As concentrações aconteceram na maioria das principais cidades brasileiras, como Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, com manifestantes vestidos em sua maioria de verde e amarelo, as cores da bandeira do Brasil, onde mais de 400 mil pessoas morreram de covid-19.
No Rio, centenas de manifestantes se reuniram na praia de Copacabana, segurando faixas exigindo “intervenção militar” para reforçar os poderes do presidente Bolsonaro.
Há duas semanas, o chefe de Estado disse que estava esperando por “um sinal do povo” para “tomar medidas” para acabar com as restrições tomadas localmente por prefeitos ou governadores para tentar conter a propagação do coronavírus.
Mais recentemente, em uma entrevista à televisão, disse que o exército “poderia sair às ruas um dia, para fazer cumprir a Constituição, a liberdade de ir e vir”.
Um dos lemas das manifestações de sábado foi “Autorizo Bolsonaro” a enviar o exército.
Em Brasília, milhares de pessoas se concentraram na Esplanada dos Ministérios, que Bolsonaro sobrevoou em plena manifestação.
Enquanto isso, um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, estava entre os manifestantes, usando máscara no queixo e tirando fotos com muitos apoiadores, também com o rosto descoberto.
“É uma hora crítica e o Bolsonaro precisa do apoio da população”, disse à AFP Edvaldo de Paulo, um homem de 60 anos que se manifestava em Brasília.
Poucas manifestações contra Bolsonaro foram marcadas para este 1º de maio, mas as principais figuras políticas da oposição, tanto de direita quanto de esquerda, vão participar de uma transmissão ao vivo nas redes sociais.
Entre eles estão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), que poderia disputar um terceiro mandato contra o Bolsonaro em 2022, e seu antecessor de centro-direita, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Na terça-feira, uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi criada no Senado para analisar a gestão do governo Bolsonaro da crise de saúde, que segundo muitos especialistas foi inepta e irresponsável.
Pessoas que levavam uma vida sedentária tiveram maior probabilidade de ser hospitalizadas e morrer de covid do que as que se exercitavam regularmente
Gretchen Reynolds, The New York Times – Life/Style
Mais exercícios significa menor risco de sofrer uma forma grave de covid-19, segundo um interessante estudo publicado recentemente sobre atividade física e hospitalizações por coronavírus. O estudo, que envolveu quase 50 mil californianos que tiveram covid-19, mostrou que os que foram mais ativos antes de adoecer tiveram menor probabilidade de serem hospitalizados ou de morrer em consequência da doença.
Os dados foram colhidos antes que as vacinas contra a covid-19 se tornassem disponíveis e não sugerem que o exercício possa substituir, em hipótese alguma, a imunização. Mas afirmam que o exercício regular – natação, caminhada, bicicleta – podem reduzir substancialmente as possibilidades de uma pessoa adoecer com gravidade quando infectada.
Os cientistassabiam há algum tempo que as pessoas com boa capacidade aeróbica são menos propensas a apanhar resfriados e outras infecções virais, e se recuperam mais rapidamente do que as que estão fora de forma, em parte porque os exercícios podem amplificar as respostas imunológicas. Melhores condições físicas também aumentam as respostas dos anticorpos às vacinas contra a influenza e outras doenças.
Mas as infecções com o novo coronavírus são tão recentes que pouco se sabia sobre a possibilidade da atividade física e a boa forma influírem nos riscos de adoecer com a covid, e com que intensidade. Entretanto, alguns estudos mais recentes parecem encorajadores. Em um deles, publicado em fevereiro na revista The International Journal of Obesity, as pessoas que podiam caminhar rapidamente, uma medida comumente aceita da capacidade aeróbica, apresentaram menos casos de formas mais graves da covid do que as que caminham lentamente, mesmo que as mais rápidas fossem obesas, conhecido fator de risco para doença grave. Em outro estudo sobre adultos idosos na Europa, uma maior força de preensão, indicador da saúde muscular geral, assinalava uma redução dos riscos de hospitalizações por covid-19.
