar essa cobrança.

Depois do descontrole nos contratos firmados entre 2010 e 2014, o Fies passou por uma reformulação em 2017. De um lado, a nova lei trouxe mais transparência e responsabilidade fiscal para o programa; por outro lado, a queda no número de financiamentos concedidos – que foi agravada pela pandemia, mas que antes disso já era expressiva – joga dúvidas sobre a capacidade do país em ampliar o número de matrículas no ensino superior, que é uma das metas previstas no Plano Nacional de Educação (PNE).

Em 2010, foram firmados 76 mil contratos pelo Fies; quatro anos depois, esse número chegou à marca de 732 mil. Em 2015, em meio à crise política do governo de Dilma Rousseff (PT), o Congresso Nacional solicitou ao Tribunal de Contas da União (TCU) a análise de diversos programas sociais, como o do financiamento estudantil. O próprio governo refez algumas regras (como dar prioridade a cursos com nota 4 e 5 e beneficiar estudantes de famílias com renda per capita de até 2,5 salários-mínimos) que resultaram na efetivação de apenas 287 mil contratos naquele ano, caindo para 203 mil em 2016; 176 mil em 2017; 82 mil em 2018 e 85 mil em 2019. A partir de 2020 o número de vagas elegíveis ao Fies ficou em torno de 93 mil, mas na prática parte delas nem foi preenchida.

Devido às consequências da pandemia, o programa está em uma encruzilhada que afeta tantos os contratos antigos como os novos. A taxa de inadimplência subiu quatro pontos percentuais em relação a 2019; nos últimos meses variou de 50% a 53%, afetando 1 milhão de contratos que somam cerca de R$ 6,6 bilhões em débitos atrasados. Mas os jovens que ainda almejam uma formação também vivem um cenário desafiador, observa Cláudia Costin, diretora do Centro de Inovação e Excelência em Educação da Fundação Getulio Vargas (Ceipe/FGV).

Apesar dos problemas, financiamento é fundamental
“Se pensarmos que as escolas públicas ficaram quase dois anos letivos inteiros fechados, em um país que tem problemas de conectividade e de acesso a equipamentos para os mais pobres, imagina o que aconteceu em termos de perdas de aprendizagem e crescimento da desigualdade educacional. Tudo isso para dizer que o impacto na educação é muito grande. Não à toa, quando veio o Enem, a principal porta de entrada ao ensino superior no Brasil, muitos alunos de escolas públicas não se sentiram preparados e não prestaram o exame”, relata a pesquisadora.

A baixa demanda gera reclamações por parte das instituições de ensino, que pedem por mudanças no Novo Fies. “O Fies era um programa social importantíssimo para a democratização do acesso ao ensino superior. Porém, com as modificações feitas desde 2015 deixou de ser um programa social e passou a ser puramente um programa financeiro, para atender as necessidades fiscais do governo”, afirma Sólon Caldas, secretário executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES). Segundo ele, como os alunos não têm renda, muitas vagas ficam ociosas.

“O programa é fundamental para o acesso ao ensino superior, uma vez que ele é eminentemente privado. O aluno precisa ter um recurso financeiro para poder arcar com o investimento da sua formação, ou o governo precisa oferecer uma política pública que dê condições para isso”, acrescenta.

Todos os especialistas ouvidos pela reportagem são enfáticos em defender um programa de financiamento para o ensino superior. Segundo acompanhamento feito pelo Observatório do PNE, em 2020 apenas 23,8% dos jovens entre 18 e 24 anos estavam matriculados nessa etapa de ensino; a Meta 12 do PNE prevê percentual de 33% até 2024. Como as instituições particulares representam 70% das matrículas no ensino superior, a ampliação passa necessariamente por elas. E para ingressar nessas instituições, muitos alunos necessitam de mecanismos como o Fies.

Cláudia Costin observa que o Fies deve andar junto com o Programa Universidade para Todos (ProUni), que concede bolsas de 50% a 100% a alunos carentes: “É preciso avaliar quem tem condições de arcar com financiamento e quem necessita de bolsa”. Nessa linha, ela critica as mudanças recentes que o governo federal fez no ProUni, observando que seus preceitos foram “desfigurados” e também não concorda com o perdão de dívidas. Ela sugere como caminho o adiamento da dívida.

“O Fies era visto como uma bolsa. Nossos clientes relatavam que os alunos não entendiam que teriam que pagar”, lembra Pedro Gomes, que comanda os serviços de consultoria da Hoper Educação. Ele destaca que após as novas regras e diminuição do número de contratos, muitas instituições tentaram oferecer financiamentos próprios, mas enfrentaram problemas ao tentar gerenciar os empréstimos.

Segundo Gomes, o setor poderia se beneficiar com algumas mudanças, mas ele não vê espaço para a reforma devido à eleição presidencial de 2022. “Depois que a crise e a pandemia passarem mesmo e com o resultado das eleições que vão determinar as políticas públicas, vai ficar mais claro quais as possibilidades de termos um fundo mais sustentável. O financiamento público é importantíssimo para ajudar no acesso à educação superior, é uma política fundamental em qualquer país”, finaliza.

Um dos responsáveis pelo Novo Fies, Vicente de Paula Almeida Júnior, ex-diretor do Ministério da Educação (MEC) e pós-doutor em Educação, pondera que a inadimplência foi um caminho trilhado por muitos estudantes que estavam sob a modelagem antiga do programa e que não conseguiram emprego no cenário de crise. Independentemente disso, diz ele, o Novo Fies tem a sustentabilidade necessária para seguir como política pública de acesso ao ensino superior.

Segundo Almeida Júnior, os pontos cruciais na mudança foram: financiamento mediante capacidade de pagamento da família; nota acima de 450 pontos no Enem; curso com nota mínima de 3 na escala até 5 do MEC; seguro obrigatório para o estudante; compartilhamento do risco do crédito entre Tesouro Nacional e instituições de ensino; eliminação da carência de 18 meses para início do pagamento; e novo modelo de gestão e governança, instituindo pelo Comitê de Governança do Fies.

