domingo, 7 de fevereiro de 2021

PRESIDENTE DO STF QUESTIONA O PRESIDENTE DA CÂMARA NA LINHA SUCESSÓRIA

 

Réu na linha sucessória não é ‘o melhor para o País’, afirma Fux

Presidente do Supremo Tribunal Federal fala sobre situação de Arthur Lira e diz que impeachment de Bolsonaro seria um ‘desastre’ para o Brasil

Entrevista com

Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal

Rafael Moraes Moura e Andreza Matais, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, avalia que não é o “melhor quadro para o Brasil” ter um réu na linha sucessória da Presidência da República. Em entrevista ao Estadão, Fux foi questionado sobre a situação do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que responde a denúncias na Corte por corrupção passiva e organização criminosa – ainda em análise de recursos.

“Eu acho que realmente uma pessoa denunciada assumir a Presidência da República, seja ela qual for, é algo que até no plano internacional não é o melhor quadro para o Brasil”, afirmou o ministro.

Segundo na linha sucessória, Lira pode ser impedido de substituir o presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão. Um precedente do tribunal já impediu o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), de ocupar interinamente a cadeira no Planalto por ser réu na época.

O presidente do STF, Luiz Fux, posa para fotos no hall das colunas do Supremo Tribunal Federal com vista do Congresso Nacional e Palácio do Planalto.  Foto: Dida Sampaio/ Estadão

Em sua primeira entrevista após a abertura do Ano Judiciário, Fux disse que o impeachment de Bolsonaro seria “um desastre” para o País.

O deputado Arthur Lira pode, eventualmente, substituir Bolsonaro e Mourão, mesmo com denúncias já recebidas pelo STF?

Nessas questões limítrofes, você tem duas posições. Uma que entende que, se já teve a denúncia recebida, e a nossa Constituição elege a moralidade no âmbito da política e das eleições como um valor principal, ele não possa assumir. E tem outro aspecto importante, a ação penal não teve ainda a eficácia de torná-lo réu porque há (em análise) embargos de declaração (um tipo de recurso) que impedem que a decisão (de tornar Lira réu) seja considerada definitiva.

E qual a opinião do senhor?

Eu falo em geral, abstrato. Pelo princípio da moralidade, eu entendo que os partícipes da vida pública brasileira devem ter ficha limpa. Sou muito exigente com relação aos requisitos que um homem público deve cumprir para a assunção de cargos de relevância, como a substituição do presidente. Eu acho que, realmente, uma pessoa denunciada assumir a Presidência da República, seja ela qual for, é algo que até no plano internacional não é o melhor quadro para o Brasil.

O STF tem tido um papel fundamental no sistema de freios e contrapesos. Com dois aliados de Bolsonaro no comando do Congresso, o protagonismo da Corte vai ser ainda maior?

É preciso que o Parlamento se autovalorize e saiba exercer as suas competências, em vez de empurrar para o Supremo uma função que não é dele. O Parlamento tem de procurar resolver os seus problemas.

Mas um Congresso alinhado a Bolsonaro não pode obrigar o Supremo a exercer ainda mais esse papel de contraponto?

Bem ou mal, o presidente foi eleito com 60 milhões de votos. Por que não se permitiu a reeleição (na cúpula do Congresso) agora, muito embora tanto Davi Alcolumbre quanto Rodrigo Maia tenham sido bons na função que exerceram? Porque, se o STF abrir a brecha da violação da Constituição, realmente nós perdemos todos os critérios. Aquela ação não deveria nem ter chegado ao Supremo.

A atuação do governo na pandemia reforçou o discurso a favor do impeachment de Bolsonaro. Qual a opinião do senhor?

O impeachment é um processo político que o Supremo não pode nem se intrometer no mérito. Mas, em uma pós-pandemia, em que o País precisa se reerguer economicamente, atrair investidores e consolidar a nossa democracia, eu acho que seria um desastre para o País. O Brasil não aguenta três impeachments. O Brasil tem de ouvir o povo e o povo é ouvido através de seus representantes que estão no Parlamento. Acho que o impeachment seria desastroso.

O senhor vê mobilização popular para o impeachment?

Pela leitura acadêmica e histórica que a gente faz, você verifica que o impeachment é uma situação política que também depende muito da mobilização social.

