terça-feira, 23 de março de 2021

FORÇAS ARMADAS NÃO SOFREM CORTES NOS SEUS ORÇAMENTOS

 

Em vez de sofrer cortes, como outros ministérios, recursos para as Forças Armadas subiram e chegaram a R$ 8,32 bi; para a área de saúde, houve um aumento de apenas R$ 1,2 bi em relação ao projeto que foi enviado no ano passado

​Adriana Fernandes e Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – O Orçamento de 2021, previsto para ser votado esta semana com quatro meses de atraso, destina R$ 8,3 bilhões para investimentos do Ministério da Defesa, um quinto (22%) do total para todo o governo federal, segundo relatório do senador Márcio Bittar (MDB-AC) apresentado ontem. Os militares também são a única categoria que deve ser contemplada este ano com reajuste, o que deve consumir outros R$ 7,1 bilhões dos cofres públicos, enquanto todo o restante do funcionalismo está com o salário congelado até dezembro. 

No momento de colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) pelo agravamento da pandemia da covid-19, o parecer aumentou em apenas R$ 1,2 bilhão a destinação de recursos para a saúde em relação ao projeto que foi enviado pelo governo no ano passado.

Em vez de sofrer cortes, como outros ministérios, o orçamento de investimentos das Forças Armadas até mesmo subiu de R$ 8,17 bilhões para R$ 8,32 bilhões de um total de R$ 37,6 bilhões previstos no parecer. A lista dos projetos dos militares é extensa e inclui recursos para a construção de submarinos nucleares e convencionais, aquisição de aeronaves de caça, desenvolvimento de cargueiro tático e compra de veículos blindados. 

Exército
Além de mais investimentos, militares devem contar com reajuste de soldo no ano. Foto: Gabriela Biló/Estadão

O incremento tímido de recursos para a saúde, na maior crise sanitária da história, põe em xeque o discurso de parlamentares de reforço da área, mas antecipa um movimento de senadores e deputados aliados: a expectativa de que serão editados mais créditos extraordinários para financiar despesas extras para a saúde, que ficam fora do teto de gastos, a regra que trava o crescimento das despesas à inflação.

Mesmo com o Orçamento aprovado, o governo federal pode bloquear gastos não obrigatórios, incluindo os investimentos, como estratégia para cumprir a meta fiscal deste ano, que permite rombo de até R$ 247 bilhões.

Segundo cálculos do assessor no Senado e especialista em gastos de saúde, Bruno Moretti, o orçamento para ações e serviços públicos de saúde, o que é contabilizado para apuração do mínimo e não leva em conta os gastos com aposentadorias e pensões, ficou em R$ 125 bilhões, abaixo do valor inicial do Orçamento de 2020, que foi de R$ 125,2 bilhões, sem os recursos extraordinários da pandemia. “Em meio à pandemia, há queda nominal e real de recursos para o SUS. Se observarmos o Orçamento aplicado em 2020. Incluindo os créditos extraordinários, a queda em 2021, considerando a Lei Orçamentária, é de R$ 36 bilhões”, calcula Moretti. Nesse contexto, afirma ele, serão reduzidas as transferências aos Estados e municípios e as compras centralizadas para aquisição de medicamentos de UTI, manutenção e expansão de leitos, entre outras despesas. 

A presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), Flavia Arruda, criou uma ação especial do Orçamento para reforçar as emendas e conseguiu cerca de R$ 900 milhões a mais para a área. O problema é que o governo enviou o projeto de Orçamento com a previsão de gastos com o valor do piso constitucional de R$ 123,8 bilhões e colocando na conta as emendas dos parlamentares, o que dificulta o espaço para aumento dos recursos para a saúde.

Ano eleitoral

O Congresso decidiu turbinar as áreas de interesse eleitoral. O volume de recursos com a digital dos parlamentares neste ano vai chegar a R$ 22,2 bilhões. O valor das emendas representa um aumento de quase R$ 6 bilhões em relação ao proposto inicialmente pelo Executivo. Só de emendas indicadas diretamente pelo relator-geral do Orçamento, o valor é de R$ 3 bilhões. 

A maior parte das indicações nas mãos do relator (R$ 1,129 bilhão) ficou vinculada a projetos do ministro do Desenvolvimento RegionalRogério Marinho, apontados como estratégicos para Bolsonaro recuperar índices de popularidade, além da área social. Na prática, a destinação desse dinheiro poderá ser negociada com parlamentares em troca de apoio ao Executivo. A pasta saiu de um orçamento de R$ 6,5 bilhões para R$ 10,7 bilhões em 2021.