“Durante o curso o estudante já paga uma coparticipação da mensalidade, para não achar mais que é uma bolsa, e um seguro prestamista. O valor restante financiado será pago somente quando o estudante tiver emprego. Ele assina um termo em que os órgãos de governo como a Receita Federal capturem os valores das parcelas financiadas compulsoriamente. Assim, mitiga-se muito a inadimplência, diminui consideravelmente o risco para o governo e para as instituições, que também colaboram para a composição de um Fundo Garantidor”, resume ele.

Proposta prevê colocar Receita Federal em papel chave do Fies

O economista Paulo Meyer Nascimento, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), pesquisa o tema de financiamento estudantil há alguns anos, e defende reformulação no Novo Fies para adotar o pagamento vinculado à renda futura. Em um texto recentemente publicado (17/dez), ele apresenta o arcabouço institucional da proposta: uma reforma constitucional para incluir entre as atribuições da Receita Federal a cobrança futura de uma contribuição de alunos usuários de financiamento público ou privado.

Na opinião dele, a Lei de 2017 trouxe muitos avanços, mas não conseguiu copiar modelos exitosos da Austrália e Inglaterra porque não há participação ativa da Receita Federal. “A lei prevê o pagamento vinculado à renda. Desde então o governo tenta implantar isso por meio de outros descontos em folha, como e-Social, ou tenta bolar alguma novidade que permitisse que os pagamentos do Fies fossem retidos na fonte, como se fosse um consignado. O problema é que o Fies não é um consignado”. Ele diz que está “cético” quanto à possibilidade de uma fórmula que não envolva a Receita Federal. “Não tem uma instituição que chegue ao empregador e recolha da folha de salários, até porque precisa avaliar outras fontes de renda”, defende.

Pelos estudos que Nascimento fez, a Receita Federal só pode entrar no processo se houver lei específica para isso. Ele sugere alguns modelos a seguir, como o da contribuição patronal, que alimenta o Sistema S. “Há pelo menos uma dúzia de diferentes contribuições e em todas a Receita arrecada e repassa para um organismo que gerencia aquela arrecadação. Então poderia se pensar em um órgão que gerenciasse esse sistema vinculado à renda. Poderia inclusive regular o sistema privado, porque o financiamento poderia vir de bancos e fintechs, além do financiamento público. E esse órgão comunica com a Receita quais CPFs se valeram de financiamento estudantil. No momento em que tiverem um patamar de renda, destinam um percentual para o pagamento da dívida”, esclarece.

Segundo o pesquisador, um sistema desse já teria um Refis “embutido”, já que a pessoa só paga ao atingir um determinado nível de renda. Enquanto isso não ocorre, a pessoa permanece devedora, mas não se torna inadimplente. Um seguro cobriria o pagamento daqueles que não conseguirem atingir determinado patamar de renda. “Não tem o perdão; é o prazo de amortização que vai se ajustar à capacidade de pagamento. A recuperação do recurso poderá ser maior, ainda que possa levar mais tempo”.

Nascimento defende a proposta sob o ponto de vista de sustentabilidade do fundo e explica que ele poderia funcionar como um guarda-chuva para recuperar mais recursos bancados pelo governo. “No caso de um novo Fies, o ProUni poderia ser mais focalizado ainda, para aquele estudante que tem mesmo muita dificuldade financeira. O governo daria de graça a bolsa, mas dependendo da vontade política, o ProUni também poderia virar um financiamento vinculado à renda. Se no futuro a pessoa tiver uma renda razoável, por que não pode pagar de volta? Então o sistema vinculado à renda poderia ser um guarda-chuva para abrigar várias opções”, explica. A dificuldade, reconhece, está nas costuras políticas para modificar as atribuições da Receita Federal e bancar uma nova cultura de financiamento estudantil.


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PAUTAS CONSERVADORAS NÃO ANDAM NO CONGRESSO

 

Poucos avanços
Por
Leonardo Desideri – Gazeta do Povo
Brasília

Plenário da Câmara dos Deputados| Foto: Câmara dos Deputados/ Divulgação

Após as eleições de 2018, propagou-se a ideia de que o Brasil tinha eleito o Congresso mais conservador desde a redemocratização. A menos de um ano das eleições de 2022, os parlamentares que ainda se identificam com o conservadorismo correm contra o relógio para aprovar algum projeto significativo para seu eleitorado.

Em 2021, os avanços no Congresso em pautas como defesa da vida e de outros direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, foram tímidos. A razão disso, evidentemente, não foi apenas a falta de empenho dos parlamentares conservadores – a pandemia travou ou retardou a tramitação de boa parte das pautas de costumes, e outros temas acabaram ganhando maior relevância.

Mesmo assim, alguns assuntos progrediram na Câmara, como o Estatuto do Nascituro e o homeschooling, que podem chegar ao Plenário em 2022. Por outro lado, uma pauta apoiada pela maioria do público conservador sofreu um revés definitivo: o voto impresso foi rejeitado pelos deputados.

Confira como foi a tramitação na Câmara de algumas pautas de interesse do público conservador em 2021.

Estatuto do Nascituro avança no Congresso, ainda que lentamente
Em fevereiro de 2021, um projeto de lei que pretende estabelecer o Estatuto do Nascituro, sobre o direito dos bebês que ainda não nasceram, foi protocolado na Câmara dos Deputados pela deputada pró-vida Chris Tonietto (PSL-RJ). De acordo com o texto, “a personalidade civil do indivíduo humano começa com a concepção” e “o nascituro goza do direito à vida, à integridade física, à honra, à imagem e de todos os demais direitos da personalidade”.

Em agosto, o deputado Emanuel Pinheiro Neto (PTB/MT) pediu a realização de uma audiência pública sobre o PL na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. A reunião ocorreu em novembro. Agora, espera-se que o projeto seja votado nessa comissão, para daí seguir à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e ao Plenário.