Bolsonaro já disse que, sem voto impresso, “nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos”, em referência à invasão do Capitólio. No Brasil, as instituições serão fortes para evitar qualquer tipo de golpe?

Não tenho a menor dúvida. Eu não acredito que ocorra 10% do que aconteceu nos Estados Unidos. Uma minoria inexpressiva não vai ter apoio. Absolutamente, não. Em conversas espontâneas, os generais têm uma posição muito firme de que a democracia brasileira não pode sofrer nenhum tipo de moléstia. Todos eles. Eu acho o voto impresso uma coisa muito antiquada, completamente desnecessária, porque as urnas são superseguras. E o voto impresso gera uma despesa bilionária para o Brasil. A palavra do Supremo está dada (contra o voto impresso). Uma despesa bilionária, depois da decisão do Supremo, é inaceitável. Não tem sentido.

Bolsonaro repete que não pode fazer nada para enfrentar a pandemia porque foi impedido pelo STF. Não é um equívoco?

O que o STF disse foi o seguinte: todas as Unidades da Federação têm responsabilidade em relação à pandemia. É uma gestão compartilhada, mas tem um aspecto maior, porque a Constituição atribui à União uma competência de coordenação nos casos de calamidade pública. O STF nunca eximiu o governo federal, absolutamente. Ninguém exonerou ninguém de responsabilidade.

O STF virou uma espécie de bode expiatório dos negacionistas, que tentam culpar a Corte pelos efeitos da pandemia?

Houve má interpretação da decisão judicial por parte do estafe do governo. O Supremo tem função precípua de esclarecer aquilo que efetivamente julgou. A decisão ficou tão clara que não houve embargos de declaração do aparato jurídico do governo, que é muito bom. Foi uma decisão claríssima.

Luiz Fux, presidente do STF, durante sessão da Corte Foto: Rosinei Coutinho/STF

O senhor enxerga má-fé ou uma tentativa de usar isso politicamente?

Enxergo como uma percepção alternativa de uma ciência que foi preconizada até alhures pelo (então) presidente dos Estados Unidos (Donald Trump), alguns líderes mundiais também. Em um primeiro momento, eram contra o lockdown, contra o isolamento, e pagaram preço caro por isso.

É preciso uma apuração rápida no inquérito que investiga se houve omissão do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no colapso da rede pública de Manaus?

É preciso deixar bem claro que o Supremo absolve inocentes e condena culpados. Não se tem ainda elemento para se formar uma convicção. O que houve, no meu modo de ver, foi o fator-surpresa, porque alguns países também foram surpreendidos com falta de oxigênio.

Esse inquérito deveria ser prioridade?

A prioridade no momento é decidirmos tudo que possa influir na questão da saúde. Saúde primeiro, e depois a verificação de fatos ilícitos que ocorreram de maneira despudorada. Na verdade, era inimaginável, num momento de pandemia, que os homens públicos ainda tivessem a ousadia de cometer ilícitos diante dessa dor e desse flagelo da população.

Um dos pontos destacados para investigar Pazuello é a distribuição de hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada. Isso não pode ser crime?

A grande verdade é que autoridades médicas do País, até médicos famosos, disseram que passaram pela doença e tomaram hidroxicloroquina. Eu fiquei doente e não tomei. Tive uma covid caprichada. Levei três, quatro meses para voltar a me exercitar, e ainda não estou no auge, não.

O senhor defende a volta do auxílio emergencial?

Tem de haver uma Justiça caridosa, e uma caridade justa. Nós hoje estamos pagando o preço de termos deixado 50 milhões de brasileiros à deriva. Isso era para ter sido visto há muito tempo. Não dá para ser feliz sem pensar no outro. Foi o consumo dessa gente que recebeu o auxílio emergencial que movimentou a economia. Se eu pudesse imaginar a possibilidade de o Brasil continuar com esse auxílio, eu seria superfavorável. É temerário nesse momento deixar essas pessoas à deriva. Nós já as deixamos há muito tempo.

Os escândalos de corrupção não cessam no País. Não é frustrante?

Quando terminou o julgamento do mensalão, eu dizia ‘o Brasil nunca mais vai voltar a ser o que era’. Depois da Lava Jato, eu falei, ‘bom, agora realmente o Brasil nunca mais vai voltar a ser o que era’. Agora, esse flagelo da corrupção, que desmoraliza o Brasil, parece que está introjetado na cultura de determinadas pessoas, porque a falta de amor à coisa pública é aberrante. É inaceitável que uma pessoa queira maximizar suas rendas através do desvio de bens públicos.

