Como Não Errar Na Gestão de Relacionamento Com O Cliente
Agência Mestre
A gestão de relacionamento com o cliente, também conhecida como CRM (Customer Relationship Management), é um sistema que armazena dados e informações relevantes sobre aquelas pessoas que têm interesse no seu produto ou serviço.
Esse conjunto de métodos voltados para o seu público-alvo tem o objetivo de entender com antecedência quais as suas necessidades e desejos, para implementar ações segmentadas e atraí-los com exatidão.
Entre as informações mais importantes para serem estudadas, estão:
localização;
faixa etária;
sexo;
classe social.
No entanto, não basta somente ter esses dados, é fundamental que eles sejam analisados e utilizados no momento certo. Para isso, listamos algumas dicas de como não errar na gestão de relacionamento com o cliente.
A importância da gestão de clientes
O comportamento do consumidor está em constante evolução. Muitas vezes, as circunstâncias podem acabar fazendo com que os clientes tenham que se adequar ao novo estilo de compra.
Conhecer o seu cliente é o primeiro passo para ter sucesso em uma campanha. De nada adianta lançar um produto incrível, se ele não atende as necessidades dos seu público-alvo.
Gerir os seus clientes constantemente é a maneira mais eficiente de segmentar as suas ações e torná-las cada vez mais personalizadas, de modo que o seu cliente se sinta próximo e especial para a sua empresa.
Com o avanço da tecnologia, é possível ter acesso a informações aprofundadas sobre os consumidores, como estilo de vida e hábitos de compras. Com isso, você poderá descobrir as suas preferências e adaptar as estratégias com base nesses dados.
Gestão de relacionamento com o cliente — Cuidado para não errar!
É muito comum que os empresários se perguntem: como não errar na gestão de relacionamento com o cliente? Apesar de ser uma resposta simples na teoria, colocar essas ações em prática é bastante complicado.
Isso porque, entender os gostos dos clientes e estar sempre atento às tendências que surgem no mercado são hábitos que devem ser levados em consideração antes de planejar e executar as campanhas de marketing.
Para que você atinja os resultados, aumente as vendas dos seus negócios e esteja ainda mais próximo do seu cliente, confira as dicas abaixo!
Adeque sua cartela de clientes
Um dos principais problemas encontrados na gestão de relacionamento com cliente é ter uma cartela de clientes que não condiz com o seu público-alvo ideal. É importante que na sua cartela de clientes tenham pessoas que demonstrem algum tipo de interesse ou familiaridade com o produto ou serviço que você oferece.
Apostar em um público que não tem nenhuma relação com o que você oferece pode fazer com que você perca tempo e dinheiro.
Acompanhe o histórico de compras
Se você tem uma loja virtual e naquela semana um determinado produto está vendendo em grande quantidade, a melhor maneira de aumentar ainda mais o relacionamento com o cliente é fazendo uma ação promocional com aquele produto.
Diante disso, é essencial que você analise constantemente o histórico de compras dos consumidores para não perder as oportunidades de vendas que surgirem.
Mantenha as informações sempre atualizadas
Para não cometer erros graves na gestão de relacionamento com o cliente, é fundamental que as informações estejam sempre atualizadas.
Imagine que o cliente tenha mudado de endereço e a sua equipe de marketing queira mandar um presente personalizado para ele. Por isso, ter os dados “quentes” e sempre atualizados fará com que você não se engane nessas ocasiões.
Fique de olho no funil de vendas para fazer uma boa gestão de relacionamento com o cliente
O funil de vendas é uma estratégia muito utilizada pela equipe de marketing digital e vendas para entender em qual etapa de compras está localizado aquele determinado cliente. Assim, você saberá qual campanha realizar para cada tipo de consumidor.
Envio de e-mail marketing, realizar ligações e compartilhamento de conteúdos, como artigos e vídeos são algumas das ações que podem ser feitas nas etapas do funil de vendas.
Aprendeu a como não errar na gestão de relacionamento com o cliente? Continue acompanhando o blog da Agência Mestre.
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Daniel Silveira: o fã de Robocop que quis enfrentar o Supremo
Antes de ser preso, o deputado divulgou 30 vídeos durante sete meses ameaçando e ofendendo os ministros
Wilson Tosta, Marcio Dolzan e Marcelo Godoy,
RIO, PETRÓPOLIS e SÃO PAULO – “Pega a placa! Pega a placa!”, gritava, para alguém lá embaixo, o então futuro deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), no alto de um trio elétrico, em Petrópolis, na Região Serrana fluminense, em comício no fim de setembro de 2018. Outros dois candidatos que seriam eleitos na onda de direita que varreu o País naquele ano – Rodrigo Amorim, hoje deputado estadual pelo mesmo partido, e Wilson Witzel (PSC), governador do Rio, afastado por suspeita de corrupção – o acompanhavam. A multidão urrava.
Logo, chegou o retângulo azul escuro e branco, com as palavras “Rua Marielle Franco”. Homenageava a vereadora do PSOL morta a tiros sete meses antes, quando também o motorista Anderson Gomes foi metralhado. Enquanto Silveira exibia o objeto, Amorim discursava. “Acabou PSOL! Acabou PCdoB! Acabou essa porra aqui! Agora é Bolsonaro, porra!”, gritou o futuro deputado estadual, sob aplausos. Silveira, cuja carreira política – como a de Witzel – está em perigo, vibrava com promessas como “sentar o dedo (dar tiros) nesses vagabundos (a esquerda)”.