Descriminalização do homeschooling é aprovada na CCJ, mas projeto contra ensino domiciliar passa em outra comissão
A CCJ aprovou em junho o Projeto de Lei 3262/19, de autoria de Chris Tonietto, Bia Kicis (PSL-DF) e Caroline de Toni (PSL-SC), que descriminaliza o ensino domiciliar no Brasil.

A proposta é modificar o Código Penal para deixar claro que a pena para o crime de abandono intelectual não se aplica a pais ou responsáveis que estiverem praticando homeschooling. Esse projeto, contudo, não trata da regulamentação do ensino domiciliar no Brasil, e sua aprovação não sanaria por completo a insegurança em que se encontram os pais que educam os filhos em casa.

O principal projeto para regulamentar o homeschooling no Brasil, elaborado pelo Executivo, é o PL 2401/2019, que foi apensado ao PL 3179/2012 e está sob relatoria da deputada Luísa Canziani (PTB-PR). Ele não avançou em 2021, mas há expectativa de que seja pautado na Câmara em 2022.

A causa do homeschooling sofreu um revés em dezembro deste ano, com a aprovação na Comissão de Seguridade Social e Família de um projeto de lei que estabelece a Política Nacional de Busca Ativa. Como relatou em dezembro à Gazeta do Povo o presidente da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal (Fameduc-DF), Jônatas Dias Lima, o projeto “autoriza agentes públicos a irem até a casa de pais e mães cujos filhos não vão à escola, a fim de convencê-los sobre os danos sofridos pelas crianças com essa ausência, ao mesmo tempo em que alertam esses pais e mães das infrações legais que estão cometendo ao não garantir frequência de seus filhos às aulas”.

Oposição quer apensar projeto de Bolsonaro sobre Marco Civil a PL das fake news
No dia 6 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro assinou uma Medida Provisória alterando o Marco Civil da Internet, com o objetivo de “combater a remoção arbitrária e imotivada de contas, perfis e conteúdos por provedores”.

A MP foi logo apelidada pejorativamente por opositores de “MP das fake news” e foi devolvida ao Executivo pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), mas seu texto foi reproduzido integralmente no PL 3227/21, que o Executivo enviou à Câmara também em setembro.

Parlamentares de oposição têm sugerido apensar o PL do Executivo ao projeto contra fake news que tramita na Câmara desde 2020, cujo objetivo é instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

A ideia é apoiada pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto. Obviamente, ela não agrada muitos apoiadores do governo, mas também é vista por outros como uma alternativa para aumentar as chances de se aprovar no Congresso algum dispositivo para refrear a censura imposta pelas redes sociais contra influenciadores da direita.

Voto impresso é rejeitado no Congresso
Em agosto, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou o voto impresso auditável. O texto da PEC 135/19, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF) e apoiada pelo presidente Jair Bolsonaro, determinava a impressão de “cédulas físicas conferíveis pelo eleitor” para o registro dos votos em eleições, plebiscitos e referendos.

A PEC obteve votos favoráveis da maioria simples da Câmara – foram 229 a favor e 218 contra –, mas precisava do apoio de 308 deputados para passar pelo primeiro turno de votação. Dezenas de deputados do Centrão não apoiaram a pauta, o que contribuiu para que a PEC não conseguisse todos os votos necessários para a aprovação. “A democracia do plenário deu uma resposta a esse assunto e eu espero que, na Câmara, esse assunto esteja definitivamente enterrado”, afirmou o presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL).

Em depoimento de outubro à Gazeta do Povo, a deputada Bia Kicis diz que, embora algumas pautas conservadoras não tenham avançado no Congresso, alguns projetos de interesse do eleitorado conservador foram aprovados na CCJ sob seu mandato, como um texto sobre o Estatuto do Idoso que aumenta a pena para quem pratica crimes contra idosos.

A Câmara também aprovou a Lei Henry Borel, um projeto que aumenta a pena para crimes contra crianças e adolescentes. “Aprovamos uma legislação mais rigorosa para quem comete crime sexual contra crianças, adolescentes e vulneráveis, e estamos criando uma subcomissão para tratar dos direitos das crianças e dos adolescentes, muito em parceria com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos”, disse ela. Todas essas pautas, segundo a deputada, são matérias que interessam “a todo mundo que não idolatra bandido”.


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200 ANOS DE INDEPENDÊNCIA E POUCA COISA FOI RESOLVIDA

 

Editorial
Por
Gazeta do Povo

(Brasília – DF, 29/03/2019) Presidente da República, Jair Bolsonaro durante hasteamento da Bandeira Nacional no Palácio do Alvorada. Foto: Marcos Corrêa/PR

Hasteamento da Bandeira Nacional no Palácio do Alvorada.| Foto: Marcos Correa/Presidência da República


Em editorial publicado na Gazeta do Povo em de março de 2014, ano em que Dilma Rousseff foi reeleita à Presidência da República, falou-se das condições estruturais que o Brasil poderia ter ao chegar a 2022, quando se comemorará o aniversário de 200 anos desde a independência em relação ao império português, proclamada em 7 de setembro de 1822. Os economistas Fabio Giambiagi e Claudio Porto haviam lançado um livro organizado por eles, com vários colaboradores, rico em dados e análises, sob o título 2022 – Propostas para um Brasil melhor no ano do Bicentenário. O propósito do livro era identificar o que o país teria feito com dois séculos desde sua independência, sobretudo em termos de bem-estar social médio alcançado pela população em geral.

Pelos dados mostrados no livro, tendo por base o banco de dados do IBGE formado no censo de 2010, a mudança mais profunda em andamento era a rápida transformação da pirâmide demográfica brasileira, com destaque para a previsão de que a população de crianças na faixa dos 5 aos 14 anos deveria diminuir em 6,5 milhões, saindo de 34,1 milhões em 2010 para 27,6 milhões em 2022, enquanto a população de 60 anos ou mais deveria aumentar em 11,4 milhões de pessoas, saindo de 19,3 milhões para 30,7 milhões no mesmo período. Esse aspecto demográfico por si só imporia alterações significativas na estrutura econômica e social do país; logo, era necessário saber como os governantes e a sociedade iriam lidar com a situação, pois daquele ano de 2014 até o bicentenário da independência seriam percorridos somente oito anos mais.