A Lava Jato nunca foi tão atacada quanto agora. Teme pelos resultados obtidos na investigação?

A Lava Jato trouxe transformações sem precedentes para o Brasil, que passou a ser respeitado internacionalmente pela atuação contra desvio de dinheiro público. É verdade que, ao longo dos últimos anos, esse movimento teve perdas. Mas o País já mudou. E, na minha avaliação, o combate à corrupção não vai retroceder.

O Judiciário acaba sendo um grupo privilegiado perante o País. O senhor defende uma reforma administrativa que também envolva a magistratura?

Tem de haver uma reforma com relação ao tamanho do Estado. O Estado é muito grande e as despesas públicas são muito grandes. Eu acho que a reforma administrativa tem de obedecer ao princípio da igualdade, tem de obedecer ao princípio da isonomia. O que é ruim para o Brasil tem de afastar para todo mundo também.

O que o senhor acha da ideia do presidente Jair Bolsonaro de escolher um nome “terrivelmente evangélico” para o STF?

Isso é uma prerrogativa do presidente da República. Agora, o Supremo é um tribunal pluri-religioso, tem gente de todas as religiões aqui. O que faria um juiz, terrivelmente evangélico, num colegiado de dez não evangélicos? É preciso ter em mente que, depois da assunção ao cargo, a independência jurídica do membro do Supremo é absolutamente olímpica.

TRANSPORTES É UM PROBLEMA SÉRIO DOS BRASILEIROS

 

Sem home office, periferia se expõe mais ao coronavírus no transporte público

Levantamento do laboratório de visualização urbana MedidaSP mostra que linhas de ônibus das zonas leste e sul têm nº de passageiros próximo ao pré-pandemia

Priscila Mengue, O Estado de S.Paulo

Antes também não era fácil. Chegava-se no trabalho cansado do trajeto longo e apertado durante uma, duas, até três horas. A pandemia trouxe o temor do contágio a esse cenário já exaustivo, em que a ventilação é insuficiente, o tempo de exposição alto e o distanciamento social impossível de praticar. O paulistano que mora na periferia pouco teve a possibilidade de aderir ao “fique em casa” e, majoritariamente dependente do transporte coletivo, enfrenta dificuldades para escapar da transmissão do coronavírus.

Embora o isolamento social tenha reduzido em toda a São Paulo nos últimos meses, a distribuição é desigual. No caso de usuários de ônibus, por exemplo, um levantamento do laboratório de visualização urbana MedidaSP, com dados de todo 2020, mostra que linhas das zonas leste e sul estão com um número de passageiros próximo ao pré-pandemia, diferentemente da zona oeste.

Em uma linha que vai do distrito da Pedreira até a Estação Jurubatuba, da CPTM, na zona sul, a quantidade de passageiros até superou a do período anterior à pandemia. Por outro lado, um coletivo que sai da Aclimação, no centro, até Perdizes, zona oeste, está atendendo 30,6% da demanda usual.

Igor (de máscara branca, à direita) pega ônibus, metrô e trem no trajeto de casa, em São Miguel Paulista, na zona leste, até o trabalho, na Avenida Faria Lima, zona oeste  Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O urbanista Bernardo Loureiro, criador do MedidaSP, lembra que o isolamento de passageiros de ônibus chegou a quase 70% no início da quarentena, mas ficou em 26% em dezembro, puxada para baixo especialmente pela periferia. Isso se torna um fator de maior destaque porque o transporte coletivo segue com redução de veículos em circulação (cerca de 88% do total em dia útil). “Se está mais ou menos a mesma quantidade de pessoas do que era antes da pandemia e a frota está menor, então vai estar mais lotado.”

É o que relata o assistente financeiro Igor Esteves de Jesus, de 28 anos, que pega ônibus, trem e metrô para ir de São Miguel Paulista, na zona leste, até o trabalho, na Avenida Faria Lima, zona oeste. “Parece que o coronavírus só não existe para quem está de home office ou tem muito dinheiro.”

Para ele, a situação é revoltante, tanto que postou imagens nas redes sociais de um vagão de trem em que os passageiros ficavam comprimidos. “O espaço em que caberia uma pessoa vai cinco. Em Itaquera, tem de entrar empurrando, não tem como se mover. Eu me sinto bem impotente, não acho justo. Não tive covid por sorte.”

