segunda-feira, 2 de agosto de 2021

INVESTIMENTO BRASILEIRO EM CUBA E NA VENEZUELA NOS GOVERNOS LULA E DILMA

 

Dinheiro do pagador de impostos

Por
Tiago Cordeiro – Gazeta do Povo

Província de Artemisa (Cuba) – Presidenta Dilma Rousseff e o presidente de Cuba, Raúl Castro, durante inauguração do Porto de Mariel (Roberto Stuckert Filho/Presidência da República)

Província de Artemisa (Cuba) – A então presidente Dilma Rousseff e o então ditador de Cuba, Raúl Castro, durante inauguração do Porto de Mariel| Foto: Roberto Stuckert Filho/Presidência da República

É comum empresas estatais fazerem investimentos em obras de outros países, principalmente quando eles geram emprego e renda para corporações da nação de origem. Mas, como todo investimento, este costuma considerar os riscos envolvidos.

Durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pareceu não levar em consideração as chances de sofrer calotes. Uma série de operações financeiras favoreceu construtoras brasileiras em países aliados ao PT. Elas geraram dívidas que ainda estão sendo pagas. Algumas com atraso, outras viraram calote.

O banco mantém também uma página em que informa valores liberados, saldos devedores e saldos em aberto por país. Entre 1998 e março de 2021, Cuba recebeu US$ 656 milhões em desembolsos. Tem US$ 447 milhões em saldo devedor a vencer. As prestações em atraso a serem indenizadas são 13, a outras 140 já foram indenizadas – ou seja, não foram pagas nem mesmo depois de tentativas de acordo.

Companheiros venezuelanos
Um desses investimentos gerou um elefante branco em Moçambique: o aeroporto de Nacala, reformado para receber 500 mil passageiros por ano em uma cidade com 220 mil habitantes, foi construído a partir de 2010 e inaugurado em 2014, mas recebe tão poucos voos que espaços vazios são alugados para eventos.

O crédito que o BNDES concedeu virou calote em 2017, e o banco acabou acionando o seguro do Fundo de Garantia à Exportação (FGE), um instrumento do Ministério da Fazenda para cobrir calotes em operações de empresas nacionais fora do país. Foi ressarcido pelo Tesouro nacional em US$ 37 milhões. Segundo o próprio banco, Moçambique foi alvo de US$ 188 milhões em desembolsos, US$ 55 milhões a vencer e 122 prestações em atraso já indenizadas.

Nos últimos anos, os empréstimos concedidos à Venezuela deram origem a outra escalada de pagamentos do FGE para o BNDES – em outras palavras, dinheiro público vem sendo utilizado para cobrir financiamentos de alto risco realizados pelo banco no passado.

No país de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, empresas brasileiras contaram com subsídio governamental para vender de carne a aviões e realizar obras em uma siderúrgica e em estações de metrô. Em crise política e financeira, o país não tem cumprido as parcelas de seus empréstimos. A Venezuela recebeu US$ 1,506 bilhão, deve US$ 235 milhões, tem 42 parcelas em atraso e outras 510 não foram pagas.

Aliás, segundo o próprio BNDES, entre os 15 principais destinos de investimento do banco, apenas os três países, Moçambique, Cuba e Venezuela, geraram parcelas em aberto que não foram pagas e obrigaram a instituição a recorrer ao FGE.

Companheiros cubanos
Cuba também recebeu verba do BNDES, principalmente para a Companhia de Obras e Infraestrutura, subsidiária da Odebrecht que contratou a reforma do Porto Mariel, que fica a 40 quilômetros de Havana e foi destino de US$ 682 milhões, financiados até 2034.

Em setembro de 2018, já sob nova gestão no Palácio do Planalto, o então presidente do BNDES Dyogo Oliveira declarou, a respeito das operações de crédito a Cuba e à Venezuela: “Há uma crítica a esses empréstimos e até diria que, olhando hoje, que fica claro que eles não tinham condição de pagar. Provavelmente não deveriam ter sido feitos e agora temos que ir atrás do dinheiro para receber”.

Na medida em que o FGE fica sobrecarregado por empréstimos malsucedidos, os encargos para o erário aumentam. Em 2019, o orçamento federal incluiu uma previsão e R$ 1,4 bilhão para cobrir calotes ao fundo. Durante as investigações da Operação Lava Jato, a empreiteira Andrade Gutierrez admitiu que pagou propinas tanto na Venezuela quanto em Moçambique.

Explicações
Em seu site oficial, o BNDES mantém uma página com explicações sobre os investimentos no exterior. “O BNDES não financia todo o empreendimento, mas apenas a parte de bens e serviços brasileiros que são exportados para uso naquela obra”, alega.

“Essas operações funcionam da seguinte maneira: o BNDES desembolsa recursos no Brasil, em Reais, à empresa brasileira exportadora à medida que as exportações são realizadas e comprovadas. Quem paga o financiamento ao BNDES, com juros, em dólar ou euro, é o país ou empresa que importa os bens e serviços do Brasil”. O banco informa que financia exportações de empresas brasileiras para mais de 40 países. “Ao contrário do que comumente é noticiado, o maior destino dessas operações são os Estados Unidos (US$ 17 bilhões de 1998 a 2017). Em seguida, vêm Argentina (US$ 3,5 bilhões), Angola (US$ 3,4 bilhões), Venezuela (US$ 2,2 bi) e Holanda (US$ 1,5 bi)”. Angola e Venezuela se destacam precisamente pela proximidade ideológica com o PT.