A maior dificuldade das nações é conseguir sucesso na construção das instituições e das condições requeridas para o crescimento econômico capaz de colocar-lhes no clube dos países desenvolvidos, sem pobreza extrema e sem miséria

Entre as deficiências preocupantes estava o tamanho da pobreza, que afligia 20% da população – em torno de 38 milhões de pessoas em 2010 –, e o número dos extremamente pobres (classificados como miseráveis), que eram 7% da população, ou seja, em torno de 13,3 milhões. Embora o IBGE tenha postergado o censo de 2020 em razão da pandemia, os dados da pobreza e da miséria estão atualizados conforme o cadastro social revisado pelo governo em função do pagamento do auxílio emergencial para amenizar os efeitos das medidas de isolamento social e paralisação de atividades econômicas. Atualmente, o total de pobres está na casa de 54 milhões, sendo 14 milhões de miseráveis, lembrando que a população total em 2010 era de 196 milhões e terminará 2021 com 214 milhões – portanto, 18 milhões de habitantes mais.

Naquele ano de 2014, Dilma apresentou um plano de governo que estabelecia entre os objetivos sociais mais importantes dois resultados: zerar a população na faixa dos extremamente pobres (a ferramenta seria o aumento simultâneo do emprego e da renda) e reduzir de 20% para 5% da população total aqueles classificados como pobres. Como objetivos, o conteúdo do plano era merecedor de apoio e aplausos, pois esses dois flagelos sociais devem estar acima de governos e de partidos políticos, e os governantes seguintes deveriam neles persistir como prioridade social, cujo instrumento mais eficiente é o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Naquele editorial, foi destacado que a questão principal era descobrir quais são os principais obstáculos na busca do crescimento econômico e do desenvolvimento social.


Cabe reconhecer que a maior dificuldade das nações é conseguir sucesso na construção das instituições e das condições requeridas para o crescimento econômico capaz de colocar-lhes no clube dos países desenvolvidos, sem pobreza extrema e sem miséria. Este jornal já destacava que, entre os principais entraves para o crescimento, a infraestrutura física e a educação eram altamente relevantes e deveriam merecer pesados investimentos, até em face da precariedade de ambas. No caso da infraestrutura, há três gargalos que freiam o progresso: o pequeno tamanho da infraestrutura diante da necessidade do país; a idade média do capital físico, bastante envelhecido; e o defasado grau de conhecimento tecnológico incorporado ao sistema produtivo.

Quanto ao problema educacional, o Brasil não tem conseguido elevar o nível da educação básica, a qualificação profissional média dos trabalhadores continua insatisfatória, o desemprego continua elevado e atrapalhando o progresso referente ao nível educacional e à própria melhoria da qualificação. Ou seja, o país não tem conseguido superar sua incapacidade quanto ao conjunto da educação, tanto no nível básico quanto na profissionalização, ainda que melhorias importantes tenham sido feitas pontualmente em determinados segmentos. E boa parte dos analistas concorda que o problema não é que o país gasta pouco em educação, mas que gasta muito mal e com baixa eficiência. Os gastos com educação e qualificação precisam, sim, ser elevados; porém, a má qualidade do gasto precisa ser enfrentada e revertida, sem o que mais gastos podem significar apenas mais consumo de recursos sem que os resultados sejam melhores.

Seguramente, o Brasil de 2022 comemorará os 200 anos da independência bem aquém dos objetivos e metas imaginados no início dos anos 2010

Pois o Brasil chega a 2022 e o panorama real da sociedade está longe daquelas metas anunciadas pelo governo, como demonstra o tamanho da população em situação de pobreza, bem como o número de extremamente pobres. Reconheça-se que uma tragédia se abateu sobre o Brasil e sobre o mundo todo: a pandemia do coronavírus, algo que em 2014 ninguém poderia sequer imaginar, muito menos na magnitude com que a Covid-19 atacou em 2020 e 2021. Somente agora a humanidade enxerga um alívio, retomando paulatinamente as atividades.

Seguramente, o Brasil de 2022 comemorará os 200 anos da independência bem aquém dos objetivos e metas imaginados no início dos anos 2010. O desafio agora é conseguir trilhar aquele caminho pensado para o aniversário da independência e, quem sabe, atingir aquelas metas até 2030. Porém, além da deficiência na educação e na infraestrutura, a nação ainda sofre com as deficiências ligadas ao ambiente institucional pouco favorável aos investimentos, com a má qualidade das leis, com instabilidade política, com necessidade de melhoria da gestão pública e com a ausência de reformas, principalmente a tributária e a administrativa.


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RETROSPECTIVA HUMORADA DE 2021

 

Alô, criançada, o bardo chegou!

Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo

Empty asphalt road and New year 2022 concept. Driving on an empty road to Goals 2022 with sunset. 2022 written on highway road with arrow in empty asphalt road. Concept for vision 2021-2022.

Para escrever assim esta retrospectiva, busquei na leveza justificativa. Olhei para um lado, olhei para o outro, me vi diante do óbvio – e achei pouco.| Foto: Bigstock

Para escrever assim esta retrospectiva, busquei na leveza justificativa. Olhei para um lado, olhei para o outro, me vi diante do óbvio – e achei pouco. O que mais podia eu nos estertores do ano inventar? Titubeei, hesitei, ponderei. E mesmo temendo a reação do chefe decidi rimar.

Pensei que se do leitor um riso não arranco, que ao menos consiga lhe dar um solavanco. E tirar do tédio diário a que está exposto aquele que acompanha o noticiário. Ao leitor, pois, que jamais subestimo, ofereço neste dia meu derradeiro desatino. Num ano em que não faltaram estripulias jornalísticas, nada melhor do que encerrar com essas rimas assim meio tortas, meio místicas. E tão imperfeitas, as danadas, que em verso não ouso escrever. Sigo assim nessa toada, na esperança de o leitor entreter.

