segunda-feira, 12 de abril de 2021

INOVAÇÃO E MODELOS DE NEGÓCIOS

 

Maria Augusta Orofino

Há mais recursos para promover a inovação nos negócios externamente do que qualquer empresa, independente do porte, seja capaz de criar por conta própria. A partir do momento em que se quebra com uma mentalidade de inovação completamente fechada, as organizações passam a aceitar que não só podem, como devem recorrer a ideias externas, sem perder de vista aquelas que são desenvolvidas internamente. E, por sua vez, começam a analisar com outra perspectiva seus próprios modelos de negócio.

Com isso, a inovação aberta, termo cunhado por Henry Chesbrough, tem se mostrado o caminho a ser adotado em um mundo em que respostas rápidas são essenciais frente a mudanças igualmente velozes. Em “The State of Open Innovation”, Irving Wladawsky Berger, fala sobre como a inovação aberta proposta por Henry Chesbrough transpõe o limite das quatro paredes do escritório. Dessa forma, a inovação nos negócios é gerada, acessando, aproveitando e absorvendo conhecimento externo em toda a empresa, tanto fluindo para dentro quanto para fora.

No entanto, não basta somente criar ou identificar conhecimento útil. É necessário uma infraestrutura de inovação que opere em três principais dimensões:

  • Geração: novas descobertas de tecnologias iniciam o processo que, no atual estágio, beneficiarão um pequeno número de primeiros usuários.
  • Disseminação: novas descobertas se espalham por toda organização, iniciando com os grupos de inovação e P&D até a todas as unidades da empresa que as levarão para o mercado.
  • Absorção: novos produtos e serviços são incorporados nas unidades organizacionais e modelos de negócios que possam escalar e sustentar a inovação em toda a economia.

Além disso, entre as recomendações para obter os melhores resultados com a inovação aberta, está a própria inovação do modelo de negócios. É comum que as empresas associem inovação ao desenvolvimento de novas tecnologias dentro da organização, enquanto veem o modelo de negócio como algo fixo. Porém, isso está em processo de mudança. Ter modelos de negócios adaptáveis permite obter mais valor de inovações tecnológicas.

A inovação dos modelos de negócios

Transformação digital e inovação do modelo de negócios são movimentos diferentes. De acordo com Mark Johnson, em “Reinvent Your Business Model”, a tecnologia, por si só, não importa o quão transformadora é, não é o bastante para alavancar uma empresa para o futuro. No entanto, o modelo de negócio que está por trás da tecnologia é o que conduzirá ao sucesso ou ao fracasso.

Como diz Irving Wladawsky Berger, a inovação dos negócios, especificamente dos modelos de negócios, tem sido por um longo período o domínio de startups. Mas não é o suficiente que empresas estabelecidas continuem apenas lançando produtos e serviços tendo como base seus modelos até então confiáveis. Para sobreviver em um mercado de mudanças rápidas, todas as empresas – seja qual for o tamanho ou experiência de mercado – devem ser capazes de se submeter a um processo contínuo de transformação e renovação.

Para isso, é preciso superar a pouca compreensão do seu próprio modelo de negócios, entender os pontos fortes e limitações, e identificar quando é hora de adotar um novo modelo e o que é preciso fazer para criá-lo. Mark Johnson classifica um modelo de negócios como a representação de como um negócio cria e entrega valor para um cliente enquanto também captura valor para si mesmo, realizando isso repetidamente.

Também afirma que os esforços de inovação do modelo de negócios devem se concentrar na busca de algo grandioso, como mudar o jogo em um mercado existente, criar um mercado totalmente novo ou transformar toda uma indústria.

Os riscos dos modelos de negócio

Quando se pensa em inovação nos negócios, o modelo de negócio é um ponto-chave que pode tanto se tornar um potencializador quanto, mais para a frente, um limitante. Ou seja, é capaz de liberar todo o valor potencial em uma nova inovação, mas, ao mesmo tempo, pode transformar o sucesso dessa modalidade em uma armadilha tênue para a companhia, como explica Henry Chesbrough em “Inovação aberta: como criar e lucrar com tecnologia”.

Se for eficaz, o modelo de negócio estruturará uma lógica específica própria em relação à geração de valor. Assim, por conseguinte, as oportunidades que aparecem acabam sendo vistas e avaliadas a partir da perspectiva dessa mesma lógica. Isso engloba o público-alvo, o mercado-alvo, o tamanho do mercado, os canais de distribuição, entre outros. Para exemplificar, Chesbrough traz o exemplo de uma grande empresa, Xerox, mas que pode ser aplicado a diversas outras.

Na ocasião retratada pelo autor, o modelo de negócio da Xerox que obteve sucesso acabou se tornando um impeditivo quando foi necessário reagir a outras tecnologias emergentes. Por ter funcionado tão bem com uma das suas inovações, acabou criando uma lógica interna própria. O que, mais pra frente, acabou não sendo a forma mais adequada para lidar com tecnologias que já não cabiam nesse modelo.

Por sua vez, empresas com muito menos recursos acabaram se destacando por conta dos seus modelos de negócios. No exemplo compartilhado, as companhias se sobressaíram por aplicar a inovação nos negócios por meio do impulsionamento dos recursos externos. Os modelos de negócios de cada uma determinou os elementos internos necessários para realizar a conexão com tecnologias externas.

É comum que, muitas vezes, as empresas sintam que para fazer algo, precisem fazer tudo. E, ao seguir esse pensamento, não conseguem fazer render simultaneamente as inovações de outros e as suas próprias.

Os modelos de inovação nos negócios

É possível que grandes empresas se reinventam e prosperem com modelos de negócios totalmente diferentes do que aqueles que perseguiam inicialmente. Embora, em tempos iniciais, é comum que diversas companhias dependessem apenas de esforços internos, cada vez mais vemos o quão extensa tem se tornado a parceria com terceiros e o uso de suas tecnologias. É uma evolução que aponta o caminho a ser trilhado por empresas  que buscam superar questões que as impedem de aproveitar as oportunidades oferecidas pela inovação aberta.