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CRESCIMENTO SUSTENTÁVEL E REDUÇÃO DOS NÍVEIS DE POBREZA E MISÉRIA

 

Editorial
Por
Gazeta do Povo

| Foto: Musse Jereissati/Pixabay

Duas palavras utilizadas com frequência nas análises econômicas e sociais são “crescimento” e “desenvolvimento”. Em linhas gerais, o crescimento sempre se refere ao tamanho da produção nacional, cujo conceito mais utilizado é o de Produto Interno Bruto (PIB). O PIB é a soma dos bens e serviços finais produzidos dentro do território nacional (por isso é interno) sem descontar o desgaste do capital físico ocorrido durante o processo produtivo (por isso é bruto). Em síntese, é o conjunto total dos bens materiais e dos serviços produzidos durante um ano e colocados à disposição da população para fins de consumo ou investimento. A variação de um ano para outro pode apresentar crescimento ou redução do PIB. Assim, quando se fala em “crescimento”, o termo diz respeito apenas ao aumento do PIB em relação a períodos anteriores.

No caso do desenvolvimento, trata-se de algo mais que mero aumento do PIB, pois inclui um componente social: como esse produto da nação é distribuído, consumido e investido. As medidas usadas para mensurar esses aspectos são várias, com destaque para a distribuição do produto entre as pessoas que habitam o país. Os economistas costumam analisar essa distribuição olhando a população classificada em dez grupos, para obter o valor do PIB por pessoa dentro de cada grupo e, com isso, medir e entender as diferenças entre os grupos em termos de apropriação do produto feito por toda a nação. Essa conta é a famosa distribuição da renda, já que produto e renda são os dois lados da mesma moeda, pela qual se localizam as desigualdades entre as classes, as causas dessas desigualdades e que medidas de política econômica podem ser tomadas para reduzir as diferenças.

Por que e como algumas nações conseguiram crescer e se desenvolver enquanto outras, às vezes até com mais abundância de recursos naturais (é o caso do Brasil), têm um baixo produto por habitante e elevado número de pobres e miseráveis?

Assim, o primeiro indicador de desenvolvimento de um país é o tamanho da desigualdade e o quanto, por causa dela, resulta em pobreza e miséria. A desigualdade em si sempre existiu, sempre existirá e nem é objetivo que todos tenham exatamente a mesma fatia do bolo (o PIB). Ou seja, não se trata de desejar que todos tenham exatamente a mesma renda. O objetivo é reduzir a desigualdade em tal dimensão que todas as classes tenham um padrão de vida digno, que não haja miséria, pobreza e carências sociais não atendidas. Porém, de saída é preciso entender um ponto: em um país cujo produto por habitante, em sentido total, é muito baixo, esse produto pode ser insuficiente para propiciar um padrão de vida digno a toda a população, ainda que a distribuição seja a mais igualitária possível. Isso ocorre quando o bolo é tão pequeno que não consegue matar a fome de todos os comensais.

Nos países desenvolvidos, em que o produto por habitante é considerado alto na comparação mundial, as classes sociais mais pobres desfrutam de um padrão de alimentação, moradia, saneamento, educação e saúde que permite um nível considerado digno; logo, não há que falar em pobreza nos termos existentes nos países atrasados, por exemplo, da África e da América Latina. Pois no Brasil há dois fatores problemáticos. O primeiro é o pequeno tamanho do PIB quando dividido pela população total, que resulta num PIB per capita baixo na comparação com os países adiantados, insuficiente para colocar o país no clube dos desenvolvidos. Pela metodologia mais comumente usada no mundo, o PIB per capita brasileiro não superou os US$ 11 mil/ano, quando os países adiantados têm essa variável igual ou superior a US$ 30 mil/ano, lembrando sempre que “renda per capita” e “produto per capita” são a mesma medida, logo têm o mesmo valor.

O segundo problema brasileiro é a distribuição bastante desigual do PIB (ou da renda) por grupo de pessoas, resultando que os grupos mais pobres da população tenham tantas carências não atendidas a ponto de, dos 213 milhões de habitantes, haver 54 milhões de pobres e 14 milhões de miseráveis, segundo a régua de medida baseada nos parâmetros do Banco Mundial. Independentemente das estatísticas, que podem variar de um período a outro (e devem ter aumentado muito neste ano e meio de pandemia), a miséria e a pobreza no Brasil podem ser identificadas a olho nu, bastando para isso percorrer o país e observar as pessoas, as famílias, suas residências, suas rendas e a insuficiência de alimentação, saúde e educação.

Por que e como algumas nações conseguiram crescer e se desenvolver enquanto outras, às vezes até com mais abundância de recursos naturais (é o caso do Brasil), têm um baixo produto por habitante e elevado número de pobres e miseráveis? Essa pergunta está entre as que mais incomodam os economistas e as teorias econômicas. Dar respostas razoáveis a essa questão não é tarefa apenas da economia, mas também da sociologia, da ciência política, da filosofia, da psicologia, porquanto não há um fator único capaz de dar explicação para o fenômeno. Mesmo tendo sido vitimado por uma recessão pesada nos anos de 2015 e 2016 – recessão essa causada principalmente por erros e desacertos da política econômica nacional, apesar de alguma contribuição da situação econômica internacional –, o Brasil, antes da pandemia, ensaiava algumas reformas e entrada em círculo virtuoso capaz de elevar a renda por habitante, reduzir a taxa de desemprego e reduzir a pobreza e a miséria.