Mas tais estudos pareciam medidas indiretas da capacidade aeróbica ou muscular das pessoas e não os seus hábitos diários em matéria de exercício físico, por isso não permitem afirmar se andar – ou ficar parados – muda o cálculo dos riscos de covid-19.
Por isso, no novo estudo, publicado no início de abril pela revista British Journal of Sports Medicine, os pesquisadores e médicos da Kaiser Permanente Southern California, a Universidade da Califórnia, em San Diego, e outras instituições decidiram comparar as informações sobre a frequência com que as pessoas se exercitavam ao ser hospitalizadas no ano passado por causa da covid-19.
O sistema de saúde da Kaiser Permanente estava muito bem aparelhado para a pesquisa porque, desde 2009, inclui o exercício como um “sinal vital” nas consultas dos pacientes. Na prática, isto significa que médicos e enfermeiros perguntam aos pacientes quantos dias por semana eles se exercitam, se a passos rápidos, e por quantos minutos cada vez, depois incluem os dados à ficha médica do paciente.
Agora, os pesquisadores separaram dados anônimos de 48.440 mulheres e homens adultos que usaram o sistema de saúde da Kaiser, e tiveram seus hábitos em matéria de exercícios atualizado pelo menos três vezes nos últimos anos e, em 2020, foram diagnosticados com covid-19. Os pesquisadores agruparam os homens e as mulheres por rotinas de exercício, com o grupo menos ativo, que se exercitava por 10 minutos ou menos na maioria das semanas, o mais ativo que se exercitava por pelo menos 150 minutos por semana, e um grupo mais ou menos ativo, que ficava no meio termo.
Os pesquisadores também reuniram dados sobre os fatores de risco conhecidos para covid-19 grave de cada pessoa, como idade, tabagismo, peso e antecedentes de câncer, diabetes, transplante de órgãos, problemas renais e outros distúrbios graves subjacentes.
Em seguida, os pesquisadores cruzaram os números e obtiveram resultados surpreendentes. As pessoas do grupo menos ativo, que quase nunca se exercitavam, foram hospitalizadas por causa da covid um número de vezes maior do que o das pessoas do grupo mais ativo e tiveram 2,5 vezes maiores probabilidade de morrer. Mesmo se comparadas às pessoas no grupo relativamente ativo, foram hospitalizadas com uma frequência cerca de 20% maior ou tinham cerca de 30% mais probabilidades de morrer.
Dos outros fatores mais comuns de risco para a forma mais grave da doença, somente a idade avançada e transplantes de órgãos amentaram a probabilidade de hospitalização e mortalidade por covid mais do que por serem inativos, constataram os cientistas.
“O sedentarismo foi o maior fator de risco” de doença grave, “a não ser que algum deles fosse idoso ou receptor de um transplante”, disse o dr. Robert Sallis, médico da família e de medicina esportiva do Kaiser Permanente Fontana Medical Center, que chefiou o novo estudo. E embora “você não possa fazer nada a respeito dos outros riscos”, afirmou, “sempre pode praticar exercícios.”
Evidentemente, por basear-se na observação, o estudo não prova que o exercício diminua os graves riscos de covid-19, mas somente que as pessoas que se exercitam com frequência também têm menores riscos de caírem gravemente doentes. O estudo não se aprofundou na possibilidade de o exercício reduzir o risco de contágio por coronavírus. Mas Sallis destaca que as associações no estudo foram significativas.
“Baseado nestes dados,” afirmou, “acho que podemos dizer às pessoas que a caminhada a passos rápidos por meia hora, cinco vezes por semana, deveria proteger contra uma forma grave da covid-19”.
Uma caminhada – ou cinco – poderia ser particularmente benéfica para as pessoas que aguardam a sua primeira vacina, acrescentou.