Mesmo grandes e bem sucedidas empresas conseguem aprender novas fórmulas. E é a partir da combinação do modelo de negócios com a inovação aberta que conseguimos encontrar a resposta que permitirá uma contínua inovação nos negócios.

A sua empresa já começou a repensar no seu próprio modelo? Identificou novos nichos onde pode inovar? Conte a sua experiência aqui nos comentários.

Maria Augusta Orofino

Consultora em Inovação, Organizações Exponenciais e Metodologias Ágeis

Enquanto a luta por preservar vidas continua à toda, empreendedores e gestores de diferentes áreas buscam formas de reinventar seus negócios para mitigar o impacto econômico da pandemia.

São momentos como este, que nos forçam a parar e repensar os negócios, são oportunidades para revermos o foco das nossas atividades.

Os negócios certamente devem estar atentos ao comportamento das pessoas. São esses comportamentos que ditam novas tendências de consumo e, por consequência, apontam caminhos para que as empresas possam se adaptar. Algumas tendências que já vinham impactando os negócios foram aceleradas, como a presença da tecnologia como forma de vender e se relacionar com clientes, a busca do cliente por comodidade, personalização e canais diferenciados para acessar os produtos e serviços.

Com a queda na movimentação de consumidores e a ascensão do comércio pela internet, a solução para retomar as vendas em shoppings passa pelo digital.

Para ajudar as vendas em shoppings e nas empresas a migrar a operação mais rapidamente para o digital, lançamos a Plataforma Comercial Valeon. Ela é uma plataforma de vendas para centros comerciais que permite conectar diretamente lojistas a consumidores por meio de um marketplace exclusivo para o comércio em geral.

Por um valor bastante acessível, é possível ter esse canal de vendas on-line com até mais de 100 lojas virtuais, em que cada uma poderá adicionar quantas ofertas e produtos quiser.

Nossa Plataforma Comercial é dividida basicamente em página principal, páginas cidade e página empresas além de outras informações importantes como: notícias, ofertas, propagandas de supermercados e veículos e conexão com os sites das empresas, um mix de informações bem completo para a nossa região do Vale do Aço.

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EDUCAÇÃO BÁSICA CADA VEZ PIOR

 

Duas vezes mais alunos fora da escola

Restrição de acesso à internet, queda na renda e desigualdade social dificultam o aprendizado e contribuem para o aumento do abandono escolar, que já atinge 1,38 milhão de estudantes

Por Izabela Ferreira Alves, 
Queila Ariadne, Rafael Rocha e
Tatiana Lagôa

Desde o início da pandemia, a rotina da técnica de enfermagem Ana Lúcia Ferreira, 33, virou de cabeça para baixo. Como se não bastasse estar na linha de frente da batalha contra a Covid-19, e o marido, vendedor autônomo, ter reduzido em 80% o rendimento mensal, passou a lidar com a possibilidade de ter que tirar os filhos da escola particular pela redução na renda. Do apartamento no bairro Frei Leopoldo, na região Norte de Belo Horizonte, ela acompanha os filhos, de 2 e 4 anos, regredirem dia após dia sem os estímulos escolares.

A rotina pandêmica de Ana Lúcia mescla redução de renda, atuação na linha de frente contra a Covid e atenção com a educação dos filhos Lucca e Leonardo

“Fiquei impressionada com a forma como os meninos retrocederam e como é fundamental o convívio com educadoras e outras crianças.”

Ana Lúcia Ferreira, técnica de enfermagem

Do outro lado da cidade, a cerca de 20 km de distância de lá, sua xará, Ana Luiza Cardoso de Macedo, 37, já “entregou para Deus” o aprendizado dos filhos, de 11 e 15 anos. Desempregada e moradora da ocupação Carolina de Jesus, na região Centro-Sul da capital, ela não tem internet para que as crianças acompanhem aulas nem condições financeiras para imprimir as atividades enviadas pela escola.

Além do nome, Ana Lúcia e Ana Luiza compartilham a impossibilidade de acompanhar as aulas remotas dos filhos, e as duas temem pelo desenvolvimento das crianças. “O mais velho voltou a chupar bico”, conta Ana Lúcia. Já Ana Luiza está mais preocupada com a comida. “Estou sem emprego. O que está me salvando é a cesta básica da prefeitura”, diz a mãe.

As histórias são de duas Anas, mas contam a realidade de uma população inteira. Seja pela desigualdade que separa classes ou pela defasagem de aprendizado que chega para todos, o Brasil está à beira de um abismo educacional. “Com a pandemia, tudo isso está piorando, pois os estudantes mais pobres tiveram um acesso precário. Todos foram prejudicados, mas os mais pobres, muito mais. As diferenças que já eram grandes vão ficar abissais”, afirma o pós-doutor em estatística pela Universidade de Michigan e professor emérito da UFMG José Francisco Soares.

Ana Luiza e seu filho Lucas

“Estou sem emprego. O que está me salvando é a cesta básica da prefeitura”

Ana Luiza Cardoso de Macedo, desempregada e moradora da ocupação Carolina de Jesus

Dados do Unicef, compilados a partir do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dão a dimensão de um reflexo preocupante da pandemia: o abandono escolar. Em 2019, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, mais de 700 mil crianças e adolescentes de 6 a 17 anos não frequentavam a escola, o equivalente a 2% do total da amostra. Em 2020, outra pesquisa (Pnad Covid) – que perguntou se o aluno tinha frequentado as aulas nos últimos 15 dias – revelou que esse percentual havia praticamente dobrado: 3,8%, ou 1,38 milhão de alunos. Em Minas Gerais, a taxa subiu de 2% para 4%.