Vai ser curtinho, eu prometo, até porque o tempo me escapa. Deixa só eu ver aqui minhas notas para dos acontecimentos ter um mapa. Ah, sim, como esquecer? Em janeiro invadiram o Capitólio. E no meu parecer foi mais uma sandice que Caim incluiu no portfólio. O que mais teve naquele mês que julgo agora tão distante? Teve escritor agindo como militante e bocó falando em “autoritarismo necessário”. E teve ainda colunista pedindo impeachment com “talquei” em texto hilário.

Já estou em fevereiro e, falando de BBB, peço que a intelectual sobre Karol Conká venha a escrever. A conversa era boa, inteligente, prometia diversão. Tudo ia muito bem, até da Lava Jato o STF pregar o caixão. Num ano sem carnaval e numa época de lacração, me restou ver o desfile com minha imaginação, essa guerreira. Dali a alguns dias, entrevistei Roger Moreira. Falamos disso e daquilo. É bom demais conversar! Uma pena que o STF não respeite parlamentar.

No terceiro mês do ano, foi pouco o que escrevi. Tirei uns dias de férias, viajei com meu filho, Davi. No pouco tempo que tive, falei de pandemia, desse aniversário macabro. Falei também da mansão do Flávio – na época um grande descalabro. O comedimento do político, eu diria, não é nenhum. Por isso mesmo o que vale é admirar o milagre do homem comum. Em março ainda “Um Príncipe em Nova York” ganhou continuação. E ainda no começo do mês, Fachin beneficiou Lula com uma decisão. E por causa dela no ano que vem, teremos o ex-presidiário na eleição. Antes que do mês me despeça, não posso deixar de mencionar: a Emengarda ganhou vida e agora é tarde para reclamar.

Chegamos a abril e teve robô – robô! – reclamando de assédio. Definitivamente nosso tempo não nos deixa morrer de tédio. Estou procurando aqui uma rima, mas nem sei o que é bilva. Só me resta dizer que conversei com Alexandre Soares Silva. O papo foi bom, mas não adianta, não dá para ignorar a narrativa: dos cientistas questionei a noção de autoimportância e as estimativas. Ignorando da ciência a esclarecida estultícia, só me restou apelar para o otimismo e dizer: Lula candidato é boa notícia. Também falei com o Glenn e, veja bem, tutano está provado que ele tem. O mês estava acabando, de pauta não havia falta, e foi com muito pesar que comentei a morte do astronauta.

Em maio minha vida mudou – para muito melhor, não reclamo! Mas agora me bateu a dúvida: será que tenho rima para tanto? Logo no comecinho do mês, peguei nojinho de idealismo e corri para defender a legitimidade do bolsonarismo. Mas meu texto não é panfleto; quando muito um desagravo. Agora licença que vou me vestir todo de preto para falar de Paulo Gustavo. Uns se vão e outros ficam, da vida é esse o enredo. Passados uns dias tive a honra de conversar com o grande Ary Toledo. As notícias se acumulam, mas não posso reclamar se ainda tenho a oportunidade de o Renan Calheiros zoar. Para encerrar o mês das noivas, falo de casamento: FHC almoçou com Lula e eu contive o xingamento.

Em junho infelizmente os mortos pela Covid chegaram a meio milhão, e teve início no Senado o espetáculo do coronelão, que se estenderia até o fim do ano sem encontrar corrupção. Teve ainda Copa América – como a gente perde tempo debatendo besteira! Mas deixando de lado a esquerda histérica e seu besteirol, me permiti atravessar a fronteira para falar de Alberto Fernandez gastando todo o meu portunhol.

Julho é o mês mais gelado na minha querida Curitiba. E começou com político assumindo a homossexualidade, na esperança de causar comoção e percebendo a oportunidade. Enquanto isso, na CPI, Renan Calheiros dava show e eu fazia paródia da Xuxa. Cara-de-pau que sou, mandei às favas a vergonha, essa bruxa, para escrever um roteiro que ninguém se deu ao trabalho de ler – que puxa! Vergonha tampouco têm uns cantores viciados em lacração que se tiram a chupeta da boca é para entoar “ão, ão, ão, Bolsonaro é um bobão”. Por falar em rimas fáceis e também em papelão, que falar de Joyce Hasselmann, que depois de um tropeção, saiu por aí acusando uma grande conspiração?

Em agosto o cachorro louco deu o ar da graça em Tóquio e a desistência da ginasta gerou todo um colóquio. Se lá faltava ímpeto, aqui sobrava bravata: enquanto em Brasília tanques desfilavam, teve ministro babando na gravata. E no Congresso os deputados, ignorando a gritaria, sepultavam o voto auditável, despertando supostos desejos presidenciais de acordar a infantaria. Quem acordou mesmo, porém, foi o STF, que impôs uma censura mequetrefe para oponentes intimidar. O que levou até minha mulher da minha sanidade duvidar.

Setembro foi muito louco, se bem que passou rapidinho. Começou com papo de golpe, todo mundo ficou com medinho, e terminou com pizza degustada nas ruas de Nova York e com a extrema-esquerda ensaiando um retorninho. No meio disso, porém, teve manifestação gigante e clima beligerante, para tudo culminar num recuo impressionante.

Em outubro bateu o cansaço e de novo precisei me ausentar. Não sem antes assistir à CPI e minha repulsa compartilhar. Perguntei aos leitores, e ouvi muito impropério, se atropelar bandido é um ato cristão e legítimo – fala sério! Por falar em seriedade, em outubro teve debate quente sobre a distribuição de absorvente. Tema espinhoso. Me falta lugar de fala. Mas como sou teimoso, escrevo assim mesmo. E vou para a sala, ligo a TV a esmo e o Chappelle me apunhala com um monte de piada, mostrando que essa geração woke é mesmo privilegiada.