“Eu nunca sugeriria que as pessoas que praticassem exercícios regulares deveriam deixar de se vacinar. Mas até que elas possam imunizar-se, acho que o exercício regular é a coisa mais importante que podem fazer para reduzir o seu risco”, falou. “E fazer exercícios regulares provavelmente protegerá contra novas variantes, ou um próximo vírus”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
Ministros divergem sobre a validade de diálogos da Operação Spoofing, obtidos de forma ilícita e atribuídos ao então juiz Sérgio Moro e a procuradores da Lava Jato no Paraná
Rafael Moraes Moura, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – A validade das mensagens obtidas por hackers que entraram na mira da Operação Spoofing divide ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O plenário da Corte ainda não decidiu sobre a licitude dessas conversas, obtidas por um grupo criminoso que invadiu celulares de autoridades e revelou mensagens atribuídas ao ex-juiz Sérgio Moro e a ex-integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Mesmo sem uma definição sobre a controvérsia, seis ministros do STF já se manifestaram sobre o assunto em julgamentos, decisões e entrevistas concedidas recentemente. A definição sobre a validade dos diálogos como prova ou não é crucial para o legado e desdobramentos da Lava Jato.
As mensagens apreendidas na Spoofing abalaram os processos decorrentes do trabalho da força-tarefa e colocaram em xeque a atuação de Moro e de procuradores de Curitiba. O conteúdo – de origem criminosa, e, portanto, ilícita – tem sido usado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para reforçar a narrativa de que o ex-juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba agiu em conluio com procuradores e foi parcial nas investigações. Outros réus da Lava Jato também buscam se beneficiar, na esteira do petista, como o senador Renan Calheiros (MDB-AL)e o ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
O assunto voltou à tona, em 22 de abril, no julgamento do STF em que a maioria dos ministros confirmou a decisão da Segunda Turma que havia declarado a suspeição de Moro no processo do triplex do Guarujá – Lula foi condenado nesta ação. O resultado marcou uma das maiores derrotas da Lava Jato no STF. Na sessão, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu a operação. “Prova ilícita, produto de crime, é prova ilícita e sua utilização, sobretudo para sanção de quem quer seja, é expressamente vedada pela Constituição. Trata-se de material sem autenticidade comprovada. A partir da invasão criminosa de privacidade passou-se a vazar a conta-gotas cada fragmento do produto do crime do hackeamento, para que os corruptos se apresentassem como vítimas”, disse Barroso. A Constituição prevê que “são inadmissíveis, no processo, provas obtidas por meios ilícitos”.
“Nas conversas privadas, ilicitamente divulgadas, encontraram pecadilhos, fragilidades humanas e, num show de hipocrisia, muitos se mostraram horrorizados, gente cuja reputação não resistiria a meia hora de vazamento de suas conversas privada”, afirmou Barroso.
O tom incisivo do ministro irritou Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes – expoentes da ala crítica aos métodos da Lava Jato –, que bateram boca com o colega na sessão. Em março, com os votos de Lewandowski e Gilmar, a Segunda Turma do STF declarou Moro parcial.
Naquele julgamento, Gilmar e Lewandowski listaram sete episódios para demonstrar que Moro foi parcial na ação do triplex, como a condução coercitiva de Lula, a quebra de sigilo telefônico de advogados do ex-presidente e o levantamento do sigilo da delação do ex-ministro Antonio Palocci na véspera do primeiro turno das eleições de 2018. As mensagens hackeadas foram usadas como “reforço argumentativo”.
“A utilização das referidas mensagens, como reforço argumentativo à corroboração das teses já contidas (de suspeição de Moro), revela-se, insisto, não apenas legítima, mas de indiscutível utilidade para evidenciar ainda mais aquilo que já se mostrava óbvio, isto é, que o paciente (Lula) foi submetido não a um julgamento justo, segundo os cânones do devido processo legal, mas a um verdadeiro simulacro de ação penal, cuja nulidade salta aos olhos, sem a necessidade de maiores elucubrações jurídicas”, disse Lewandowski.