Segundo o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), que elaborou o estudo para o Unicef, soma-se a essa conta o número de estudantes frequentes, mas que não receberam nenhuma atividade no ano passado, e aqueles que receberam as tarefas, mas não conseguiram fazê-las em 2020 – taxa que ultrapassa 6,5 milhões.

Mesmo quando a pandemia passar, os desafios desse abismo da educação ainda vão perdurar. Relatório recente do Banco Mundial prevê que a necessidade de manter as escolas fechadas por muito tempo pode fazer com que até 70% das crianças não consigam ler e compreender um texto simples ao concluir o ensino fundamental na América Latina e no Caribe. Antes da Covid, eram 50%.

Gabriela e Raphael, filhos de Fernanda, tiveram desafogo na escola no momento de perdas

Perdas e medo e perdas tomam conta dos lares

Na fase mais difícil da sua vida, quando perdeu o pai para a Covid-19 e viu a mãe e o irmão também internados com a doença, a advogada Fernanda Fonseca, 39, pôde contar com a participação da escola. Para ela, mesmo virtual, foi um apoio nesse momento de luto. Mas, para 6,5 milhões de crianças e adolescentes brasileiros, a situação é de desamparo, conforme pesquisa do Unicef a partir de dados do IBGE.

Os filhos de Fernanda, Gabriela, 6, e Raphael, 8, não fazem parte desse grupo. Enquanto organizava o ensino remoto, o colégio da rede particular fornecia estudos autônomos, brochuras para as famílias retirarem impressas e fazerem em casa. Poucos dias depois do enterro do avô, ainda em abril de 2020, tiveram início as aulas online. “Para os meninos e para nós, são muitas perdas. O contato (virtual) com os colegas e as professoras amenizou isso”, conta.

“Estou em tempo de enlouquecer. Só Deus para me dar força. Minha filha de 11 anos mal sabe escrever”

Kelly Alessandra de Freitas, dona de casa

Para os três filhos da dona de casa Kelly Alessandra de Freitas, 27, de 1, 5 e 11 anos, o acesso à educação não chegou. “A gente não tem internet para baixar as atividades, e não sobra dinheiro para imprimir nada”, conta Kelly, moradora do Cabana Pai Tomás, um aglomerado na região Oeste de Belo Horizonte. Antes da pandemia, os dois filhos mais velhos se alimentavam na escola, o que deixava as despesas menores. “Estou em tempo de enlouquecer. Só Deus para me dar força. Minha filha de 11 anos mal sabe escrever”, diz.

Para o professor emérito da UFMG José Francisco Soares, se a desigualdade no acesso e na qualidade, conforme o nível socioeconômico, cor, raça, gênero e local de residência das famílias, já era marca da educação brasileira, agora o cenário é desolador. “A tecnologia pode ter efeito equalizador, mas não foi o que ocorreu. Primeiro, ela não chegou para todos no nosso país e, aonde chegou, foi empurrada. Precisamos de muito investimento e de nos lembrarmos sempre que ela não substitui a escola”, defende Soares.

Desigualdade na educação brasileira se acentou com a pandemia de coronavírus

Acesso à educação é pior entre os negros e os mais pobres

Crianças negras e pobres são as com menos acesso à educação na pandemia, segundo a pesquisa da Fundação Abrinq “Cenário da Infância e da Adolescência 2021”. Enquanto 7,2% das crianças brancas de 7 a 14 anos não tiveram acesso às tarefas no ano passado, 15,5% da população negra entrevistada enfrentou o mesmo problema. A fundação sobrepôs, ainda, a Participação no Bolsa Família (PBF) e, entre negros participantes do programa de transferência de renda, o percentual sobe para 20,5%.

Na faixa etária de 15 a 17 anos, 12,3% dos estudantes brancos e 21,5% dos alunos negros não receberam atividades escolares. Quando a família negra também tinha PBF, o indicador saltava para 26% do total sem acesso às tarefas da escola.

Para o diretor de pesquisa e avaliação do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Romualdo Portela, é um desastre educacional. “As famílias mais ricas têm condições materiais e culturais para resolver os problemas educativos. A natureza do trabalho da parcela mais pobre da população era mais presencial, e o desemprego é realidade. Neste momento de empobrecimento brusco e latas vazias, a escola é artigo de luxo. A luta é por comida”, analisa.

Muitos Brasis em um

Estados com os maiores índices de alunos fora da escola têm alta mortalidade

https://e.infogram.com/a41d46e7-d20d-44a5-80c8-df607a0cc579?src=embed Roraima, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Distrito Federal. Distribuídos em quatro das cinco regiões brasileiras, esses Estados apresentam os maiores índices de crianças e adolescentes fora da escola e também as maiores taxas de mortalidade pelo coronavírus por 100 mil habitantes. Os dados referentes à frequência escolar são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), reunidos na Pnad Covid de novembro de 2020. O número de mortes, do mesmo período, é do Ministério da Saúde. O cruzamento das informações feito por O Tempo mostra que, por mais que os impactos do coronavírus apareçam do Norte ao Sul, as desigualdades escancaram diversos Brasis dentro de um só país.

Para a socióloga Sandra Unbehaum, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, um efeito da pandemia sobre o abandono escolar pode estar relacionado a uma precarização preexistente, somada ou potencializada por uma crise política nesses Estados.

Em Roraima, 38,6%, ou 46.987 estudantes de 6 a 17 anos participantes do universo da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid não frequentavam a escola em novembro de 2020. O Estado também apresentava a maior taxa de mortalidade no fim daquele mês: 122,8 óbitos por 100 mil habitantes. Para o diretor da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Maxim Repetto, por trás dos indicadores está a falta de uma estrutura básica prévia, de internet, de estímulos e de políticas públicas claras para diminuir as diferenças sociais.