Novembro, este sim, foi um mês tormentoso. Começou com voleibolista sofrendo cancelamento acintoso. Depois teve lavajatista entrando para a política – fato que não passou incólume à minha pena, oh, tão crítica. Quando morreu a cantora, não deu tempo nem de chorar. Porque Moro falou “grosso”, tanto quanto lhe era possível. E o Gil entrou para a ABL, numa eleição incompreensível. Como se não bastasse tanta coisa acontecendo, teve também o Toffolli o verdadeiro golpe reconhecendo. Encerrando com chave de ouro, o clichê não podia faltar: em São Paulo a escultura de um touro deu o que falar.

Em dezembro que eu pensava que seria um mês tranquilo, Olavo “fugiu” do país e eu tive que comentar aquilo. Enquanto Wagner Moura se enchia de camarão eu lia a biografia do Lula. E no Senado o azarão, André Mendonça, a própria sabatina articula. O ano vai acabando, a PEC dos Precatórios foi aprovada. Até o Randolfe ficou noivo em cerimônia (jeca) reservada. Antes de descansar, Luiz Fux falou um monte de bobagem. Mas quem encerrou o ano a se esbaldar foi mesmo o Barroso – a quem devo irônica vassalagem.

Só de textos aqui na Gazeta foram mais de duas centenas. Sem falar no Polzo Show, O Papo É e também o Quarentena. Agora lá vou eu para o descanso merecido, mergulhar no mar manso e, agradecido, sonhar com um 2022 em que, na ausência de paz, ao menos o caos seja divertido.

EBOOK G
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CORRIDA ELEITORAL PARA 2022

 

RISCOS E OPORTUNIDADES DE 2022

Mesmo se ‘terceira via’ não decolar, centro político deverá definir corrida eleitoral como fiel da balança

José Fucs
ESTADÃO

Com as eleições de 2022 logo ali, em 2 de outubro, o País terá a chance de reavaliar mais uma vez as suas escolhas e de redefinir – ou não – a rota seguida nos últimos anos. Será também uma oportunidade de decidir se o papel de timoneiro deverá caber novamente ao presidente Jair Bolsonaro, provável candidato à reeleição, ou se é melhor apeá-lo do cargo, democraticamente, e eleger um concorrente para substituí-lo.

Embora o pleito envolva a escolha de 27 governadores, 27 senadores, 513 deputados federais e mais de mil deputados estaduais, é na Presidência que as atenções se concentram, não só pelo caráter nacional da disputa como também pelo papel de protagonista desempenhado pelo presidente da República, no regime presidencialista adotado pela Constituição de 1988.

Mesmo que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) atribuam à Corte o papel de Poder Moderador da República, sem qualquer amparo constitucional, e que o Congresso tenha adquirido uma força crescente nas últimas legislaturas, tornando a eleição dos parlamentares decisiva para o futuro do País, o presidente ainda tem a caneta na mão – e isso continua a ter um peso considerável no sistema político brasileiro.

Apesar de o termo “presidencialismo de coalizão”, cunhado pelo sociólogo e cientista político Sérgio Abranches, ter uma conotação negativa, por sugerir uma perda indevida de poder do presidente para o Congresso, a construção de uma base parlamentar para aprovação de matérias de interesse do Executivo deve ser vista, segundo alguns analistas, como um sinal de maturidade democrática.

“No multipartidarismo fragmentado como o nosso, o presidencialismo tem de ser ‘de coalizão’ ou não é democrático”, afirma o também cientista político e sociólogo Antonio Lavareda. “Quando a gente fala em alianças, está metaforicamente remetendo a uma prática social que todos nós conhecemos, que são os casamentos. Há casamentos por interesse pecuniário, por imposição familiar, por ditames religiosos e por amor, que são considerados os mais valiosos contemporaneamente. É a mesma coisa nas alianças, ou seja, nos casamentos e noivados partidários.”

AMEAÇAS

Em meio à polarização política do País, uma parcela da sociedade teme que os pendores autoritários de Bolsonaro, realçados em supostas ameaças às instituições e em declarações relacionadas a uma possível resistência à entrega do poder, em caso de derrota nas urnas, possam colocar em risco, de alguma forma, o processo eleitoral. Teme-se também que, se o presidente vencer o pleito, a própria democracia seja comprometida.

“Há uma percepção de que esta eleição vai decidir a sorte da Nova República, de que, se o presidente Bolsonaro for reeleito, aumentaria muito a chance de uma ruptura institucional mais adiante ou de se dar passos avançados para a construção de uma democracia iliberal”, diz Lavareda. “Hoje, como sabemos, não é mais necessário haver rupturas, com aquele coup d’etat clássico, para isso acontecer. Esses passos podem ser dados através do acúmulo de forças no Congresso ou no Judiciário ou em ambos, como ocorreu em outros países.”

O fato, porém, é que o Brasil chega em 2022 à nona eleição presidencial seguida, um recorde desde a Revolução de 1930, há quase um século, com a democracia mostrando uma resiliência que se sobrepôs até agora a qualquer bravata totalitária.

“Acredito que os riscos estão sendo superdimensionados”, afirma o cientista político Christopher Garman, diretor executivo para as Américas da Eurasia, uma consultoria americana voltada à avaliação de riscos políticos. “Se a gente fizer um balanço do que falaram contra o Bolsonaro em 2021, vamos ver que muita coisa não tinha base real”, diz o cientista político e comentarista Fernando Schüler, também professor do Insper, uma escola de negócios, direito e engenharia de São Paulo. “Disseram, por exemplo, que teria havido uma tentativa de golpe na manifestação de 7 de setembro e que haveria uma invasão do STF e do Congresso. Era pura fantasia, um exercício do que o (escritor italianoUmberto Eco chamaria de ‘irrealidade’. Agora, pergunta se dois, três dias depois alguém disse ‘olha, desculpe, nós nos enganamos’. É claro que não.”