Então com quase 36 anos, cabeça raspada, mais de dois metros de altura em um corpo musculoso malhado diariamente em academia, Silveira ganhou muita notoriedade no episódio. Com essa persona, foi eleito em primeiro mandato para a Câmara dos Deputados, com 31.789 votos. Os obteve em campanha que custou R$ 10.291,00, com despesas contratadas e pagas com dinheiro do Fundo Partidário. No Legislativo, exerceu um mandato beligerante. O Supremo Tribunal Federal (STF), que o mandou para a cadeia no carnaval após receber ataques e insultos do parlamentar, era seu alvo frequente. Desde julho de 2020, quando já era investigado pelo STF, ele produziu 30 vídeos contra a Corte, publicados em sua conta no YouTube. Entre as acusações infundadas está a de que ministros defendem a pedofilia, postada em 26 de julho.
Imagem viralizou nas redes sociais após ser publicada na tarde de quarta-feira Foto: Instagram/Reprodução
Com uma média de 3,8 mil visualizações, seus vídeos raramente atraíam mais de 10 mil pessoas – seu canal aberto há quatro anos e tinha 72,9 mil inscritos. Além do Supremo, seus alvos prediletos eram a esquerda, as telenovelas, as vacinas contra a covid-19, o governador João Doria (PSDB), a China, o youtuber Felipe Neto e até a apresentadora Xuxa Meneghel. “A Xuxa vai lançar um livro LBGT para crianças. Ela cantava para os baixinhos ‘não gosto de homem de bilau pequeno’ nos programas dos anos 80.” Acusou-a de ser uma precursora da doutrinação ideológica e revelou que, na infância, gostava de Mara Maravilha. “Lembram dela?”
No dia 8 de julho começou a sequencia de 30 vídeos contra o Supremo. As agressões e ataques escalaram pouco a pouco. “O STF é completamente socialista. Todos, sem exceção.” Em 13 de agosto, afirmou. “Hoje posso afirmar que o STF apoia o narcoterror, as facções criminosas. E quem apoia o narcoterror não passa de vagabundo.”
No dia 17 de novembro, afirmou: “Quero que o povo entre no STF, pegue o Alexandre de Moraes pelo colarinho, sacuda a cabeça de ovo dele e o jogue em uma lixeira”. Defendeu “a ucranização do Brasil”, referindo-se à rebelião que derrubou o governo da Ucrânia em 2014.
A última produção, postada no carnaval, provocou a reação de Alexandre de Moraes. O ministro é relator de inquéritos que investigam atividades antidemocráticas – como manifestações que pediam fechamento do Congresso e intervenção militar – e disseminação de fake news. Silveira é um dos alvos nas duas investigações.
“Daniel sempre foi contundente”, disse Octavio Sampaio, amigo e vereador pelo PSL em Petrópolis. Foi ele que apresentou Silveira ao hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Na época, Flávio presidia o PSL no Rio. Para tentar a carreira política, Daniel afastou-se da Polícia Militar. Sua passagem pela corporação fora marcada por prisões e detenções administrativas e repreensões. Ele mesmo as contabilizou: mais de 80 dias, no período em que esteve na ativa, de 2012 a 2018.
Era então o cabo Lúcio, do 26.º Batalhão da PM, sangue O Positivo, segundo a identificação no uniforme. Foi no “comício da placa” que começou a virar o deputado hoje preso no Batalhão Especial Prisional.
Quase três anos após aquele comício, Amorim, amigo de Silveira, disse que eles não se arrependem do que fizeram. Ressaltou que a morte da vereadora foi um crime e afirmou respeitar e se solidarizar com a dor da família de Marielle. Na campanha, a foto dos dois futuros deputados, posando sorridentes com a placa partida, correu sites, jornais, emissoras de televisão. Silveira, de camisa amarela, retesava os músculos e agitava o punho. Amorim segurava os pedaços do objeto.
Nascido na Região Serrana
Daniel Lúcio da Silveira nasceu em Petrópolis, na Região Serrana fluminense, em novembro de 1982. Era um bebê – segundo a mãe, dona Matildes, tinha cinco quilos ao nascer – quando a ditadura militar se aproximava do fim. O mandato agressivo do político com pinta de marombeiro contrasta com o passado de adolescente que cresceu numa estrada bucólica de Araras, em Petrópolis.
Lá, ele é lembrado pelos vizinhos como um garoto alegre e tranquilo. Era franzino e atencioso com a mãe. “Ele é uma boa pessoa, não é isso que tentam mostrar. Até ser preso, me ligava todos os dias para saber como eu estava e me pedir a bênção”, disse a mãe, que conta se ajoelhar e orar pelo filho todos os dias. Ela concorreu a vereadora pelo PSL em Petrópolis, em 2020, mas não se elegeu. “Foi um pedido do meu filho.” Era a “Tia Matildes”. Teve 158 votos e ficou em 143.º lugar.
O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), que teve a prisão confirmada pelo plenário da Câmara Foto: Dida Sampaio/Estadão (7/2/2019)
O deputado morou com a mãe quase toda a vida – a mulher e os dois filhos também viviam ali. Ele se mudou para uma casa maior na mesma estrada há poucos meses. Foi lá que, na chuvosa noite de terça-feira, a PF bateu para prendê-lo. O filho de Matildes foi cobrador de ônibus na juventude e acabou acusado de apresentar atestados médicos falsos para faltar ao trabalho, segundo o jornal O Globo. A apuração, que foi arquivada, quase lhe custou o ingresso na PM – a investigação social o barrou, mas a Justiça garantiu o ingresso. “Ele sempre gostou de armas, sempre. Nunca escondeu isso”, disse a mãe, vendo aí um motivo para o filho querer trabalhar na polícia.
Em seis anos de PM, Silveira ganhou fama de exibicionista. Em um vídeo, revelou uma preferência dos tempos de menino, que pode ajudar a entendê-lo. “Eu gostava do Robocop.” Por seu tamanho incomum, o deputado parece o personagem do filme de 1987, um policial transformado em cyborg. Do diretor holandês Paul Verhoeven, o filme trata de uma distopia de uma Detroit decadente e tomada pelo crime. O personagem é programado para combater bandidos segundo quatro diretrizes. A quarta delas, secreta, o proíbe de atacar a empresa que o criou – uma alegoria para o sistema dominante.
Em 2018, o comando da PM do Rio decidiu que devia incentivar candidaturas militares. Nascia na corporação a ideia de que policial votava em polícia e que a corporação e seus familiares seriam capazes de eleger até três deputados. Para o coronel Ubiratan Ângeli, ex-comandante-geral da PM, na véspera da eleição, a escolha recaiu sobre alguns nomes que se haviam destacado durante a campanha sem que “a família azul” vericasse a plataforma ou a ficha dos candidatos.
Silveira parecia entender o sistema que o gerou. Sempre manteve intensa atividade na internet. “É um cara que sempre defendeu bandeiras de direita, de maneira contundente”, contou Sampaio. “E passava as mensagens de uma forma muito boa, alcançava as pessoas.” Os dois se conheciam no mundo virtual. Aproximaram-se em 2017, por iniciativa de um amigo em comum, oficial da PM. “Daniel veio ao gabinete do Flávio Bolsonaro aqui na Assembleia”, relatou Amorim. “Ele, com o Flávio, definiu que seria candidato a deputado federal.”
Silveira não teve dificuldade para registrar a candidatura. Declarou à Justiça Eleitoral não ter nenhum bem. Curiosamente, pediu a correção de um dado: informou que não é pardo, mas branco. Na Câmara, integrou a tropa de choque do bolsonarismo, admitiu ter gravado a reunião da bancada do PSL em que o então líder do partido, Delegado Waldir (GO), chamou o presidente Bolsonaro de “vagabundo” e disse que ia “implodir o presidente”.
Sua lista de projetos incluiu boa parte das convicções e teorias que animam a extrema-direita. Entre as propostas, estão a prorrogação do serviço militar obrigatório até o limite de 180 meses (quinze anos); a instituição de 31 de Março como Dia Nacional em Memória das Vitimas do Comunismo no Brasil e o veto à retirada da internet, pelo provedor, de mensagens do usuário. Afirma que a pandemia de covid-19 “foi criada para acabar com os governo de Bolsonaro e de Trump” e criticava o uso de máscara como uma “focinheira ideológica”. A estratégia beligerante do mandato também ocorreu fora da Câmara. Com Amorim, Silveira participou de “inspeções” no Colégio Pedro II, em outubro de 2019, e na ocupação Aldeia Maracanã, localizada no terreno do antigo Museu do Índio, na zona norte carioca, em setembro de 2020. Houve tumulto e polêmica nas duas ocasiões. A direção do colégio reclamou de não ter sido avisada com antecedência da visita dos parlamentares; os indígenas, de declarações supostamente racistas de Amorim.
A revolta com o STF se acentuou após o amigo, major Elitusalem Gomes de Freitas (PSC), não se reeleger vereador no Rio. “Como ele teve dois mil votos? Como um cara do PSOL tem 100 mil?” Para ele, o resultado da eleição era “a prova” da fraude. Dizia não estar falando só por si. “Quando bater um cabo e um soldado na porta de vocês não adianta fechar, porque vai ser arrombada. Sabe por quê? Vocês estão abrindo essa precedência (sic). Sim, as Forças Armadas podem intervir. É algo que nós queremos? A maioria absoluta dos brasileiros quer isso. O STF não precisa existir. Ele deveria ser extinto.” E lançou um desafio: “Me prendam, que eu quero ver. Cármen Lúcia, vem me prender! Eu desafio vocês a me prender.”
Na noite do dia 16, o amigo Amorim recebeu um telefonema de Silveira. “Ele me disse: a Federal chegou aqui para me prender’.” Três dias depois, na sessão da Câmara que manteve sua prisão, Silveira pediu desculpas cinco vezes. Não adiantou. A ordem do ministro Moraes foi confirmada em votação esmagadora: 364 a 130. O fã de Robocop vai esperar na cadeia o julgamento pela mesma Corte cujo fechamento defendeu.
O STF age como se estivesse salvando o Brasil; está apenas rolando na calçada com Silveira
J. R. Guzzo, O Estado de S.Paulo
O deputado federal Daniel Silveira não cometeu nenhum crime inafiançável, e muito menos em flagrante. Não cometeu crime inafiançável porque não torturou ninguém, não traficou drogas e não participou de nenhum ato terrorista. Não praticou qualquer ação armada contra a ordem legal, nem fez algum gesto racista. Não cometeu latrocínio, nem extorsão sob ameaça de morte, nem sequestro. Não estuprou, nem atentou contra o pudor. Não envenenou água potável. Não fez tentativa de genocídio. Em suma: não é autor de nenhum dos crimes que a lei relaciona como inafiançáveis, e que permitiriam a prisão em flagrante de um deputado – que tem, de qualquer jeito, de ser aprovada pela Câmara como acabou sendo, e por vasta maioria. É a única maneira de se prender um deputado no Brasil – não há outra.
Isso é o que está escrito no artigo 53 da Constituição Federal, mas, no Brasil-2021, o que vale não é o que está escrito na Constituição, e sim o que está na cabeça dos 11 ministros do STF. Para eles, um vídeoem que o deputado detona uma carga concentrada de desaforos contra o STF é um “crime inafiançável”. E por que o flagrante, já que ele não foi detido pela polícia enquanto estava gravando? Os ministros apresentaram sua doutrina a respeito: um vídeo de internet é uma espécie de “flagrante perpétuo”, que não pode mais ser desmanchado depois que foi feita a gravação. O produtor do filme …E o Vento Levou, por exemplo, poderia ser preso em flagrante se o STF julgasse que ele cometeu algum crime – racismo, talvez – na sua obra? O filme é de 1939, mas, se o flagrante é perpétuo, a “flagrância”, como dizem os juristas, teria de durar para sempre, não é mesmo? Eis aí onde estamos.
O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), que teve a prisão confirmada pelo plenário da Câmara Foto: Dida Sampaio/Estadão (7/2/2019)
O que o deputado fez, na frente de todo mundo, foi um dos destampatórios mais primitivos jamais registrados na longa história de calamidades do Congresso Nacional, com ataques aos ministros e elogios ao AI-5 do regime militar. Mas, foi um discurso, e não outra coisa – quer dizer, palavrório e xingação de mãe, mas sem nenhum ato concreto ligado a nada do que disse. É o que se chama no dicionário de “opinião” – no caso, opinião grosseira e da pior qualidade. Mas grosseria não é crime, e sim falta de educação. A lei também não obriga ninguém a ter opiniões de boa qualidade, nem proíbe que um cidadão goste do AI-5; muita gente gosta, aliás. É motivo suficiente, isso sim, para o deputado receber da Comissão de Ética e do plenário da Câmara as punições mais pesadas que a lei permite: suspensão ou cassação do mandato, caso os colegas considerem que Silveira violou os seus deveres como parlamentar. É, por sinal, o que parte deles já está organizando.
O STF, se a “separação de poderes” valesse alguma coisa – e os fatos mostram que ela está valendo cada vez menos –, não teria de prender ninguém, e sim pedir providências a quem de direito, ou seja, à própria Câmara dos Deputados. É estranho que se comporte, ao mesmo tempo, como vítima, polícia, promotor e juiz. Mais ainda, transforma em grave ameaça à democracia nacional um deputado que não tem liderança nenhuma no seu próprio partido, e muito menos na Câmara, que não chefia ninguém nem comanda organização alguma, armada ou não – um clássico criador de nadas, e não um perigo público que justifique o desrespeito à Constituição para ser contido. O STF age como se estivesse salvando o Brasil do abismo; está apenas rolando na calçada com Daniel Silveira.
Esse tumulto acontece justo na hora em que o mesmo STF devolve o mandato ao senador pego (este sim, em flagrante) com R$ 33 mil escondidos na cueca. Mas aí é caso de ladroagem – e isso, no Brasil de hoje, não é problema.
Mudança na correlação de forças entre ministros e desgaste interno do presidente da Corte, Luiz Fux, resultaram em derrotas recentes ao legado da operação
Rafael Moraes Moura, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal virou um novo foco de oposição à Lava Jato. Uma mudança na correlação de forças entre os ministros e os desgastes internos da presidência de Luiz Fux, integrante da ala pró-Lava Jato, tornaram o cenário mais desfavorável ao legado da investigação. A operação já tinha sido abalada por uma ofensiva da cúpula da Procuradoria-Geral contra procuradores de Curitiba e, agora, enfrenta uma tentativa de aliados e inimigos políticos do presidente Jair Bolsonaro de “desconstruir” o ex-juiz Sérgio Moro.
A perda de apoio da Lava Jato na Suprema Corte ficou escancarada no julgamento da Segunda Turma que garantiu, no início deste mês, à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o acesso às mensagens privadas atribuídas a Moro e a procuradores da operação.
Agentes da PF fazem operação de busca e apreensão na Lava Jato; ministros do STF têm imposto derrotas à operação Foto: Werther Santana/Estadão (21/7/2020)
Se antes o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, podia contar com o plenário para evitar derrotas na Segunda Turma (formada por cinco dos 11 integrantes da Corte), nem essa opção parece mais segura. É esse cálculo que tem sido feito por interlocutores de Fux, que ainda não decidiu quando vai levar a julgamento a discussão sobre a validade do material obtido por hackers e apreendido na Operação Spoofing. O grupo criminoso invadiu celulares de autoridades, como Moro e integrantes da força-tarefa em Curitiba.
O modelo de força-tarefa, integrada por procuradores com dedicação exclusiva às investigações, foi abandonado pela gestão de Augusto Aras na PGR. “Para mim, a Lava Jato não representa uma operação específica, mas o despertar de uma nova consciência e uma mudança de mentalidade. A sociedade deixou de aceitar o inaceitável. Subitamente, redescobriu-se o óbvio: não é legítima a apropriação privada do Estado e é crime o desvio de dinheiro público”, disse ao Estadão o ministro Luís Roberto Barroso, que segue sendo um dos principais defensores da Lava Jato no STF.