Porém, o ano de 2020 e o primeiro semestre de 2021 foram tempos dedicados a enfrentar a Covid-19 e o conjunto de efeitos socialmente deletérios, especialmente o isolamento social, e danosos para o crescimento econômico como se viu pela grave recessão de 2020, quando o PIB caiu 4,1%. Se não houver novas ondas e variantes assassinas do coronavírus, o ano de 2022 pode significar a volta à normalidade na vida econômica e social, o PIB poderá crescer, o emprego deverá aumentar, mas o Brasil não pode se furtar de tratar da questão de longo prazo sobre como manter o crescimento sustentado por vários anos e reduzir os níveis de pobreza e miséria. Esse é o grande desafio da sociedade e do governo.


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POVO NA RUA MOSTROU QUE QUER O VOTO IMPRESSO

 

Manifestações

Por
Alexandre Garcia – Gazeta do Povo

AME6463. RÍO DE JANEIRO (BRASIL), 01/08/2021.- Fotografía tomada con un dron que muestra la masiva manifestación de simpatizantes del presidente de Brasil, Jair Bolsonaro, a favor del voto impreso y para demostrar su apoyo al mandatario, hoy, en Río de Janeiro (Brasil). Partidarios de Bolsonaro se tomaron este domingo las calles de varias ciudades del país en apoyo a su discurso de que las máquinas de votación electrónica son “fraudulentas”. EFE/ André Coelho

Manifestantes saíram às ruas em todo o país a favor do voto impresso neste domingo (1º). Na imagem, ato no Rio de Janeiro. Foto: EFE/André Coelho| Foto: EFE / André Coelho

Ontem houve manifestações pelo Brasil inteiro pedindo o óbvio. É muito estranho que o país tenha que pedir o óbvio, que é a garantia do voto. É como dizer que vou botar uma tranca na porta da minha casa. Não vou trocar de casa e nem de porta, apenas botar uma tranca. Se alguém me disser que não pode, é porque está com alguma má intenção, querem arrombar minha casa. Todo mundo quis, desde 2001, foram aprovadas três leis neste sentido. A última lei, do então deputado Bolsonaro, foi aprovada por 433 votos a 7. E, agora, por que não querem? É porque antes era de um deputado do baixo clero, agora é de alguém que pode ser obstáculo para voltarem ao poder. Esse poder que deu tanto dinheiro para tanta gente.

O Supremo, que está contra, infelizmente, não tem condições de sair para a rua. Se saíssem, os ministros iam ouvir o povo, mas eles estão distantes, estão numa redoma, protegidos do povo e assim, não sentem. Mas eles nem precisam sentir, eles têm que fazer cumprir a Constituição e a Lei. Quem tem que sentir o povo é o Congresso Nacional, os deputados e senadores, que estão tendo a oportunidade de sentir o povo, basta olhar pela janela para ver o povo nas ruas, o povo que saiu sem botar fogo e estátua, sem quebrar agência bancária.

Águia de Roma
Voltou de Roma, onde esteve na reunião do G20 de cultura, meio ambiente e turismo, o nosso ministro do Turismo, Gilson Machado, que é conhecido por não levar desaforo para casa. E foi isso que ele fez lá em Roma, porque é mania da Europa ouvir dissidentes (vamos chamar de dissidentes, porque é isso que faz o sujeito que vai para lá para falar mal do Brasil, ele é contra o país, não contra o governo). Aí ele perguntou para os outros 19 presentes se algum dos países deles preserva mais de 60% do seu território, se algum país, com apenas 7% a 8% do território ocupado pela agricultura tem capacidade de produzir alimento para 1,6 bilhão de bocas. Ficou tomo mundo em silêncio lá. É o nosso Gilson águia de Roma

Não entendo o que a CPI está experimentando
E lá na CPI, que está voltando nesta semana, Renan Calheiros e Humberto Costa, MDB e PT se juntaram para pedir quebra de sigilo bancário de sites jornalísticos que não são de esquerda e da rede Jovem Pan, que existe desde 1944. Não obedeceram a liberdade de imprensa, prenderam jornalista; não obedeceram a inviolabilidade do mandato, prenderam o Daniel Silveira e, agora, imagina se revoga o sigilo bancário de toda a mídia. Não sei se é desespero, se é provocação, se é pra mostrar que lei não deve ser cumprida, se é um teste para implantar um regime não democrático. Eu não entendo, mas estão experimentando.


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PERSEGUIÇÃO IDEOLÓGICA DE ALGUNS MEMBROS DA CPI À RÁDIO JOVEM PAN E SITES DE DIREITA

 

Mafarro

Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo

Perseguição de Renan Calheiro à rádio Jovem Pan e sites de direita contou com o inacreditável apoio de idiotas úteis que se dizem “conservadores”.| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Sou incumbido de escrever sobre os impulsos ditatoriais dos senadores Renan Calheiros, esse Quixote infernal, e seu fiel escudeiro, Humberto Costa, um Sancho Pança assim meio vampiresco. Ambos assinam um requerimento pedindo a quebra de sigilo da rádio Jovem Pan e de outros veículos que, julgam eles, cometem o imperdoável pecado de serem “de direita”. Me sento diante do computador. E, à medida que vão chegando tuítes de apoio (sim, apoio!) ao autoritarismo do bem de Calheiros & Costa, tuítes esses escritos por quem até ontem estufava o peito para se dizer conservador, sinto cócegas na ponta dos dedos para escrever uma única palavra: canalhas.