Além de obras, o Senado quer mais recursos para o Pronampe, que financiou micro e pequenas empresas no ano passado em função do novo coronavírus. Recentemente, os senadores aprovaram um projeto para tornar a nova linha de financiamento do programa permanente. Dos R$ 4,8 bilhões solicitados no Orçamento para irrigar o Pronampe, porém, o relator aprovou apenas R$ 1 bilhão. 

Para o consultor da Câmara, Ricardo Volpe, o relator Bittar foi “comedido” no parecer diante da pressão política, mas houve uma revisão de estimativas de receitas para cima, em R$ 14 bilhões, não acompanhada pela revisão nas projeções de gastos. “Diante dessa pressão gerada pelas reestimativas e pela falta de espaço no teto, ele cortou R$ 1,75 bilhão do Censo, que nesse momento de pandemia provavelmente não deve sair de novo”, disse. 

Volpe chama a atenção para o fato de o relatório não ter reestimado o gasto da Previdência. Pelos cálculos, só na Previdência a estimativa de pagamento deveria ser elevada em R$ 8,3 bilhões por causa do impacto do aumento do salário mínimo. Esse quadro já antecipa um bloqueio à vista do Orçamento, que deverá ocorrer em abril.

GOVERNO VAI INICIAR CONSTRUÇÃO DE FERROVIA EM MATO GROSSO

 

Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) deve ajudar a reduzir pressão sobre duas principais vias de escoamento de grãos, as Rodovias BR-163 e BR-158; execução está a cargo da Vale, que prevê investir R$ 2,73 bi na ferrovia em 4 anos

André Borges, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Uma nova ferrovia vai começar a desenhar seu traçado sobre a malha logística nacional, para mexer um bocado com o tabuleiro do escoamento de grãos do País. Projetada há mais de dez anos, a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) terá seus primeiros dormentes lançados sobre o solo daqui a dois meses. 

As obras terão início na cidade de Mara Rosa, em Goiás, onde os trilhos vão se conectar à malha da Ferrovia Norte-Sul, que já está em operação. Partindo desse ponto, a Fico avançará rumo a Mato Grosso, em um trajeto de 383 quilômetros, até chegar ao município de Água Boa (MT), na região do Vale do Araguaia, que hoje registra as maiores taxas de expansão agrícola no Estado.

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Ferrovias representam 15% do transporte de cargas Foto: Minfra/ Divulgação – 21/01/2019

A execução das obras está por conta da mineradora Vale. A companhia assinou um contrato com o governo no fim do ano passado, com previsão de investir R$ 2,73 bilhões na Fico, no prazo de quatro anos estimado para sua conclusão.

Renovação antecipada

O acordo firmado entre a empresa e o Ministério da Infraestrutura se deve à decisão do governo de permitir que as atuais concessionárias de ferrovias do País façam a renovação antecipada de seus contratos. A proposta, que era estudada desde 2017, autoriza que concessões de 30 anos realizadas na década de 1990 – e que só venceriam entre 2026 e 2028 – sejam renovadas agora, por mais 30 anos. Como contrapartida, essas empresas se comprometem a expandir as malhas onde já atuam, além de fazerem o chamado “investimento cruzado”.

A Vale concordou em fazer a obra, após conseguir autorização para renovar antecipadamente duas concessões já operadas por suas empresas de logística, a Estrada de Ferro Vitória-Minas, na Região Sudeste do País, e a Estrada de Ferro Carajás, no Maranhão. Quando a empresa terminar a obra, entregará o empreendimento para o governo, que vai fazer leilão para conceder a operação da ferrovia a qualquer companhia interessada em atuar no traçado.

Com os recursos da União completamente esgotados, esses acordos se transformaram em um atalho para levar os projetos adiante, com expansão e renovação da malha logística. Além de ter um novo ativo sob seu controle, a União ainda pode arrecadar alguns bilhões com o leilão de sua concessão.

“Como a Fico já tem licença de instalação para todo seu traçado, está tudo pronto para começar as obras. A gente acredita que, em maio, já serão dadas as primeiras ordens de serviço”, disse ao Estadão o ministro da InfraestruturaTarcísio Gomes de Freitas.

Por meio de nota, a Vale confirmou que já deu início às atividades relacionadas à pré-implantação da obra, com ações de sondagem de campo, desenvolvimento do projeto executivo e contratação de empresa de engenharia. “Em paralelo, a companhia aguarda a emissão da posse de terra referente aos 30 quilômetros iniciais da ferrovia, sob responsabilidade do governo federal, para iniciar a etapa seguinte do empreendimento, voltada à construção da infraestrutura da via férrea”, declarou.