O que é possível afirmar com segurança é que há um risco concreto de que a campanha seja uma das mais agressivas de que se tem notícia e possa até descambar para a violência. “Tudo indica que teremos a eleição mais sanguinolenta desde 1989”, diz o historiador e comentarista político Marco Antonio Villa, recorrendo a um termo popularizado pelo personagem Sinhozinho Malta, desempenhado pelo ator Lima Duarte, na novela Roque Santeiro, em meados dos anos 1980. “Não acredito que as eleições de 2022 vão se dar num clima ameno ou muito civilizado”, afirma Lavareda. “Nós vamos ter disputas ásperas, duras. Vamos ter os segmentos políticos mobilizados, se enfrentando com contundência, com virulência.”

Não vamos nos iludir. Numa campanha que promete se desenrolar em altíssima voltagem, vai ter muito jogo sujo, fake news, divulgação de pesquisas feitas sob encomenda pelos candidatos e insultos para todos os lados – nos palanques, no horário eleitoral e nas redes sociais – mesmo com a posição vigilante da Justiça Eleitoral. “O meu temor é que o processo eleitoral vire uma guerra”, diz Villa.

TERCEIRA VIA

Oficialmente, a campanha só começa em 16 de agosto, com o término do prazo para registro das candidaturas na Justiça Eleitoral, mas os principais candidatos já estão praticamente definidos e o debate já está nas ruas, dominando as conversas nos bastidores de Brasília, nas rodas de empresários, nos sindicatos, na academia e até nas mesas de bar, em meio ao recrudescimento da pandemia, que teima em postergar o seu fim.

Hoje, a grande questão que está em pauta e que deverá perdurar ao longo da campanha é se a disputa será mesmo polarizada em Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, o eterno candidato do PT à Presidência, como apontam as pesquisas, ou se algum dos pré-candidatos da chamada “terceira via” vai ganhar corpo e se habilitar a disputar o segundo turno.

Embora as chances de um nome da terceira via conseguir quebrar a polarização Bolsonaro/Lula pareçam remotas no momento, quem apresenta o maior potencial de crescimento na preferência popular, de acordo com as pesquisas, é o ex-juiz e ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, que se filiou ao Podemos no início de novembro.

Para chegar lá, Moro terá de conquistar votos nas fileiras de Bolsonaro, que mantém um contingente de apoiadores fiéis, e atrair o apoio de pré-candidatos menos cotados da terceira via, caso confirme a sua liderança entre os candidatos do grupo, como o governador paulista João Doria, do PSDB, o cientista político Luiz Felipe d’Avila, do Novo, e os senadores Rodrigo Pacheco, do PSD, e Simone Tebet, do MDB. O único pré-candidato da terceira via que, provavelmente, não deverá nem discutir uma eventual aliança com o ex-juiz da Lava Jato, se ele se mantiver na frente entre os postulantes da turma, é o ex-governador do Ceará e ex-ministro Ciro Gomes, seu desafeto, do PDT.

‘PARTIDO LILÁS’

Ciente de que o centro pode ser o fiel da balança, como já aconteceu em outras eleições, inclusive na de 2018, Lula costura uma aliança considerada improvável até pouco tempo atrás com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que deixou o PSDB e deverá se filiar ao PSB. “O Lula vai tentar se mostrar o mais confiável possível”, afirma Villa. “A tendência é Lula segurar seus radicais, vamos chamar assim, e buscar alianças que lhe possibilitem até vencer as eleições no primeiro turno, que é o sonho dele.”

Com a vitória de Doria nas prévias tucanas, a ala histórica do partido, composta pelo ex-presidenteFernando Henrique, pelos senadores José Serra Tasso Jereissati e de certa forma pelo próprio Alckmin, que não se identificam com o governador paulista, voltou a alimentar a sonho de unir as duas vertentes da social-democracia brasileira, representadas por eles mesmos e pelo PT. A proposta de união das duas correntes chegou a ser ventilada anos atrás e até recebeu informalmente o nome de “Partido Lilás”, mas não avançou na época por resistência de Lula.

Agora, em prol da derrota de Bolsonaro, a quem Doria apoiou em 2018, os tucanos históricos, que também não nutrem simpatia por Moro, parecem dispostos a deixar para trás as divergências do passado com o PT, carregando junto parte da ala liberal do PSDB, que inclui alguns economistas que participaram dos governos de FHC. Nos bastidores, comenta-se até, num exercício de futurologia, que o acordo da ala histórica do tucanato com Lula, simbolizado pelo aperto de mão de FHC com o líder petista num almoço realizado em maio, em São Paulo, prevê a entrega do Ministério da Economia a um economista ligado ao grupo.

Bolsonaro, por sua vez, procura atrair o apoio de forças de centro-direita à sua candidatura por meio de alianças com partidos tradicionais, que fazem parte do Centrão, como o PP, do deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, e o PL, do ex-deputado Valdemar Costa Neto, ao qual ele se filiou há cerca de um mês. “O que fez o Bolsonaro ganhar em 2018 não foi o bolsonarismo. Foi o centro”, diz o cientista político Lucas de Aragão, da Arko Advice, uma consultoria de Brasília. “O bolsonarismo o colocou em pé, deu a ele visibilidade. Talvez possa até tê-lo colocado no segundo turno. Mas a vitória veio com o apoio do centro.”

‘ELEITOR RACIONAL’

Diante do atual cenário político, econômico e social, marcado pela combinação indigesta de estagnação da economia com repique da inflação, juros em alta, furo no teto de gastos, desemprego elevado, renda em queda e aumento da desigualdade, há uma expectativa, alimentada por setores da elite econômica e intelectual, de que a campanha deveria se concentrar no debate de propostas efetivas para o País, para o eleitor poder fazer a sua escolha de forma consciente e fundamentada.

“Eu tenho insistido que os partidos e os candidatos precisam apresentar as suas propostas para que a sociedade possa escolher”, afirma o ex-ministro Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura, em linha com a aspiração do grupo. “O que acho mais importante para o Brasil é que nós precisamos de um projeto que diga que estamos no ponto A e queremos chegar no ponto B, para mobilizar a população em torno de um programa.”

Outros analistas ouvidos pelo Estadão, no entanto, dizem ser improvável que isso aconteça, elevando o risco de a eleição ser decidida outra vez com base em fatores de menor relevância, que pouco ou nada têm a ver com o que o eleito fará no governo. “No processo eleitoral de 2022, as grandes questões nacionais não devem ser o centro das atenções. As eleições vão ter um nível de discussão muito primário, em que as ideias e os projetos vão ficar em segundo plano”, afirma Villa. “Isso vai ser muito ruim para o País, porque vamos perder uma ocasião fantástica para discutir os problemas e conhecer as soluções apontadas para eles pelos diferentes candidatos.”

A percepção de Fernando Schüler é semelhante. Para reforçar a sua visão, Schüler cita o livro The Myth of The Rational Voter (O mito do eleitor racional), do cientista político americano Bryan Caplan, no qual o autor afirma que a ideia de que o eleitor médio está disposto a debater programas de governo não passa de wishful thinking (pensamento positivo).

“No momento das eleições, a complexidade das propostas é aplainada e substituída por grandes narrativas que competem entre si. No fim, uma delas se torna hegemônica e ganha as eleições”, diz. “Na democracia eleitoral, não há uma conexão entre as questões que certa camada mais intelectualizada da sociedade considera relevantes para o País e a agenda de uma campanha de massa.”

PACIFICAÇÃO

De qualquer forma, independentemente de quem ganhar a disputa presidencial deste ano, a expectativa é de que, em 2023, ao tomar posse, o vencedor busque desde o princípio o diálogo com as diferentes forças políticas, para que o País possa encontrar a pacificação política e retomar, enfim, o desenvolvimento sustentável, que é a base para a prosperidade geral e a melhoria dos serviços prestados à população, como educação, saúde e segurança.

“Goste-se ou não, o Brasil é um país multipolarizado na questão da influência. Ninguém manda no Brasil sozinho. Muita gente manda no Brasil”, diz Lucas de Aragão. “Talvez em função da intensa polarização dos últimos anos, os principais candidatos dão sinais de que estão dispostos a construir o diálogo com forças que pensam diferente deles, porque se isso não acontecer a agenda não vai avançar.”

Para Antonio Lavareda, investir na conciliação no pós-eleições será fundamental para que o Brasil possa realizar as suas potencialidades. “Nós temos de nutrir a esperança de que, passadas as eleições, as principais forças políticas, as que serão governo e as que serão oposição, tenham condições de desenvolver um patamar mínimo de diálogo para enfrentar os problemas dramáticos que se colocam para o País”, afirma. “É um exercício difícil, mas não é complicado de imaginar.” É o mínimo que se pode esperar dos mandatários que vão ditar novos rumos para o Brasil.


Eleição do sofrimento

Pedro Fernando Nery
DOUTOR EM ECONOMIA E COLUNISTA DO ESTADÃO

E se houvesse um indicador simples que pudesse sintetizar tanto a falta de oportunidades na economia quanto a piora do poder de compra? Este é o índice do sofrimento (misery index): a simples soma da taxa de desemprego com a taxa de inflação. Quanto maior, pior. É uma medida rápida para o mal-estar de uma sociedade – que talvez conte algo sobre as eleições de 2022.

Criado pelo americano Arthur Okun, assessor do ex-presidente Lyndon Johnson, o índice em outubro de 2022 pode ser o maior em cinco eleições. No pós-Real, ficaria atrás apenas do índice de sofrimento de 2002, há 20 anos.

As grandes mudanças nas coalizões vencedoras das nossas eleições coincidem com períodos em que o índice de sofrimento estava alto. Isto é, o desemprego era alto ou a inflação era alta, ou ambos. Foi assim em 2002 e 2018. Quando Luiz Inácio Lula da Silva venceu pela primeira vez a eleição presidencial  – derrotando o grupo que governara por oito anos liderado peloPSDB – estávamos acima de 20 pontos. Na vitória do presidente Jair Bolsonaro, passamos de 16.

Nas eleições em que houve continuidade, o índice estava mais baixo – ao redor de 12 pontos. Na reeleição de Fernando Henrique Cardoso em 1998, na de Lula em 2006, na eleição de Dilma em 2010 e em sua reeleição em 2014, o índice se manteve nesse patamar. No primeiro caso, era a inflação que estava atipicamente baixa, nos demais, o desemprego.

Considerando os dados divulgados para outubro, estamos em cerca de 23 pontos no índice do sofrimento – acima da “ruptura” de 2002. Espera-se que o pior da inflação já tenha passado, e do desemprego também. Mesmo projetando quedas otimistas, por exemplo inflação a 6% no outubro do pleito e desemprego a 11%, ainda teríamos o maior índice em 20 anos – de…17 pontos.

Um risco que se coloca neste sentido para as eleições de 2022 é uma corrida por soluções populistas, que pode agitar as expectativas do mercado. Afinal, se o governo eleito não conseguir equilibrar as demandas da sociedade com o espaço fiscal existente, são os juros que vão subir. Mesmo com mudança no Planalto, pode ser que o novo governante herde a impopularidade do anterior se o sofrimento continuar alto, tornando mais tentadoras saídas fáceis para nossa crise social.

Há, porém, oportunidades. São em períodos de inquietação que grandes transformações acontecem – há pouca disposição para consertar o telhado quando ainda não está chovendo. O mal-estar econômico pode mover a “janela de Overton”, tornando ideias antes polêmicas mais palatáveis para a opinião pública.

Pode ser o empurrão para reformas como a tributária e a administrativa, se o governante conseguir apresentar ao País uma narrativa que relacione a angústia de alguns com os privilégios de outros.

DELEGADOS DA POLÍCIA FEDERAL CONTRA OS CORTES NO ORÇAMENTO DA PF

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