O risco que corre o projeto mais esperado dos últimos 30 anos se estende ao restante das miragens negociadas com a Vale
Encarregam-se de espalhar essa sensação sombria, que se espera errônea, as apresentações elaboradas pela Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), defendendo uma proposta de traçado do AV.
Apesar de ter recebido propostas bem diferentes e mais consistentes, nega-se a mostrá-las publicamente.
O projeto não é sustentado por qualquer sondagem opinativa ou levantamento de impacto social sobre a população atingida. Sobram considerações de viabilidade de uma privatização. A lógica não fecha.
Ora, os R$ 4,5 bilhões estabelecidos para a obra do Anel Viário no acordo da Vale não são suficientes para construir os 100 km de percurso? Não é bastante o valor médio de R$ 1.000 por metro quadrado?
Primeiro se constrói, depois se leiloa a concessão para o melhor ofertante. A prioridade pública é responder às necessidades da população e dos usuários, em seguida estabelecer a remuneração de um pedágio, caso este seja necessário.
As considerações plutocráticas saem ao gosto do clube das 13 para uma aplicação de verba de caráter indenizatório e público.
Os grandes golpes de Olimpíadas, Copa do Mundo, trem-bala e outros partem sempre de um engodo. Neste momento, é fazer sonhar uma solução para o caos reinante no Anel Rodoviário e no trecho da Via Expressa entre Betim e a Ceasa, tomados por um tsunami de veículos em direção norte-sul, e vice-versa. Chegou-se a essa situação caótica pelo descaso e pela incompetência, que penalizaram a população de Minas e fizeram do Estado o mais retrógrado dos últimos 20 anos, enquanto os predadores ficavam bilionários. Longe de acusar o Estado de canalhice, repare se há falta de experiência para imaginar o possível desfecho.
A “Ilíada”, escrita há 3.000 anos, explica que os troianos receberam de presente um cavalo de madeira, deixado na praia quando os navios gregos zarparam, simulando o retorno à pátria amada. Felizes e encantados com uma vitória inesperada, os troianos arrastaram o cavalo para dentro das muralhas da cidade. Comemoraram e se embriagaram, fizeram festa até tardas horas. Ulisses e seus comandados saíram da barriga do “presente de grego” e colocaram fim à história de Troia.
A proposta do Anel Viário tem mais a ver com a mitológica astúcia de um “Ulisses”. Desta vez, intencionado não a pôr fim a uma guerra e poupar as vidas de seus soldados, mas a criar brechas num fantástico acordo de R$ 37,68 bilhões entre Estado e Vale, para sangrar todas as vantagens possíveis e imagináveis.
O risco que corre o projeto mais esperado dos últimos 30 anos se estende ao restante das miragens negociadas com a Vale.
O acordo, aparentemente inoxidável, é estruturalmente frágil. Um acordo mais privado que público, mesmo sendo o beneficiário o povo de Minas Gerais. Será fiscalizado por um bom “comitê”, uma auditoria privada, e dará à Vale a elaboração dos projetos, a contratação das obras, sua execução e o pagamento da empresa de fiscalização.
Construído dessa forma, coloca fora do quadro o poder público, restringe sua ingerência e adota um modelo extraordinário, para uma verba que se destina à população. Para isso já existem entes para administrar, projetar, construir e pagar o que for mais conveniente.
O valor da indenização não passa pelo erário, apesar de ser parte a indenizar um prejuízo sofrido pela população do Estado. Conforme a lei máxima no art. 1º: ”Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. As urnas indicam os representantes que preenchem mandatos legislativos e executivos, todos submissos a um conjunto de normas que restringem e determinam as regras de execução.
O acordo já “imutável” antes da aprovação do Legislativo deixa abertura para inúmeras variáveis e riscos de um modelo inovador.
A obrigação de “fazer” da Vale coloca um “comitê” no lugar dos representantes eleitos e constituídos.
O caso da reparação pelo desastre de Mariana é um precedente de indenização ilusória, como ilusórias foram as contrapartidas da VLi no caso de Mariana; já foram gastos, segundo a Renova, R$ 11,4 bilhões, longe da fiscalização da Assembleia e do TCE. Já se consumou uma verba maior que a de dois Anéis Viários.
O incrível dessa situação é que ela não representa vantagem sequer aos acionistas, quanto menos ao Estado, à população, e gera vantagem aos parasitas que a Vale adota. Trata-se de uma espécie de amor à pátria ao contrário, uma lesão constante ao Estado, que espoliou de suas reservas naturais, deixando uma paisagem lunar, matando rios, miserabilizando regiões inteiras e sua população.
As indenizações deveriam ser depositadas em contas públicas vinculadas, sob o controle e as determinações estabelecidas pelas normas constitucionais e fiscalizadas pelos órgãos competentes.