Uma pesquisa de setembro da Rede Nossa São Paulo com Ibope Inteligência mostra que a população com mais de 16 anos gasta 1h56 no transporte coletivo. Por outro lado, 35% não estão se deslocando para trabalhar, 52% com rendas de mais de 5 salários mínimos.

No caso da analista contábil Mariza Santos, de 32 anos, são 2h30 do distrito de Parelheiros, no extremo sul, até as imediações do Aeroporto de Congonhas. Como “qualquer horário é horário de pico”, passa álcool em gel o tempo todo. “Chego ao trabalho e já vou lavar as mãos e trocar de máscara.”

Linhas das zonas leste e sul estão com um número de passageiros próximo ao pré-pandemia, diferentemente da zona oeste Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Pós-doutoranda em Ciências Atmosféricas na USP, Milena Ponczek defende que os passageiros estejam em assentos intercalados e haja troca de ar. E ressalta: “não importa ter ‘recirculação’ de ar, janela aberta, se estiver superlotado”. Esse cenário propício à transmissão piora com o consumo de bebidas e alimento, conversas e outras ações que criam o espalhamento de aerossóis.

Poder público reconhece risco

Em materiais de conscientização, o poder público reconhece o risco de contágio no transporte coletivo nas condições atuais. No site da Câmara de São Paulo, por exemplo, uma das medidas indicadas é evitar utilizar esse meio de locomoção. Já os protocolos da Prefeitura preveem o estímulo à mobilidade a pé e com bicicleta e indicam, dentre outros pontos: evitar comer e conversar dentro do ônibus, aguardar veículo com menos passageiros e dar preferência para o uso fora dos horários de pico (especialmente idosos).

Procurada pelo Estadão, a Prefeitura disse que, nos ônibus, a oferta está acima da demanda e o ar-condicionado filtra o ar a cada 3 minutos. Ainda citou levantamento municipal de que não haveria relação do uso de transporte e o contágio da covid. Já o governo do Estado disse que o ar é trocado cerca de 22 vezes a cada hora, quando abrem as portas dos trens e dos ônibus intermunicipais da EMTU.

NA PRÓXIMA SEMANA SERÁ O JULGAMENTO DO IMPEACHMENT DO EX-PRESISENTE TRUMP NO SENADO

 

Julgamento do impeachment pressiona senadores do Partido Republicano

No processo que começa nesta semana, tudo indica que ex-presidente americano deve ser absolvido novamente; legenda luta pela sobrevivência política dividido entre conservadores moderados e grupos de extrema direita

Beatriz Bulla / CORRESPONDENTE / WASHINGTON, O Estado de S.Paulo

WASHINGTON – O julgamento do segundo impeachment de Donald Trump, que começa na terça-feira, deve trazer menos desafios para o ex-presidente do que para o futuro dos republicanos. Trump caminha para a absolvição graças aos senadores do partido. Já a legenda tenta sobreviver em uma capital dominada pelos democratas, diante do crescimento do extremismo de sua base, divisões internas e sob a influência política de Trump.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump  Foto: Andrew Caballero-Reynolds / AFP

“Há uma percepção entre os republicanos de que a ala trumpista controla a base do partido. Fora dos microfones, os republicanos que estão em Washington estão aliviados que Trump tenha ido embora, mas sabem que, no nível estadual e com a base, o trumpismo continua sendo muito influente”, afirma Oliver Stuenkel, coordenador da pós-graduação em relações internacionais da FGV-SP.

Os democratas já sabem que não terão 17 votos de republicanos no Senado contra o presidente, o necessário para condená-lo e torná-lo inelegível na próxima eleição. A previsível absolvição de Trump é sinal de que a base eleitoral do partido está mais próxima das visões do ex-presidente do que do conservadorismo moderado, afirma Stuenkel. “Aquele sonho do Lincoln Project de que a ala moderada voltaria a controlar o partido parece distante hoje.” O Lincoln Project é um dos grupos de republicanos dissidentes que romperam com Trump.

Durante a eleição, nomes tradicionais do partido apelaram para que eleitores votassem em Biden, num sinal da insatisfação de republicanos que se consideram moderados. “Em tempos normais, algo assim provavelmente não aconteceria. Mas estes não são tempos normais”, disse o ex-governador de Ohio John Kasich e republicano desde a juventude ao participar da convenção democrata que nomeou Joe Biden, no ano passado. Kasich foi crítico à escolha de Trump como candidato do partido em 2016, mas se recusou a votar em Hillary Clinton.

Para os congressistas, no entanto, há um cálculo imediato: a eleição de meio de mandato, que renova parte do Congresso, acontece em menos de dois anos. Um voto contra Trump pode representar uma derrota política junto à base de eleitores no futuro próximo. “O partido está se tornando algo mais próximo de um culto pessoal do que de uma organização com base em um conjunto de princípios comuns”, diz Michael Traugott, cientista político e professor da Universidade de Michigan. “A absolvição de Trump aumentará a influência dele no partido.”

Desde a invasão do Capitólio, no dia 6 de janeiro, os republicanos têm sido pressionados a se distanciar de teorias da conspiração e a condenar milícias de extrema direita. Os simpatizantes de Trump que invadiram o Congresso tentavam impedir um dos ritos de confirmação da eleição de Biden.

Apoiadores de Trump invadiram Congresso durante a sessão que validaria a vitória de Joe Biden   Foto: Erin Schaff/The New York Times

Muitos republicanos endossaram as teorias infundadas de Trump de que houve fraude na eleição, até mesmo mais de 150 deputados. Além de não contestar abertamente as teorias do ex-presidente, que serviram de base ao ataque ao Capitólio, alguns republicanos no Congresso têm laços com a extrema direita, conforme revelou o New York Times. Há investigações internas em andamento, mas nenhuma evidência de que algum dos parlamentares tenha ajudado os extremistas no ataque.

Republicanos negaram ter qualquer relação com os radicais, mas têm se recusado a expurgar membros que abertamente apoiam teorias da conspiração. O primeiro teste ocorreu na semana passada, quando a Câmara destituiu a deputada Marjorie Taylor Greene de duas comissões. Os republicanos na Câmara se opuseram à medida.

Greene foi eleita após defender abertamente ideias ligadas ao QAnon, teoria conspiratória segundo a qual Trump é um salvador que luta uma guerra secreta contra um Estado profundo globalista, empresários como George Soros, democratas, mídia e até Hollywood para defender os EUA de satanistas e pedófilos.

A reação dos democratas na Câmara veio depois que reportagens mostraram que ela endossou, nas redes sociais, posts que incitam a violência contra parlamentares democratas, incluindo uma publicação que defendia a execução da presidente da Casa, Nancy Pelosi.

O estrategista e cofundador do Lincoln Project, Steve Schmidt, aposta que os republicanos erraram na decisão sobre Greene. E isso terá um custo político. “Marjorie Taylor Greene será a cara do partido, a cara da eleição de meio de mandato, a cara dos extremistas”, disse Schmidt em entrevista à Associated Press.

Mas, na mesma semana, o partido se recusou a afastar de posição de liderança a deputada Liz Cheney, depois que ela votou a favor do impeachment de Trump, uma decisão lida nos bastidores como um sinal de que há divisões sobre como lidar com a influência do ex-presidente dentro do partido.

Diante de uma crise de identidade, os republicanos no Senado preferem ficar na zona de conforto e não arriscar perder os eleitores de Trump. “O comportamento de cada republicano não reflete o que eles acham que está certo ou errado, mas o cálculo que estão fazendo de para onde o partido está indo”, resumiu Stuenkel.

sábado, 6 de fevereiro de 2021

LIÇÕES E EXEMPLOS DE WINSTON CHURCHILL VALEM PARA OS TEMPOS DE CRISE COMO A PANDEMIA

 

Lições de Winston Churchill para líderes globais em tempos de crise

Em tempos de combate à pandemia, líderes mundiais deveriam se ater aos ensinamentos de ‘Memórias da Segunda Guerra Mundial’

Daniel Fernandes, O Estado de S. Paulo

Era 1945. A segunda grande guerra havia acabado. Havia acabado! E esse foi o sinal para uma explosão de alegria em todo mundo. O dever de deter o inimigo maior havia sido concluído com um desfecho pouco provável cinco anos antes, quando poucos se colocaram à frente de Hitler. Um desses homens era Winston Churchill. Naquele momento de vitória, se dirigindo à nação que havia sofrido o impensável, o primeiro-ministro surpreendeu. Como era habitual. “Gostaria de poder dizer-lhes esta noite que toda a nossa labuta e todos os nossos problemas estão terminados.” Não estavam, como a maioria testemunharia pelas décadas seguintes.