Barroso acrescentou: “Como tudo o que é humano, é possível encontrar erros na operação. Porém, é impossível exagerar a importância de se ter revelado ao País o quadro amplo de corrupção estrutural, sistêmica e institucionalizada que nos atrasa na história. Não é singela a luta para desnaturalizar as coisas erradas no Brasil.”
A correlação de forças no STF, que opõe os “garantistas” (críticos aos métodos da Lava Jato) aos “punitivistas” (considerados mais rigorosos com réus, como Barroso, Fux e Fachin), foi alterada com a aposentadoria do ministro Celso de Mello e a indicação de Kassio Nunes Marques. O então desembargador chegou à mais alta Corte do País com o aval do Centrão, especialmente a bênção do presidente do Progressistas, o senador Ciro Nogueira (PI). Nogueira é réu no STF no caso do “quadrilhão do PP”.
Na Segunda Turma, Nunes Marques tem se alinhado a Gilmar Mendes e a Ricardo Lewandowski – expoentes da ala mais crítica à atuação de procuradores – para impor derrotas à operação. Já votou a favor do arquivamento de inquérito contra o ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE) e da exclusão da delação do ex-ministro Antonio Palocci em ação penal contra o Instituto Lula. Nos bastidores do STF, a expectativa é de que venha do novato, indicado ao cargo por Bolsonaro, o voto decisivo que vai definir se Moro agiu com parcialidade ao condenar Lula no caso do triplex.
Especialista vê ‘retroalimentação’ do desgaste
Professora de Direito Penal da FGV Direito SP, Raquel Scalcon apontou duas derrotas emblemáticas da operação neste ano: o julgamento que garantiu a Lula o acesso às mensagens da Spoofing e a decisão do ministro Alexandre de Moraes que proibiu o Ministério Público de definir para onde devem ser destinados os recursos de multas decorrentes de condenações, colaborações premiadas e outros acordos. “Há aqui uma via de mão dupla. O desgaste perante a opinião pública se somou ao desgaste perante o STF, e houve uma retroalimentação”, afirmou Raquel. “Dois eventos fomentaram esse desgaste: o ingresso de Moro na política partidária e o acesso a certas conversas e diálogos. Mas ainda vejo certa divisão interna na Corte quanto à operação.”
No fim de 2019, o STF impôs uma das maiores derrotas à operação ao derrubar a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, o que abriu caminho para a soltura de Lula. A discussão só retornou ao plenário depois que Cármen Lúcia deixou a presidência do tribunal e passou o bastão a Dias Toffoli.
Integrantes do STF avaliam que Fachin só pode contar, atualmente, com dois votos seguros ao seu lado – Barroso e Fux – e, talvez, Rosa Weber. “A Lava Jato trouxe transformações sem precedentes para o Brasil, que passou a ser respeitado internacionalmente pela atuação contra desvio de dinheiro público. Esse movimento teve perdas. Mas o País já mudou. E o combate à corrupção não vai retroceder”, disse Fux ao Estadão, em entrevista em janeiro.
Procurado, Moro afirmou que a Lava Jato foi um trabalho “institucional de combate à grande corrupção que, enquanto perdurou, reduziu a impunidade no País”. “Precisamos pensar em como avançar e não em retroceder.” O STF enfatizou que “os ministros não se alinham em grupos, mas julgam de forma independente, conforme preveem as leis e a Constituição”.
Voto de Cármen Lúcia foi ‘ponto de inflexão’
Além da indicação do ministro Kassio Nunes Marques para o STF, outro movimento interno chama a atenção na Corte: a postura da ministra Cármen Lúcia, que deixou de ser uma “aliada incondicional” da Lava Jato. Cármen deixou o ministro Edson Fachin isolado ao concordar com a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e votar, há duas semanas, para que o petista tivesse acesso à íntegra do material apreendido na Operação Spoofing. O resultado marcou uma nova derrota da Lava Jato no STF.
A ministra do STF Cármen Lúcia, em 2018 Foto: Ueslei Marcelino/Reuters
Integrantes da Corte ouvidos reservadamente pelo Estadão apontam que a ministra percebeu que os “ares mudaram” e tem procurado, discretamente, se dissociar da marca Lava Jato. O “ponto de inflexão” de Cármen foi em agosto de 2019, quando Cármen votou a favor de derrubar uma decisão de Moro que havia condenado o ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobrás Aldemir Bendine.
Aquela foi a primeira vez que Cármen divergiu de Fachin considerando os principais casos da Lava Jato analisados pela Segunda Turma. Na ocasião, a ministra concordou com a tese de que réus delatados têm o direito de falar por último em ações penais, manifestando-se depois de delatores – o que não foi garantido a Bendine.
Também chamou a atenção dos colegas a decisão recente de Cármen de sair da comissão que discute mudanças no regimento da Corte. A ministra integrava o grupo ao lado de Fachin e Barroso. O gesto foi interpretado como um desembarque da “ala lavajatista” – e uma forma de se descolar de o presidente da Corte, Luiz Fux, que vem sofrendo desgastes internos depois do voto em que contrariou a ala “garantista” e foi contra a possibilidade de reeleição na cúpula do Congresso.
REVESES
1. Mensagens
Em 2019, a PF prendeu suspeitos de invadir celulares de autoridades. Um mês antes da operação, vieram a público mensagens atribuídas a Moro e a procuradores da Lava Jato em que são discutidos detalhes das investigações.