Como está, apesar de se apresentar como um fantástico acordo, corre o risco de não ser útil à população. O Estado poderá perder, mais uma vez, a oportunidade de se erguer no patamar que lhe é reservado pelas suas riquezas, cujo dono não é a Vale, mas o povo de Minas.
Políticos de ‘centro’ acreditam que Lula possa, um dia, abrir mão de interesses pessoais. Não vai dar certo nunca
J. R. Guzzo, O Estado de S.Paulo
Há 40 anos, desde a sua fundação, o PTpensa, fala e vive como um partido único; não sabe, simplesmente, ser de outro jeito. É bem fácil de entender. Se o PT não é uma ditadura, por que o presidente do partido – oficial ou oculto, mas o único verdadeiro – é sempre o mesmo desde 1982? O PT, na verdade, não tem um presidente. Tem uma autoridade máxima – uma mistura de Fidel Castro, ou algo parecido, com o papa, no tempo em que o papa mandava em alguma coisa. O comandante nunca permitiu, e continua a não permitir, que qualquer outro nome possa disputar um mínimo de espaço com ele dentro do partido. Todos os que tentaram, de Luiza Erundina a Marta Suplicy, passando por Deus e todo o mundo, acabaram postos para fora.
Há 40 anos, apesar de nada disso ser nenhum segredo, os políticos brasileiros que imaginam ser do centro-equilibrado-democrático-civilizado-asseado-de meia esquerda-preocupado com o “social” e amigo das crianças acreditam que Lula possa, um dia, abrir mão de seus interesses pessoais e aliar-se para valer com algum deles. Jamais deu certo, é claro, e não vai dar certo nunca. O ex-governador Ciro Gomes, por exemplo, já está ali pela décima tentativa; até outro dia continuava tentando. Os últimos a acreditar foram os pré-candidatos – ou melhor, a essa altura, ex-pré-candidatos – à sucessão do presidente Jair Bolsonaro. Tiveram uma miragem, durante dois anos: acharam que podiam ficar amigos de Lula, do PT e da esquerda. Levaram um belo somebody love, como se diz, e hoje estão a pé.
A decisão do ministroEdson Fachin de anular as quatro ações penais que Lula tinha nas costas, incluindo sua condenação em terceira e última instância por corrupção e lavagem de dinheiro – com sentenças de nove juízes diferentes – anulou, ao mesmo tempo, as candidaturas que tentavam disputar o espaço entre Bolsonaro e o “campo progressista”. Foi um efeito inesperado. Ao declarar que a ficha suja de Lula não vale mais, o STF, tão louvado por todos os que não querem a reeleição do presidente da República, decidiu qual é a candidatura de oposição que vai existir na vida real. O prejuízo, em consequência, é de todas as outras – os que esperavam o apoio de Lula terão de se contentar, agora, em esperar que o ex-presidente lhes dê alguma sobra e a permissão de apoiar a sua campanha. É o avesso do avesso.
A fila é grande: empresários com “agendas sociais”, gente do mundo dos auditórios, generais da reserva e uma porção de etcéteras se aglomeram na lista de espera, rezando por um chamado do alto para “compor a chapa”. No fim, pode não ser nenhum desses; Lula tem lá as suas próprias ideias a respeito do assunto e, de qualquer forma, ainda falta muito tempo até a eleição de 2022. O certo é que o “espaço vazio” que se imaginava existir para a sucessão presidencial não existe mais – nesse espaço há um Lula, outra vez, querendo ser presidente. O STF devia ter ajudado, claro, mas o que se esperava era outra coisa. O conveniente seria ficar expedindo liminares, agravos e embargos contra Bolsonaro e o seu governo, só isso; não era para ressuscitar Lula. Agora está assim.
O resultado é que o horizonte do Brasil, até prova em contrário, é de extremo contra extremo. O centro sumiu. Lula não precisa dizer nada de diferente daquilo que tem dito a vida inteira para garantir seu apoio: quem está com ele não quer ouvir nada que já não tenha ouvido. O mesmo acontece com Bolsonaro: seus admiradores não estão interessados em escutar outra voz. Quem está no meio encontra-se sem escolha, sem nomes e sem um programa alternativo. Não há muita coisa boa que possa vir disso aí.
Terceiro colocado na eleição presidencial de 2018, Ciro afirma que trabalha para construir um projeto de País que pode ter uma empresária como vice – Luiza Trajano, a dona da Magazine Luza, é classificada por ele como uma “pessoa extraordinária” – e o marqueteiro João Santana, que atuou nas campanhas vitoriosas de Lula e Dilma Rousseff, como estrategista eleitoral.