Nascido em 1874, morto em 1965, oito semanas após o seu 90º aniversário, a figura de Churchill bem que poderia emergir novamente para ensinar líderes que não sabem… liderar. Não conduzem a população mundial diante de outro inimigo mortal. Desta vez, um vírus. Um novo coronavírus.

‘Essa foi uma época em que toda a Inglaterra trabalhou e se esforçou até o limite máximo e esteve mais unida do que nunca’, disse Churchill quando tudo ia mal para os aliados  Foto: E. WING/INTERNATIONAL NEWS PHOTOS

Na falta que Churchill nos faz em vida, ler Memórias da Segunda Guerra Mundial – no Brasil há uma edição menor, resumida em dois volumes, editados em 2017 pela HarperCollins com 1,1 mil páginas – serviria como uma espécie de autoajuda de alto nível. De altíssimo nível, diga-se, aos políticos protagonistas da crise atual. Pensando em facilitar as coisas a eles, há uma série de passagens dessa autobiografia que merece destaque. Se a ONU fala que a pandemia é o maior desafio desde a Segunda Guerra, e a maioria dos países trata os tempos atuais como de guerra, nada melhor do que reler as ideias do seu principal protagonista.

O dia depois de amanhã

Devastadora e aterradora, e por mais que assim seja, a crise provocada pelo vírus passará. Assim como, muito mais devastadora à humanidade, a crise da segunda grande guerra também findou. Em 1948, ainda no prefácio da edição, Churchill relembra conversa que teve com o presidente Franklin Roosevelt. Eis o nosso primeiro ensinamento. O norte-americano o pergunta sobre como a guerra deveria se chamar. “Retruquei de pronto: ‘a Guerra Desnecessária’. Nunca houve guerra mais fácil de impedir do que esta que acaba de destroçar o que restava do mundo após o conflito anterior.” Churchill, talvez fazendo uma de suas pausas dramáticas, retoma o raciocínio. “A tragédia humana atinge seu clímax no fato de que, após todos os esforços e sacrifícios de centenas de milhões de pessoas, e após as vitórias da Boa Causa, ainda não encontramos Paz ou Segurança e estejamos sujeitos a perigos ainda maiores do que aqueles que superamos.”

Conheça seu inimigo

É de Churchill, neste mesmo livro, uma análise bastante precisa daquele que seria seu principal inimigo durante cinco longos invernos. Sobre Adolf Hitler, o cabo alemão que perdera momentaneamente a visão durante a Primeira Guerra, o inglês adianta tratar-se de um inconformado com a derrota. Derrota que teria sido causada, na visão deturpada do soldado, por processos não convencionais. Teria de ter ocorrido uma traição em algum lugar. “Sozinho e ensimesmado, o soldadinho ponderou e especulou sobre as possíveis causas da catástrofe, guiado apenas por sua reduzida experiência pessoal.” O problema era que Hitler não estava sozinho. Encontra pares, nacionalistas alemães e radicais que sabem a quem culpar pela derrota. Churchill prevê a tempestade perfeita. “Em Viena, ele se misturara com grupos nacionalistas alemães radicais e ali ouvira histórias de atividades sinistras e sabotadoras de uma outra raça, inimiga e exploradora do mundo nórdico – os judeus”, conclui Churchill.

Confiança para ir até o fim

Em outra passagem, já carregada pelo drama da guerra, Churchill havia acabado de conduzir com êxito a retirada de tropas – muitas delas, inúmeras delas, todas elas? – de Dunquerque. Poderia ter terminado ali, pouco depois de começar, a Segunda Guerra caso falhasse. Não falhou e, ao reunir-se com o parlamento, Churchill considera em suas memórias que era o momento de expor tudo que havia acontecido. A real situação das coisas, da hora mais escura. Ele conclui seu discurso assim: “Muito embora grandes pedaços da Europa e muitas nações antigas e famosas tenham caído ou venham a cair sob o jugo da Gestapo e de todo o odioso aparato de dominação nazista, não esmoreceremos nem fracassaremos. Vamos até o fim”. Foram.