Gilmar destacou que o Supremo entende que o interesse de proteção às liberdades do réu “pode justificar a relativização à ilicitude da prova”: “Na doutrina brasileira, sustenta-se a possibilidade de utilização de prova ilícita pró-réu, a partir do princípio da proporcionalidade, considerando o direito de defesa”. O terceiro voto pela suspeição de Moro veio da ministra Cármen Lúcia, que não se manifestou sobre a validade das mensagens dos hackers.
Antes de Barroso expor no plenário seu entendimento sobre a polêmica, o uso dos diálogos obtidos pelos hackers já havia sido contestado pelos ministros Kassio Nunes Marques, Edson Fachin e Rosa Weber. No julgamento da Segunda Turma sobre Moro, Nunes Marques rechaçou as mensagens, sob o argumento de que validá-las seria uma forma de “legalizar a atividade hacker” no País. “Se hackeamento fosse tolerável para meio de obtenção de provas, ninguém mais estaria seguro de sua intimidade, tudo seria permitido. São absolutamente inaceitáveis tais provas, por serem obtidas diretamente de crimes”, disse. “Essa prática abjeta de espionar, bisbilhotar a vida das pessoas, estaria legalizada e a sociedade viveria um processo de desassossego semelhante às piores ditaduras. Não é isso que deve prevalecer em sociedades democráticas.”
Fachin considerou “inconcebível” a utilização do material “sem que as dúvidas sobre sua legalidade sejam completamente espancadas”. Em entrevista ao Estadão, o relator da Lava Jato disse que não acha que prova ilícita “pode ser varrida para debaixo do tapete, agora é preciso saber o que fazer com ela”.
Inquérito no STJ
Não foi só a defesa de Lula que buscou garantir acesso aos diálogos hackeados. O material também serviu para o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, determinar, por conta própria, a abertura de inquérito sigiloso para apurar suposta tentativa de investigação ilegal de ministros da Corte por parte de procuradores da extinta força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Um dos diálogos mostrou a intenção de procuradores de investigar, sem autorização, a movimentação patrimonial de ministros. O inquérito, no entanto, acabou suspenso por Rosa Weber, o que acirrou os ânimos entre STF e STJ. Para Rosa, não é possível usar prova ilícita para condenar alguém. “Não há margem no texto constitucional que admita interpretação voltada a legitimar seu uso (das mensagens obtidas por hackers) em processo voltado à responsabilização criminal de alguém, por mais graves que sejam os fatos imputados.”
O uso das mensagens hackeadas também esbarra em relatório da Polícia Federal, que já concluiu que não é possível confirmar a autenticidade dos diálogos. No documento, a PF afirma que “a autenticidade e a integridade de itens digitais obtidos por invasão de dispositivos alheios não se presumem, notadamente quando se reúnem indícios de que o invasor agiu com dolo específico não apenas de obter como também de adulterar os dados”. O documento reforça a posição da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o inquérito do presidente do STJ, Humberto Martins.
“A regra que veda a utilização da prova ilícita em desfavor do acusado é vista como absoluta, já que não admite qualquer exceção nem mesmo em casos de crimes graves não só no Brasil, como na maior parte dos países de tradição democrática. Por outro lado, é também largamente aceita no mundo a noção de que provas ilícitas podem ser utilizadas em benefício do réu”, disse o advogado Ademar Borges, professor de direito constitucional do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
Na avaliação do advogado Marcelo Knopfelmacher, defensor dos procuradores da Lava Jato, o conteúdo obtido pelos hackers, “além de ilícito, é imprestável”. “Em duas oportunidades a Polícia Federal fez constar, em laudos distintos, que o material apreendido com os hackers não pode ter sua autenticidade aferida”, ressaltou. Moro não se manifestou. O STJ, por sua vez, alegou que o inquérito aberto por Martins está em sigilo, suspenso por decisão do STF, e “não há mais nada a informar”. / COLABOROU PAULO ROBERTO NETTO
O presidente e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) observaram a aglomeração de militantes bolsonaristas e de carros na zona central de Brasília neste sábado, 1º
Eduardo Rodrigues e Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Quase um ano depois, o presidente Jair Bolsonaro voltou a sobrevoar em helicóptero militar uma manifestação com viés autoritário a seu favor na Esplanada dos Ministérios neste sábado, 1º de maio. Ao lado do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general de Exército da reserva Augusto Heleno, Bolsonaro acenou da janela da aeronave a apoiadores. O presidente e o ministro observaram a aglomeração de militantes bolsonaristas e de carros na zona central de Brasília. Integrantes da equipe de segurança presidencial também estavam no helicóptero.
Em solo, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho 03 do presidente, discursou sobre um caminhão de som e circulou entre carros de apoiadores. Embora o uso de máscaras seja obrigatório no Distrito Federal, ele posou para fotos, sem máscara, ao lado de deputados da base aliada e de autoridades do governo, como o secretário nacional de Aquicultura e Pesca, Jorge Seif Júnior. Outros parlamentares também discursaram, aglomerados, em frente ao Congresso Nacional.
Antes do sobrevoo, um grupo menor, de dezenas de manifestantes apoiadores do governo, levantou faixas antidemocráticas pedindo intervenção militar, com as frases: “Intervenção militar com Bolsonaro no poder” e “Presidente Bolsonaro acione as Forças Armadas (FFAA)”. No momento em que os parlamentares discursaram, essas faixas não foram mais vistas.
Embora houvesse expectativa entre os manifestantes de que Bolsonaro compareceria à manifestação, o helicóptero não pousou na área central da capital. Uma carreata em apoio ao presidente ocupou as seis faixas do Eixo Monumental.
No ano passado, em 31 de maio, o presidente fez diferente. Bolsonaro sobrevoou um protesto na mesma região, mas que chegou até a Praça dos Três Poderes, com ataques ao Legislativo e ao Judiciário, representados na simbologia dos manifestantes pelos líderes da cúpula da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF). O cunho das palavras de ordem também era autoritário e cobrava intervenção. Bolsonaro não só desceu e cumprimentou manifestantes, como cavalgou entre eles.
Na ocasião, ele estava acompanhado do então ministro da Defesa, general de Exército da reserva Fernando Azevedo e Silva. Ainda no ar, ambos apareceram perante a multidão, quando a porta de acesso do helicóptero oficial foi aberta. O fato causou constrangimento na caserna, pois Bolsonaro sempre cobrou mais apoio político das Forças Armadas a seu governo, o que incomodava uma parcela dos generais e o próprio ministro.
O descontentamento de Bolsonaro com a falta de demonstrações de apoio dos comandantes militares foi um dos fatores que levaram à demissão do ministro no mês passado. O substituto de Fernando Azevedo, general de Exército da reserva Walter Souza Braga Netto, não apareceu nas imagens gravadas de dentro do helicóptero presidencial neste sábado.
O governo está propondo inchar a Constituição com mais e mais normas sobre RH público. Nenhuma com efeito presente
Ana Carla Abrão, Armínio Fraga e Carlos Ari Sundfeld*, O Estado de S.Paulo
Qual reforma administrativa pode ajudar a mudar o Brasil? O governo está propondo inchar a Constituição com mais e mais normas sobre RH público. Nenhuma com efeito presente. Algumas de aprovação quase impossível. Com promessas vagas, algumas perigosas ou confusas, lançam-se dúvidas e incertezas sobre gerações futuras de servidores e abre-se espaço para constitucionalizar as distorções já existentes.
