‘Pessoas que têm imunidade comprometida e que estão infectadas por muito tempo acumulam mutações’
Declaração foi feita pela pesquisadora da Universidade Yale Akiko Iwasaki, referência global em imunologia, com base em dados que tentam explicar o surgimento das variantes do coronavírus
Fabiana Cambricoli e Giovana Girardi, O Estado de S.Paulo
O surgimento das variantes do coronavírus tem chamado a atenção de cientistas em todo o mundo, que têm começado a levantar algumas hipóteses para explicá-las. “Há alguns dados surgindo que apontam que pessoas que têm a imunidade comprometida e que estão infectadas por muito tempo acumulam mutações. As variantes que estão despontando podem estar vindo desses pacientes que estão infectados por um longo tempo com covid”, disse ao Estadão a pesquisadora da Universidade Yale Akiko Iwasaki, referência global em imunologia. Ela participa nesta quinta-feira, 4, de um webinar promovido pelo Instituto Serrapilheira, para lançar um programa gratuito de formação de jovens cientistas.
“Como essas pessoas não conseguem eliminar o vírus sozinhas, elas costumam receber plasma de convalescentes. Isso pode acabar eliminando o vírus, mas dá tempo para que as mutações se acumulem antes da eliminação. O vírus que é selecionado para escapar do plasma convalescente pode circular na população dando origem às variantes”, disse. https://www.estadao.com.br/widget/coronavirus
“Ainda não está claro quais são exatamente as fontes dessas variantes no momento. Pacientes imunocomprometidos podem ser uma delas porque tendem a acumular múltiplas mutações dentro de si”, continua.
A suspeita surgiu com um paciente de 70 anos do Reino Unido. Ele foi infectado com covid-19 logo após ter passado por quimioterapia para tratar um linfoma, de modo que seu sistema imune estava comprometido e nenhum medicamento dado a ele no hospital melhorava sua condição. A saída foi aplicar o plasma de convalescente (com anticorpos de pessoas que já tinham se curado da doença).
O paciente acabou falecendo 102 dias após testar positivo e, em análises posteriores feitas em amostras dele, cientistas observaram que o vírus havia evoluído e desenvolvido mutações que mudaram sua capacidade de infectar células e escapar dos anticorpos.
Uma das mutações observadas no paciente foi encontrada depois na variante B.1.1.7, originada no Reino Unido, o que fez os cientistas também suspeitarem que ela possa ter surgido em um paciente imunocomprometido.
“A interpretação da B.1.1.7 sugere que o surgimento pode acontecer quando o vírus evolui mais rapidamente num só hospedeiro devido, por exemplo, a um sistema imune fragilizado que permite a reprodução continuada de vírus durante um período prolongado”, explicou ao Estadão o pesquisador Nuno Faria, do Imperial College de Londres, especialista em evolução de vírus. Ele também está participando dos estudos com a P.1.
“Acho que mais dessas variantes vão surgir. É uma questão de tempo e de sequenciamento genético até encontrarmos mais VOCs pelo mundo”, disse.
“Quando a transmissão é galopante, novos mutantes podem surgir e se espalhar. É como colocar lenha na fogueira. No outono e inverno de 2020, a transmissão nos EUA foi galopante, mas tínhamos apenas um vírus. Agora, os EUA também têm as variantes. Eu me preocupo com outra onda e mais variantes se não controlarmos a propagação entre a população”, complementou Akiko.