A única dúvida é se coloco ou não um ponto de exclamação depois de “canalhas!”. É, assim fica melhor mesmo. Só um “canalhas!” gritado a plenos pulmões dá conta de expressar o que sinto ao ver quem se dizia conservador de alta estirpe apoiando uma medida que nada mais é do que perseguição ideológica e intimidação da imprensa. Houve até quem comparasse o senador do “rezistro” e “pra mim fazê” a Carlos Lacerda.

Expresso à Editora Severa™ minha preocupação. Não sei se sou capaz de escrever um texto sobre o assunto sem cair na vulgaridade. Porque, como já registrei neste espaço, um dos poderes de Renan Calheiros é despertar o que há de pior nas pessoas. É batata: você vê aquele rostinho de cartorário do sertão, com os oclinhos finos de cafajeste daltontrevisaniano, e toda uma seção do Dicionário de Insultos lhe vem à mente.

Não é uma sensação agradável, essa. Me leva a questionar se sou capaz de ter um olhar misericordioso sobre o mundo. Evidentemente não sou. Penso, então, em desistir. Melhor deixar passar as 72 horas regulamentares. Melhor dar uma volta no quarteirão. Melhor bater com o dedinho do pé na quina da cama. Diante do que a Editora Severa™ sabiamente me sugere escrever primeiro um texto virulento, sem filtros, só para desopilar, e depois escrever o texto sério, oficial, ponderado, calmo, misericordioso e caridoso.

No caso, o texto que você lê neste momento.

Desespero
É quando me ocorre que essa disputa aí, disfarçada de disputa política e do livre e vergonhoso exercício de submissão intelectual, nada mais é do que a velha e boa disputa pelo coração dos homens. O meu e o seu. Calheiros & Costa e seus inocentes úteis desejam justamente instaurar o caos para que possam posar, daqui a alguns anos, de salvadores. E quem triunfa no caos a gente sabe quem é. Não sabe? Uma dica: Guimarães Rosa usa sei-lá-quantos sinônimos para se referir a ele em “Grande Sertão: Veredas”.

Se me rendo, pois, à sentença rápida e óbvia (“canalhas!”) é porque permito, momentaneamente, que o cramulhão vença a batalha. Nesse intervalo de tempo (que, reconheço, se prolongou muito mais do que deveria), vislumbrei cem mil cenários, todos apocalípticos, nos quais ora era calado, ora passava fome e ora era simplesmente aniquilado num desses expurgos tão ao gosto dos (aqui não tem como fugir da palavra) canalhas.

Dessa fantasia sombria, sorrateiramente sussurrada em meu ouvido pelo tinhoso alagoano e seus tuiteiros amestrados, nasce o medo, quando não o desespero. Acontece comigo. Acontece com muitos dos meus leitores (menos os que consideram a aliança com o djãnho maquiavelicamente necessária). Acontece com milhões de pessoas que, intuitiva ou racionalmente, veem nesse recorte histórico um prenúncio da tragédia que sempre é uma tirania.

E o desespero, sabe todo mundo que já leu a Bíblia, C. S. Lewis ou simplesmente já provou desse pão amassado pelo dito-cujo, é um dos instrumentos preferidos do tisnado. É no desespero que palavras como “canalhas!” se impõem. No desespero, não há espaço para a compreensão ou reflexão e todos ao redor agem apenas preocupados em garantir o dinheiro de uma mamata qualquer. No desespero, de repente até o ato mais sórdido de censura é visto como virtude, porque promete uma saída ilusória de um túnel escuro (daí o desespero) igualmente ilusório. Ou melhor, ardilosamente ilusório.

União virtuosa
Ao longo da semana, muito se falará sobre a artimanha do Danador & Azinhavre para intimidar a imprensa e o trabalho de gente que simplesmente enxerga o mundo por um outro prisma. E o desespero, prevejo, ditará o tom das discussões. Não sem um tiquinho de razão, usarão palavras como “canalha” e mencionarão Venezuela e Argentina e a possibilidade (a meu ver, muito real) de estarmos passando por um golpe cozido em banho-maria. Ou seria banho-Barroso?

Mas talvez valha a pena respirar fundo, engolir em seco, conter o grito de “canalhas!” e resistir ao sedutor desespero. Porque se o joio tomou conta do trigal e a perseguição ideológica já é uma realidade, e me parece que é, ela não será vencida pelo insulto prazeroso, mas inútil. Mais do que nunca, é preciso que os bons se unam em torno do objetivo virtuoso de impedir que o desespero de hoje se transforme no inferno de amanhã.


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PRESIDENTE DA CÂMARA NÃO QUER O VOTO IMPRESSO

 

Por
Guilherme Fiuza – Gazeta do Povo

Lira conversa com Fux: ele “acha” que o projeto do voto auditável não passa na comissão especial.| Foto: Luis Macedo/ Câmara dos Deputados

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, resolveu dizer que “acha” que o projeto do voto auditável não passa na comissão especial. Ele tirou essa profecia da cartola numa live onde estava também Gilmar Mendes, o ministro do STF que faz política diuturna contra o governo federal. Quem dissesse qualquer coisa contra o presidente da República nessa live, direta ou indiretamente, estaria em casa. Você sabe como funciona a resistência cenográfica. E o que o presidente da Câmara estava fazendo nesse videogame?

A proposta de emenda à Constituição que institui o sistema de auditagem das eleições através da impressão dos votos registrados foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça. Seguiu para a comissão especial e, após uma sequência de audiências técnicas sobre as vulnerabilidades do sistema atual e o aumento da segurança com o sistema proposto, formou maioria pela aprovação da emenda. Aí os ministros do STF Luis Roberto Barroso (que preside o Tribunal Superior Eleitoral) e Alexandre de Moraes entraram em campo.

A dupla de representantes do Poder Judiciário reuniu mais de uma dezena de líderes partidários para dizer o que o Poder Legislativo deveria fazer – e deu-se o milagre: os partidos substituíram vários de seus representantes na comissão especial e inverteram a maioria pela reprovação da emenda.

Traduzindo para quem ainda não entendeu: o STF/TSE operaram a comissão da Câmara – e não se sabe qual foi o bisturi usado, só que ele era muito bom. Essa intromissão ostensiva dos emissários do STF na Câmara dos Deputados se deu nas barbas do presidente dessa mesma Câmara dos Deputados – e o que ele tem a dizer sobre isso? Que “acha” que a emenda “não passa” na Comissão…

Tem muita coisa estranha acontecendo, mas essa aí não tem nada de estranho. Se o deputado Arthur Lira não disser que se enganou, ou que não foi isso que quis dizer, ou que desistiu de ser deputado e virou analista político, ou vidente, ele está aliado aos cirurgiões de toga para barrar o aprimoramento da segurança das eleições no Brasil – um anseio de expressiva parcela da população, como ele já deve ter visto por todos os lados. Só não viu se tiver resolvido adotar o modo avestruz de Rodrigo Maia – um burocrata com alergia a povo cuja gestão desastrosa na presidência da Câmara foi criticada pelo próprio Arthur Lira no momento em que o substituiu no cargo. Mas as pessoas mudam. Vamos observar.

O deputado Arthur Lira disse que existe no Senado uma emenda para instituição do voto auditável e que seria melhor discuti-la do que gastar tempo na Câmara. É um distraído. Ele sabe que o projeto em torno do qual o país está mobilizado e cujos proponentes tiveram o expediente de esmiuçar em audiências técnicas está na Câmara. Ele sabe que a liderança, portanto, para levar adiante essa transformação está na Câmara. E disse que é melhor discutir a emenda que está no Senado. Esperteza demais engole o dono – e distração também.

O presidente da Câmara sabe que a comissão especial foi operada e que o país está gritando contra esse escândalo. Sabe que a maioria na comissão pode ser refeita a partir das pressões legítimas da população, que é quem manda no parlamento. E resolveu se antecipar com um “prognóstico” sobre o enterro deste anseio? Qualquer idiota sabe que esse “prognóstico” é tão natural quanto um elefante de asas.

Deputado Arthur Lira, fica aqui uma sugestão de coragem e transparência: deixe de lado essa conversa coreográfica com Gilmar Mendes & cia e assuma sua posição sobre o assunto. Diga que é contra o voto auditável. Diga isso de peito aberto ao povo brasileiro. E explique de viva voz suas razões. Quais são elas? Seja bastante claro nesse ponto. Porque se não for, o senhor irá automaticamente para o lugar da desconfiança com que todos os brasileiros de boa fé hoje veem a movimentação febril, quase desesperada, dos representantes do STF contra essa matéria – sem conseguir explicar por que passaram a se opor quase religiosamente a essa medida de segurança eleitoral.

Não tenha dúvidas, deputado Arthur Lira: todos os que estão nessa trincheira cega contra o voto auditável são hoje, aos olhos dos brasileiros, suspeitos. Até porque os entrincheirados de toga são os mesmos que, em outra manobra de arrepiar, reabilitaram o criminoso Lula da Silva para disputar essa mesma eleição que eles não querem que seja auditada de jeito nenhum. Deu para entender o enredo, não deu?

Ninguém de boa fé e um mínimo de discernimento no Brasil hoje tem dúvidas sobre esse enredo. Ou seja: todo mundo sabe que a democracia brasileira está numa encruzilhada. Escolha o seu lado, Arthur Lira.


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domingo, 1 de agosto de 2021

A FAMÍLIA REAL E A POLÍTICA ATUAL

 

Por
Bruna Frascolla – Gazeta do Povo

“A Chegada de Dom João VI à Bahia” (1952), obra de Candido Portinari| Foto: Reprodução

Talvez nós, brasileiros, estejamos acostumados à ideia de que um país grande demais é ruim, por ser mais difícil de governar. Pensadores tão diversos quanto Aristóteles, Rousseau e Montesquieu achavam que as repúblicas não deveriam ser grandes demais, e nós, que temos o aristotelismo forte em nossa formação cultural (por causa da neoescolástica e da Contrarreforma), seguimos a toada. Nos Estados Unidos, os conservadores contestaram essa ideia. Eis uma citação de Fenimore Coooper (1789 – 1851) extraída d’ “A Mentalidade Conservadora”, de Russell Kirk: “uma vez que o perigo de todos os governos populares é o dos erros populares, é menos provável que um povo de interesses diversificados e propriedades territoriais extensas seja sujeito às paixões sinistras de uma única cidade ou campo.” Por isso, é melhor uma república grande do que uma república pequena. O tamanho é visto então como um fator de descentralização. Não quer dizer que a Rússia seja descentralizada por ser grande; quer dizer apenas que, em se tratando de uma democracia liberal, um país descentralizado leva vantagem sobre um país centralizado. Essa vantagem é a maior estabilidade.

É claro que isso nos leva ao tema da federação. Comenta Kirk: “Porque a centralização reduziria os Estados Unidos à condição de república unitária, exposta aos apetites das multidões e às manipulações do privilégio, James Fenimore Cooper permaneceu um defensor consistente dos poderes estaduais.”

Os Estados Unidos são um país politicamente diverso, onde leis podem ser testadas pelos estados e apreciadas pelos seus compatriotas. Essa constituição permite até o “voto com os pés” dentro do próprio país, depondo agora contra a Califórnia.

Descentralização histórica do Brasil
Os Estados Unidos e o Brasil são descentralizados de maneira diferente. Os Estados Unidos tal como o conhecemos hoje são uma entidade bastante diferente das Treze Colônias (1607-1776). O seu processo de independência acarretou uma nova entidade cujo centro era uma constituição liberal minimalista que deixava a cargo dos estados as legislações mais detalhadas. O território das Treze Colônias é uma pequena fração do território dos Estados Unidos: os norte-americanos foram conquistando o Oeste sem se conciliar com poderes estabelecidos. Para haver alguma sede para o poder central, criou-se Washington. E os domínios de Washington se estenderam por um território politicamente virgem. Índios livres e súditos espanhóis foram empurrados para fora do mapa à medida que a fronteira avançava.

À revelia da Coroa portuguesa, o Brasil tem este nome desde antes do estabelecimento das capitanias por D. Manuel em 1530. Existiram, concomitantes, elites políticas apartadas umas das outras: Pernambuco tinha uma elite açucareira; a Bahia, uma açucareira e outra pecuária; em São Paulo, os bandeirantes traziam dores de cabeça à Coroa espanhola, amealhando prata, levando os índios paraguaios dos jesuítas, buscando ouro. O Rio Grande do Sul tinha a sua elite do charque. Menciono elites sem contar com o mero povoamento português. Bem afastado das capitanias hereditárias, o Grão Pará já existia no século XVII. No século XVIII, os portugueses chegaram a construir um forte em Rondônia.

Para complicar um pouco mais a história, lembremos que, no século XVII, Pernambuco (que incluía Alagoas, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte) esteve sob domínio holandês, mas permaneceu falando português. Por outro lado, São Paulo sempre esteve sob domínio português, mas só parece ter começado a falar português no século XVIII. Na nossa história colonial, nem a unidade linguística coincide com a unidade política: um pernambucano falava português, mas não tinha relações com a Coroa; um paulista tinha, mas falava a língua geral (um tupi simplificado).

Implantar um governo único no Brasil significou unir, num só corpo político, gente tão dispersa e diversa quanto um amazônida e um gaúcho. Nosso histórico territorial e populacional é descentralizado – ao contrário dos Estados Unidos. E nosso histórico legislativo, de origem ibérica, é centralizador – também ao contrário dos Estados Unidos. (Se bem que, em comparação a Portugal, podemos nos dizer descentralizadores. Mas isso é assunto para outro texto, sobre a Independência.)

Assim, nós gozamos daquela estabilidade cultural que Fenimore Cooper via nos Estados Unidos. Por aqui, apesar de não termos uma legislação descentralizada, nós desde sempre temos elites políticas regionais empenhadas em lutar contra a centralização do poder.

Os nossos vizinhos centralizadores
Quando Napoleão varria a Europa, no séc. XIX, Portugal e Espanha tomaram atitudes opostas. Portugal sempre foi aliado da Inglaterra, que sempre viveu às turras com a França. D. João VI não cedeu a Napoleão e fez algo impensável para as demais monarquias europeias: transferiu a capital para a América. Assim a sede do poder real no Brasil migrou de Salvador (capital da colônia) para o Rio de Janeiro (capital do Reino português), um lugar mais propenso a integrar o Brasil.

A Espanha foi derrotada por Napoleão. A isso seguiu-se a desintegração da América espanhola em uma série de republiquetas.

Não fosse o engenho de D. João VI e de Bonifácio, seria bastante provável a desintegração da América portuguesa. Poderiam ser países a Confederação do Equador, a República do Piratini, Minas Gerais, Bahia. (Aliás, até a ameaça de um Califado islâmico tivemos no Brasil, com os malês da Bahia.) Temos alguma razão para achar que essas repúblicas seriam descentralizadas?

Nos países que ora vemos tombando à nossa volta, tomar o poder significa simplesmente tomar a capital. Venezuela, Argentina, Peru, Chile, são países centralizados em Caracas, Buenos Aires, Lima e Santiago. Em todos estes, a capital política coincide com a capital econômica e com a cidade mais populosa. No Brasil, Brasília é a capital política, mas a capital econômica e a cidade mais populosa é São Paulo.

A elite política da Venezuela é a elite política de Caracas. Assim, a elite política da Venezuela não tem nada a perder caso Caracas acumule mais e mais poder. No Brasil, é do interesse de cada coronel nordestino, de cada caudilho sulista, de cada político tradicional do Sudeste, que Brasília não concentre poderes absolutos.

O centrão
Já assistimos aos políticos fisiológicos encabeçarem uma campanha contra o grupo político do Foro de São Paulo: Eduardo Cunha deu o pontapé inicial na derrocada do PT.

Se as urnas forem todas violadas, se o Poder se concentrar todo na mão de um juiz simpatizante do PSOL, para que servirá o Centrão? Para nada. Os políticos fisiológicos ficarão desempregados; não vão nem poder vender o voto. Se uma cúpula progressista tomar o poder, não há espaço para partidecos não-ideológicos.

Eles têm que aderir a Bolsonaro, nem que isso implique o fim da bonança petista bancada pela Petrobrás. Há que se conformar com o fato de os tempos pré-Lava Jato terem ficado para trás.


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NÃO SOMOS MUITO CHEGADOS AOS ELOGIOS

Elogio do elogio

Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo

Cheering, ovation, applauding concept. Hands of various people male or female showing thumbs up, applauding, supporting somebody or cheering by gesture vector illustration

Somos educados a exercermos sempre o espírito crítico e a desconfiarmos de tudo e todos neste mundo que seria sempre cruel.| Foto: Bigstock

A gente elogia pouco. Muito pouco. O que é compreensível. Afinal, somos educados a exercermos sempre o espírito crítico e a desconfiarmos de tudo e todos neste mundo que seria sempre cruel. Tão empenhados estamos em “melhorar o mundo”, porém, nos esquecemos de admirar e incentivar as infinitas pequenas coisas que dão certo, às vezes até muito certo.

Por “mundo”, me refiro não ao governo, às instituições, às celebridades – a essas coisas minúsculas que, por uma distorção do olhar, parecem gigantescas e importantíssimas. Penso, aqui, nas pessoas simples, quase todas anônimas, e suas boas intenções. E até nas tentativas que, muitas vezes, resultam em fracassos interessantíssimos que ensinam a todos.

Não estou falando do elogio que é bajulação. Muito menos do elogio-que-não-é-elogio, aquele feito com artimanha e planejamento para se traduzir em promoção no trabalho, em venda, em voto ou até em cama. Penso no elogio-elogio. Elogio com “e” maiúsculo e trabalhado. Aquela coisa simples e sincera, mas jamais suficientemente rotineira.

No elogio verdadeiro, há muito mais trabalho do que na crítica, por mais construtiva que ela seja ou pretenda ser. É preciso ser extraordinariamente generoso a fim de reconhecer: um ser humano que não eu ou você fez isso e aquilo bem, muito bem, melhor do que eu fiz hoje e possivelmente melhor do que eu jamais faria. E, por isso, é digno de um elogio.

E, se você parar para ver, vai notar a seu redor muitos seres humanos dignos de elogios os mais variados. O gari que está varrendo a rua às 6h da manhã, e sob um frio de quatro graus negativos, por exemplo. O motorista que, a despeito das buzinadas atrás dele, parou para deixar o pedestre passar. O vendedor que o atendeu bem, mesmo você tendo experimentado 50 pares de sapato e dando vários sinais de que não levaria nenhum para casa.

Em se elogiando, claro que há sempre a possibilidade de o outro se deixar envaidecer, tropeçando na banana da autocondescendência, quando não da displicência. Daí porque se ouve com alguma frequência o famoso “não se pode elogiar mesmo”. Mas esse arrependimento pelo elogio não faz sentido. O elogio geralmente tem um objeto definido e está restrito a um tempo muito específico. Ele não é, pois, garantia de infalibilidade alguma. E nem pretende ser.

Elogiar é, para evocar aqui a filosofia sartreana que fez minha cabeça no tempo em que ainda tinha cabelos, reconhecer o lugar do outro no mundo. É dar momentaneamente um sentido à existência abençoadamente pequena de todos nós. É perceber no outro uma centelha em meio a esse incêndio avassalador que é a vida.

Elogiemos sem medo, pois, tudo o que nos rodeia e nos encanta: os esforços próprios e alheios, as esperanças de sucesso que sempre ignoram a probabilidade maior do fracasso, aquelas ideias ou opiniões tão tolas, coitadas, mas que, ditas com entusiasmo, quase nos permitem ver a alma de quem diz. E também, claro, as realizações de fato bem-sucedidas, provas do quanto a Humanidade, mesmo parecendo vulgar, comum, repetitiva e trivial, consegue às vezes se mostrar divina.


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VERSÃO DOS OPORTUNISTAS PAA REESCREVER A HISTÓRIA

Guerra de versões

Por
Leonardo Coutinho – Gazeta do Povo

Estátua do bandeirante Borba Gato é incendiada em São Paulo| Foto:

Guilherme Boulos, do PSOL, aprovou o atentado contra um monumento em São Paulo e até promoveu uma campanha pela libertação dos baderneiros que tocaram foco na estátua de Manuel de Borba Gato. Para ele, a estátua erguida em 1962 em homenagem ao bandeirante deveria ser substituída pela de Zumbi dos Palmares – quem merece todas as honras por ter lutado contra a escravidão.

Boulos é apenas um exemplo pinçado entre tantos outros que poderiam ilustrar a questão que aqui será tratada. O afã de reescrever a história sob a alegação de uma suposta versão dos vencidos provoca efeitos colaterais que vão desde alucinações, cegueira e até a mais profunda ignorância.

Borba Gato era um bandeirante. Portanto, não era um escoteiro desbravando novas terras. Mas Borba Gato nunca foi um mercador de escravos ou caçador de índios como os incendiários queridos de Boulos acreditam. O mundo em que ele vivia era hostil. Matar para não morrer era quase uma constante. Até hoje, exatamente hoje, indigenistas do departamento de índios isolados da Funai sabem o que representa o risco de atravessar territórios desses brasileiros que fizeram opção pelo não contato. Não se trata de relativizar a violência, mas é absolutamente desonesto medi-la sem considerar o contexto histórico.

Os “índios bravos”, como eram chamados e ainda são em áreas remotas da fronteira oeste do Brasil, não costumam perdoar. Matam. Os tempos mudaram e hoje eles têm o direito e a proteção do Estado para viver da forma que bem entenderem, em um modo muito parecido com aquele pré-Cabral.

Boulos fala em erguer uma estátua em homenagem a Zumbi. Não sei se Boulos faz ideia, mas o dono do Quilombo de Palmares tinha escravos negros como ele. Tinha, porque era normal ter. Lá na África, era regra escravizar os rivais perdedores. Eram os negros quem vendiam nos negros para aquela que foi uma das mais abjetas empresas da humanidade, que foi a escravidão.

Zumbi tem seu papel histórico, virtudes e defeitos. Merece reconhecimento, estudo e memória. Justa memória, como Borba Gato. Por que não? Ele matou cobrador de impostos da coroa, lutou na guerra dos Emboabas contra abusos da coroa e por posições nativistas e quando caiu em desgraça encontrou proteção entre os índios.

No século passado, quando a borracha era o ouro vegetal da Amazônia, os seringalistas “limpavam” a floresta promovendo uma autêntica debandada dos índios, que eram tocados sob balas. Fenômeno que ganhou o emblemático nome de correrias. Quem gasta algum tempo para estudar a história recente da região sabe que as correrias não ficaram presas no passado. Há relatos de seringueiros contemporâneos de Chico Mendes que também fizeram uso da pólvora para proteger seus seringais ou para expandir suas áreas para exploração, não só expulsando índios, mas também matando alguns ou muitos. Mas pouca gente aceita considerar estes capítulos de nossa história.

Quando o Black Lives Matter ameaçou tocar fogo na América como se o país fosse um grande Borba Gato, algumas estátuas foram para o chão e outras foram vergonhosamente vilipendiadas. Na Califórnia, uns estúpidos picharam um busto de Miguel de Cervantes como ele tivesse sido um “bastardo” escravocrata. Os manifestantes, tão superficiais quanto os incendiários paulistas, não faziam ideia de que o autor de “Dom Quixote” não só jamais teve escravos, como foi um por muitos anos.

A guerra pela construção de versões customizadas de um mundo ao próprio gosto já não respeita nem o que aconteceu ontem. A bravata do lawfare ganhou corpo e passou a ser usada como pretexto por corruptos pegos com a mão nos cofres públicos para se dizerem vítimas de aparatos de Estado. Lula, no Brasil; Cristina Kirchner, na Argentina; e Evo Morales, na Bolívia, embarcaram nesta mesma estratégia.

Nos Estados Unidos, congressistas democratas são a porta de entrada para os lobistas do petismo e assemelhados entrem em ação. Lula e Morales foram bater na porta desses parlamentares para vender teses fajutas. Não satisfeito com a destruição da Lava-Jato, Lula e seus acólitos abusam da boa-fé de políticos americanos para vender fumaça. Dizem que foi a CIA que deu origem à Lava Jato com informações coletadas ilegalmente pela NSA.

Há quem acredite na lorota.

Morales implodiu a frágil democracia boliviana, vilipendiou a Constituição que ele mesmo encomendou e fraudou as eleições de 2019. Como punição, enfrentou uma rebelião popular e acabou fugindo do país. Mas Morales não desistiu. Seus apoiadores contrataram “estudos acadêmicos” para negar a fraude e contrariar pareceres da OEA e de observadores internacionais. Seu grupo se beneficiou do caos gerado pela pandemia e da roubalheira generalizada de seus sucessores para pavimentar o retorno de seu partido, o MAS, em uma eleição realizada no ano passado.

De volta ao jogo, Morales quer cabeças. Assim como Lula, recrutou sua turma para ludibriar uma dezena de democratas que comeram a versão de que o que se passou na Bolívia foi um golpe com o amparo dos Estados Unidos. Uma idiotice sem tamanho que só quem estava na Lua nos últimos quatro anos pode acreditar.

Os americanos não foram capazes de se articular para resolver a sua principal agenda na América Latina, a Venezuela, o que faz pensar que Washington se meteria em um golpe na Bolívia. Donald Trump, que era o presidente quanto Evo Morales foi tirado do poder pelo próprio povo que se cansou de seus desmandos, estava querendo fazer sua “América grande novamente”. A Bolívia, com todo respeito, não existia.

Mas não importa; de Borba Gato a Bolívia, os fatos são meros inconvenientes. O que interessa e vale mesmo é a crença. A história está sendo reescrita por corruptos, traficantes, baderneiros e ladrões enquanto alguns incautos com suas tochas acham que são protagonistas dessa reescrita. Não se trata da versão dos vencidos. Mas da versão dos oportunistas.


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