Alternativa

O novo ramal ferroviário deve ajudar a reduzir um pouco a pressão sobre as duas principais vias de escoamento de grãos de Mato Grosso, as Rodovias BR-163 e BR-158. Neste ano, a exemplo do que sempre ocorreu com a BR-163, a BR-158 ganhou o noticiário nacional, com seus trechos de lama e filas intermináveis de caminhões atolados.

Hoje, as ferrovias respondem por cerca de 15% do transporte de cargas do País. A atual meta do Plano Nacional de Logística – que tem grande chance de ser comprometida por causa da incapacidade de investimentos do governo – é de que essa participação chegue a 30% até 2025. O Brasil direciona entre 0,6% e 0,8% de tudo aquilo que produz anualmente para o setor de transportes. Para melhorar minimamente as condições da logística atual, teria de ampliar essa fatia para 2,5% do PIB.

VACINAÇÃO EM ISRAEL TRAZ SENSAÇÃO DE VIDA NORMAL

 

País, que vacinou cerca de 5,2 milhões de um total de 9 milhões de habitantes, tem restaurantes abertos e reuniões permitidas

Paulo Beraldo, O Estado de S.Paulo

A médica brasileira Adriana Giglio já sabe qual a primeira coisa que fará quando o aeroporto de Tel-Aviv reabrir: comprar uma passagem para o Brasil, para visitar a família que não vê há um ano e meio. “Quero ver meu pai, meu cachorro, meus amigos. A gente que mora fora sempre sabe quando vai voltar, quando alguém vem visitar. É normal marcar uma passagem para alguns meses, mas a pandemia impediu isso”, conta. “Prometi que, assim que tomasse a vacina, eu iria. Agora, estou esperando o aeroporto abrir.”

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Pessoas assistem ao pôr do sol em Tel Aviv, Israel Foto: Ahmad Gharabli/AFP

Desde dezembro, Israel já vacinou cerca 5,2 milhões de um total de 9 milhões de habitantes. À medida que a vacinação acelerou, o país deu o maior passo de sua reabertura, no início de março, e agora se prepara para a quarta disputa eleitoral em menos de dois anos. 

Comer dentro e fora de restaurantes – para quem tem o “passaporte verde” da imunização – agora é de novo uma realidade, assim como visitas a hotéis e centros de eventos. Reuniões de mais de 20 pessoas em locais fechados e de até 50 em áreas abertas voltaram a ser permitidas. E comícios políticos para as eleições atraíram centenas de eleitores. 

Ir para o escritório da startup onde trabalha em Tel-Aviv foi a maior mudança na rotina da brasileira Elisa Bloch. Ela trabalhou de casa por um ano e foi no escritório menos de dez vezes no período. Ela também planeja encontrar mais amigos e tem o mesmo desejo de Adriana. “Só penso em visitar a família no Brasil, mas tenho medo de ir e ficar presa. Alguns países podem fechar as fronteiras com o Brasil”, diz a arquiteta, de 27 anos. 

Agora, Elisa retoma aos poucos a normalidade. Foi pela primeira vez a um restaurante – ainda comendo na calçada, de forma improvisada. “É uma sensação de normalidade”, comenta ela, que planeja se inscrever em aulas de pilates e em um curso de hebraico presencial.

Professor de relações internacionais da USP especializado em Israel, Samuel Feldberg afirma que a rapidez da vacinação é fruto da logística, do sistema de saúde digitalizado e dos esforços do governo. “É uma preocupação que começou lá atrás com as providências necessárias para obter as vacinas”, disse. 

A dimensão de Israel – menor que o menor Estado brasileiro de Sergipe –, testes em massa e gratuitos e uma população de 9 milhões de habitantes também são fatores-chave. No entanto, todas as pessoas ouvidas pela reportagem destacaram o papel do premiê, Binyamin Netanyahu. Apesar das manobras para continuar no poder e das acusações de corrupção, ele mobilizou a população.

Para Adriana, Netanyahu teve o papel de “desmistificar” a vacina ao ser primeiro a ser imunizado. “É claro que tem um componente político, mas ele levanta a bandeira, se voluntariou e é a favor da vacina”, afirmou. / COLABOROU EVANDRO ALMEIDA JR., ESPECIAL PARA O ESTADÃO

PRESSÃO DA SOCIEDADE PARA O GOVERNO COMPRAR VACINAS

 

‘Carta ao governo reflete indignação da sociedade’, alertam economistas

Para especialistas, repercussão de texto cobrando medidas contra a covid aconteceu pelo ‘cansaço’ da população com a falta de ação do governo

Cristiane Barbieri, O Estado de S.Paulo

Sensação de desespero. De urgência. Vontade de ser propositivo. Os economistas que assinaram a carta cobrando medidas efetivas no combate à pandemia, ao lado de empresários e banqueiros, têm palavras diferentes para explicar o que os levou a escrevê-la e a divulgá-la no fim de semana. Ex-presidente do Banco Central e um dos idealizadores do Plano RealPersio Arida recorre às crônicas de futebol de Nelson Rodrigues para falar do momento atual do País no enfrentamento da covid-19: “‘Não se improvisa uma derrota’… ainda mais uma derrota desse tamanho”, diz ele, completando a frase.