“A Covid não apenas ampliou as desigualdades no acesso à saúde e à educação, mas escancarou problemas estruturais anteriores, o que fez piorar tudo aqui, muito rápido e muito fortemente. Nas comunidades indígenas, a situação se agrava muito mais”, pontua Reppeto.

Segundo ele, os hospitais de Boa Vista, antes da pandemia, já viviam à beira do colapso, com contínuos escândalos de corrupção e desvio de dinheiro, e, na educação, o abismo assola também o ensino superior. “Universitários têm muita dificuldade de acompanhar as aulas remotas, sem computadores, com celulares obsoletos e internet de péssima qualidade, isso na capital. No interior e nas comunidades indígenas, é inviável”, compara.

No Sudeste, Minas Gerais apresenta a melhor situação, com 48,6 óbitos por 100 mil habitantes e 7,3% dos alunos (244.319) fora das escolas. Na pesquisa do ano anterior, a taxa era de 2%.

No Rio Grande do Sul, 108.188 estudantes não frequentavam as aulas em novembro de 2020, e a taxa de mortalidade da Covid-19 era de 63 óbitos por 100 mil habitantes. Para a professora da Universidade Federal (UFRGS) Daniela Pavani, as relações entre educação e as desigualdades sociais justificam esses indicadores. “A pandemia nos mostra o quão multifacetado é o problema. Em Porto Alegre, a meu ver, estamos vivenciando as consequências disso. Insegurança sanitária, ausência de políticas públicas, crescimento do número de moradores de rua e do trabalho infantil. Nosso Estado vem, sistematicamente, sucateando a rede pública de ensino e os profissionais da educação. Nossa capital, também”, afirma.

Oficial de educação do Unicef no Brasil, Júlia Ribeiro destaca que, mesmo com todas as mudanças trazidas pela pandemia, o direito à educação nunca foi revogado. “Independentemente desse cenário, o direito precisa ser garantido. Os Estados têm de se organizar, identificar quem não teve acesso à educação no ano passado e fazer uma busca ativa para trazê-los de volta”, orienta.

Júlia ressalta a necessidade de esses estudantes serem, a partir de agora, alvo de políticas intersetoriais, capazes de enxergá-los de maneira integral. “Existem questões de desinteresse pela escola devido ao currículo, mas há também o pano de fundo do trabalho infantil, da violência, do viés da saúde, e as diferentes áreas vão ter que lançar esse olhar conjunto para essas crianças e adolescentes, para mantê-los na escola, num ambiente de proteção”, prioriza.

Para Sandra Unbehaum, a falta de informações é um problema. “Para uma melhor análise desse cenário, precisamos das taxas de matrícula de 2020 e deste ano, e esses dados estão em aberto. São esses números que vão nos dar, de fato, o efeito da pandemia no abandono escolar”, avalia.

BOLSONARO SUGERE FAZER PRESSÃO NO STF PARA INVIABILIZAR A CPI

 

Em conversa gravada, presidente também cobrou Jorge Kajuru (Cidadania-GO) para que a comissão, se instalada no Senado, investigue a atuação de governadores e prefeitos na pandemia

Mateus Vargas, André Borges e Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Às vésperas da instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado sobre ações e omissões do governo federal na pandemia, o presidente Jair Bolsonaro pressionou o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) a ingressar com pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal. Em conversa por telefone divulgada pelo próprio senador nas redes sociais, Bolsonaro dá a entender que, se houver pedidos de impeachment contra ministros da Suprema Corte, podem ocorrer mudanças nos rumos sobre a instalação da comissão. 

“Você tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em pauta o impeachment (de ministros) também”, disse Bolsonaro ao senador. “Sabe o que eu acho que vai acontecer, eles vão recuperar tudo. Não tem CPI, não tem investigação de ninguém do Supremo.

Kajuru respondeu que ingressou, no sábado, 10, com pedido no STF para obrigar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a também pautar para votação em plenário o afastamento do ministro do STF Alexandre de Moraes, ao que Bolsonaro respondeu: “Você é 10”. “Ou bota tudo ou fica no zero a zero”, referendou o senador. “Sou a favor de botar tudo para a frente”, afirmou o presidente.

Jair Bolsonaro
O presidente da República, Jair Bolsonaro Foto: Adriano Machado / Reuters

O Senado tem hoje dez pedidos de investigação contra ministros do Supremo. Somente contra Alexandre de Moraes são seis. O ministro virou alvo após determinar a prisão de vários bolsonaristas investigados no inquérito das Fake News. Além dele, também há requerimentos para investigar Gilmar MendesEdson Fachin e Cármen Lúcia. Todos estão na gaveta do presidente da Casa.

No diálogo divulgado por Kajuru, o presidente fala mais de uma vez sobre a necessidade do contra-ataque ao STF. “Você pressionou o Supremo, né?”, disse. “Sim, claro. Entrei ontem, às 17h40”, responde o senador. E Bolsonaro conclui: “Parabéns para você”. Assim como o ministro Luís Roberto Barroso obrigou o Senado a instalar a CPI, o objetivo é forçá-lo a também determinar a análise dos pedidos de impeachment contra os ministros do STF. 

Governadores

No telefonema, o presidente também orientou que a CPI, se instalada, trabalhe para apurar a atuação de prefeitos e governadores, o que tiraria o foco do seu governo. “Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai só vir para cima de mim… CPI ampla e investigar ministros do Supremo. Ponto final”, afirmou Bolsonaro a Kajuru. Na quinta-feira, 8, o ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou que o presidente do Senado instale a CPI da Covid. Pacheco travava a iniciativa, apesar de a comissão ter recebido as assinaturas de apoio necessárias para ser aberta. No dia seguinte à decisão, em conversa com apoiadores, Bolsonaro acusou Barroso de “militância política” e cobrou que o ministro mandasse abrir análises de pedidos de impeachment no Senado, afirmando que há “milhões de assinaturas” da população para este tipo de demanda. 

“A CPI hoje é para investigar omissões do governo Bolsonaro, ponto final. Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai só vir pra cima de mim. Tem que mudar a amplitude dela”, comentou Bolsonaro com Kajuru. “Se não mudar, a CPI vai simplesmente ouvir (o ex-ministro da SaúdePazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana.” Não é possível saber se o presidente tinha conhecimento de que o diálogo estava sendo gravado e seria divulgado.

Na ligação, Bolsonaro também atribuiu o número de mortes da covid-19 à suposta omissão de prefeitos e governadores, ignorando que ele mesmo boicota medidas que dão certo contra o vírus, como o distanciamento social e o uso de máscaras. “A questão do vírus, não vai deixar de morrer gente, infelizmente, no Brasil. Poderia morrer menos gente se os governadores e prefeitos que pegassem recursos e aplicassem realmente em postos de saúde, hospital”, disse Bolsonaro.

Na quarta-feira, o plenário do STF vai analisar a liminar de Barroso que determinou a instalação da CPI. Segundo um ministro ouvido pelo Estadão, a maioria deve referendar a decisão de Barroso, mas com a ressalva de que a comissão só deverá ser instalada quando os trabalhos voltarem a ser presencial. Isso significa que Pacheco estaria desobrigado de instalar a CPI neste momento. A conversa de Bolsonaro com Kajuru, contudo, pode mudar essa posição. Na avaliação desse ministro, se ficar caracterizado que Bolsonaro pretende intimidar os ministros com pedidos de impeachment a resposta será a instalação imediata da CPI. 

Repercussão

O diálogo com Kajuru pode resultar em novo pedido de impeachment contra Bolsonaro. “É inadmissível que o presidente da República desrespeite um direito do Congresso, previsto na Constituição, e tente interferir no processo dessa forma. Do que o Presidente tem tanto medo? A CPI da covid é urgente. Temos que parar os culpados por esse genocídio!”, afirmou o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (AP). Para ele Bolsonaro cometeu crime de conspiração contra o Judiciário e atentado à autonomia dos Poderes. “Não é uma postura que se espera de um presidente, mas é usual para o Bolsonaro”, afirmou o líder do Cidadania no Senado, Alessandro Vieira (SE).

“É muito estranho a divulgação de telefonema privado. É muito ridículo isso. O presidente tem direito de falar com quem quiser. O objetivo dele é estender para estados e municípios, que de fato vai acontecer ao surgir fato sobre o repasse de recurso para os governos estaduais e municipais. A CPI é um instrumento da minoria, e o impeachment de ministros é diferente, depende da aprovação ampla da maioria”, disse o líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF). O presidente do Senado não quis comentar. 

Ampliar escopo da investigação divide senadores

A inclusão de prefeitos e governadores no escopo da CPI da Covid ainda divide os senadores. O presidente Jair Bolsonaro criticou a comissão por focar apenas nas ações do governo federal. Para contrapor o discurso, o líder do Cidadania no Senado, Alessandro Vieira (ES), apresentou, no sábado, 10, um requerimento para que a comissão também investigue a crise em Estados e municípios.

Para alguns parlamentares, isso pode inviabilizar os resultados práticos e transformar a comissão em uma verdadeira “guerra” entre o Palácio do Planalto, governadores e prefeitos. Para outros, porém, o argumento é que a verba federal para a covid-19 foi repassada a governos estaduais e municipais, onde a apuração precisa ser feita. “Todo mundo está empenhado em não fazer ouvido de mercador”, afirmou a senadora Rose de Freitas (MDB-ES).

Na quarta-feira, o plenário do Supremo fará o julgamento sobre a instalação da CPI da Covid. Depois de aberto o prazo de indicação de membros no Senado, a instalação pode se tornar irreversível, mesmo com um resultado diferente no STF. A expectativa entre senadores, porém, é que o Supremo confirme a decisão do ministro Luís Roberto Barroso.

INADIMPLÊNCIA NA PANDEMIA

 

Com o fim do auxílio emergencial, em dezembro, famílias e empresas passaram a arrecadar menos dinheiro e já há indícios de mais atrasos no pagamento de dívidas

Fabrício de Castro e  Eduardo Rodrigues, O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – Dívidas em patamares recordes, atrasos em pagamentos, inflação alta e renda achatada. Estes são apenas alguns dos pontos de pressão sobre famílias e empresas brasileiras em 2021. Enquanto o País passa pelo pior momento da pandemia de covid-19, com picos de mortes, a situação da economia se agrava.

Dados do Banco Central mostram que, em dezembro, o comprometimento da renda das famílias brasileiras com dívidas bancárias chegou a 31,1%, pico da série histórica. O dado reflete a parcela dos salários usada para pagar juros e amortizações de empréstimos. Ou seja: a cada R$ 100 de renda, sobram menos de R$ 70 para o pagamento das demais despesas. O endividamento das famílias também é recorde: 56,4% da renda total.

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Com o fim do auxílio emergencial, já há indícios de mais atrasos no pagamento de dívidas Foto: Alex Silva/Estadão

Para a economista Isabela Tavares, especialista em crédito da Tendências Consultoria Integrada, as ações do governo federal para manter a renda das famílias em 2020 contribuíram para segurar as dívidas e a inadimplência. Com o fim de parte dos auxílios, na virada de 2020 para 2021, cresceu a pressão sobre o orçamento das famílias.

Esse agravamento não é surpresa. “Houve medidas na área de crédito e o auxílio emergencial, que sustentou a massa de renda. Em 2021, sem as medidas emergenciais, já se esperava uma reversão”, diz Isabela.

As dívidas bancárias são outro ponto de pressão. Os dados mais recentes do BC mostram que, por ora, a inadimplência segue em níveis controlados, tanto para famílias quanto para empresas. Em fevereiro, a inadimplência atingiu 4,1% entre as famílias e 1,6% nas empresas. Os dados consideram o crédito livre, que excluem financiamentos com dinheiro do BNDES e da poupança (como o crédito imobiliário). 

Mas a situação não é confortável. Isso porque o BC só considera como inadimplência os atrasos de mais de 90 dias. No ano passado, os bancos promoveram renegociações de dívidas e deram carência para o pagamento de prestações, o que fez o indicador cair no segundo semestre. 

Em 2021, os atrasos já começam a crescer. O BC aponta que, em fevereiro, os atrasos entre 15 e 90 dias – ou “pré-inadimplência – chegam a 3,65% (famílias) e 1,69% (empresas). Em dezembro, os porcentuais eram de 3,24% e 1,52%, respectivamente.

Dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) indicam que, de março a dezembro de 2020, as renegociações somaram R$ 971,5 bilhões. O valor das parcelas suspensas somou R$ 146,7 bilhões. Em 2021, essa fatura poderá ter de ser paga.

Mas, agora, os bancos não têm à disposição um mecanismo que facilitou as negociações em 2020, quando o governo desobrigou a realização de provisões para perdas ao renegociar débitos. Em outras palavras, os bancos não tiveram de guardar recursos para o caso de inadimplência.

Em meio às dificuldades para pagar dívidas, famílias e empresas enfrentam a escalada da inflação. O IGP-M, o “índice do aluguel” da Fundação Getulio Vargas (FGV), acumula alta de 31% nos 12 meses até março. O IPCA – índice oficial de inflação – também está em aceleração. Em março, a alta acumulada em 12 meses atingiu 6,1%. Preocupado com o avanço dos preços, o BC elevou a taxa Selic de 2% para 2,75% ao ano. Só que o juro mais alto aumenta o custo de quem luta para quitar dívidas.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=Q8P09Q

Renda

Enquanto os produtos sobem de preço, a renda segue achatada. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que a massa de rendimento do trabalho somou R$ 211,4 bilhões no trimestre encerrado em janeiro de 2021. O valor é quase 7% inferior ao do mesmo período do ano anterior.

Para o economista Mauro Schneider, da MCM Consultores, a situação econômica em 2021 não é necessariamente pior do que a de 2020. O problema é que o governo tem espaço menor no Orçamento para medidas de auxílio. “Com as famílias ocorre a mesma coisa. Quem estava em boa condição tinha reservas no ano passado”, diz. “Mas parte desses recursos também foi consumida.”

Apesar de a dívida bruta brasileira estar próxima de 90% do Produto Interno Bruto (PIB), Schneider diz não descartar auxílios emergenciais mais “gordos”. “Tudo depende da vontade política em questões ligadas a gastos públicos. Olhando os números no detalhe, seria possível gastar mais em auxílios se o governo realocasse verbas hoje em destinos questionáveis.”

DEVEMOS SER PONTES E ENCARARMOS AS NOSSAS RESPONSABILIDADES

 

O convite à desistência parecia ter chegado cedo. Mas seguimos em frente

Luiz Carlos Trabuco Cappi*, O Estado de S.Paulo

Há dois anos, ao completar cinco décadas de carreira para a organização que me acolhe desde os 17 anos de idade, decidi realizar um sonho antigo: atravessar a rota de peregrinação de 12 séculos, e 779 quilômetros, que separa Saint-Jean-Pied-de-Port, no lado francês dos Pirineus, de Santiago de Compostela, na Galiza – noroeste da Espanha. Foram pouco mais de quatro semanas de caminhada ao passo de 25 quilômetros por dia, experiência que me inspirou algumas reflexões sobre a atual travessia vivida no País. 

Antigamente, trilhar um dos vários caminhos que levavam a Santiago era uma maneira de pagar promessas, expurgar pecados e obter perdão divino. Hoje, não. Ninguém sabe ao certo porque trilha por aquele caminho, mas grande parte dos “caminantes” está lá para pontuar um ciclo em suas vidas. Ideia que me faz lembrar uma passagem de Nietzsche em Assim Falou Zaratustra: “A grandeza do homem consiste em que ele é uma ponte, e não fim”, já que o tempo é passagem, além do próprio horizonte da vida. 

Santiago de Compostela
Turista caminha nas ruas de Santiago de Compostela, na Espanha Foto: Patricia de Melo Moreira/ The New York Times

O início de qualquer travessia costuma ser o momento mais inquietante. No primeiro dia de andança, eu e Lucília, minha esposa, saímos de uma altitude de 175 metros acima do nível do mar para subirmos, a pé, até os 1.430 metros de altura do Collado Leopoeder. Em seguida, descemos a Roncesvalles, a 930 metros de altitude – 12 horas de caminhada para vencer 26 quilômetros de serra. Isso em meio à neblina pesada, temperatura baixa, tempestade de granizo e lama até as canelas em alguns trechos. O convite à desistência, comum às jornadas grandiosas, parecia ter chegado cedo. Mas seguimos em frente. 

O caminho se faz etapa por etapa, é um esforço contínuo para extrair força física da mente. A travessia mimetiza a vida: começamos receosos do desconhecido. Para “chegar lá”, é preciso acordar cedo e caminhar com urgência até o próximo ponto do mapa, caso contrário, você conviverá com a incerteza de não conseguir boa comida e um teto razoável para dormir. O espaço é o mesmo para todos, você o perde ou conquista. Já o tempo é irrecuperável. Ele se esvai a cada segundo, insensível às intempéries que atrapalham a jornada. 

A experiência é absolutamente individual, ainda que caminhemos o tempo todo na companhia de outras pessoas com propósito semelhante ao nosso; no entanto são entendimentos e motivações distintos. A dor e o fortalecimento do espírito são inevitáveis. Os companheiros de estrada nem sempre comungam dos nossos valores. 