Em entrevista ao Estadão, Ciro voltou a defender a abertura de um processo de impeachment de Jair Bolsonaro. Para ele, diante do contexto atual, não é certo que o presidente “será um dos polos do segundo turno” na eleição do próximo ano.
Ministro, o sr. é pré-candidato à Presidência? É uma condição irreversível?
O meu partido tem uma deliberação de que eu sou candidato e eu estou muito motivado para ser. E isso por uma circunstância: eu acho que a solução para a terra arrasada, sob os pontos de vista sanitário, social e econômico que o Bolsonaro vai deixar exige um novo projeto nacional de desenvolvimento, um novo desenho do diálogo nacional para sustentar as bases desse projeto, muita imaginação institucional para inovar e, neste sentido, acho que o lulopetismo é uma volta ao passado ilusória.
Sua relação com o que chama de lulopetismo continua intransponível?
Eu lutei pelo restabelecimento dos direitos políticos do Lula. Fui mal entendido quando disse que aquela condução coercitiva era arbitrária e que o Sérgio Moro estava semeando nulidades. Portanto, é um ato de civilidade declarar a suspeição do Moro e dizer que o Lula tem direito, como qualquer grande bandido – que não é o caso dele – ao devido processo legal. Agora o Lula volta a ser um político para a gente examinar. Juridicamente, fez-se o melhor direito, mas não é que ele foi proclamado inocente, como ele, de novo, está mentindo. Politicamente, entretanto, não há como disfarçar que o Lula é o grande responsável pelo entranhamento orgânico da corrupção na vida brasileira. É inequívoco que o PT transformou a corrupção, a fisiologia, o loteamento das estruturas centrais do Estado como ferramenta central do modelo de poder que o Lula implantou no País.
No segundo turno de 2018, o senhor fugiu da associação com o PT como o diabo foge da cruz…
Eu não fugi não, eu me senti moralmente obrigado a não sancionar mais essas contradições do PT. Eu acho que temos de ajudar o povo brasileiro a entender que temos dois terríveis desafios pela frente. O primeiro é derrotar o bolsonarismo boçal, corrupto que está levando o Brasil a uma condição de terra arrasada. O Brasil está vivendo a pior crise de sua história sem rival. Então, essa é uma tarefa em que todo mundo tem que estar junto. Eu não vou escolher quem está e quem não está. Quem fez isso foi o Lula, lá atrás, quando eu me avistei com o Fernando Henrique Cardoso e assinamos manifestos pedindo a união do País contra o Bolsonaro e fomos pedir o impeachment. O Lula disse que não era “Maria vai com as outras”. A segunda missão, mais grave, é construir o futuro. E será que construir o futuro é um “back to the past”? Definitivamente não é. O lulopetismo, neste sentido, é parte do problema.
Então a resposta é sim.
Na primeira tarefa estou junto da porta do inferno para trás. Agora, para construir o futuro, o lulopetismo é parte central do problema. Lula é candidato desde 1989. Ele não tem nenhuma responsabilidade por ter posto a Dilma? Bolsonaro acabou de derrubar a economia em 4,1% e está se desculpando porque está em uma pandemia. Alguma razão ele tem. A Dilma derrubou 3,2% sem pandemia! O Palocci era o braço direito desse modelo, devolveu R$ 100 milhões. Tudo bem, o Chico Buarque adora o Lula? Eu respeito os afetos do Chico Buarque, mas o Palocci?
Muitos consideram que para derrotar o Bolsonaro é preciso que a esquerda se una ao centro. Em que espectro político o senhor se encaixa?
Há duas tarefas: A primeira é derrotar o Bolsonaro e, neste sentido, todos os democratas – pouco me importa se são de direita, de esquerda, de centro, se são de Marte, de Vênus, de Mercúrio –, todos temos a responsabilidade de criarmos um ambiente para isso. Segundo, é grande a necessidade estratégica deste momento. Eu não vou deixar o Lula ganhar essa na lambança. É construir o futuro e, infelizmente, neste sentido a largueza que eu sonho não é possível pelas nossas diferenças.
Nesse desafio de se construir um projeto de futuro, como o senhor vê possíveis projetos eleitorais como os de Luciano Huck e Sérgio Moro?
Eu acho que o desafio de construir um projeto de País depende de um requisito de experiência que falta a ambos. Falta visão, falta experiência, falta compreensão, conhecimento do Brasil, traquejo político. E o Brasil não aguenta mais estagiário! Meu Deus do céu! Qual era a experiência anterior da Dilma na política? Até o Bolsonaro consegue 1/3 do Congresso para impedir o impeachment. A Dilma não foi capaz de reunir isso no primeiro ano do mandato. Além da tragédia econômica, foi um desastre político.
Essa falta de experiência da qual o senhor fala vale para um eventual candidato a vice? O nome da empresária Luiza Trajano tem sido colocado.