Tanto que não demorou para várias corporações pegarem carona nas discussões ainda na CCJ e pedirem mais vantagens, cravando-as na Constituição. Avançar nesse caminho é impossibilitar uma reforma necessária e urgente.
O inchaço adicional da Constituição, gravando em pedra privilégios inaceitáveis e consolidando a injustiça e a desigualdade dentro e fora do setor público, é uma afronta à realidade que vivemos, com os pobres sofrendo mais que os outros – sobretudo na pandemia.
Nenhum esforço de reforma – um trabalho de anos – terá bons resultados sem igualmente boas bases. Já tratamos disso em artigos aqui no Estadão e hoje reafirmamos alguns pontos.
Reforma administrativa não tem de ser contra ninguém e, sim, a favor da qualidade dos serviços, em especial para quem mais depende deles. Tem de ser ampla, sem criar diferenças entre atuais e futuros servidores.
Tem de reconhecer e estimular o bom trabalho dos servidores que fazem diferença para as políticas públicas e a população. Não é preciso acabar com a estabilidade constitucional. Não está nela a raiz principal dos nossos problemas. Mesmo porque a Constituição já autoriza a dispensa por irregularidade ou improdutividade reiterada, mesmo de servidores estáveis.
Faltam apenas leis e iniciativas governamentais para regular de modo justo e impessoal as avaliações de desempenho. Elas – e não o lobby corporativo ou o simples tempo de serviço – é que têm de nortear a evolução funcional, inclusive dos servidores atuais. Isso já está na Constituição. Modelo consagrado, já existe mundo afora. Mas falta regulamentar aqui.
Falta combater as enormes desigualdades dentro da máquina estatal. A gestão de pessoal em educação, assistência, saúde pública, cultura e meio ambiente funciona à base de improvisos e precariedades, enquanto serviços burocráticos pagam remunerações e indenizações sem limites, mesmo a integrantes improdutivos.
Passou pelo Senado, e agora depende da Câmara, o projeto de lei (PL) 6.726/2016, que torna efetivo o teto de ganhos dos agentes estatais. Falta colocá-lo em pauta.
Falta recrutar de forma eficiente. A Constituição exige concurso para servidores permanentes, o que é correto. Ela não é a responsável por falhas que leis e boas práticas podem evitar. Na Câmara, o relator do PL 252/2003 tenta construir uma regulação geral dos concursos. Por que não focar na melhoria deste projeto?
Falta dar espaço para formas alternativas de trabalho para o setor público. São importantes e têm de crescer. Organizações do terceiro setor têm ajudado as administrações em boas experiências de processos seletivos por competências para cargos em comissão, evitando escolhas arbitrárias. Por que não ampliá-las?
O número de temporários contratados vem crescendo, sobretudo nos Estados e municípios. É inevitável. Falta melhorar a segurança e governança dos contratos. Cabe à União editar normas gerais sobre contratações públicas. Por que não faz uma lei geral sobre os temporários?
São exemplos de reformas realistas e de grande impacto. Elas podem ter impacto fiscal no longo prazo, liberando recursos para investimentos sociais e contribuindo para o desenvolvimento acelerado e inclusivo. Por que insistir em um caminho complexo e fadado ao fracasso?
*ANA CARLA ABRÃO, ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN
*ARMÍNIO FRAGA, EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL
*CARLOS ARI SUNDFELD, PROFESSOR TITULAR DA FGV DIREITO SP
Nenhum dos 11 ministros do Supremo votou contra a regulamentação da lei Suplicy após 17 anos da sua sanção
Adriana Fernandes*, O Estado de S.Paulo
A decisão dessa semana do Supremo Tribunal Federal que determina a regulamentação da lei da renda básica coloca, na marra, a discussão do tema da responsabilidade social e fortalecimento dos programas do governo federal de transferência de renda para a população de baixa renda. Esse debate, que parecia ter deslanchado no ano passado, ficou perdido em 2021.