A imensa maioria traz histórias maravilhosas e tem empatia genuína pela condição humana. Mas há os que estão no caminho por vaidade, assim como os mal-humorados, os estúpidos e os que tiram proveito de quem quer viver sua jornada em paz. 

Não obstante, logo aprendemos a aceitar o que o caminho nos dá: todos ali são resultado de suas circunstâncias. O caminho de Santiago nos ensina a ter calma e paciência, não antecipar problemas e aflições. Cada trecho inspirava pequenas alegrias e até mesmo momentos sublimes. Toda ponte nos contava uma história; a de dois lados que se uniram, em determinado tempo e espaço, para assegurar travessias seguras às futuras gerações. 

Ao trazer este aprendizado à nossa realidade, creio que nós todos devemos “ser pontes”, e encarar nossa responsabilidade com as futuras gerações. Zelando pela educação infanto-juvenil, estimulando práticas ESG nas organizações ou cobrando governança e reformas dos governos, como a tributária e a administrativa, embora as vias que demandam mais estrutura neste momento são as da vacinação em massa e da preservação das vidas enfermas.

O físico norte-americano Archibald Wheeler cunhou a expressão: “Tempo é o que impede tudo de acontecer de uma vez.” Hoje, superar os desafios do presente pode parecer uma realidade distante. Mas não para quem segue acreditando no Brasil. Potencial, recursos e talentos nós temos. Que nossas lideranças se inspirem nos versos do poeta andaluz Antonio Machado, adotado na jornada até Compostela: “Não há caminho, se faz caminho ao andar”! 

* PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS

DESEMPREGO MUITO ALTO NA PANDEMIA

 

Desemprego deve se agravar e não haverá recuperação da economia sem uma ação firme do governo

Luís Eduardo Assis*, O Estado de S.Paulo

Parecia que 2021 não seria tão difícil. Há um ano, muitos imaginavam que a esta altura a pandemia estaria controlada. Mas a realidade é mais cruel do que nossos sonhos. Não é preciso citar os números da covid para ilustrar o desastre magnificado pela inépcia negacionista do governo federal. Na economia não estamos melhor. Como se temia, o isolamento social não foi forte o suficiente para controlar a pandemia, mas foi brutal para a atividade econômica. De forma análoga, a reação do governo foi suficiente para explodir a dívida pública, mas não conseguiu evitar uma recessão de dimensão histórica. 

Carteira de trabalho
Economistas dizem que melhora no mercado de trabalho está muito ligada ao processo de vacinação contra covid. Foto: Amanda Perobelli/Reuters – 6/10/2020

O nível de emprego é nosso ponto nevrálgico, o nervo exposto do dente cariado da economia. A mensuração desta variável está prejudicada. A pesquisa Caged alterou sua metodologia, o que não impede o governo de comemorar dados que não são comparáveis. Por sua vez, a Pnad, conduzida pelo sofrido IBGE, passou a ser feita por telefone, o que também gera distorções. Ainda assim, o que o IBGE nos conta é trágico. O total de pessoas desocupadas subiu de 11,9 milhões em janeiro de 2020 para 14,3 milhões em janeiro último. O número de pessoas fora da força de trabalho saltou de 65,7 milhões para 76,4 milhões no mesmo período. Também entre janeiro de 2021 e janeiro do ano passado a massa de rendimentos efetivamente recebidos passou, em termos reais, de R$ 255,6 bilhões para R$ 226,5 bilhões, queda de 11,4%. Este tombo foi parecido com a redução no número de pessoas ocupadas no setor privado com carteira assinada, da ordem de 11,6%. O recuo no número de empregadores foi ainda maior, 12,4%. O contingente de trabalhadores domésticos despencou 21,4%, ao passo que no setor de alojamento e alimentação o declínio alcançou 28,1%, sempre na comparação entre janeiro de 2021 e janeiro de 2020. É importante notar que, no mesmo período, o índice de nível de atividade do Banco Central, que guarda grande correlação com o PIB, caiu apenas 0,5%. Isto quer dizer que tanto a atividade como o emprego mergulharam e atingiram pontos mínimos em meados do ano passado, mas na recuperação do segundo semestre o emprego ficou para trás, já que a retomada foi concentrada em setores que geram relativamente menos postos de trabalho. A segunda onda da pandemia tende a agravar este descompasso. Empresas que renegociaram dívidas e postergaram impostos terão agora que enfrentar suas dívidas em plena recessão. Muitas não sobreviverão. Pesquisa da XP-Ipespe de março mostra que 45% dos pesquisados acreditam que é pequena ou muito pequena a chance de manterem o emprego nos próximos seis meses. A mesma enquete registra que 65% acham que a economia está no caminho errado. 

O Ministério da Economia não demonstra maior preocupação com o colapso do nível de emprego. Enquanto os EUA rompem com paradigmas fiscais e anunciam um megaprograma de incentivo ao crescimento, ficamos aqui enroscados em dogmas e crenças. O pequeno auxílio emergencial de 2021 foi extraído a fórceps, o programa de sustentação dos empregos formais não foi renovado e a barafunda na aprovação do Orçamento de 2021, em pleno mês de abril, mostra que a política econômica se perdeu. O desemprego ainda vai se agravar no segundo trimestre. A recuperação, mais adiante, será lenta, na ausência de uma ação mais firme do governo. Neste contexto, a popularidade restante do presidente pode derreter ao sol tropical, o mesmo que castiga o exército de famélicos que vemos nas ruas. Contar com Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2022 é, no mínimo, precipitado, o que não deixa de ser um alento. O descalabro é clamoroso. O caos é notório. O ajuste de contas, inevitável. 

* ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DE ECONOMIA DA PUC-SP E FGV-SP. E-MAIL : LUISEDUARDOASSIS@GMAIL.COM

domingo, 11 de abril de 2021

POLÍTICA INDEFINIDA PAA 2022

 

Espesso nevoeiro

Efeitos da pandemia estarão conosco no que resta deste trágico 2021 e ainda em 2022

Pedro S. Malan, O Estado de S.Paulo

A tarefa de construir uma coalizão em torno da ideia de um “centro ampliado” tornou-se ainda mais complexa. Trata-se agora de se diferenciar, aos olhos do eleitorado, em duas frentes: a de Bolsonaro e a de Lula, ou de quem vier a ser seu candidato. Em ambas haverá que formar uma visão minimamente clara sobre onde estamos, e como chegamos até aqui, como base indispensável para projetar uma visão do futuro – que é o que importa.

Quanto a Bolsonaro, suas perspectivas dependem da avaliação de seu governo, que por sua vez depende do avanço da covid-19 e da evolução da economia, inexoravelmente imbricados, pelo menos nos próximos 12 meses. Em instigante artigo recente, O paradoxo do bolsonarismo e a tragédia brasileira (Folha 28/03), João Cesar de Castro Rocha identifica um paradoxo: “O êxito do bolsonarismo na guerra cultural implicaria o fracasso do governo Bolsonaro na administração da coisa pública”.

Cobra preço alto o esforço cotidiano do presidente e de seu núcleo duro para manter suas redes digitais permanentemente mobilizadas, em constante estado de excitação, em torno de fatos alternativos e realidades paralelas. Preço particularmente alto em razão da postura do presidente diante da tragédia da pandemia. Ele deriva da percepção, cada vez mais clara, da inépcia em implementar políticas públicas consistentes nas áreas não só de saúde, como de educação, cultura, meio ambiente e relações internacionais, para citar as deficiências mais patentes de um governo disfuncional. Bolsonaro pode chegar a um segundo turno, mas, talvez, ser derrotado então. Tudo vai depender dos próximos 18 meses, ou menos que isso.

Lula, ao que tudo indica, deve disputar a eleição presidencial em 2022. Seria a nona vez, diretamente ou por interpostas pessoas. Das cinco primeiras, perdeu três (1989, 1994 e 1998), duas das quais no primeiro turno; e ganhou duas (2002 e 2006), em ambas tendo de enfrentar um segundo turno. Na sexta (2010) escolheu aquela a quem chamou de “melhor gerente” que o Brasil teria conhecido – gerente que o próprio Lula bem conhecia, já que era chefe de sua Casa Civil havia cinco anos. Na sétima (2014), a contragosto talvez, manteve-se ao lado de Dilma. Na oitava, com Haddad. Foram atropelados, ambos – e o próprio Brasil –, não por um candidato de “centro” (eram vários), mas pelo fenômeno Bolsonaro.

Chega agora sua nona chance. Muitos o consideram imbatível. É estranho que, a 18 meses das eleições, tantos julguem que o jogo já está decidido: será Lula contra Bolsonaro. Cuidado com o que desejas, diz o velho ditado. Há jogo pela frente.

Indicação importante disso foi a carta de 22 de março assinada por seis pré-candidatos ou potenciais candidatos. Enquanto os mais céticos não viram na carta maiores consequências, muitos lhe atribuem importância mais do que simbólica: sinal de que os seis conversaram e de que estão abertos a conversar ao longo dos próximos meses. Porque a alternativa é a dispersão e fragmentação, e o consequente risco de termos em 2022 uma polarização como em 2018. Cabe àqueles que julguem que essa não seria a melhor solução para o Brasil – e não queiram limitar-se a especular sobre isso em suas bolhas – envolver-se da forma que lhes pareça mais apropriada. E assim, talvez, ajudar na construção de coalizão eleitoralmente competitiva. Não é fácil. Mas é preciso acreditar que não é impossível.

Exemplos não faltam. Na semana passada, nada menos que dez ex-ministros da Justiça assinaram carta aberta Contra as Armas e pela Democracia. Posicionaram-se contra a política de armamento da população como potencial instrumento de ação política e sugeriram ação junto ao Congresso e ao Judiciário.

Também na semana passada, o fundador e presidente do PSD, Gilberto Kassab, afirmou em entrevista que “quem errou na pandemia terá dificuldades nas eleições”. Que dizer de erros na Educação, que desde o início deste governo teve 4 ministros (se incluída a escolha de Decotelli), 4 ou 5 secretários-gerais, 5 secretários de educação básica, 4 chefes do Inep, 3 secretários de educação superior? Com tanta gente competente na área de educação, o Brasil tem, na cúpula desse ministério tão relevante, há mais de 2 anos e 3 meses, um deserto de ideias. E pensar que se trata de área tão determinante para definir o que seremos ou não seremos no futuro.

Na educação, assim como em outras áreas-chave, nosso truncado desenvolvimento econômico e social é função de investimentos que não fizemos no passado e, não menos importante, de investimentos mal feitos – que fizemos e tanto nos custaram, custam e ainda custarão. Na área de infraestrutura física, infraestrutura humana (educação, saúde) como no combate gradual, mas consistente, à desigualdade de oportunidades, que está na raiz da permanência de miséria e pobreza no País.

Como está também na percepção, justificada, de iniquidade e de injustiça que existe em nossa sociedade, agravada em muito pelas graves consequências da pandemia sobre a economia, o emprego, a renda e a saúde pública. Consequências que estarão conosco no que resta deste trágico 2021 e, certamente, ainda em 2022.

ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC E-MAIL: ALAN@ESTADAO.COM

MICHAEL STOTT EDITOR DO FINANCIAL TIMES ANALISA A SITUAÇÃO ECONÔMICA E POLÍTICA BRASILEIRA DO GOVERNO LULA

  Área econômica é o ponto mais fraco do governo...