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Bruna Frascolla – Gazeta do Povo
“A Chegada de Dom João VI à Bahia” (1952), obra de Candido Portinari| Foto: Reprodução
Talvez nós, brasileiros, estejamos acostumados à ideia de que um país grande demais é ruim, por ser mais difícil de governar. Pensadores tão diversos quanto Aristóteles, Rousseau e Montesquieu achavam que as repúblicas não deveriam ser grandes demais, e nós, que temos o aristotelismo forte em nossa formação cultural (por causa da neoescolástica e da Contrarreforma), seguimos a toada. Nos Estados Unidos, os conservadores contestaram essa ideia. Eis uma citação de Fenimore Coooper (1789 – 1851) extraída d’ “A Mentalidade Conservadora”, de Russell Kirk: “uma vez que o perigo de todos os governos populares é o dos erros populares, é menos provável que um povo de interesses diversificados e propriedades territoriais extensas seja sujeito às paixões sinistras de uma única cidade ou campo.” Por isso, é melhor uma república grande do que uma república pequena. O tamanho é visto então como um fator de descentralização. Não quer dizer que a Rússia seja descentralizada por ser grande; quer dizer apenas que, em se tratando de uma democracia liberal, um país descentralizado leva vantagem sobre um país centralizado. Essa vantagem é a maior estabilidade.
É claro que isso nos leva ao tema da federação. Comenta Kirk: “Porque a centralização reduziria os Estados Unidos à condição de república unitária, exposta aos apetites das multidões e às manipulações do privilégio, James Fenimore Cooper permaneceu um defensor consistente dos poderes estaduais.”
Os Estados Unidos são um país politicamente diverso, onde leis podem ser testadas pelos estados e apreciadas pelos seus compatriotas. Essa constituição permite até o “voto com os pés” dentro do próprio país, depondo agora contra a Califórnia.
Descentralização histórica do Brasil
Os Estados Unidos e o Brasil são descentralizados de maneira diferente. Os Estados Unidos tal como o conhecemos hoje são uma entidade bastante diferente das Treze Colônias (1607-1776). O seu processo de independência acarretou uma nova entidade cujo centro era uma constituição liberal minimalista que deixava a cargo dos estados as legislações mais detalhadas. O território das Treze Colônias é uma pequena fração do território dos Estados Unidos: os norte-americanos foram conquistando o Oeste sem se conciliar com poderes estabelecidos. Para haver alguma sede para o poder central, criou-se Washington. E os domínios de Washington se estenderam por um território politicamente virgem. Índios livres e súditos espanhóis foram empurrados para fora do mapa à medida que a fronteira avançava.
À revelia da Coroa portuguesa, o Brasil tem este nome desde antes do estabelecimento das capitanias por D. Manuel em 1530. Existiram, concomitantes, elites políticas apartadas umas das outras: Pernambuco tinha uma elite açucareira; a Bahia, uma açucareira e outra pecuária; em São Paulo, os bandeirantes traziam dores de cabeça à Coroa espanhola, amealhando prata, levando os índios paraguaios dos jesuítas, buscando ouro. O Rio Grande do Sul tinha a sua elite do charque. Menciono elites sem contar com o mero povoamento português. Bem afastado das capitanias hereditárias, o Grão Pará já existia no século XVII. No século XVIII, os portugueses chegaram a construir um forte em Rondônia.
Para complicar um pouco mais a história, lembremos que, no século XVII, Pernambuco (que incluía Alagoas, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte) esteve sob domínio holandês, mas permaneceu falando português. Por outro lado, São Paulo sempre esteve sob domínio português, mas só parece ter começado a falar português no século XVIII. Na nossa história colonial, nem a unidade linguística coincide com a unidade política: um pernambucano falava português, mas não tinha relações com a Coroa; um paulista tinha, mas falava a língua geral (um tupi simplificado).
Implantar um governo único no Brasil significou unir, num só corpo político, gente tão dispersa e diversa quanto um amazônida e um gaúcho. Nosso histórico territorial e populacional é descentralizado – ao contrário dos Estados Unidos. E nosso histórico legislativo, de origem ibérica, é centralizador – também ao contrário dos Estados Unidos. (Se bem que, em comparação a Portugal, podemos nos dizer descentralizadores. Mas isso é assunto para outro texto, sobre a Independência.)
Assim, nós gozamos daquela estabilidade cultural que Fenimore Cooper via nos Estados Unidos. Por aqui, apesar de não termos uma legislação descentralizada, nós desde sempre temos elites políticas regionais empenhadas em lutar contra a centralização do poder.
Os nossos vizinhos centralizadores
Quando Napoleão varria a Europa, no séc. XIX, Portugal e Espanha tomaram atitudes opostas. Portugal sempre foi aliado da Inglaterra, que sempre viveu às turras com a França. D. João VI não cedeu a Napoleão e fez algo impensável para as demais monarquias europeias: transferiu a capital para a América. Assim a sede do poder real no Brasil migrou de Salvador (capital da colônia) para o Rio de Janeiro (capital do Reino português), um lugar mais propenso a integrar o Brasil.
A Espanha foi derrotada por Napoleão. A isso seguiu-se a desintegração da América espanhola em uma série de republiquetas.
Não fosse o engenho de D. João VI e de Bonifácio, seria bastante provável a desintegração da América portuguesa. Poderiam ser países a Confederação do Equador, a República do Piratini, Minas Gerais, Bahia. (Aliás, até a ameaça de um Califado islâmico tivemos no Brasil, com os malês da Bahia.) Temos alguma razão para achar que essas repúblicas seriam descentralizadas?
Nos países que ora vemos tombando à nossa volta, tomar o poder significa simplesmente tomar a capital. Venezuela, Argentina, Peru, Chile, são países centralizados em Caracas, Buenos Aires, Lima e Santiago. Em todos estes, a capital política coincide com a capital econômica e com a cidade mais populosa. No Brasil, Brasília é a capital política, mas a capital econômica e a cidade mais populosa é São Paulo.
A elite política da Venezuela é a elite política de Caracas. Assim, a elite política da Venezuela não tem nada a perder caso Caracas acumule mais e mais poder. No Brasil, é do interesse de cada coronel nordestino, de cada caudilho sulista, de cada político tradicional do Sudeste, que Brasília não concentre poderes absolutos.
O centrão
Já assistimos aos políticos fisiológicos encabeçarem uma campanha contra o grupo político do Foro de São Paulo: Eduardo Cunha deu o pontapé inicial na derrocada do PT.
Se as urnas forem todas violadas, se o Poder se concentrar todo na mão de um juiz simpatizante do PSOL, para que servirá o Centrão? Para nada. Os políticos fisiológicos ficarão desempregados; não vão nem poder vender o voto. Se uma cúpula progressista tomar o poder, não há espaço para partidecos não-ideológicos.
Eles têm que aderir a Bolsonaro, nem que isso implique o fim da bonança petista bancada pela Petrobrás. Há que se conformar com o fato de os tempos pré-Lava Jato terem ficado para trás.
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