Nenhum dos 11 ministros do Supremo votou contra a regulamentação da lei Suplicy após 17 anos da sua sanção, em 2004, inclusive Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. Deram todos um uníssono sim.
Lula, Dilma Rousseffe Michel Temer não regulamentaram. Agora, o STF obriga o governo Bolsonaro a fazer o que esses presidentes não fizeram apesar do comando legal.
Poucos sabem, mas a decisão partiu de uma ação ajuizada pela Defensoria Pública da União no Rio Grande do Sul em nome de um morador de rua: Alexandre da Silva Portuguez, de 51 anos, com epilepsia, que recebe R$ 91 por mês do programa Bolsa Família.
No voto, o ministro relator Marco Aurélio Mello assinalou: “Quem é espoliado no mínimo existencial, indispensável ao engajamento político e à feição dos direitos fundamentais à vida, à segurança, ao bem-estar e à própria dignidade, vive em condições sub-humanas, sendo privado do status de cidadão”.
Após a pandemia, há várias propostas circulando nos Legislativos no mundo inteiro, como Estados Unidos, México e Coreia, para a criação de um modelo de renda básica. Em alguns lugares, o Executivo (nacional ou subnacional) tem protagonizado a renda básica, como em Ontário, Finlândia e a brasileira Maricá, município do Estado do Rio de Janeiro.
No Judiciário, essa é a primeira vez, porém, que há decisão da Suprema Corte, diz o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira. Além de ampliar recursos, será preciso redesenho dos benefícios para que atendam à determinação de regulamentação do STF.
A lei brasileira, esquecida na gaveta por quase duas décadas, institui por etapas a renda básica de cidadania, começando pelos mais necessitados, até se tornar universal. A expectativa agora é que o Executivo planeje as etapas seguintes até chegar à renda básica universal e incondicional.
Se o governo não se abrir para regulamentar, já há uma mobilização no Congresso para fazê-lo, alterando a lei do Bolsa Família.
Os valores do benefício terão de estar definidos em 2022. Esse ponto é central para entender porque o governo não poderá fugir do problema. Ou regulamenta ou tenta mudar a lei no Congresso. O governo pode até fazer uma regulamentação tosca, mas terá de seguir a decisão do STF.
É nesse contexto que o debate da responsabilidade social pode renovar fôlego, inclusive nesse momento em que o presidente da Câmara, Arthur Lira, tenta a retomada da tramitação da reforma tributária.
Com o aumento da pobreza devido à pandemia da covid-19 e a perspectiva do fim do auxílio emergencial, no ano passado, propostas para o fortalecimento da rede de proteção social pipocaram no Congresso, inclusive com mudanças na área tributária para taxar os mais ricos.
Durante vários meses, governo e lideranças do Congresso acenaram com medidas para abrir espaço no Orçamento a um programa social mais robusto que abarcasse os “invisíveis” que a crise sanitária tinha revelado. Mas o foco depois foi um só: aumentar o espaço no Orçamento para emendas parlamentares para obras eleitoreiras.
Os críticos do STF alegam que é ativismo da Corte. A procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo, Élida Graziane, põe luz no debate: o Supremo está mandando que se resguarde mais recursos para a agenda dos direitos fundamentais.
Ou seja, o STF pauta o tamanho do Estado abaixo do qual não se admite que ele opere. “Estamos disputando o tamanho do Estado no Orçamento”, diz. Os últimos meses têm mostrado que essa briga tem sido cada vez mais feroz e desastrosa.
*REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
As dificuldades para a existência de empresas de economia mista em nosso País são enormes
Adriano Pires*, O Estado de S.Paulo
No mercado existem, basicamente, três tipos de empresa: as privadas, as estatais e as de capital misto No Brasil com a nossa tradição de grande participação do Estado na economia sempre tivemos empresas de capital misto em importantes setores da economia. As mais conhecidas talvez sejam a Petrobrás e a Eletrobrás. Empresas de economia mista são criadas na tentativa de o Estado participar como acionista em segmentos denominados como estratégicos e ao mesmo tempo garantir na administração da empresa a eficiência do setor privado. Conciliar esses dois quesitos é muito difícil, em particular, em países que, como o Brasil, não resistem à tentação de intervir na economia.