Não imaginem que eu teria a indelicadeza de convidar a Luiza Trajano em público. O que eu posso dizer é que eu a conheço e que ela é uma figura extraordinária. Não só porque é uma empresária de grande êxito, mas porque tem uma origem humilde, começou de baixo, respeita os trabalhadores, está preocupada com a vacinação do povo genuinamente. E sempre foi assim. Eu admiro muito ela, mas não a convidaria pelo jornal.
Mas há conversa neste sentido ou é um ideal por enquanto?
Neste instante, eu tenho de conversar com todo mundo que, com mais ou menos intensidade, pensa a mesma coisa que eu. E, portanto, essas conversas vão nos aproximar de gente muito diferente de mim e que não se sentem bem entre ter de optar entre a tragédia do tempo presente ou uma volta ao passado idílico que não é mais possível de ser praticado.
Quando o senhor fala que é preciso conversar com todos o senhor se refere também aos militares?
Não existe projeto nacional sem uma estrutura de defesa profissional altamente tecnológica. Mas, em nenhuma circunstância, a alta cúpula das Forças Armadas pode ser transformada em um partido político. Hoje, isso virou um problema grave. Quando você vê um imbecil completo como o (Eduardo) Pazuello posando em cima de 287 mil brasileiros mortos e arrogantemente pregando uma continuidade, sendo general da ativa, isso é um problema grave. Sabe onde existe isso? Em repúblicas de bananas de quinta categoria. Em um governo meu, a legislação será mudada na primeira hora: militar se quiser entrar para a política larga a farda, vai para a reserva, como em qualquer país civilizado.
O senhor concorda que a possível entrada de Lula no jogo eleitoral estreita o espaço para candidaturas?
A preço de hoje, sem dúvida. Mas, com a minha experiência, digo, sem medo de errar, que nada do que parece será. Por exemplo: todo mundo considera, a preço de hoje, que Bolsonaro será um dos polos do segundo turno. Eu discordo, não acho que é certo que ele esteja.
O senhor tem conversado com o marqueteiro João Santana para comandar sua campanha em 2022? A estratégia é criar um “Ciro paz e amor” contra as críticas a seu temperamento?
É muito lisonjeiro para um homem com 63 anos de idade e 40 anos de vida pública que, a essa altura, a acusação que meus adversários fazem é sobre o meu temperamento. Claro que tenho de ouvir essas críticas porque eu tenho, enfim, que adaptar uma linguagem diante da expressão da minha indignação. Mas, sabendo do que eu sei, vou fazer o quê? Bancar o lord inglês? Eu sou do interior do Ceará, fui educado na escola pública, meus pais passaram fome, fui governador, comandei a economia do Brasil…
E o João Santana?
É um velho amigo, de longa data. Respeito muito as opiniões dele e temos sim conversado. Não sei se sairá uma parceria, vamos ver.
É iminente o fim da Lava Jato com a possível suspeição do Moro. Isso é bom ou ruim?
A Lava Jato foi enterrada pelo senhor Jair Messias Bolsonaro. No sentido de uma exemplaridade de combater a corrupção, isso é ruim. Mas, no sentido de restaurar os fluxos do Estado de direito democrático, está a destempo. Punir corrupção é uma coisa que tem de ser fria, sóbria, serena, severa, fora da política. O oposto do que Sérgio Moro e sua banda de procuradores fizeram. Moro só semeou nulidades. E os grandes bandidos deste País sairão com o atestado, que o povo não é obrigado a saber do direito, como Lula está fazendo, se anunciando inocente. Tem nada de inocente.
Lula é um grande bandido?
O que estou dizendo é que quando se comete nulidades na perseguição a um bandido, que não é o caso, você não está punindo o bandido. Não estou falando do Lula.
Com Bolsonaro no poder, o número de inquéritos abertos pela PF com base na Lei de Segurança Nacional cresceu 285%. O senhor mesmo é investigado, mas com base no Código Penal. Como avalia?
Vejo isso como uma coisa muito boa. O senhor Jair Messias está entrando em desespero porque pedir para abrir inquérito é um constrangimento ilegal que nenhum juiz vai dar, nenhum tribunal vai sancionar. Trata-se de uma tentativa de constranger, de censurar que está funcionando pelo oposto. Veja o meu caso. Estou pouco ligando.
Como avalia a crise federativa que vivemos com os governadores tendo de agir por conta própria ou mesmo se reunindo em consórcios para comprar vacinas?