No caso, afirma, o fracasso anunciado seria resultado da “postura negacionista e da falta de seriedade com que o governo federal tem enfrentado o problema”, há exatamente um ano. “É uma mistura de ideologia, com não entendimento e despreparo”, diz Arida. “O governo federal foi omisso, conivente e partícipe da situação de calamidade que vivemos hoje.”

Persio Arida, Ana Carla Abrão e Claudio Frischtak
Da esquerda para a direita: Persio Arida, Ana Carla Abrão e Claudio Frischtak. Foto: Rafael Arbex e Daniel Teixeira (Estadão) e Newton Menezes (Futura Press)

A repercussão alcançada pela carta, com mais de 500 assinaturas e que continua recebendo adesões, surpreendeu os próprios signatários. Afinal, eram assuntos que todos tinham tratado em artigos e palestras, ao longo do último ano. 

“A sociedade tem um nervo exposto que combina a aceleração rápida da pandemia e a inoperância do governo federal com o fato de que todas as medidas de baixo custo que poderiam ter sido tomadas ou não foram ou mereceram agressão e escárnio”, diz Claudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B e um dos cinco autores da carta. “Existe um sentimento de cansaço da sociedade, de que é insustentável ir pelo caminho da morte.” 

A carta também ganhou repercussão pelo critério técnico: como acadêmicos ou ajudando a pensar o destino de empresas e bancos nas últimas décadas, os economistas são categóricos ao afirmar que não há dúvida entre escolher preservar a vida ou os empregos.

“A recuperação é mais rápida nos lugares em que o enfrentamento à doença é mais eficaz”, diz Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman. “O exemplo mais claro é o dos Estados Unidos: depois que o (presidente norte-americano Joe) Biden tornou a vacinação prioridade, o país está pronto para a recuperação.” O custo tanto na dimensão humanitária quanto econômica, afirma, fica “tremendamente evidente” quando se colocam as duas realidades lado a lado.

Segundo os especialistas, uma de suas principais preocupações foi fazer um texto objetivo, baseado em fatos, ao mesmo tempo em que fosse contundente. “Desenho de política pública tem de ser baseado em evidência”, diz Frischtak. Também há ali uma mensagem recorrente: as medidas mais eficientes, baratas e positivas, como vacinas, máscaras, afastamento social e coordenação nacional, deixaram de ser tomadas, em troca de gastos de bilhões de reais para tentar consertar o estrago.

“Por que o governo não se organizou para comprar vacinas como fizeram o Chile, a Turquia e a África do Sul?”, afirma Arida. “Porque não entendeu do que se tratava, porque foi ideológico, negacionista.”

Em algumas projeções de mercado, o número de mortos no País poderia chegar a 0,5% de sua população, com a destruição de riquezas – e de vidas – sem precedente. Independentemente do número final, os economistas são unânimes em afirmar que o Brasil sairá da pandemia mais pobre, mais desigual e mais injusto. Indicadores econômicos já mostram que o País caminha para um semestre de recessão, mas o problema vai bem mais longe. Um dos agravantes é a falta de coordenação também do Ministério da Educação, que tem deixado crianças mais vulneráveis sem alternativa para o aprendizado. 

“O Brasil já é pária em relação ao meio ambiente, aos direitos humanos e pode correr risco de se tornar o País em que ninguém quer estar, por conta das novas variantes”, diz Arida. 

No mercado, a presença de controladores de empresas e bancos no grupo de signatários foi lida como a avaliação de que, por mais generosos que sejam, ao doar bilhões de reais sem qualquer contrapartida ao combate da doença não conseguirão eliminar o problema – que precisaria ser enfrentado pelo Estado. 

Com a carta entregue ontem aos comandantes do Legislativo e do Judiciário – e ao Executivo, por meio do ministro da EconomiaPaulo Guedes –, a expectativa é de alguma mudança de rumos. “A racionalidade recomendaria o reconhecimento de culpa do governo e um meia volta”, diz Arida. “Mas esse governo não é racional. Não tenho nenhuma expectativa positiva sobre esse governo. Aliás, nunca tive.”

