História de Notas & Informações – Jornal Estadão
O encontro anual do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) em outubro misturou celebrações pelo passado com apreensão pelo futuro. Os benefícios da globalização econômica que as instituições irmãs, criadas há 80 anos pelos acordos de Bretton Woods, ajudaram a promover estão sendo erodidos por tensões geopolíticas. Tão grande quanto o consenso de que elas precisam se revitalizar são as divergências sobre como fazer isso
As duas instituições não são estranhas a reformas. Ambas foram criadas com missões complementares: a do Fundo era supervisionar a estabilidade do sistema monetário internacional e financiar países com dificuldades de quitar suas dívidas; a do Banco era financiar a reconstrução do pós-guerra e o desenvolvimento dos países pobres.
O Fundo teve um papel-chave para amortecer choques globais, como a crise da dívida dos anos 80, a crise asiática dos anos 90, a crise financeira dos anos 2000 ou a pandemia de covid, provendo recursos a países com poucas opções de ajuda financeira. O Banco financiou projetos de mais longo prazo, sobretudo de infraestrutura, mas também para reformas em saúde, educação e agricultura.
Ambos sofreram críticas severas: o Fundo, por focar excessivamente em esforços de saneamento fiscal de curto prazo, negligenciando os impactos sobre os mais vulneráveis; o Banco, por financiar “elefantes brancos” cujos custos superaram os benefícios. Com o tempo, ambos passaram a dedicar mais atenção a reformas de longo prazo nas políticas econômicas visando ao chamado “desenvolvimento sustentável”. Internamente, ambos promoveram reformas de governança para melhorar a transparência, responsabilização e qualidade técnica de seus quadros.
Ainda que imperfeitas, mudanças como essas ajudaram a promover a cooperação monetária, expandir o comércio e reduzir a pobreza global. Mas há preocupações crescentes sobre se estas e outras instituições multilaterais estão em condições de enfrentar os múltiplos desafios da economia global contemporânea.
Mesmo se admitindo que muitas das metas dos Acordos de Paris para mitigação das mudanças climáticas ou dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ambos de 2015 – são irrealistas, o progresso está longe de satisfatório. O sistema de representação de Bretton Woods ainda é desproporcionalmente centrado nos EUA e na Europa e não reflete o crescimento de grandes economias como, por exemplo, a China ou a Índia. Por outro lado, as guerras comerciais desencadeadas por esse mesmo crescimento estão levando democracias liberais a abandonar os fundamentos da economia de mercado e recorrer a barreiras protecionistas. Nos países em desenvolvimento, a redução da pobreza está se desacelerando, seja por dificuldades internas em saldar suas dívidas, seja por choques globais como as guerras na Ucrânia ou Oriente Médio.
Um foco primordial de discussão diz respeito à reavaliação do sistema de representação, no qual os “doadores” têm uma participação excessivamente maior que os “receptores”. Ambas as instituições precisam de lideranças mais diversificadas, o que inclui não só as indicações para os cargos executivos, mas também mais participação do setor privado e do terceiro setor em seus comitês. Uma governança mais democratizada, inclusiva e diversa é o primeiro passo para que os instrumentos sejam mais afinados para responder às novas realidades políticas e econômicas globais.
Reformas substantivas em instituições multilaterais antigas e complexas nunca são fáceis, tanto mais num momento em que o próprio multilateralismo enfrenta uma crise de confiança. Nessa conjuntura, a estratégia mais realista talvez seja mirar em reformas mais pragmáticas e pontuais. Ainda que limitadas, elas podem criar as condições no presente para transformações mais ambiciosas no futuro. O fato é que, como reconheceu Axel van Trotsenburg, um diretor sênior do Banco Mundial, mudanças serão necessárias se as instituições de Bretton Woods quiserem permanecer fiéis aos seus mandatos e ainda relevantes no seu centésimo aniversário, daqui a 20 anos.
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