Olha, o PDT e eu é que assinamos a petição que levou o Supremo a determinar a autonomia dos entes federativos para concorrentemente ajudar a enfrentar a pandemia. E ai de nós se não tivéssemos feito isso porque lá atrás o governo federal anunciou que era uma gripezinha, estimulou aglomeração, evitou importar respiradores. Foi um desastre completo. E ainda age como charlatão prescrevendo remédios e canalhas como o (Eduardo) Pazuello só agravam o fenômeno. O que teria acontecido com o Brasil se os prefeitos e governadores não tivessem corrido atrás? Estaríamos contando 1 milhão de mortos. Agora, isso é uma loucura porque é no limite genocida.
O senhor acredita que há condição política para o impeachment do presidente Bolsonaro?
Não importa. Esse é o gravíssimo erro histórico que o Rodrigo Maia cometeu. Não importa a condução política, importa que ele comete crime de responsabilidade continuamente. Na medida em que o Congresso, exercitando sua superior atribuição de representação do povo, abrisse o procedimento, ele não estaria impichado. Ele seria chamado a se defender, mas imediatamente o efeito seria o salvamento de mais de 150 a 200 mil vidas.
O senhor acha que poderia ter um efeito colateral?
Imagine: abriu a comissão do impeachment, o Bolsonaro iria continuar a fazer as loucuras que faz? Imediatamente mudaria de conduta, como está fazendo agora obrigado pelo Centrão, que não vende apoio, aluga. E o Centrão não vai carregar esse cadáver político que o Bolsonaro vai se transformar até a eleição. Vai largar ele no caminho. Ou esse Centrão não estava com a Dilma, com o Lula ou com o Collor?
E a CPI da Saúde, poderia ter esse feito também?
Imediatamente. Semana que vem vamos a 4 mil mortes por dia. Se o Congresso não se posicionar, vira cúmplice. Quero ver o Rodrigo (Pacheco) chegar nas Minas Gerais e explicar porque não abre a CPI se tem assinaturas suficientes. Morreram três senadores da República, um deles tinha 58 anos de idade.
Nas redes, tem-se espalhado que o Major Olímpio não morreu de covid…
Eles são uns canalhas, não têm limites. O Bolsonaro, ele mesmo, entrou na Justiça contra a conduta dos governadores e chamou de estado de sítio. Ele tem a premissa, e nisso ele é muito parecido com o Lula, de que todos nós somos idiotas e não sabemos o que é estado de sítio. Um picareta, apologista da tortura, apologista da ditadura, que vai na Justiça para garantir a comemoração do golpe de 64, agora vem defender franquias democráticas, de liberdade e estado de direito que estão totalmente cobertas pela legislação sanitária.
Fundo Soberano da Noruega excluiu, no ano passado, Eletrobrás e Vale do portfólio e mencionou necessidade de metas claras de redução de emissão de gás carbônico
Fernanda Guimarães, O Estado de S.Paulo
Depois de organizarem um movimento de pressão contra o governo brasileiro no ano passado, fundos de investimento estrangeiros afirmaram ao Estadão não terem visto avanços do País na defesa de uma pauta ambiental e na preservação da região amazônica. Com o mercado cada vez mais pressionado por investidores a considerar o tema na alocação de seus recursos, eles falam em um cenário de dificuldades para manter investimentos no Brasil. Exemplos de retirada de recursos começam a surgir.
O Fundo Soberano da Noruega, o maior do mundo, excluiu no ano passado Eletrobrás e Vale de seu portfólio e mencionou a necessidade de metas claras de redução de emissão de gás carbônico. Com a retirada de recursos do País, o fundo deixou claro que questões ambientais vieram para ficar na composição de métricas para aportes dos grandes fundos. Para especialistas, essa fonte de financiamento pode fazer falta para as empresas brasileiras.
Para o presidente do fundo norueguês Storebrand, Jan Erik Saugestad – executivo que em junho do ano passado liderou um grupo que enviou uma carta ao governo brasileiro cobrando medidas de proteção à Amazônia –, é preocupante a escalada do desmatamento e de incêndios em florestas no Brasil, mas também o aumento de denúncias de ataques a indígenas e a defensores de direitos humanos e do meio ambiente. “Essa combinação cria incertezas entre investidores sobre as condições de investir no Brasil”, afirmou ele ao Estadão.
“Nosso objetivo é continuar a apoiar o crescimento econômico brasileiro como investidores, mas a tendência de aumento do desmatamento no Brasil torna cada vez mais difícil para empresas e investidores atenderem às suas ambições ambientais, sociais e de governança”, comenta.
Segundo ele, a expectativa é que o governo brasileiro siga o caminho para proteger as florestas e os direitos humanos, garantindo a manutenção de investimentos em atividades empresariais consideradas sustentáveis.