NOVA LEI DE LICITAÇÃO APROVADA À ESPERA DE SANSÃO DO BOLSONARO

 

Criação do Portal Nacional de Contratações Públicas é um dos itens considerados mais relevantes

Por LUCAS HENRIQUE GOMES23/03/21 – 06h00

Obras

Confederação Nacional dos Municípios quer a Lei de Licitações sancionada na íntegra

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) enviou na última semana ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) um ofício em que pede a sanção, na íntegra, do Projeto de Lei 4.253/2020, conhecido também como a nova Lei de Licitações. Com quase cem páginas, a proposta, que foi aprovada no Senado e enviada para sanção no último dia 12, tem até o dia 1º de abril para ser regulamentada pelo chefe do Poder Executivo. 

O presidente da confederação, Glademir Aroldi, disse a Bolsonaro que, “para a administração pública municipal, as mudanças sugeridas pelo texto são de alta relevância” e citou algumas das mudanças propostas. A que é vista como a mais importante pela CNM é a criação do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), que ficará a cargo da União e deve concentrar os processos licitatórios por todo o Brasil. PUBLICIDADE

Mártin Haeberlin, coordenador da área jurídica da CNM e que coordenou o grupo de trabalho que sugeriu alterações no texto inicial da proposta, explicou que o portal vai ser positivo por, entre outros motivos, publicizar todos os processos. “É uma modificação relevante. Havia o entendimento de que a lei atual é analógica no mundo que se tornou digital. O PNCP será, no médio prazo, o maior avanço da nova lei. Qualquer pessoa vai poder acessar qualquer licitação, e há fomento de participação de pessoas de todos os lugares, é uma inovação gigantesca”, disse.

“Nesse portal, é possível verificar a mediana de preços praticados do mesmo produto. Vamos supor um material de escritório, vai ser possível pegar preços de produtos que foram adquiridos em licitações em Belo Horizonte, Porto Alegre, e em municípios menores, por exemplo, e, a partir daí, vai ser possível verificar se há sobrepreço em outros processos”, pontuou.

Outro ponto defendido por Haeberlin é a de “dar um rosto” na administração para cuidar dos processos licitatórios. O artigo 8º do projeto trata sobre o “agente de contratação”, que deve estar presente em todos os órgãos públicos e será o responsável por conduzir as licitações. 

Para Haeberlin, quando se tem uma pessoa designada para a função, a coisa pública é tratada com mais zelo. “Se o agente conduzir o processo deixando aberturas para sobrepreço, superfaturamento ou algo semelhante, ele poderá ter responsabilidade individual”, alertou. 

Convite

A simplificação dos processos licitatórios também é contemplada na proposta. Não haverá mais as modalidades de convite e tomada de preços, além de uma disciplina maior na contratação direta, com a consolidação dos valores de dispensa para R$ 100 mil (serviços de engenharia e manutenção de veículos automotores) e R$ 50 mil (demais contratações).

Haeberlin afirmou que a exclusão da modalidade de convite foi um pedido feito pela CNM, já que estudos feitos pela confederação mostram que essa é a prática mais fértil para a corrupção em contratos. “Isso também facilita a vida do gestor que vai ter só duas modalidades agora, que é pregão e a concorrência. Em regra geral, em se tratando de aquisição de bens e serviço, pregão, serviços especiais, concorrência, são essas as regras básicas”, disse. 

Por nota, a assessoria de imprensa da secretaria geral da Presidência informou apenas que o “tema está em análise”. 

Modernização

O presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Julvan Lacerda (MDB), também defendeu a sanção na íntegra do projeto que institui a nova Lei de Licitações no país. Para ele, o texto moderniza a atual legislação e traz ferramentas atuais para os gestores municipais. “As novas propostas são mais eficientes. A atual legislação faz, muitas vezes, com que o Poder Público, com o pretexto de fazer transparência, acabe comprando mais caro. Com a nova lei, moderniza, traz novas ferramentas, vai ter um trabalho no começo, mas, com o tempo, com as associações, tem condição de dar certo”, avaliou.

Questionado se a mudança traria um ônus em um primeiro momento para os pequenos municípios, Lacerda, que era prefeito de Moema até o ano passado, preferiu usar a palavra “dificuldade” em vez de ônus, mas disse que, “se colocasse na balança”, valeria a pena pelo aprimoramento da coisa pública. O presidente da AMM defendeu, também, a realização de cursos para que os gestores municipais se adaptem à nova plataforma caso o texto seja sancionado.

“A gente recebe cobrança de alguns prefeitos para saber em que pé está o projeto, a maioria já está esperando por essa mudança, mas tem os que chegaram agora também, temos mais de 500 prefeitos de mandato novo, mas muitos já sabem da proposta e já têm a expectativa dessa mudança nos municípios”, contou.