2. Segunda Turma
A decisão, por 4 a 1, que autorizou o acesso de Lula a mensagens da Operação Spoofing foi a mais recente derrota da Lava Jato no colegiado. Vencido, Edson Fachin ficou isolado no julgamento.
3. Força-tarefa
Sob Augusto Aras – que defendeu uma “correção de rumos” na Lava Jato –, foi anunciada neste mês a dissolução da força-tarefa em Curitiba.
4. Destinação de recursos
Ainda neste mês, o ministro do STF Alexandre de Moraes proibiu que o MP defina para onde devem ser destinados recursos obtidos por meio de multas, colaborações e outros acordos.
Troca na Petrobrás afasta investidor e dificulta saída da crise, dizem analistas
Avaliação de economistas é de que mudança no comando da estatal deve ter o efeito imediato de empurrar o dólar para cima e ampliar as incertezas na economia, prejudicando a retomada
Cristiane Barbieri, O Estado de S.Paulo
A intervenção na Petrobrás feita pelo presidente Jair Bolsonaro, que anunciou pelo Facebook a troca do comando da estatal, na noite de sexta-feira, terá o efeito imediato de afastar investidores, empurrar o dólar para cima e ampliar as incertezas da economia. No longo prazo, deixará mais cara a saída da crise, o ajuste das contas públicas e as reformas, segundo especialistas.
A avaliação é que a retomada do crescimento sai prejudicada com o episódio, mas não há um consenso se haverá uma guinada ainda mais populista por parte de Bolsonaro. Se isso acontecer, dizem eles, o preço da retomada sairá muito mais alto.
Para alguns economistas, a decisão de Bolsonaro marcou um ponto de inflexão. Desde o início do mandato, afirmam, o presidente deu mostras de que sua visão liberal da economia era apenas um “verniz” aplicado pelo ministro Paulo Guedes para ser mais bem aceito pelos eleitores que buscavam uma alternativa ao PT.
Entre muitos episódios nessa linha, o mais recente aconteceu em janeiro, com a decisão de Bolsonaro de afastar o presidente do Banco do Brasil, André Brandão, após a instituição anunciar cortes de funcionários e fechamento de agências. Guedes conseguiu, naquele momento, segurar a intervenção no banco, de capital aberto – mas não reverteu a decisão agora na Petrobrás.
Decisão de Bolsonaro sobre o comando da Petrobrás é um ponto de inflexão, avaliam economistas Foto: Isaac Nóbrega/PR
“O Guedes fica de goleiro no pênalti, com o Bolsonaro chutando a gol”, diz Ana Carla Abrão, economista e sócia da consultoria Oliver Wyman no Brasil. “Conforme a popularidade vai caindo e a base o pressiona por medidas que não conversam com agenda econômica, Bolsonaro faz a escolha que é condizente com sua trajetória política.” Para ela, o presidente claramente vem subindo o tom das medidas populistas.
Segundo Sérgio Lazzarini, professor de economia do Insper, o perfil intervencionista do presidente tende a se acirrar, porque o ciclo eleitoral tornou-se prioridade. “Bolsonaro começa a perder muito a franja do liberal econômico e vai se agarrar mais no populismo para agradar seu eleitorado, como o caminhoneiro e o conservador raiz, como estratégia de ir ao segundo turno com 25% dos votos e torcer para uma nova polarização nas eleições”, diz.
A teoria, porém, não é uma unanimidade. “A troca de comando na Petrobrás não foi uma guinada: foi o Bolsonaro em seu estado mais chucro… e põe chucro nisso”, afirma Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central (BC). Para ele, não há novidade no movimento, que é a “enésima lição do que é o Bolsonaro.”
Só que, se o presidente insistir em continuar provocando instabilidade, a retomada será mais difícil. “A janela para colocar economia do País no eixo, principalmente na questão fiscal, está estreitando”, afirma. “Se a economia emburacar de vez, não haverá votos de caminhoneiro, nem de ninguém.”
Sergio Werlang, também ex-diretor do BC, diz que ainda é cedo para falar em guinada populista pelo mesmo motivo: as políticas fiscais para equilibrar o País são tão urgentes e o efeito de não fazê-las seria tão negativo que zeraria qualquer efeito benéfico do ponto de vista eleitoral.
Também existe a leitura que não há um divórcio entre Bolsonaro e Guedes. “O episódio certamente revela os limites do presidente e seu estilo de governança que subestima o tamanho do custo reputacional”, diz Christopher Garman, da consultoria Eurasia. “Mas Bolsonaro enxergou que o risco de uma greve de caminhoneiros poderia ser fatal para seu governo, que vive um momento social delicado, de aumento de inflação, queda de renda e de sua consequente popularidade.”
Para ele, ao contrário do episódio do BB, Guedes não evitou a intervenção porque soube entender o momento. “A leitura de que Guedes não apita e a agenda liberal morreu é equivocada”, diz ele. “Bolsonaro nunca acompanhará ou terá compromisso programático com a agenda liberal, mas está alinhado intuitivamente a ela.”
Ações
O consenso é que a incerteza causada pelo movimento de Bolsonaro deve provocar novamente a queda nas ações da Petrobrás amanhã, com a saída de investidores e dólares – o que causará o efeito oposto ao pretendido por Bolsonaro no preço dos combustíveis. “Só há um jeito de diminuir a oscilação cambial, que é melhorando a delicada situação fiscal do País”, diz José Márcio Camargo, economista chefe da Opus Investimentos. “O problema é que, com tanto ruído, os investidores têm dificuldade em acreditar que a situação será resolvida.”