“Sem um compromisso significativo do governo brasileiro e das empresas para enfrentar as mudanças climáticas e o desmatamento, investir no País ficará cada vez mais difícil”, comenta o gestor do fundo de ações para países emergentes da Aviva Investor (seguradora inglesa e uma das maiores da Europa), Jonathan Toub. O gestor acrescenta que não viu nenhuma melhoria significativa em relação ao desmatamento da Amazônia após a pressão dos fundos no ano passado. À época, empresas e bancos de capital nacional também defenderam mudanças na política ambiental do País. “O retorno antecipado do monitoramento e fiscalização do Ibama é positivo, mas estamos preocupados com o financiamento para essas agências e o desmatamento continua sem parar.”
Medidas efetivas. Conhecida como uma gestora focada em investimento sustentável, a holandesa Robeco diz que hoje o assunto desflorestamento se tornou um tópico obrigatório no momento em que se discute investimentos no Brasil. “Devido a nossa experiência em investimento sustentável, levamos em consideração os desenvolvimentos da sustentabilidade em nosso processo de investimento ao avaliar se devemos comprar títulos soberanos ou ações locais listadas. Este tem sido um tema quente nas discussões sobre investimentos no Brasil, devido ao recente aumento nas taxas de desmatamento e também às dificuldades que o País enfrentou durante a pandemia”, afirma a responsável por ativos no Brasil e demais países emergentes, Daniela da Costa-Bulthuis.
Dentre as medidas concretas que o País poderia dar nesse sentido, opina Daniela, estaria o comprometimento à tolerância zero ao desmatamento e alinhamento ao Acordo de Paris, tratado mundial que tem o objetivo de reduzir o aquecimento global. “Seria um bom ponto de partida. Sentimos falta de um plano de desenvolvimento sustentável de longo prazo para o País”, diz.
O fundo nórdico Nordea também foi um dos fundos que assinaram a carta enviada ano passado ao governo brasileiro. Segundo o fundo, que possui 354 bilhões de euros sob gestão, a percepção é que a direção geral do governo não mudou. “Assim, não vemos até o momento nenhuma melhoria material em relação ao meio ambiente e à região amazônica”, de acordo com o fundo, em nota enviada ao Estadão. O Nordea, afirma que há muitas oportunidades de investimentos no Brasil, mas admite que não está comprando mais títulos da dívida soberana brasileira – mas também não vendeu os papéis que possui.
Procurados, os ministérios do Meio Ambiente, das Relações Exteriores e da Economia não se pronunciaram. Em nota, o Ibama disse que, “até o momento, também não vimos nenhum desses fundos escolherem áreas no programa Adote Um Parque para adotar”.
Usando a mesma tecnologia do bitcoin, NFT permite registro de posse de artigos digitais, como ilustrações, fotos, músicas, memes e até tuítes
Por Bruno Romani e Giovanna Wolf – O Estado de S. Paulo
O meme ‘Nyan Cat’, um clássico da internet na década passada, foi vendido por US$ 590 mil
Não é todo dia que um artista consegue vender sua obra por valores superiores aos já atribuídos a trabalhos de Frida Kahlo e Salvador Dalí. No começo do mês, o designer gráfico americano Mike Winkelmann, conhecido como Beeple, conseguiu a proeza ao atingir US$ 69 milhões em uma colagem leiloada pela tradicional casa de leilões Christie’s. Tem um detalhe: a obra não existe no mundo real. Ela é um arquivo do tipo JPEG, o mais comum para imagens digitais. Por trás da cifra assombrosa está o NFT, uma tecnologia que promete mudar a percepção de propriedade e comercialização de bens digitais.
É difícil imaginar como um arquivo, que pode ser replicado infinitas vezes, tenha o status de obra de museus, pois o que caracteriza peças do tipo é a aura de serem únicas. Muitas vezes, o que garante a originalidade dessas obras são certificados de autenticidade. O NFT (sigla para “token não fungível”) funciona da mesma maneira: é um registro de que uma peça é única e tem dono. Ou seja, quem compra uma arte digital via NFT não está levando um arquivo que pode ser submetido com facilidade aos comandos de copiar e colar — está levando um certificado único, que não pode ser substituído.
Os certificados de NFT usam a estrutura da tecnologia de blockchain, que, assim como acontece com o bitcoin, oferece um registro seguro, transparente e descentralizado. Quando o sistema anota que uma pessoa é dona de um bem digital, é impossível apagar ou duplicar o registro — e todo o histórico de transações envolvendo esse NFT fica disponível.
Isso não significa que apenas o dono do NFT possa ter acesso ao arquivo JPEG — a obra recordista do Beeple poderá ser reproduzida em infinitos celulares e computadores. Da mesma forma que a Mona Lisa é reproduzida em diferentes formatos, as obras certificadas com NFT podem ganhar cópias. Porém, assim como o museu do Louvre é dono do certificado de autenticidade da obra mais famosa de Leonardo Da Vinci, apenas uma única pessoa é dona do NFT da obra de Beeple.
A arte digital do artista Beeple “Everydays: The First 5000 Days”, bateu o recorde e foi vendida por US$ 69 milhões
Em outras palavras, o NFT nada mais é do que um instrumento para colecionar bens digitais — supostamente oferece o mesmo gostinho de exclusividade e ostentação do que ter uma obra autografada pelo seu artista favorito. No mundo das artes digitais vendidas por NFT, existem até galerias e leilões especializados no segmento, que chegam a cobrar taxas dos artistas para expor.
Tuítes, música e arte
A venda de obras digitais é apenas parte do que o NFT é capaz de precificar. Qualquer tipo de arquivo digital pode ser vendido com a tecnologia, incluindo memes, tuítes e músicas.
O Nyan Cat, um meme de um gatinho colorido, foi vendido por cerca de US$ 590 mil em fevereiro, usando o NFT — outros memes do autor estão à venda. Jack Dorsey, fundador do Twitter, colocou à venda sua primeira postagem na rede social — o leilão termina neste domingo. A simples mensagem de 2006, em que Dorsey diz que está configurando seu Twitter, já recebeu um lance de US$ 2,5 milhões.https://platform.twitter.com/embed/Tweet.html?dnt=false&embedId=twitter-widget-0&frame=false&hideCard=false&hideThread=false&id=20&lang=pt&origin=https%3A%2F%2Flink.estadao.com.br%2Fnoticias%2Fcultura-digital%2Cmemes-a-venda-tecnologia-permite-dar-valores-milionarios-a-bens-digitais%2C70003653362&theme=light&widgetsVersion=e1ffbdb%3A1614796141937&width=550px
Outros nomes conhecidos por experimentar com tecnologia e formatos também já embarcaram: antes de anunciar o fim, a dupla francesa de música eletrônica Daft Punk, disponibilizou para celebridades obras digitais em NFT — uma delas já foi vendida por US$ 15 mil pela atriz Lindsay Lohan. Já o artista visual Banksy digitalizou e a vendeu por US$ 380 mil — a peça original foi queimada durante uma live, em um ato claramente marqueteiro.
US$ 380 mi foi o valor da versão digitalizada da obra “Morons”, de Banksy – o original foi destruído
De fato, não há limites para o que pode ser vendido por NFT. “Hoje estão vendendo qualquer coisa digital. As pessoas estão explorando até onde existe apetite de compra. No fim, pode ser qualquer coisa que alguém queira comprar e ter um certificado de que é dono”, explica Guilherme Nigri, que está produzindo um game onde os bens digitais vendidos na plataforma serão comercializados em NFT.
No Brasil, um dos primeiros artistas a vender NFTs foi o músico André Abujamra, eterno líder das bandas Os Mulheres Negras e Karnak. Ele fez uma parceria com o artista plástico Uno de Oliveira na animação “Coelhék”, que foi vendida por US$ 3.700 no começo de março (Abujamra ficou com 20%). O resultado animou o músico, que venderá NFTs de músicas que ele não colocará nas plataformas de streaming.https://www.instagram.com/p/CL6gVttJl98/embed/captioned/?cr=1&v=13&wp=594&rd=https%3A%2F%2Flink.estadao.com.br&rp=%2Fnoticias%2Fcultura-digital%2Cmemes-a-venda-tecnologia-permite-dar-valores-milionarios-a-bens-digitais%2C70003653362#%7B%22ci%22%3A0%2C%22os%22%3A2011.105000000498%2C%22ls%22%3A1414.9500000003172%2C%22le%22%3A1765.1650000007066%7D
Coleção digital
Como explicar que alguém pague por um selo de exclusividade sobre algo que pode ser replicado? “A humanidade gosta de colecionar diversas coisas e faz isso há milhares de anos no mundo físico. Porém, até o blockchain surgir, não éramos capazes de ter coleções no mundo digital. Agora isso é possível e o NFT está explodindo em popularidade”, diz ao Estadão David Pakman, sócio da firma americana de venture capital Venrock.
Assim, o NFT é visto como um dos possíveis futuros da arte digital, que até então tinha dificuldade para ser monetizada. “Estamos na transição para o mundo online e já começamos a dar valor a algumas coisas, como serviços digitais: hoje, muita gente paga a assinatura Netflix porque reconhece valor. O NFT é o próximo passo para resolver o problema do artista digital”, diz Reinaldo Bianchi, professor do Centro Universitário da FEI.
Do lado dos artistas, vender por NFT pode ser uma nova fonte de receita. “Nunca fui tão ouvindo nas plataformas de streaming, mas a receita vem na forma de centavos”, diz Abujamra. “Com o único NFT vendido, ganhei um valor que levaria muito tempo para acumular nos serviços de streaming. Todo artista deveria estudar o NFT”, diz.
Do lado de quem é fã, o NFT permite uma forma de dar apoio por uma nova via. “Em meio à pandemia, os artistas precisam ter uma maneira de ganhar dinheiro. Comprar um NFT é uma forma de reconhecimento e de apoio ao artista”, afirma Bianchi. “É também por esse motivo que muitas pessoas compram artes normalmente no mundo real”.
Antes de anunciar o fim, a dupla Daft Punk distribuiu NFTs para a venda na internet
Para um outro grupo, o NFT é uma oportunidade de investimento. Ou seja, negocia-se NFTs na expectativa de que determinado artista ou obra se valorize no futuro. Isso também ajuda a explicar por que alguém teria interesse em pagar uma fortuna pelo primeiro tuíte de Jack Dorsey. Imagine ter nas mãos o registro da primeira obra do Banksy da nova geração?
Para quem planeja entrar nesse mercado com expectativas de lucros nas mais variadas frentes possíveis, os especialistas lembram que o NFT não garante o direito autoral da obra em questão — embora ainda existam muitas questões a serem debatidas na área. A princípio, o NFT é apenas o registro de compra de um item colecionável, como acontece na aquisição de um quadro no mundo físico — a não ser que no contrato esteja especificado algum direito em relação à obra. Olhando para o mundo real: ter uma foto original de Sebastião Salgado não garante ao detentor o direito de vender livros e camisetas com aquela imagem.
“É um mercado que ainda está em fase de experimentação. Mas há uma boa razão para acreditar que colecionáveis digitais podem valer mais que colecionáveis físicos. Eles são mais líquidos: a venda é mais simples (qualquer um na internet pode participar) e a aquisição é instantânea, sem necessidade de logística”, explica Pakman. Pode parecer loucura, mas o NFT não altera uma premissa básica da arte: a beleza — e o valor — está nos olhos de quem vê.
A culpa de Pazuello: acusações que não param de pé
No futuro, vai se saber com mais exatidão as responsabilidades do terceiro ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro – ou, o que é mais provável, nunca se saberá nada ao certo
J. R. Guzzo, O Estado de S.Paulo
Em algum dia, no futuro, vai se saber com mais exatidão os méritos, os deméritos e as responsabilidades do terceiro ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro – ou, o que é mais provável, nunca se saberá nada ao certo, pois o episódio todo e o seu personagem principal já estavam confortavelmente esquecidos 24 horas depois da demissão. Nesses casos, como se sabe, o interesse para se verificar os fatos desaparece e em geral não volta mais.
Sempre é possível afirmar, porém, algumas coisas básicas sobre essa tempestuosa passagem do general Eduardo Pazuello, homem de intendência e de logística, pelo ainda mais tempestuoso Ministério da Saúde. A mais curiosa é a seguinte: o ex-ministro não deu certo, tanto que foi demitido, mas as acusações mais apaixonadas contra ele não ficam de pé por cinco minutos.
O principal delito do general como ministro, segundo a narrativa geral apresentada ao público, é que ele “não conteve o avanço da pandemia” no Brasil. Como assim, “não conteve?” E quem é o general Pazuello para conter uma calamidade deste tamanho? Quem, em qualquer lugar do mundo, conseguiu conter? Até hoje ninguém, com certeza. Não se sabe então, quanto a isso, qual seria a culpa específica do ex-ministro.
Outra culpa imputada a ele, para se ficar em linguagem jurídica, é que a vacinação está indo mal. Pode ser, mas nesse caso é necessário explicar por que o Brasil, entre os 200 países do mundo, é o quinto que mais vacinou até hoje; está a caminho dos 12 milhões de vacinas aplicadas, em dois meses de ação. Salvo a Inglaterra, nenhum país da Europa, nem o Japão ou o Canadá, aplicaram mais vacinas que o Brasil.
O general é acusado – falou-se até em processo na justiça – por sua “negligência” perante o trágico caos sanitário em Manaus, onde faltou “até oxigênio”, nas palavras da mídia. E o que ele teria a ver com a falta de oxigênio em Manaus? Não existe no mundo lugar onde comece a faltar oxigênio de uma hora para outra – isso é um efeito clássico do abandono permanente do sistema hospitalar por quem devia cuidar dele. É trabalho da Prefeitura e do Estado, ainda mais depois das ordens expressas do STF em suas ordenações gerais sobre a covid. Justo a Prefeitura de Manaus e o governo do Amazonas, envolvidos desde os primeiros dias da vacinação em fraudes para furar a fila em favor de parentes dos peixes graúdos?
É por essa e por outras que é tão difícil, neste país, alguém ser responsabilizado objetivamente pelos erros administrativos que de fato cometeu. Falam muito, sempre, mas é só isso que acontece – falatório