Mais do que defender a sanção do projeto na íntegra, Julvan Lacerda acredita que o presidente não vai vetar o texto pelo fato de a discussão ocorrer há anos nas duas Casas Legislativas em Brasília. Já sobre as dificuldades de acesso à internet pelo país, o presidente da AMM disse que esse não deve ser um fator impeditivo, já que atualmente os gestores são acompanhados quase que diariamente pelos órgãos de controle.

Defesa

Coordenador da área jurídica da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Mártin Haeberlin afirmou que, se o presidente Jair Bolsonaro vetar alguma parte dos 193 artigos, vai mexer em um consenso que levou anos para ser construído.

“Essa lei não surgiu da noite para o dia, o projeto inicial vem de 1995. É uma gestação muito difícil porque envolve uma série de interesses. Envolve interesse do Poder Público e de, modo imediato, do cidadão; de modo geral, de empresas que fornecem ao poder público; de bancos e seguradoras que também são colocados em contratos públicos”, declarou. 

“Em 2018, as compras públicas movimentaram US$ 11 trilhões. Então, pode-se imaginar que são muitos interesses envolvidos. Então, ao longo de 26 anos, os interesses foram todos dialogados, compartilhados até se chegar, depois de muitas mediações a um texto”, disse Haeberlin.

“É um texto que atende, não é perfeito, porque a perfeição não existe, mas a gente chegou num texto de consenso de uma série de setores da sociedade. Se a Presidência da República mexer no texto, ela estará mexendo nesses consensos todos que foram realizados ao longo de 26 anos no Parlamento. É por isso que a CNM recomenda que o texto seja aprovado na íntegra para não rachar e não causar nenhum tipo de ruptura em um texto que foi gestado por tanta gente e por tanto tempo”, declarou Haeberlin. 

Questionado se a modernização imposta no texto exclui municípios isolados e empresas que não tem acesso às tecnologias, o coordenador relativizou pontos da proposta. Caso a nova Lei das Licitações entre em vigor, ela vai “conviver” por dois anos com a antiga lei 8.666/1993 como período de adaptação. Para isso, cada licitação deverá ter, em seu edital, a lei que seguirá. Já os municípios terão um prazo de até seis anos para se adaptarem estruturalmente à forma eletrônica de acordo com a lei.

O tempo de adaptação varia de acordo com a população de cada cidade. Já as empresas que não estiverem no mundo digital, segundo Haeberlin, estão fadadas ao ostracismo, com um porém. A nova lei também prevê, assim como a atual, a possibilidade da administração pública restringir a localidade de fornecedores a depender do objeto da compra para aquecer a economia local, o que incentiva micro e pequenos empresários. 

segunda-feira, 22 de março de 2021

INDÚSTRIA QUE VACINAÇÃO PARA REATIVAR OS NEGÓCIOS

 

Previsão é de melhora do mercado este ano, mas pandemia e falta de componentes ainda são fatores de vulnerabilidade

Cleide Silva, O Estado de S. Paulo

Indústria automobilística
Expectativa é que 2021 seja um ano melhor para a indústria automobilística Foto: Clayton de Souza/AE

A expectativa dos fabricantes de veículos e de autopeças é de que este ano seja melhor em vendas do que em 2020, mas, segundo o diretor do Sindipeças, Elias Mufarej, vai depender de variáveis como tempo de restrição de circulação nas cidades para tentar frear a covid-19, assim como do fechamento de concessionárias e de fábricas, que já está ocorrendo.

Na sexta-feira, a Volkswagen anunciou que suspenderá a produção em suas quatro fábricas no País por 12 dias a partir de quarta-feira para ajudar no combate à pandemia. 

“O mercado de veículos depende de renda, emprego e confiança dos consumidores; sem isso, é difícil ter demanda”, afirma ele. Foram esses fatores que levaram à retração do mercado no ano passado. A produção caiu quase 32% e teve o pior resultado dos últimos 16 anos, com 2 milhões de unidades. 

Além da questão sanitária, a prorrogação da atual falta de peças para a produção – causada pela pandemia no ano passado – é outro fator de vulnerabilidade para o setor. General Motors e Honda já interromperam a produção neste ano em razão da escassez principalmente de semicondutores.

Para Mufarej, contudo, se a situação sanitária melhorar, com mais pessoas vacinadas, o ambiente econômico vai reagir e, consequentemente, o mercado automotivo.

Outro dado que ajuda a prever uma demanda maior – que pode ajudar na redução da idade média da frota de carros – é o número de habitantes por veículo no País, hoje de 4,6. Apesar de estar em queda há vários anos, essa relação ainda é a quarta maior entre 20 nações pesquisadas pela Organização Internacional dos Construtores de Automóveis (Oica).

