domingo, 21 de março de 2021

ANEL RODOVIÁRIO DE BELO HORIZONTE UM PROBLEMA

 

Vitorio Mediolli – Jornal O Tempo

O risco que corre o projeto mais esperado dos últimos 30 anos se estende ao restante das miragens negociadas com a Vale

Encarregam-se de espalhar essa sensação sombria, que se espera errônea, as apresentações elaboradas pela Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), defendendo uma proposta de traçado do AV. 

Apesar de ter recebido propostas bem diferentes e mais consistentes, nega-se a mostrá-las publicamente. 

O projeto não é sustentado por qualquer sondagem opinativa ou levantamento de impacto social sobre a população atingida. Sobram considerações de viabilidade de uma privatização. A lógica não fecha.

Ora, os R$ 4,5 bilhões estabelecidos para a obra do Anel Viário no acordo da Vale não são suficientes para construir os 100 km de percurso? Não é bastante o valor médio de R$ 1.000 por metro quadrado?

Primeiro se constrói, depois se leiloa a concessão para o melhor ofertante. A prioridade pública é responder às necessidades da população e dos usuários, em seguida estabelecer a remuneração de um pedágio, caso este seja necessário. 

As considerações plutocráticas saem ao gosto do clube das 13 para uma aplicação de verba de caráter indenizatório e público.

Os grandes golpes de Olimpíadas, Copa do Mundo, trem-bala e outros partem sempre de um engodo. Neste momento, é fazer sonhar uma solução para o caos reinante no Anel Rodoviário e no trecho da Via Expressa entre Betim e a Ceasa, tomados por um tsunami de veículos em direção norte-sul, e vice-versa. Chegou-se a essa situação caótica pelo descaso e pela incompetência, que penalizaram a população de Minas e fizeram do Estado o mais retrógrado dos últimos 20 anos, enquanto os predadores ficavam bilionários. Longe de acusar o Estado de canalhice, repare se há falta de experiência para imaginar o possível desfecho.

A “Ilíada”, escrita há 3.000 anos, explica que os troianos receberam de presente um cavalo de madeira, deixado na praia quando os navios gregos zarparam, simulando o retorno à pátria amada. Felizes e encantados com uma vitória inesperada, os troianos arrastaram o cavalo para dentro das muralhas da cidade. Comemoraram e se embriagaram, fizeram festa até tardas horas. Ulisses e seus comandados saíram da barriga do “presente de grego” e colocaram fim à história de Troia.

A proposta do Anel Viário tem mais a ver com a mitológica astúcia de um “Ulisses”. Desta vez, intencionado não a pôr fim a uma guerra e poupar as vidas de seus soldados, mas a criar brechas num fantástico acordo de R$ 37,68 bilhões entre Estado e Vale, para sangrar todas as vantagens possíveis e imagináveis.

O risco que corre o projeto mais esperado dos últimos 30 anos se estende ao restante das miragens negociadas com a Vale.

O acordo, aparentemente inoxidável, é estruturalmente frágil. Um acordo mais privado que público, mesmo sendo o beneficiário o povo de Minas Gerais. Será fiscalizado por um bom “comitê”, uma auditoria privada, e dará à Vale a elaboração dos projetos, a contratação das obras, sua execução e o pagamento da empresa de fiscalização.

Construído dessa forma, coloca fora do quadro o poder público, restringe sua ingerência e adota um modelo extraordinário, para uma verba que se destina à população. Para isso já existem entes para administrar, projetar, construir e pagar o que for mais conveniente. 

O valor da indenização não passa pelo erário, apesar de ser parte a indenizar um prejuízo sofrido pela população do Estado. Conforme a lei máxima no art. 1º: ”Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. As urnas indicam os representantes que preenchem mandatos legislativos e executivos, todos submissos a um conjunto de normas que restringem e determinam as regras de execução.

O acordo já “imutável” antes da aprovação do Legislativo deixa abertura para inúmeras variáveis e riscos de um modelo inovador.

A obrigação de “fazer” da Vale coloca um “comitê” no lugar dos representantes eleitos e constituídos.

O caso da reparação pelo desastre de Mariana é um precedente de indenização ilusória, como ilusórias foram as contrapartidas da VLi no caso de Mariana; já foram gastos, segundo a Renova, R$ 11,4 bilhões, longe da fiscalização da Assembleia e do TCE. Já se consumou uma verba maior que a de dois Anéis Viários.

O incrível dessa situação é que ela não representa vantagem sequer aos acionistas, quanto menos ao Estado, à população, e gera vantagem aos parasitas que a Vale adota. Trata-se de uma espécie de amor à pátria ao contrário, uma lesão constante ao Estado, que espoliou de suas reservas naturais, deixando uma paisagem lunar, matando rios, miserabilizando regiões inteiras e sua população.

As indenizações deveriam ser depositadas em contas públicas vinculadas, sob o controle e as determinações estabelecidas pelas normas constitucionais e fiscalizadas pelos órgãos competentes.

Como está, apesar de se apresentar como um fantástico acordo, corre o risco de não ser útil à população. O Estado poderá perder, mais uma vez, a oportunidade de se erguer no patamar que lhe é reservado pelas suas riquezas, cujo dono não é a Vale, mas o povo de Minas.

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