Ouse pedir união

Em dado momento da guerra, quando tudo ainda ia mal para os aliados, Churchill escreveu indicando que o leitor deveria compreender “quão espesso e desconcertante é o véu do desconhecido”. E acrescentaria: “Agora, à plena luz da posteridade, é fácil discernir onde fomos ignorantes ou alarmados demais, e onde fomos descuidados ou inábeis”. No espírito do momento, o primeiro-ministro sentencia: “Essa foi uma época em que toda a Inglaterra trabalhou e se esforçou até o limite máximo e esteve mais unida do que nunca”.

Recomeçar e recomeçar

A França havia caído rapidamente diante da exuberante máquina de guerra conduzida por Hitler. Havia sido subjugada, porém, sem o disparo de quase nenhum tiro, quase sem resistência. Pelo rádio, devastado, Churchill não esconde a gravidade da situação. Mas reforça sua crença inabalável num futuro menos sombrio. “Defenderemos nossa ilha em casa e, junto com o Império Britânico, prosseguiremos na luta sem nos deixarmos conquistar, até que a maldição de Hitler seja retirada dos ombros da humanidade. Temos certeza que no fim tudo sairá bem.”

Aguentar…

Ainda assim, só discursos não bastavam para conter o inimigo. E Londres não parava de ser bombardeada. Noite após noite. E a cidade ousava aguentar. Noite após noite. No primeiro volume das memórias sobre a grande guerra, o primeiro-ministro relembra uma visita trivial a um vilarejo quando sobrevém um ataque aéreo. O líder foi se abrigar em um túnel. Um túnel onde um imenso número de moradores viviam permanentemente.

…e ajudar

Quando Churchill sai da proteção, quinze minutos depois, contempla a destruição. Um pequeno hotel fora atingido. Ninguém ficara ferido, mas o lugar fora reduzido a uma pilha de louças, utensílios e móveis quebrados. “O proprietário, sua mulher e os cozinheiros e garçonetes estavam em prantos. Onde estava seu lar? Onde estava seu ganha-pão? Eis aqui um privilégio do poder. Tomei uma decisão imediata. No caminho de volta, em meu trem, ditei uma carta para o ministro das Finanças, Kingsley Wood, estabelecendo o princípio de que todos os danos resultantes do fogo inimigo ficassem por conta do estado, e de que se pagassem indenizações integrais em caráter imediato. Assim, o ônus não recairia apenas sobre aqueles cujas casas e estabelecimentos comerciais fossem atingidos, mas seria equanimemente distribuído sobre os ombros da nação.”

Sobre liderar

Em meio à euforia da vitória, Churchill se dirige novamente à nação. Celebra, mas chama todos à responsabilidade que o amanhã reserva. “Mas, ao contrário, devo adverti-los, como fiz ao iniciar esta missão de cinco anos – e ninguém sabia, na época, que ela duraria tanto – de que ainda há muito por fazer, e de que vocês devem estar preparados para novos esforços da mente e do corpo e para novos sacrifícios em nome de causas grandiosas, se não quiserem recair na vala da inércia, da confusão de objetivos e do medo covarde de serem grandes.”

Por fim, sobre ser grande

Mesmo tão próximo da história, e como sabemos, é preciso distanciamento para compreender com exatidão qualquer acontecimento da natureza daquele confronto. Churchill entende o que foi e poderia ter sido do mundo – não foi, como todos testemunhamos. “É meu objetivo, sendo alguém que viveu e foi atuante nesses dias, mostrar com que facilidade a tragédia da Segunda Guerra Mundial poderia ter sido evitada; como a maldade dos perversos foi reforçada pela fraqueza dos virtuosos; como faltam à estrutura e aos hábitos das nações democráticas, a menos que elas se agreguem em organismos maiores, os elementos de persistência e convicção que são os únicos capazes de dar segurança às massas humildes; e como, mesmo nas questões de autopreservação, nenhuma política é seguida sequer por períodos de dez ou 15 anos de cada vez.”

Senhor de um outro tempo, seu Memórias da Segunda Guerra Mundial tem, inclusive, uma moral. É certamente para facilitar as coisas para nossos líderes leitores em tempo de coronavírus. “Na guerra: determinação; Na derrota: desafio; Na vitória: magnanimidade; Na paz: boa vontade.”