A relação entre a população total do Brasil e a quantidade de carros da frota é a mesma de 2019, mas bem inferior a de uma década atrás, que era de 6,1. Acima do País, estão Indonésia (11,5), China (8,4) e Turquia (5,1). A menor relação continua sendo a dos EUA, com 1,2 habitante por carro em circulação

Caminhões. A frota de caminhões, que sempre foi mais velha que a de automóveis, atingiu em 2020 idade média de 11,7 anos, voltando aos níveis de 15 anos atrás. O segmento teve sequência de 16 anos de rejuvenescimento e chegou aos 9,7 anos em 2013. Após a crise de 2014, a idade média só aumentou.

O presidente da Bright Consulting, Paulo Cardamone, reforça que veículos antigos, sem boa manutenção, aumentam o número de acidentes e de mortes principalmente nas estradas. Com isso, gastos do governo nas áreas de saúde e infraestrutura são maiores.

Há pelo menos 17 anos o setor de transporte discute com o governo federal um programa de renovação da frota, que começaria pelos caminhões. A ideia era subsidiar a troca de veículos antigos por mais novos.

‘Agora vai’

Na semana passada, em eventos online em que participou para debater o futuro da indústria automobilística, Margarete Gandini, responsável por temas relacionados ao setor na Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação do Ministério da Economia, disse que “acho que agora vai”.

Ela informou que no fim do ano deve ser lançado um programa piloto para renovação dos caminhões com mais de 30 anos. Há 15,5 mil veículos nessa faixa. Margarete adiantou que não será um programa baseado em subsídios, mas em “princípios de mercado”, o que foi entendido pelo setor como facilidades em obter crédito.

Para Mufarej, é necessário o início da aplicação de soluções que possibilitem ao menos a troca gradativa de um caminhão velho por outro menos velho “para ir eliminando riscos que uma frota antiga carrega”.

CHIPS ELETRÔNICOS EM FALTA NO MERCADO GLOBAL

 

Escassez global de chips é um desafio para a esperança de Biden de reavivar a indústria

Uma escassez global de um componente crucial para carros e eletrônicos fechou fábricas americanas e desencadeou uma furiosa competição para garantir o fornecimento

Ana Swanson, The New York Times

WASHINGTON – O presidente Joe Biden tomou posse com planos de ajudar a economia a se recuperar da pandemia de coronavírus e incentivar um ressurgimento da indústria doméstica de mercadorias como automóveis e semicondutores. 

Um mês após assumir a presidência, porém, uma escassez global de chips fechou fábricas de veículos nos Estados Unidos, atrasou carregamentos de produtos eletrônicos e colocou em questão a segurança das cadeias americanas de fornecimento.

A escassez dos componentes vitais para automóveis, celulares, refrigeradores e outros aparelhos eletrônicos está apresentando, logo de início, um desafio à promessa do governo de reavivar um setor da manufatura encolhido pela pandemia. E impulsionou um esforço por parte do governo de apelar para embaixadas americanas e governos estrangeiros na tentativa de aliviar essa escassez, mesmo que a Casa Branca reconheça que há, muito provavelmente, poucas soluções para esse gargalo de fornecimento a curto prazo.

Em breve, a Casa Branca planeja emitir uma ordem executiva que caminhará no sentido de abordar esse tipo de vulnerabilidade em cadeias de fornecimento fundamentais a longo prazo, afirmou na semana passada um porta-voz do governo. O decreto vai iniciar uma revisão das cadeias domésticas de produção e fornecimento de artigos essenciais – incluindo terras-raras (mineral fundamental para a manufatura global), insumos médicos e semicondutores – com um foco particular em diminuir a dependência de atores internacionais não confiáveis ou hostis.

Pacote fiscal
Aumento do salário mínimo foi promessa de campanha de Joe Biden Foto: Saul Loeb/AFP

Nesse meio tempo, autoridades do governo começaram a buscar maneiras de aliviar a escassez imediata. Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional, e Brian Deese, diretor do Conselho Nacional de Economia, se envolveram nos esforços de aumentar a disponibilidade de chips; Sameera Fazili, vice-diretora do Conselho Nacional de Economia, e Peter Harrell, diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional, estão liderando a análise das cadeias de fornecimento, afirmou o porta-voz da Casa Branca.

Os Estados Unidos também tentaram melhorar as relações com Taiwan, um dos maiores produtores mundiais de chips, para garantir que os consumidores americanos não fiquem em desvantagem. Em carta, Deese agradeceu a Wang Mei-Hua, a ministra taiwanesa da economia, por sua “atenção pessoal e o apoio na resolução da atual escassez enfrentada pelos fabricantes americanos de automóveis”.