A alta no câmbio tende a pressionar a inflação. E a intervenção na Petrobrás gerará ainda novos embates políticos, exatamente na semana decisiva para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que deve viabilizar a nova concessão do auxílio emergencial, associada a medidas de compensação fiscal. “Cria ruído político desnecessário, em uma semana importante”, diz Carlos Kawall, diretor do Asa Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional.
Esse, aliás, é outro ponto com o qual todos os especialistas concordam: Bolsonaro teria como agradar aos caminhoneiros sem fazer o estrago na Petrobrás.
Uma das alternativas era usar os assentos do governo no conselho de administração para pressionar por mudança ou maior transparência na política de reajuste de preços.
“Também pode-se fazer algum subsídio, como acontece com a energia”, diz Camargo. No longo prazo, também ter uma estatal que se submeta a uma política de Estado, e não do governo da vez, com uma agência reguladora forte.
Atuasse o Congresso com presteza e rigor, não seria o STF instado com tanta frequência a lembrar os limites da lei
Notas&Informações, O Estado de S.Paulo
Cumprindo o que determina a Constituição, a Câmara dos Deputados decidiu na sexta-feira passada sobre a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), decretada por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A expressiva votação referendando a prisão – 364 votos favoráveis, 130 contrários e 3 abstenções – evidencia que a Câmara entendeu a gravidade do comportamento do parlamentar bolsonarista.
Ao divulgar um vídeo com pregação de caráter golpista, além de ofensas e ameaças a ministros do Supremo, o deputado Daniel Silveira violou o compromisso assumido de respeitar a Constituição e o Estado Democrático de Direito e praticou crimes tipificados pela lei brasileira. A imunidade parlamentar, que protege a manifestação de opiniões, palavras e votos, não é autorização para a prática impune de crimes.
Com a manutenção da prisão referendada pela Câmara, fica evidente que não foi negada ao deputado bolsonarista nenhuma garantia constitucional. Seu encarceramento não se deu por um ato autoritário do Judiciário fora dos trilhos legais. O plenário da Câmara, cumprindo o rito previsto na Constituição, entendeu que a prisão do deputado Daniel Silveira tinha fundamento legal.
Ao proteger o Estado Democrático de Direito – mantendo a prisão do deputado que defende o Ato Institucional (AI) n.º5, ameaça ministros do Supremo e incita a ruptura institucional –, a Câmara mostrou que deseja distância do discurso bolsonarista. A agenda do Legislativo não é a do conflito, tampouco da violência e do desrespeito às instituições.
Vale lembrar que o deputado Daniel Silveira não é apenas uma figura excêntrica, que teria exagerado ao se expressar. O conteúdo do vídeo publicado nas redes sociais tem grande sintonia com o que Jair Bolsonaro vem pregando em sua carreira política, também durante o exercício da Presidência da República. No primeiro semestre de 2020, por exemplo, Bolsonaro incentivou e participou de atos de caráter golpista.
Trata-se, sem dúvida, de uma desafiadora situação. O próprio presidente da República testa os limites do Estado Democrático de Direito. Por isso, é alvissareiro constatar que mais de dois terços dos deputados avaliam como criminosa a conduta de quem se vale do cargo para afrontar o regime democrático, ameaçar adversários e descumprir princípios constitucionais. O recado foi dado: ninguém, ainda que tenha mandato eletivo, está autorizado a infringir a Constituição e as leis do País.
Na sexta-feira passada, a Câmara comportou-se à altura de seus deveres institucionais. É preciso reconhecer, no entanto, que também o Congresso tem responsabilidade sobre esse caso e tantos outros que afrontam descaradamente o decoro parlamentar. Ao longo dos anos – a rigor, ao longo das décadas –, tem havido uma amplíssima tolerância das Casas legislativas com parlamentares que não honram o cargo.
Não é difícil de ver o descuido do Congresso com os limites do decoro. Por exemplo, o Conselho de Ética da Câmara estava parado desde março do ano passado. Atuasse o Congresso com presteza e rigor, não seria o Supremo instado com tanta frequência a lembrar os limites da lei e do Estado Democrático de Direito.
Ao permitir de forma recorrente comportamentos intoleráveis em um Estado Democrático de Direito, o Congresso não apenas atua de forma corporativista, com uma proteção desproporcional dos seus membros, como também, a rigor, está atuando contra si mesmo, enfraquecendo sua autoridade, diminuindo sua funcionalidade e esfarelando seu prestígio. Nesse sentido, a votação de sexta-feira passada foi um contundente ato de defesa do Congresso e de suas prerrogativas institucionais.
O regime democrático exige responsabilidade, uma responsabilidade que não seja bissexta. Os direitos e liberdades constitucionais não deixam as instituições democráticas à mercê dos autoritários. É antes o contrário. Como lembraram nesta semana o Supremo e a Câmara, tais garantias vêm precisamente proteger a liberdade e a democracia. Não há zona cinzenta. Com suas reiteradas ofensas às instituições, o bolsonarismo enxovalha as liberdades e, por isso, deve ser contido.
Procuradores dizem que inquérito do STJ contra Lava Jato ‘legitima sistema jurídico de exceção’
Associação Nacional dos Procuradores da República afirma que abertura de investigação sobre suposta atuação ilegal da força-tarefa contra ministros da Corte afronta garantia de imparcialidade do Poder Judiciário e é um ‘total desrespeito à Constituição’
Martins instaurou o inquérito de ofício – por iniciativa própria – após conversas hackeadas entre o procurador Deltan Dallagnol, então coordenador da Lava Jato, e Diogo Castor de Mattos apontarem suposta intenção da força-tarefa em investigar, sem autorização, a movimentação patrimonial de ministros do STJ.