A trajetória das empresas de economia mista não tem sido das melhores no Brasil. Ao longo do tempo se verifica em quase todos os governos, com intensidades diferentes, o uso dessas empresas para as chamadas práticas populistas. Ora para combater a inflação, ora para ajudar os amigos do governo de plantão, políticos e empresários. No final essas empresas, que possuem como sócios toda a sociedade, representada pela União, e são criadas para gerar dividendos que deveriam ser utilizados em benefícios de todos, acabam por atender a objetivos específicos do governo de plantão. A maneira mais usual de intervir nas empresas de economia mista tem sido por meio dos preços.
o setor de energia, não faltam exemplos. Entre 2011 e 2014, a intervenção do governo Dilma na política de preços da Petrobrás causou um rombo no caixa de algo como US$ 40 bilhões e uma multa de US$ 3 bilhões dada pela Suprema Corte Americana. Mais uma dívida de US$ 100 bilhões e o escândalo do Petrolão.
A Eletrobrás até hoje sofre efeitos da Lei 12.783/2013, oriunda da conhecida MP 579/2012, que causou enormes prejuízos a seus acionistas. Na ocasião, a lei obrigou as empresas de geração e transmissão, em particular a Eletrobrás, a anteciparem a renovação de suas concessões condicionadas à redução de 20% nas tarifas de eletricidade. Também penalizou os consumidores. Ao reduzir as tarifas de forma artificial, deu um sinal econômico de abundância de recursos hídricos e isso levou a baixos níveis dos reservatórios das hidrelétricas, que não se recuperaram até hoje, o que vem exigindo um despacho de térmicas fora da ordem econômica. Isso quase quebrou a Eletrobrás, causando um rombo de R$ 100 bilhões pagos até hoje pelos consumidores e o tarifaço de 2015.
O temor do mercado é pela volta da velha prática de tratar as empresas de economia mista como se fossem totalmente estatais e as políticas criativas dos preços da energia. Isso pode ser turbinado pela antecipação do calendário eleitoral, com a elegibilidade do ex-presidente Lula. O primeiro sinal da volta das velhas práticas foi o processo de indicação dos novos presidentes da Petrobrás e da Eletrobrás, passando por cima da governança e dos Conselhos de Administração das empresas. No quesito preço dos combustíveis, o presidente da Petrobrás foi demitido porque o presidente Bolsonaro achou inadmissível os aumentos da gasolina, do diesel e do botijão de gás feitos nos primeiros meses de 2021. Parece que o governo não gosta que a Petrobrás dê lucro. Para evitar aumento de dois dígitos nas tarifas, a Aneel já anunciou uma série de medidas para a redução das tarifas que somam R$ 18,8 bilhões, permitindo que os reajustes de 2021 caiam de 18,2% para 8,5%. O gás natural vai ter um aumento dado pela Petrobrás de 39% a partir do início de maio. Vamos aguardar o que será feito de criatividade para evitar novos aumentos do gás natural. O novo presidente da Petrobrás no discurso de posse falou que vai tomar medidas para reduzir a volatilidade dos preços dos combustíveis, dar previsibilidade e conciliar os interesses dos acionistas com o dos consumidores. Será que ele possui o cálice do Santo Graal.
Tudo isso nos leva a dois comentários. O primeiro é que a tentação da intervenção, o pouco apreço ao lucro e a dificuldade de separar os interesses do governo acionista do governo preocupado com a sociedade mostram a impossibilidade da existência de empresas de economia mista no Brasil. O segundo é que entra governo, sai governo e ficamos armando e desarmando bombas-relógio.
*DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA (CBIE)