Ao longo do ano passado, o governo Trump tentou fortalecer os laços com o governo taiwanês e com fabricantes como a Taiwan Semiconductor Manufacturing Co. para fazer face à crescente influência da China no mercado de chips.

O governo Biden também está se reunindo com fabricantes de automóveis e fornecedores para identificar gargalos e pedir que eles trabalhem conjuntamente em relação à escassez. Mas a Casa Branca reconheceu que suas opções para aliviar qualquer queda de fornecimento são provavelmente limitadas, dada a feroz concorrência global por semicondutores. Muitos fabricantes de chips já estão trabalhando em capacidade máxima, e levará ainda alguns meses até que seja possível aumentar mais a produção, afirmam analistas.

A escassez foi particularmente problemática para a indústria automotiva, porque a produção de veículos depende de dezenas de chips de computador para componentes eletrônicos que controlam motores, transmissões, sistemas de entretenimento, freios e outros. Tanto a General Motors quanto a Ford estimaram que a escassez diminuirá seu lucro operacional em pelo menos US$ 1 bilhão este ano.

A GM paralisou a produção de uma fábrica nos EUA, uma no Canadá e outra no México até pelo menos meados de março. Em uma quarta fábrica, a empresa decidiu produzir veículos sem os componentes eletrônicos que estão em falta. Quando os componentes voltarem a estar disponíveis, a GM os instalará e enviará os veículos para as concessionárias.

A Ford cancelou turnos de trabalho na semana passada em duas importantes fábricas de picapes. Uma delas, próxima a Kansas City, no Missouri, ficou fechada esta semana por causa do mau tempo e de uma escassez de gás natural no meio-oeste.

Economistas afirmam que, provavelmente, o efeito disso será pequeno, mas perceptível. Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics, disse esperar que a escassez de chips reduza as vendas de veículos novos para 450 mil unidades em 2021. Isso diminuiria a produção geral da economia americana em aproximadamente US$ 15 bilhões, o que mal equivale a 0,1% do PIB, que tem expectativa de crescimento de 5,6% este ano, afirmou ele.

Analistas da indústria afirmam que a escassez de chips ocorre em parte por causa de uma tendência anterior à pandemia, de fortalecimento e esgotamento de inventários nesse setor, exacerbada por rupturas de fornecimento relacionadas ao coronavírus que levaram a escassez de outros produtos, como bicicletas ergométricas, tablets e brinquedos.

Fechamentos de fábricas, primeiramente na China e depois em outros países de todo o mundo, abalaram a produção de chips – e dos carros e eletrônicos que precisam deles. Fabricantes de automóveis e de eletrônicos subestimaram, então, o aumento da demanda, que motivou as empresas a correr atrás das fabricantes de chips para garantir seu fornecimento, de acordo com analistas.

A política comercial do presidente Donald Trump também pode ter influenciado a situação, já que as fabricantes de chips anteciparam que as restrições americanas ao tipo de tecnologia que empresas chinesas como Huawei poderiam comprar diminuiria essa demanda. Os fabricantes de chips responderam com cortes de produção.

As recentes nevascas também fecharam ou diminuíram a produção de fábricas de chips da Samsung e da NXP Semiconductors próximas a Austin, Texas, potencialmente exacerbando essa escassez.

John Neuffer, presidente da Associação da Indústria de Semicondutores, afirmou que a pandemia embaralhou o equilíbrio de curto prazo entre oferta e demanda de chips.

“As empresas de chips estão trabalhando duro para atender à demanda do setor automotivo e de outros segmentos”, afirmou ele, “mas esses produtos são altamente complexos, podem levar meses para serem produzidos e, infelizmente, resolver o problema não é tão fácil quanto apertar um botão”.

Neuffer afirmou que a escassez evidenciou a necessidade de o governo americano “investir agora na produção doméstica de semicondutores e em pesquisa, para que os novos chips que precisarmos sejam produzidos bem aqui, em solo americano”.

Os EUA são lar de empresas como Intel, Nvidia, AMD, Micron e Qualcomm, e o país ainda é responsável por desenvolver muitos dos mais avançados chips do mundo. Mas a fatia americana na capacidade global de fabricação de chips caiu de 37% em 1990 para 12%, de acordo com dados da Associação da Indústria de Semicondutores. A mudança ocorreu conforme empresas americanas foram terceirizando sua produção e governos de países como Coreia do Sul, Cingapura e China, entre outros, subsidiaram agressivamente a produção. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL