segunda-feira, 11 de outubro de 2021

TRANSEXUAIS NO ESPORTE FEMININO NÃO É MUITO LEGAL

Estudos científicos
Por
Eli Vieira, especial para a Gazeta do Povo

Tokyo (Japan), 02/08/2021.- Laurel Hubbard of New Zealand fails to lift 125kg in the second attempt during the Snatch portion of the Women’s +87kg Group A Gold Medal event of the Weightlifting events of the Tokyo 2020 Olympic Games, at Tokyo International Forum in Tokyo, Japan, 02 August 2021. (Japón, Nueva Zelanda, Tokio) EFE/EPA/MICHAEL REYNOLDS

Tóquio, Japão, 02/08/2021: Laurel Hubbard, da Nova Zelândia, a primeira atleta trans da história das Olimpíadas, compete no halterofilismo| Foto: EFE/EPA/MICHAEL REYNOLDS

Em fevereiro de 2018, divulgadores de ciência já defendiam a inclusão de atletas transexuais no esporte feminino, e citavam principalmente uma revisão que se revelou paupérrima em dados, mas abundante em pressupostos progressistas. A falta de estudos diretos sobre o problema era preocupante, especialmente comparada à pressa de organizações do esporte a se curvar à pressão de ativistas para mudar suas diretrizes. Havia, ali, uma inversão: um carro na frente dos bois. Um fazer antes de saber.

O ativismo da causa LGBT em grande parte esteve sob influência do dogma da tábula rasa, ou seja, da ideia de que nós nascemos como folhas em branco, sem tendências nem instintos nem propensões genéticas. Esta ideia foi defendida por ditadores comunistas do século XX.

Mas a nova ortodoxia que reforça esse dogma não vem do comunismo, vem da “teoria” “queer”, um ramo do nefasto pós-modernismo aplicado, que é o mais influente inimigo da ciência interno à academia hoje. Nesta atmosfera intelectual, em se tratando de ser humano, qualquer biologia é biologia demais. Em resposta ao que chamam muitas vezes de forma ignorante de determinismo biológico, quando não chamam infamantemente de eugenia, propõem o determinismo sócio-cultural sem chamá-lo pelo nome. Preferem o eufemismo ambíguo “construção social”. Eu insisto em pôr aspas porque, na ciência, teoria é o maior grau de solidez ao qual uma proposição pode chegar. A “teoria” “queer” não é teoria nenhuma: mal merece o status de hipótese.

Existem vários motivos para se opor ao determinismo sócio-cultural de parte influente dos ativistas LGBT, que é parte da explicação para sua insistência que atletas trans seriam idênticas às outras atletas do esporte feminino e poderiam ser inclusas sem injustiça às últimas.

A escassez de avaliação direta da possibilidade de as atletas trans terem vantagens biológicas no esporte feminino começou a mudar recentemente, e aquela pressa de incluir antes de saber se a inclusão era justa, embora tenha praticamente dominado o esporte internacional, começou a perder o gás nas Olimpíadas de Tóquio. Depois de usar um critério de quantidade mínima permitida de testosterona no sangue, o Comitê Olímpico Internacional admitiu que o critério é “ultrapassado”. Tal critério já era ultrapassado foi proposto, nunca esteve em conformidade com uma avaliação franca das evidências.

Os valores do esporte
O esporte é uma hierarquia baseada em competência: os atletas e audiências valorizam a premiação de habilidades pelas quais os atletas trabalharam: que vença o melhor. Até em esportes em que a vitória depende muito do acaso, a interpretação de que a vitória deve acontecer por competência é quase automática, embora os perdedores possam se lembrar do papel do acaso e questionar, nem sempre de forma justa, a idoneidade dos árbitros e dos vencedores.

Somente sádicos gostam de ver o resultado óbvio de botar um boxeador profissional para esmurrar uma pessoa mirrada e sem preparo. Na verdade, nosso instinto é de geralmente torcer para quem estiver em desvantagem. Queremos ver, quando não há igualdade de pontos de partida entre os competidores, ao menos alguma possibilidade de quem está em desvantagem vencer. Há algo de prazeroso na antecipação de um resultado que não é garantido e determinístico, de torcer para um time que você quer que ganhe, mas não sabe com certeza se ganhará. Isso reflete os mecanismos da dopamina no cérebro, que nos recompensam por essa antecipação e explicam boa parte de comportamentos como o vício em jogos de azar. O êxtase da vitória é bem maior quando antes dele veio a ansiedade da antecipação: e maior ainda quando a vitória era implausível.

Jogos entre homens e mulheres não costumam ter essas características. No tênis, no futebol e em outros esportes em que isso foi tentado, a parte masculina quase sempre tem vantagem e, enfadonhamente, ganha. É um dos motivos justos para a cisão do mundo do esporte entre masculino e feminino. Por isso, não dá para atribuir completamente a preconceito que alguém desconfie que atletas transexuais, especialmente os que transicionaram do sexo masculino para o feminino, podem estar rompendo o mínimo nivelamento das competições por terem vantagens adquiridas quando apresentavam identidade e corpo masculinos.

Há, entre divulgadores de ciência e pessoas do esporte interessadas na inclusão de grupos em desvantagem (mais uma torcida previsível a favor dos desfavorecidos), uma tentação de alegar que, apesar de sabermos pouco, sabemos o suficiente para dizer que a vantagem das atletas trans é incontestável.

O Comitê Olímpico Internacional adotou entre 2015 e 2021 um nível máximo de testosterona no sangue das atletas trans durante os 12 meses anteriores como critério suficiente para incluí-las ou excluí-las, além de uma “declaração solene” de que sua “identidade de gênero” é feminina. Em sua diretriz, o COI diz que “é necessário assegurar até onde é possível que atletas trans não sejam excluídas da oportunidade de participar em competições esportivas”, e que “o objetivo esportivo predominante é e se mantém a garantia da competição justa”. Mas há um conflito inevitável entre os dois objetivos. O critério adotado é insuficiente para assegurar competição justa. O mais provável é que as atletas trans tenham vantagem biológica que distorce a competição justa.

Proposta moral conflitante
Na ciência, estudos individuais nem sempre são suficientes para tirar grandes conclusões. Por isso é comum, na tarefa de apresentar conclusões mais estáveis à comunidade de pesquisa, que se publiquem revisões e meta-análises, que são estudos de estudos, que discutem as conclusões dos estudos individuais, ou (o que é melhor) reanalisam todos os dados disponíveis.

Uma revisão foi citada preferencialmente pelo campo que nega as vantagens biológicas das mulheres trans ou alega que são implausíveis: a de Bethany Jones e colaboradores, de 2017. Eles avaliaram somente oito artigos de pesquisa. Para dar uma noção da novidade do assunto, o artigo mais antigo é de 2004. A maioria desses meros oito artigos usam métodos qualitativos, como entrevistas, que não dão dados objetivos para testar diferenças.

Os únicos dois estudos que sobram com dados objetivos têm amostras minúsculas: em um deles, somente 19 atletas trans foram testadas. Conclui-se nele que as atletas trans estão muscularmente dentro da normalidade feminina. No entanto, a chance de as conclusões não serem confiáveis por causa da amostra pequena são consideráveis, e a diferença entre masculino e feminino não está somente nos músculos. O outro estudo não considerou atletas, e, também com uma amostra pequena de transexuais (n=33), concluiu que essas pessoas se exercitam menos, o que dificilmente é o caso entre trans que desejam ser atletas profissionais. O mesmo problema de amostras pequenas demais se repete em outros estudos não citados na revisão, mas citados por divulgadores progressistas, como dois com as minúsculas amostras n=8 e n=6 .

O foco principal dessa revisão é político/moral: mais de 30 diretrizes esportivas sobre o assunto foram consideradas. Os resultados apresentados no resumo são todos argumentos pró-inclusão, ou seja, são argumentos da discussão moral, não da científica. A revisão diz que não há estudos diretos suficientes sobre a vantagem das trans e que por isso não se pode concluir que elas têm vantagem. Com base nisso os autores pedem que as diretrizes esportivas que as excluem precisam mudar em nome da inclusão. Mas essa é uma forma enviesada de fazer uma conclusão, pois, com os mesmos dados, podemos dizer que não há evidência direta suficiente, também, de que as trans não têm vantagem em relação às outras atletas femininas. Além disso, poderíamos tentar chegar a alguma conclusão plausível pelas vias indiretas ignoradas nesse estudo.

Em suma, essa revisão não merece ser vista como uma discussão ampla das evidências disponíveis sobre possíveis vantagens ou desvantagens de transexuais nos esportes, mas como uma discussão das diretrizes existentes sobre o assunto nos esportes — que por sua vez deveriam depender das evidências. Ou seja, a revisão recomenda fazer antes de saber.

O que as evidências realmente dizem sobre diferenças atléticas entre sexos
O desenvolvimento sob influência de hormônios masculinos após a puberdade dá vantagens que dificilmente são perdidas com a transição hormonal feminilizante. A puberdade tem tamanha influência sobre a performance atlética que garotos de 14 e 15 anos recordistas superam as melhores marcas de mulheres que são atletas de elite.

Cerca de 6.500 genes se ativam de forma diferente entre homens e mulheres. Tidas como pequenas, as diferenças físicas entre sexos nas crianças pré-púberes poderiam motivar mudanças na composição de times na educação física. Porém, os meninos passam também por uma “minipuberdade” entre um e seis meses de idade que pode já lhes dar vantagens desde pequenos. De fato, aos nove anos, meninos já são 10% mais rápidos que meninas em corridas curtas.

A grande arquiteta das diferenças é a testosterona. Ela é 20 vezes mais alta no sangue dos meninos que no das meninas durante a puberdade, e 15 vezes mais alta em homens de qualquer idade comparados às mulheres de qualquer idade. As diferenças dificilmente são explicáveis pela cultura. Desde os anos 1990, as diferenças físicas se mantêm estáveis apesar de muitos incentivos ao esporte feminino para fechar a lacuna entre os sexos.

Há presumivelmente algumas habilidades esportivas em que as mulheres superam os homens, mas, quando se trata de força, estâmina e outros atributos físicos, os organismos que passaram por uma puberdade masculinizante têm mais vantagens. Eis algumas:

Nos músculos: organismos masculinos têm em média doze quilos a mais de músculos esqueléticos que os femininos. A massa muscular masculina, além de maior, é mais densa, e o tecido conjuntivo é mais rígido. A diferença é maior acima da cintura (40%) que abaixo, mas ainda é substancial nas pernas (33%). Todos perdem massa muscular com a idade, especialmente após os 50 anos, mas a maior parte dessa perda é na parte inferior do corpo, não na superior, onde homens e mulheres diferem mais. Músculos em organismos femininos podem apresentar maior resistência à fadiga ao exercer força moderada, mas isso se restringe a alguns grupos musculares e desaparece quando é preciso exercer força máxima.

Para entender o quanto os homens são mais fortes que as mulheres, tomemos uma amostra de mais de 7 mil americanos: 89% dos homens têm mais força no aperto de mão que as mulheres. A força do aperto de mão está positivamente correlacionada à dos outros músculos do corpo, especialmente acima da cintura. Com base nela, podemos afirmar que a maioria dos homens é mais forte que a maioria das mulheres, e a diferença se estabelece logo após a puberdade, como se pode ver no gráfico.

Nos ossos: não é segredo para ninguém que homens são em média mais altos que mulheres, e que a maior altura por si só já é vantagem em esportes como basquete e vôlei. Nenhuma atleta trans que teve puberdade masculinizante perderá altura com a transição hormonal feminilizante. Mas as vantagens ósseas não se restringem à altura, os movimentos causados pelas diferenças ósseas podem botar as mulheres cis (não-trans) em desvantagem: por causa dos ângulos de inserção dos fêmures na pélvis, as mulheres podem ter mais risco de lesão ao fazer agachamentos. As diferenças de sexo no esqueleto são tão pronunciadas que cientistas forenses já conseguem prever o sexo do organismo inteiro a partir de uma pequena área triangular numa das pontas do fêmur, com 86% de precisão.

Pulmões: no sexo masculino os pulmões têm capacidade de inspirar mais ar que no sexo feminino, mesmo controlando para o efeito da altura. Oxigenar o sangue é uma característica vital em qualquer esporte, o que faz dessa diferença importante. Homens têm também maior volume de sangue e maior concentração de hemoglobina, traqueia mais larga, coração maior, sendo mais eficientes em oxigenar seus músculos.

Dor: homens e mulheres têm capacidade similar de suportar dores de alguns tipos (como a causada por bloqueio de circulação sanguínea), mas elas têm menor tolerância à dor causada pelo frio, pelo calor e pela aplicação de pressão. São as conclusões de uma revisão de dez anos de pesquisa e 172 estudos. Como atletas sabem, no pain no gain (sem dor, sem ganho). E se uma pessoa desenvolvida sob influência genética masculinizante é mais tolerante a certos tipos de dor, tem vantagem no treinamento e na competição.

Todas essas evidências servem para fazer a inferência segura que as atletas trans têm vantagem física no esporte feminino por terem passado pela minipuberdade quando bebês e, na maioria dos casos, também pela puberdade masculinizante propriamente dita. É improvável que a transição hormonal, especialmente a mais tardia, mude todas essas características e ponha todas as atletas trans dentro da variação das outras atletas. Certas características adquiridas pelo organismo exposto a hormônios masculinizantes são organicamente irreversíveis, como o engrossamento da voz e o crescimento de barba. É difícil que todas as vantagens físicas relevantes para o esporte, especialmente envolvendo tecidos que não são completamente renováveis, sumam por causa do tratamento. Examinando transexuais que fizeram tratamento hormonal contra os efeitos da testosterona por um ano, observou-se uma redução de apenas 5% em massa magra, área muscular e força.

Qual é o tamanho das vantagens masculinas, nos esportes?

Remo, natação, corrida: 10-13%.
Ciclismo, salto, futebol, tênis, golfe, handebol e salto com vara: 16-22%.
Críquete, vôlei, long drive, levantamento de peso: 29-34%.
Beisebol e hóquei: acima de 50%.
Vantagens permanentes
A maioria das crianças que manifestam disforia de gênero, um sofrimento psicológico de dissociação entre o sexo do corpo e o sexo da autopercepção, não tem na transição hormonal (ou cirurgias) o melhor tratamento para sua condição. A Associação Psicológica Americana calcula essa maioria entre 50 e 88%. Com o tempo, a disforia costuma se resolver nelas.

Os motivos da manifestação da disforia são desconhecidos, mas é informativo que há uma proporção maior de homossexualidade entre essas pessoas que manifestam disforia, mas não transicionam, que na população em geral. Para uma minoria das pessoas que manifestam disforia, evidentemente, a transição hormonal para a identidade sexual de sua preferência é um tratamento salutar. No entanto, por causa desses números, além de motivos relacionados à capacidade de consentir e responder por si que não atribuímos moral/legalmente às crianças, é bem raro que uma atleta transexual não tenha passado pela puberdade masculinizante, que é o evento central no desenvolvimento que confere as prováveis vantagens discutidas aqui.

Conflito entre inclusão e mérito
Como sabemos, os jogos esportivos, especialmente profissionais, envolvem regras que valorizam o mérito: o objetivo é que vença o melhor. Mas com uma sutileza: é um melhor que não era de forma óbvia determinado para ser o melhor antes de a competição começar. São regras que tentam capturar um equilíbrio fino entre se aproveitar de vantagens acidentais e colher os louros do esforço e da determinação.

Estamos em tempos em que as histórias de bullying e vitimização atraem atenção, com frequência poder e às vezes dinheiro. A história da criança traumatizada porque não foi escolhida para o time na aula de educação física é contada e recontada. O enredo é basicamente o mesmo, só mudam os atores. Poucas vezes a história é contada do ponto de vista da criança que estava escolhendo os membros do time. Sutilmente ela é sempre acusada de preconceito, ou seja, de usar características arbitrárias para escolher seus colegas de time. O mundo, no entanto, é mais complicado do que contam as narrativas preocupadas com traumas e vítimas: o fato é que as crianças diferem entre si inclusive em habilidades esportivas, e a criança líder do time tenta botar em seu próprio as coleguinhas que parecem as mais capazes de lhe dar a vitória, e não há nada de errado em querer vencer.

É importante que as crianças aprendam que as aparências às vezes enganam, que não há nada de errado em um menino ser afeminado e em uma menina ser mais forte que a maioria dos meninos da sua idade. São variações raras. E que é honroso que façam as pessoas raras se sentirem aceitas, que são parte da sociedade. Mas também é importante que as crianças aprendam que, independentemente de suas vantagens ou desvantagens de nascença, elas podem trabalhar em si mesmas para se destacarem em alguma habilidade. Inclusão é importante, mas premiar competência e trabalho duro também é.

Perseguir o valor único da inclusão e ignorar que temos que negociar entre coisas valiosas, que muito de uma coisa importante pode causar a queda de outra, não é criar uma sociedade em que a vida é confortável para todos. É criar um pesadelo politicamente correto e opressivo à liberdade e à competência, e em consequência, a todas as funções e instituições que dependem disso. As atletas trans devem ser livres para perseguir o seu mérito, mas a sua inclusão não deve vir com o preço de deteriorar as chances das outras atletas — o que nos esportes de luta chega a significar risco maior de traumatismo craniano para as últimas, no caso de haver de fato vantagem biológica para as primeiras.

Há aqui outro ponto importante: pode estar havendo uma tentativa de um grupo político obcecado com a inclusão de corromper uma comunidade baseada em regras milenares que valorizam o mérito. Esse tipo de colonização de um grupo por outro deveria assustar a todos, inclusive às pessoas trans, que são usadas como instrumento de um projeto autoritário de uma tribo política que quer flexionar seus músculos perante as outras. Quanto mais se politiza uma parte da vida social, menos as pessoas a valorizam pelos motivos pelos quais ela existe, e mais desviam a sua função para a infindável guerra tribal da política. Tomar decisões ignorando evidências certamente parece uma manobra nessa queda de braço política, não apenas uma virtuosa tentativa de inclusão.

Existem soluções além da tradição?
Há um empecilho natural à “pureza” da hierarquia por competência esportiva: as vantagens genéticas que existem na variação entre os indivíduos. Por exemplo, Eero Mäntyranta, finlandês multi-medalhista do esqui, tinha uma mutação no gene EPOR que lhe conferia a vantagem de seu sangue carregar 50% mais oxigênio que o dos outros atletas. Alguns atletas são desqualificados nos testes antidoping por tomar a droga eritropoietina (que ocorre naturalmente no corpo) para tentar obter a mesma vantagem que Mäntyranta tinha por acidente da natureza. A vantagem genética dele era, presumivelmente, localizada num gene só. A diferença genética entre um corpo masculino e um feminino, por sua vez, está em cromossomos inteiros e na expressão de mais de seis mil genes, tendo os hormônios sexuais um papel coordenador do desenvolvimento.

Nas diferenças físicas entre homens e mulheres há sempre alguma sobreposição na variação: uma minoria de homens cujas características físicas são típicas do grupo das mulheres, e outra de mulheres cujas características físicas são típicas de homens. Uma política inclusiva que não ignorasse a ética meritocrática do esporte precisaria ser baseada em conhecimentos mais precisos das diferenças naturais e de estabelecer, com base nelas, limites objetivos para várias características físicas, não só o nível de testosterona. Assim, as pessoas poderiam ser admitidas independentemente do sexo, com base nesses limites, em modalidades objetivas, como se faz nas categorias de peso do boxe.

Estabelecer limites objetivos é melhor que as regras atuais do antidoping, como argumenta o eticista Julian Savulescu, porque essas regras dependem de distinções meio arbitrárias entre melhoradores de performance naturais e artificiais. A cafeína, droga que melhora a performance, é permitida, enquanto a eritropoietina, natural no corpo, é proibida. Simplesmente não serve alegar que a cafeína é natural e a eritropoietina é artificial. Melhor é estabelecer níveis aceitáveis de ambas no sangue. Regras baseadas nos limites objetivos seriam melhores também do ponto de vista da liberdade: todo indivíduo estaria livre para melhorar a si mesmo como quiser e puder, e para experimentar com seu corpo, mas dentro dos limites esportivos se quiser ser atleta profissional.

Da economia aos esportes, dar liberdade aos indivíduos sempre funcionou melhor para fazer inclusão social do que tentar planejar barreiras arbitrárias. Certamente não funcionou, no basquete, a exclusão de negros durante a segregação racial nos EUA.

Mas há, neste cenário futurístico de atletas competindo com base em limiares objetivos de características físicas, um grande problema: seria muito caro executar e coordenar tudo isso. Já tem custo proibitivo, hoje mesmo, testar todos os atletas para o doping. Seria muito mais barato manter o esporte separado nas modalidades masculina e feminina, o que já inclui a ampla maioria de atletas mulheres e homens. Em nome da inclusão, poderia ser criada uma exclusão maior ainda de atletas pobres, que não conseguiriam investir em si mesmos para alcançar os limiares fisiológicos nem para serem testados. Queremos ou podemos pagar o preço?

Como diz em seu relatório o Grupo de Igualdade dos Conselhos Esportivos britânicos, a categorização do esporte entre feminino e masculino é a mais útil e funcional com relação à performance. Na maioria dos esportes, é mais justo e mais seguro que atletas trans sejam incluídas na modalidade masculina, na qual não têm vantagem, que se tornaria, portanto, aberta (ou, do ponto de vista do sexo cromossômico, permaneceria a mesma). A análise caso a caso, embora bem-intencionada, tem o defeito do alto custo e da falta de mecanismos para verificação.

Mas é possível que se encontrem meios criativos de inclusão que não envolvam pôr em risco o fair play dentro de uma categoria esportiva. Ninguém, afinal, está dizendo que incluir não é importante. Ocorre que somente quem vive na utopia pensa que podemos enfatizar todas as coisas importantes ao mesmo tempo, sem que uma pague o preço quando se exagera na defesa de outra.


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MARCO L.EGAL DAS FERROVIAS ENCONTRA-SE NA CÂMARA DOS DEPUTADOS PARA APROVAÇÃO

 

Editorial
Por
Gazeta do Povo

Investimento privado em linhas de trem a partir do novo marco legal deve recuperar a malha ferroviária do Brasil.| Foto: Divulgação/Ministério da Infraestrutura

Se em condições normais já não seria nada aconselhável um país desperdiçar a oportunidade de receber enormes investimentos em infraestrutura, mais trágico ainda seria que isso ocorresse no Brasil, cuja infraestrutura ferroviária precisa desesperadamente de ampliação e modernização, e que necessita de investimentos que ajudem a gerar emprego e renda. Mas foi o que quase ocorreu quando o Senado se dispôs a tirar da gaveta o Marco Legal das Ferrovias, aprovado na terça-feira pela casa, e que agora tramitará na Câmara dos Deputados.

Em 2018, o senador José Serra (PSDB-SP) apresentou o PLS 261/18, que criaria um marco regulatório para o setor ferroviário. O projeto, no entanto, tramitou muito lentamente na casa, e o governo federal, alegando que o tema era urgente e que a pandemia havia travado as discussões do projeto de lei no Senado, tomou a iniciativa de publicar a Medida Provisória 1.065/21 em 30 de agosto. A grande inovação da MP era a adoção do regime de autorização, em que o investidor privado interessado em construir uma ferrovia busca o poder público e apresenta seu projeto, que pode ser aprovado ou rejeitado. Até então, havia apenas a possibilidade de concessão, com leilão e reversão dos equipamentos à União após o fim do contrato.

Que a iniciativa privada possa explorar sem amarras desnecessárias todo o potencial que o país oferece para o transporte ferroviário

O efeito foi instantâneo: em menos de um mês, o Ministério da Infraestrutura recebeu 14 pedidos de autorização para a construção de 5,3 mil quilômetros de ferrovias cortando dez estados e o Distrito Federal, com investimento total de R$ 80 bilhões. Isso aumentaria em quase 20% a extensão da malha ferroviária nacional, que é de 29,1 mil quilômetros – basicamente, a mesma extensão de quase 100 anos atrás. Para se ter uma ideia do déficit brasileiro no setor ferroviário, a malha brasileira é quase idêntica à da França, país 15 vezes menor que o Brasil, com área equivalente à da Bahia. Os Estados Unidos, com território apenas 11% maior que o brasileiro, têm 293 mil quilômetros de ferrovias, dez vezes mais que o Brasil. Mesmo com o que o ministro Tarcísio de Freitas chamou – com razão – de “a maior revolução nos últimos 100 anos” no transporte ferroviário nacional, o Brasil continuaria a ter uma malha muito inferior ao seu potencial.

E mesmo essa revolução esteve ameaçada quando o relator do PLS 261, Jean Paul Prates (PT-RN), apresentou um novo parecer, no mesmo dia 30 de agosto em que a MP 1.065 era publicada. Ele também previa o sistema de autorização, mas com diferenças que encareceriam ou mesmo inviabilizariam os projetos apresentados em setembro ao Ministério da Infraestrutura, a ponto de haver empresas prometendo desistência caso o texto de Prates acabasse aprovado.


O bom senso, no entanto, prevaleceu. Governo e oposição se acertaram para que emendas de plenário deixassem o PLS 261 mais parecido com a MP 1.065. Também ficou acertado que alguns dispositivos presentes no projeto de lei, mas ausentes na medida provisória, se aplicariam apenas aos trechos concedidos, não aos autorizados; outros só valeriam para projetos solicitados depois que a lei for aprovada, garantindo que os pedidos de autorização já feitos sejam regidos pelas regras da MP 1.065 e evitando surpresas desagradáveis. Como parte do acordo, governo e Congresso deixarão a MP caducar no fim de outubro e seguirão adiante com o PLS 261, que o Senado aprovou em votação simbólica.

Agora, o que se espera da Câmara é que não volte a colocar em risco o muito que já foi conquistado graças à iniciativa do governo com a MP 1.065, e permita que a iniciativa privada possa explorar sem amarras desnecessárias todo o potencial que o país oferece para o transporte ferroviário. “É um absurdo que aqui no Brasil, por exemplo, um grande grupo que tenha um plano de negócios bilionário, que tenha o desejo de investir em ferrovia, não possa, porque ferrovia é uma exclusividade do Estado”, afirmou Tarcísio de Freitas em audiência sobre o tema no Senado. A estimativa de sua pasta é que a participação do modal ferroviário na matriz brasileira de transportes dobre em apenas 14 anos, passando dos atuais 20% para 40% em 2035 e ajudando o país a finalmente superar a enorme dependência do transporte rodoviário, um gargalo logístico que já dura décadas.


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A AMAZÔNIA ESTÁ SENDO INFORMATIZADA

 

Por
Alexandre Garcia – Gazeta do Povo

BELÉM – PARÁ- O esforço por concretização de parcerias e o desenvolvimento de um sistema de fundos com recursos de instituições públicas e privadas que possam ajudar a implementar a Nova Agenda Urbana na Amazônia, garantindo melhoria de qualidade de vida para a população nos municípios é o principal foco dos debates que irão nortear o “Mais Amazônia – Encontro de Especialistas para a Nova Agenda Urbana”. Sob o tema “Rumo à Sustentabilidade das Cidades e dos Assentamentos Humanos na Região Amazônica e um Sistema de Fundos para o Desenvolvimento Urbano-Territorial Sustentável no Estado do Pará”, o encontro será realizado em Belém, nesta quarta (17) e quinta-feira (18), no auditório do Palácio de Governo. Foto: AG. PARÁ/FotosPúblicas

Imagem ilustrativa.| Foto: Agência Pará/FotosPúblicas

O Brasil passou de 600 mil mortos por Covid, esse vírus que veio lá da China e tomou conta do mundo. Só para lembrar a relatividade das coisas: eu tenho os números do registro civil dos mortos das outras doenças. Nas doenças cardíacas, neste mesmo período, houve 531 mil mortos, e vem crescendo: neste ano, mataram 7% mais do que no ano passado. Talvez pelo pânico gerado pela propaganda pró-Covid.

As outras doenças respiratórias, sem ser Covid, mataram 443 mil brasileiros. Eu fico me perguntando por que a Índia – tendo 1,35 bilhão de habitantes, sete vezes mais do que o Brasil – teve 450 mil mortes, muito menos por milhão de habitantes do que o Brasil.

Liberdade de expressão
O ministro da Saúde falou que ele acha que é ruim esse uso de máscara – isso a gente sabe desde sempre, que tem que respirar ar puro e que pouco funciona. Ele é contra o passaporte também, por uma questão de ser democrata. O passaporte é um controle. É uma a forma de controlar o cidadão e desrespeitar direitos e garantias constitucionais: que é livre a circulação no território nacional e que a gente tem liberdade de reunião sem armas.

A constituição tem sido muito desrespeitada por aí. E eu lembro que o prêmio Nobel da Paz foi concedido exatamente a dois jornalistas, uma filipina e um russo, que defenderam a liberdade de expressão. Essa liberdade que está tão cerceada neste país, com tribunais tirando a renda de pessoas que vivem disso, e prendendo também. A Constituição garante liberdade de opinião, veda a censura. E o Código Penal diz que se houver calúnia, injúria, difamação é só processar, pelo devido processo legal.

Tecnologia
Em época em que a Ciência e Tecnologia está reclamando que houve cortes pelo ministério da Economia, eu gostaria de lembrar os avanços nesta área, que foram consagrados pela presença do presidente da República em Campinas, na 1.ª Feira Brasileira do Nióbio.

Nióbio é nossa grande riqueza. Está lá na Cabeça do Cachorro, que por coincidência é uma reserva indígena. Quando tem riqueza é reserva indígena. Diamante tem em Rondônia. Potássio também está em reserva indígena, e a gente está precisando para fazer o NPK do adubo, do fertilizante.

Essa feira do nióbio mostra as grandes possibilidades que temos de superligas do material com grafeno – que está lá em Poços de Caldas e a gente vendia para o exterior a preço de banana e agora está na hora de a gente aproveitar.

Também começaram a funcionar mais cinco linhas de luz no grande acelerador Sirius, que está par a par com aceleradores de partículas do mundo inteiro. Ao mesmo tempo que se ampliou o laboratório de nanotecnologia por lá.

Integrar para não entregar
Tem ligação de fibra óptica pelo leito do Rio Negro, de Manaus a São Gabriel da Cachoeira, lá na Cabeça do Cachorro. Já foi de Manaus a Tefé, e está indo também a Tabatinga, lá na fronteira com o Peru, subindo o Rio Solimões. Com isso, está conectando hospitais, que dão teleconsultas, e também escolas.

É a Amazônia sendo informatizada. Para não entregar, a gente tem que integrar. A Amazônia é nossa, é para o nosso benefício. Eu mediei debates no Instituto General Villas Boas com indígenas, especialistas, com gente da Amazônia – não é pesquisador de biblioteca de São Paulo e Rio de Janeiro – que vive o dia a dia, sofre lá dentro e sabe o que está acontecendo. Nós temos que fazer isso: Amazônia para os amazônidas e para os brasileiros. A Amazônia não é do Brasil. É o Brasil.


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CONCEITOS À CERCA DA MOEDA BITCOIN

Por
Francisco Razzo – Gazeta do Povo

| Foto:

Ultimamente tenho me aventurado no universo das criptomoedas. Não, eu não fiquei milionário com investimentos em Bitcoin e deixo bem registrado que esta coluna não deva ser lida como dica de investimentos. Só estou interessado nessa relação entre tecnologia, economia e política. Trata-se, acima de tudo, de um interesse, vamos dizer, sociológico.

Para nos ajudar a entender um pouco mais a respeito desse universo que tem atiçado a curiosidade de leigos, de investidores e do Felipe Neto, eu convidei Felippe Hermes, que é colunista do InfoMoney e editor-chefe do BlockTrends – parte do grupo QR Capital. Felippe Hermes é gaúcho e torcedor do Colorado.

Enfim, será uma coluna totalmente diferente daquelas filosofadas que meus leitores estão acostumados.

Felipe, sei que você é um entusiasta do Colorado e da criptomoeda mais famosa do universo. Minha primeira pergunta é simples: Afinal, por que Bitcoin?

Resposta curta: porque o Bitcoin é único no que se propõe, transpor para um código matemático todo o processo histórico do conceito de “moeda”.

Ele começa pela reserva de valor, em que o Bitcoin incorpora conceitos do ouro, até atingir um estágio de maturidade em que ele possa servir como meio de troca e unidade de conta. É possível dizer que estamos chegando ao segundo ponto, uma vez que as inovações em cima da rede Bitcoin, como a Lightning Network, já elevam sua capacidade de transações. Já o terceiro ainda é algo futuro, quando os preços serão considerados em Bitcoin. Algo que acredito estar bem distante.

“O Bitcoin é único no que se propõe, transpor para um código matemático todo o processo histórico do conceito de ‘moeda’.”

Felippe Hermes
Nenhuma outra criptomoeda possui essa intenção. A maior parte delas se propõe a solucionar outros problemas. Ethereum, por exemplo, é uma ferramenta base para criar e desenvolver projetos envolvendo “smart contracts” (contratos inteligentes), sejam NFTs (Token não fungível) ou DeFi (finanças descentralizadas). Outras criptos querem evoluir a maneira como o sistema financeiro funciona. As DeFi utilizam blockchain para fazer transações e permitir empréstimos, seguro e operações financeiras de maneira mais ágil que um banco e sem barreiras internacionais.

Em suma, acredito que o Bitcoin e o Ethereum sejam as únicas criptos cuja tese de investimento já está fundamentada: reserva de valor e infraestrutura base. O ETH (moeda digital da rede Ethereum), porém, apresenta questões que considero ruim: é controlado por uma fundação e está implementando “proof of stake” (prova de participação), ou seja, manda na rede quem possui mais ETHs, e não quem agrega maior capacidade computacional, como é o Bitcoin.

Ainda assim, vendo o Ethereum como uma empresa, e as DeFi com potencial, eu não descartaria ambos. Apenas tenho mais confiança no BTC no longo prazo.

Qual foi a grande inovação do Bitcoin – as criptomoedas substituirão a economia tradicional?

Quando a gente olha para a história de tentativas de criar o Bitcoin, como o Ecash, o B-money e o Bit Gold, é possível ver que o processo todo foi fruto de uma evolução. Todos visavam criar um meio de transação que valorizasse a privacidade.

O Ecash, do fim dos anos 80, falhou por não incluir a descentralização. Ele permitia transações online em uma moeda virtual, mas usava um “banco” para fazer isso. Já o B-Money nunca foi lançado, mas existiu como proposta. Ele agregou a “prova de trabalho”, que remunera quem oferece poder computacional à rede, registros públicos de transações sem expor as pessoas detentoras da carteira. O Bit-Gold, de Nick Szabo (que acredito ser o nome real de Satoshi Nakamoto), falhou ao não conseguir tornar o ativo incopiável.

“O Bitcoin age como um ouro digital (ou o ouro é um bitcoin analógico), em uma época em que a criação de dinheiro do nada está em alta por parte de bancos centrais.”

Felippe Hermes
Em suma, houve uma evolução no processo que culminou com o Bitcoin: um ativo digital com política monetária pré-definida, sustentado por computadores descentralizados, remunerados pelos usuários da rede, e cujas transações retiram a necessidade de uma terceira parte para existir.

O Bitcoin age como um ouro digital (ou o ouro é um bitcoin analógico), em uma época em que a criação de dinheiro do nada está em alta por parte de bancos centrais. O Bitcoin não vai substituir a economia mundial, mas é provável que a faça mudar bastante.

Muitas vezes escuto de amigos a seguinte expressão: “Bitcoin não tem lastro e não é reserva de valor”. Essa crítica se sustenta?

A ideia de lastro é bastante tentadora. A maioria das pessoas é avessa ao risco, o que ironicamente explica o número de pessoas que caem em esquemas de pirâmide que prometem lucro garantido. O Bitcoin tem três coisas que lhe dão valor: a tecnologia, a confiança e a escassez.

Moedas fiduciárias, porém, têm uma única garantia: a capacidade do governo de extorquir os pagadores de impostos para pagar os credores. Mas, dada a incerteza da política monetária tradicional, a gente pode ter mudanças bruscas.

Veja o caso do real: de um ano para o outro ele teve 40% a menos de poder de compra. Ao mesmo tempo os juros caíram e as pessoas que antes recebiam 1% ao ano de juros (6% de taxa de juros menos 5% de inflação), agora perdem 4% (juros de 6% e inflação em 10%). Em resumo, o real se tornou um mico. O tal lastro, a capacidade do governo de pagar os credores, continua lá, mas não é um impeditivo para a perda de poder de compra.

“O Bitcoin tem três coisas que lhe dão valor: a tecnologia, a confiança e a escassez. Moedas fiduciárias, porém, têm uma única garantia: a capacidade do governo de extorquir os pagadores de impostos para pagar os credores.”

Felippe Hermes
Já o dólar teve 30% de aumento na base monetária em um ano por conta da pandemia. Suponha que você tenha US$ 1 em uma economia que possui US$ 100 em circulação. Se no ano seguinte há US$ 130 em circulação e você continua com US$ 1, você perdeu dinheiro. Sua grana tem menos valor que antes, compra menos coisas que antes etc.

O Bitcoin, ao contrário, é previsível. Ele flutua, claro, e é instável, mas isso ocorre porque as pessoas que possuem bitcoin não estão dispostas a trocá-lo por dólares cada vez menos escassos. Nos últimos 90 dias, cerca de 85% dos bitcoins não se mexeram. Isso significa que a oferta atual, de 16 milhões de BTCs, é na realidade bem menor.

Há apenas entre 1 milhão e 2 milhões de bitcoins disponíveis. Se todos os milionários do mundo (existem 56 milhões de milionários) quiserem 1 BTC, não terão. É impossível. A escassez em um mundo onde o dinheiro é cada vez menos escasso é algo que tem valor. Por isso imóveis, ações de empresas de qualidade, terras e o BTC têm valor e estão subindo tanto.

Com relação a outras “altcoins” (criptomoedas alternativas ao Bitcoin), elas não poderiam tornar o Bitcoin obsoleto?

99% das altcoins resolvem problemas que não existem. A maior parte delas ainda precisa se provar, mas não vejo nenhuma ameaçando o Bitcoin em seu conceito fundamental: reserva de valor. O Ethereum é um grande competidor, e acredito que vá se sair até melhor no curto prazo (próximos dois a três anos), mas ele não vai tornar o Bitcoin obsoleto, ao contrário. O ETH pode apenas apressar a evolução do Bitcoin.

Em 2013, quando Vitalik, o fundador do Ethereum, propôs mudanças no Bitcoin, pra permitir “smart contracts”, a rede rejeitou. Ele fundou o ETH e quase seis anos depois o Bitcoin passou a ter “smart contracts”, mas que não são o foco.

“A escassez em um mundo onde o dinheiro é cada vez menos escasso é algo que tem valor. Por isso imóveis, ações de empresas de qualidade, terras e o BTC têm valor e estão subindo tanto.”

Agora, imagine que qualquer mudança proposta seja rapidamente aceita. O risco de o Bitcoin mudar radicalmente e se tornar instável é imenso. É positivo que a rede do BTC não seja tão apressada em fazer mudanças, pois o ativo vai ganhando escala e continua seguro. Nesse universo cripto o Bitcoin continuará sendo um padrão, um ouro, pois é o único verdadeiramente descentralizado.

Mas sim, é possível que em algumas características outras criptomoedas sejam melhores. Porém, são questões secundárias diante da necessidade de se ter uma reserva de valor global que não dependa de políticos.

Recentemente, El Salvador se tornou o primeiro país a adotar Bitcoin como moeda oficial, você acha essa tendência? Qual a vantagem?

Para El Salvador é uma vantagem imensa. Eles têm uma população de 7 milhões de pessoas e mais de 2,5 milhões de salvadorenhos nos EUA. Hoje, com a Lightning Network (a solução de pagamentos em cripto), é possível que um salvadorenho nos EUA envie US$ 10 pra um parente de maneira instantânea e custo próximo de zero.

Antes da adoção do Bitcoin eles dependiam da Western Union, que leva até uma semana e cobra quase 10% de taxas. O Bitcoin possui seu próprio Pix, internacional. Acredito que diversos países vão reconhecer o Bitcoin como um ativo, commodities provavelmente, mas tornar moeda não deve ser tendência. É útil pra El Salvador, pois se qualifica pra receber investimentos na indústria de blockchain, por exemplo, além de servir politicamente para o presidente, que tem interesse em projetar uma imagem jovem e antissistema.


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NA PANDEMIA AUMENTAM AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS

 

  1. Política 

Levantamento do CNJ mostra que alta foi puxada por demandas relacionadas à assistência social, de pessoas que buscaram a Justiça para garantir benefícios previstos em lei

Weslley Galzo, O Estado de S.Paulo

A pandemia de covid-19 produziu efeitos intensos de deterioração da qualidade de vida dos brasileiros. Prova disso é que o número de casos na Justiça relacionados a violações de direitos humanos teve um salto sem precedentes na série histórica que acompanha, desde 2014, a evolução das disputas nos tribunais. Em 2020, o número de novas ações para ter acesso a direitos fundamentais triplicou em relação ao ano anterior. Foram 64.978 registros em tribunais do País, um aumento de 342% na comparação com os 18.992 processos de 2019.

Os dados são da pesquisa “Justiça em Números 2021”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base nas informações repassadas por todas as instâncias, incluindo o Superior Tribunal Militar.

Entraram na lista ações relacionadas a direitos de migrantes, refugiados, minorias étnicas e indígenas, ao acesso à comunicação, alimentação, moradia e anistia política. A alta no número de casos foi puxada por demandas de assistência social, que correspondem a 71% dos registros, com 46.303 ações computadas. PUBLICIDADE

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Pesquisa retrata a judicialização do direito à assistência social em meio ao avanço da pandemia de covid-19 no País.  Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Moradora de Planaltina, no Distrito Federal, Eliene Aparecida de Freitas Jesus é mãe solteira de cinco filhos, dois deles com deficiência física, e está entre as pessoas que precisaram acionar a Justiça para ter acesso a benefícios sociais garantidos por leis, segundo ela, fundamentais para sobreviver à crise econômica causada pela pandemia. Ela é mãe da Maria Isabela, de 2 anos e 6 meses, que desde o nascimento tem uma prótese biológica no coração por causa de erros médicos e complicações na gestação.

Logo que a filha nasceu, Aparecida acionou o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para solicitar o Benefício de Prestação Continuada (BPC) garantido a idosos e pessoas com deficiência. Após três tentativas, o pedido foi negado devido a erros cadastrais. Com o agravamento da pandemia, a saída encontrada foi recorrer ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal – segunda instância do Poder Judiciário. “Durante a pandemia, a única coisa que não me deixou passar fome foi o auxílio do governo e a ajuda das pessoas. Eu não trabalho. Fez muita falta o benefício da Maria”, disse Eliene. 

O caso da Maria Isabela figura entre as duas categorias de direitos humanos definidas pelo CNJ que mais tiveram ações novas na Justiça: assistência social e pessoas com deficiência – este último com 4.173 registros, o equivalente a 9% da primeira colocada. Fecham a lista de casos mais recorrentes os de benefícios negados a pessoa idosa (2.934), intervenção nos Estados/municípios (2.729) e alimentação (2.346).https://arte.estadao.com.br/uva/?id=QoAJ8z

Em relação aos tribunais que recebem essas demandas, a Justiça Federal – que é acionada em casos que envolvam o governo federal – é a líder disparada. O Tribunal Regional da 4.ª Região (TRF-4), responsável pelos Estados do Sul do País, recebeu 34.675 ações de direitos humanos no último ano. O segundo colocado TRF-2, que engloba o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, teve 6.665 casos.

Observatório

Em setembro de 2020, o presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, criou o Observatório dos Direitos Humanos no Judiciário, com o objetivo de garantir a proteção a esses direitos. Dentre as principais competências do grupo está a iniciativa de “municiar a atuação do Poder Judiciário na formulação de políticas, projetos e diretrizes destinados à tutela dos direitos humanos”. 

Frei David, fundador da Educafro e militante histórico do movimento negro, integra o colegiado. Para ele, o crescimento acentuado do número de casos de direitos humanos está ligado à atuação do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia. “O que fez crescer esses dados foi a postura determinada do governo federal de combater direitos”, disse ele.

O religioso franciscano cita, por exemplo, o veto do presidente, em agosto deste ano, ao projeto de lei que proibia despejos e desocupações de imóveis urbanos até o final de 2021. A demanda por acesso à moradia na Justiça foi o sexto item mais registrado nas cortes do País, dentro da categoria de direitos humanos. 

De acordo com os dados reunidos pelo CNJ, foram 1.804 casos no último ano. A lei contra as desapropriações na pandemia entrou em vigor apenas na sexta-feira passada, dia 8, após o Congresso derrubar o veto presidencial.

Apesar de a judicialização do direito à assistência social puxar o aumento no número de ações, os demais casos de direitos humanos sob análise da Justiça também tiveram crescimento expressivo. Ao desconsiderar o primeiro assunto do ranking, as demais demandas relativas aos direitos humanos tiveram aumento de 46,8% entre 2019 e 2020.

Para Elisa Cruz, professora de processo Civil da FGV-Direito do Rio, a concentração de ações na esfera federal revela a perda de direitos sociais no contexto da pandemia. “A partir do momento em que o relatório registra que o aumento é na Justiça Federal, significa que as pessoas foram buscar acesso a algum direito”, afirmou Elisa. “Elas foram aos tribunais especiais porque precisavam ter acesso a alguma condição de humanidade para a sua vida.”

Já o especialista em direitos humanos Jefferson Nascimento, coordenador de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, atribui a alta tanto à pandemia quanto às dificuldades que as pessoas em situação de vulnerabilidade social enfrentam para ter acesso a benefícios nesse período: “A solicitação de benefícios casa com esse cenário de aumento da fome e da miséria no período da pandemia”.

PROCURE VIVER EM ESTADO DE CRIANÇA

 


  1. Cultura
     

‘Sem imaginação, o que sobra é a barbárie’

Gilberto Amendola, O Estado de S.Paulo

Eu tenho medo de gente sem imaginação. Medo de gente que quando olha para uma cadeira só enxerga uma cadeira. Medo de gente que nunca transformou uma vassoura em um cavalo branco. Medo de gente que nunca fez de um sofá velho um navio pirata.

Sem imaginação, o que sobra é a barbárie. O ideal seria viver em estado de criança. 

Trocar as metas e certezas pelo caminho mágico de quem usa uma toalha nas costas com a convicção de saber voar. Trocar a rabugice especializada pela cozinha de faz de conta de um chef que ainda não aprendeu a usar garfo e faca.PUBLICIDADE

Sem imaginação, o que sobra é a barbárie. O ideal seria viver em estado de criança.

Em casa, na pandemia, transformar a sala em uma floresta. Ao invés de videoconferência sobre o nada, reunir-se com amigos imaginários ao redor de uma fogueira de papel picado. Ser bombeiro, policial, médico e astronauta no espaço de 30 minutos. Pular a cerca que separa o sonho da realidade como quem pula o muro do vizinho atrás de uma bola de futebol. 

Sem imaginação, o que sobra é a barbárie. O ideal seria viver em estado de criança.

Sem imaginação não se sai da cama. Sem imaginação somos devorados pelos leões da vida cotidiana. Sem imaginação a vida é um passeio monótono – com sapatos apertados. Sem imaginação somos apenas chatos correndo para pagar meia dúzia de boletos e um aluguel.

Sem imaginação, o que sobra é a barbárie. O ideal seria viver em estado de criança.

Sem imaginação a vida é apenas a antessala do inevitável fim. Sem imaginação já estamos mortos – mesmo que ainda de pé, andando, comendo e trabalhando. Sem imaginação e só ‘bom dia’ e ‘boa noite’. Sem imaginação o amor é só uma pedra pontuda. 

Crianças brincando
Foto ilustrativa de crianças brincando Foto: Pixabay/@Free-Photos

Sem imaginação, o que sobra é a barbárie. O ideal seria viver em estado de criança.

Um país sem imaginação não encontra caminhos. Um país sem imaginação não promove igualdade. Um país sem imaginação é triste, violento e pobre. Um país sem imaginação é um convite à tirania. Um país sem imaginação não existe de verdade. 

Sem imaginação, o que sobra é a barbárie. O ideal seria viver em estado de criança.

Quando vejo meu sobrinho brincando, renovo minhas esperanças. Espero que a gente possa merecer o mundo que só existe dentro dele. Feliz Dia das Crianças, Henrique. 

*Gilberto Amendola é repórter do Estadão e observador da vida urbana

SUAS HABILIDADES TE AJUDAM A ENCONTRAR NOVAS OPORTUNIDADES?

 

Habilidades e oportunidades

Por
João Kepler – Gazeta do Povo

Suas habilidades te aproximam de oportunidades?| Foto: Unsplash, Ryoji Iwata/Reprodução

Suas habilidades te ajudam a encontrar novas oportunidades? Se você nunca parou para pensar sobre isso antes, reflita. Isso porque acredito que de nada adianta um empreendedor desenvolver habilidades ou buscar referências que não agreguem muito em sua jornada. Quando colocado dessa forma fica claro que em uma jornada empreendedora, todo o seu investimento de tempo, dinheiro e dedicação precisam estar alinhados no sentido de te deixar mais preparado e estrategicamente pronto para alcançar o que você deseja. E isso significa dizer ainda que o desenvolvimento das suas habilidades precisam ser degraus que te ajudam a escalar rumo ao encontro das oportunidades que tem como projeção.

Neste sentido, perceba ainda que, na nova economia, as habilidades exigidas estão cada vez mais dinâmicas. De acordo com o estudo The Future of Jobs, do Fórum Econômico Mundial, dentro de cinco anos mais de um terço das habilidades necessárias atualmente já terão mudado.

Mas calma, este não precisa ser um dado para te assustar ou tirar o sono. Pelo contrário, afinal, uma das características básicas de qualquer empreendedor é a resiliência, a capacidade de se adaptar e aproveitar ao máximo toda e qualquer mudança, certo? Logo, em um mundo cada vez mais incerto onde as mudanças e incertezas são inevitáveis, estar atento a suas habilidades naturais e aberto a entender e aprender outras se necessário, faz parte do processo.

Além disso, desenvolver habilidades como a sua comunicação, criatividade, liderança e capacidade analítica, te farão ser relevante e ter oportunidades mesmo dentro de um ambiente completo de mudanças.

E em meio a todas essas possibilidades que se tornam cada dia mais próximas e reais, o que vai diferenciar o empreendedor daqui pra frente é sua capacidade de adaptação e mudança rápida de direção em relação a toda e qualquer adversidade. A pessoa que dominar isso criará oportunidades em qualquer cenário. Não preciso nem comentar o quanto isso é e será ainda mais poderoso nos próximos anos.

Por fim, independe do seu estágio, onde esteja hoje e quais habilidades detenha, lembre-se de que muitas vezes não vão faltar oportunidades para recebermos alguma lição, quer seja através de pessoas que entram em nossas vidas ou por situações adversas que acontecem. Esse é o papel da vida.

Mas muitas vezes o ego pode te cegar e fazer com que você perca esse aprendizado valioso por orgulho. Por isso, sempre esteja atento aos sinais que a vida dá, pois eles não são poucos, basta estar aberto a aprender, evoluir constantemente e, principalmente, somar novas habilidades que poderão ser utilizadas nos momentos mais inesperados por você e que te ajudarão a criar ou enxergar as oportunidades que precisa para realizar seus objetivos.


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