Na conversa, Deltan escreve: “A RF [Receita Federal] pode, com base na lista, fazer uma análise patrimonial, que tal? Basta estar em EPROC [processo judicial eletrônico] público. Combinamos com a RF”, escreveu Deltan para, em seguida, emendar: “Furacão 2”. O procurador Diogo Castor de Mattos, que integrava a força-tarefa na ocasião, respondeu Deltan: “Felix Fischer eu duvido. Eh um cara serio (sic)”.
‘Furacão 2’ seria uma referência à operação Furacão, deflagrada em abril de 2007 e que atingiu o então ministro do STJ Paulo Medina, denunciado por integrar um esquema de venda de sentenças judiciais.
Para a ANPR, a instauração do inquérito por ofício ‘afronta a titularidade da apuração do Ministério Público’, visto que caberia à Procuradoria-Geral da República solicitar a investigação contra os procuradores. Além disso, a entidade aponta que a apuração do STJ foi aberta com base em ‘em provas manifestamente ilícitas, obtidas por meios criminosos, por meio de hackers já identificados e processados’.
“Os limites para a atuação do Poder Judiciário são essenciais para a harmonia entre os Poderes e a estabilidade das instituições. Desrespeitar esses limites significa contribuir para o enfraquecimento do Estado Democrático de Direito, dos órgãos de controle e da própria Justiça brasileira”, frisou a ANPR. “Ao adotar o referido procedimento de investigação, acaba-se por buscar legitimar um sistema jurídico de exceção no ordenamento jurídico brasileiro”.
O procurador da República Deltan Dallagnol, ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Foto: Felipe Rau / Estadão
Além do inquérito no STJ, Humberto Martins também enviou ofício à PGR cobrando a abertura de uma investigação sobre o mesmo caso, além de uma apuração interna no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a respeito da conduta de Deltan Dallagnol e do procurador Diogo Castor de Mattos.
No ofício enviado a Augusto Aras, Martins afirmou que as informações trazidas pela divulgação da conversa são ‘graves’. “Solicito a Vossa Excelência que tome as necessárias providências para a apuração de condutas penais, bem como administrativas ou desvio ético dos procuradores nominados e de outros procuradores da República eventualmente envolvidos na questão, perante o Conselho Nacional do Ministério Público”, frisou o ministro.
Aras encaminhou o pedido para o corregedor do CNMP, Rinaldo Reis, a quem caberá avaliar se há elementos suficientes no caso para justificar a abertura de um procedimento interno contra Deltan e Castor de Mattos. Em nota, a Corregedoria Nacional do Ministério Público afirmou que está analisando a representação movida por Humberto Martins e que ainda não há manifestação sobre o caso.
Os procuradores dizem ainda que uma investigação nesses termos seria ‘ilógica’, ‘pois esvazia a justiça que se busca, além de inútil, pois constituiria um mau emprego de tempo e recursos investigativos escassos. Além, claro, de sujeitar os seus autores às consequências legais’.
LEIA A ÍNTEGRA DA NOTA DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA:
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) recebeu com incredulidade a notícia de abertura, no dia de hoje, pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, de inquérito, em total desrespeito à Constituição e às leis brasileiras, para apurar fatos criminosos que supostamente teriam sido praticados em detrimento de ministros daquela Corte.
A iniciativa afronta a titularidade de apuração do Ministério Público e solapa, também, a própria garantia de imparcialidade do Poder Judiciário. Para tanto, vigora no país e nas demais democracias modernas o sistema acusatório, conquista civilizatória que separa os atores do sistema judicial que possuem as missões de investigar-acusar e julgar.
Se a intenção é apurar a atuação de procuradores da República, a investigação desrespeita, ainda, frontalmente, a Lei Complementar 75/1993 e usurpa função do procurador-geral da República. Segundo o disposto no artigo 18 da referida lei, é prerrogativa do PGR conduzir a apuração de práticas de infração penal por parte de membros do Ministério Público da União.
Nesse sentido, a própria autoridade que instaurou a apuração no âmbito do STJ reconhece que já encaminhou ao procurador-geral da República e ao Conselho Nacional do Ministério Público representação para a investigação das referidas irregularidades.
Também importa destacar que os elementos de prova utilizados como base para a abertura da investigação em tela se constituem em provas manifestamente ilícitas, obtidas por meios criminosos, por meio de hackers já identificados e processados, as quais se encontram desprovidas, ainda, de perícia que ateste a sua integridade-autenticidade e da indispensável cadeia de custódia.
Ao adotar o referido procedimento de investigação, acaba-se por buscar legitimar um sistema jurídico de exceção no ordenamento jurídico brasileiro.
Os limites para a atuação do Poder Judiciário são essenciais para a harmonia entre os Poderes e a estabilidade das instituições. Desrespeitar esses limites significa contribuir para o enfraquecimento do Estado Democrático de Direito, dos órgãos de controle e da própria Justiça brasileira.
O Ministério Público, conforme disposição constitucional, é instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado. Vulnerar as garantias dos seus membros aniquila a Constituição e, por consequência, deixa sem proteção a própria sociedade brasileira.
Diretoria da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)