PALAVRAS DE CHURCHILL INFLUIRAM NA 2ª GUERRA MUNDIAL

 

Como as palavras foram a principal arma de Churchill na 2ª Guerra Mundial

‘Um verdadeiro líder pode ajudar a população a resistir ao trauma prolongado’, afirma ao Estadão o escritor e jornalista Erik Larson, autor de ‘O Esplêndido e o Vil’, que narra a resistência de Churchill à blitz alemã entre 1940 e 1941

  •  André Cáceres, O Estado de S.Paulo

Quando Winston Churchill assumiu o cargo de primeiro-ministro britânico, em maio de 1940, a situação do Reino Unido na 2ª Guerra Mundial era delicada: a Alemanha nazista havia acabado de invadir a Noruega, a Bélgica, a Holanda e Luxemburgo, e se preparava para ocupar a França. O bombardeio aéreo que devastou Roterdã em 14 de maio daquele ano levou à rendição dos Países Baixos e soava como um prelúdio do que a Luftwaffe, a força aérea alemã, pretendia fazer com a Inglaterra. Nessa “atmosfera de medo real” — conforme escreveu em seu diário o secretário Harold Nicolson, do Ministério da Informação — Churchill ascendeu ao poder e teve de usar a principal arma que tinha à sua disposição para se defender do arsenal de Hitler: a palavra.

Destroços da biblioteca particular da Holland House, casa do século 17 do Lorde Ilchester, em Kensington, Londres, após um bombardeio alemão em 23 de outubro de 1940 Foto: Hulton Archive/Editora Intrínseca

É o que descreve em detalhes o livro O Esplêndido e o Vil, do jornalista norte-americano Erik Larson. Na obra, o autor se debruçou sobre diários, cartas, discursos e papéis avulsos para narrar o período de um ano e meio entre a ascensão de Churchill e a entrada dos Estados Unidos na guerra, em dezembro de 1941. É notável que o principal objeto de estudo de Larson sejam documentos escritos, citados à exaustão para dar vividez ao relato histórico, porque seu livro parece defender a tese de que foi pelo poder da palavra que Churchill fez a Inglaterra resistir ao poderio bélico nazista.

Boa parte da narrativa compreende a chamada Blitz, período entre setembro de 1940 e maio de 1941 em que a Alemanha bombardeou o Reino Unido, provocando mais de 44 mil mortes de civis. Enquanto bombardeios castigavam Londres — que registrou quase 70% das mortes —, Hitler pressionava Churchill a assinar um acordo de paz, o que parecia a muitos a única alternativa restante com a Inglaterra acuada e sem o apoio dos EUA.

No entanto, se a irredutibilidade moral de Churchill, que se negava a barganhar com o nazismo, pode parecer óbvia 80 anos depois, isso não passa de anacronismo. Larson mostra não apenas que Churchill era duramente criticado por não se render a uma negociação, mas que praticamente ninguém concebia a ideia de que Hitler poderia ser vencido àquela altura do conflito. Essa era a principal razão pela qual os EUA se limitavam a observar a crise à distância: uma pesquisa de maio de 1940 mostrou que 93% dos americanos se opunham à entrada do país na guerra, praticamente o dobro do que foi registrado no início do combate, e o presidente Franklin D. Roosevelt tinha planos de se reeleger para um inédito terceiro mandato naquele ano, chegando a prometer não se envolver na guerra.

A convicção da iminente vitória alemã nesse cenário era tamanha que secretário Nicolson chegou a fazer um pacto com sua mulher, a escritora Vita Sackville-West, de que cometeriam suicídio para evitar serem capturados pelos alemães. O próprio Churchill carregava uma cápsula de cianeto na tampa de sua caneta-tinteiro. É com base nesse contexto de angústia que o título do livro pode ser explicado por uma opinião de Churchill, expressada em seu livro Their Finest Hour, de que desejar o poder pelo poder é uma busca vil, “mas o poder numa crise nacional, quando um homem sabe quais ordens devem ser dadas, é uma bênção”.

Do memorável “Não tenho nada a oferecer senão sangue, trabalho, lágrimas e suor” ao inquietante “Se a história antiga desta nossa ilha deve acabar enfim, que só acabe quando cada um de nós estiver no chão, afogando-nos no sangue deles”, Larson transcreve trechos inteiros de discursos de Churchill. Para cada ataque alemão, havia uma bomba equivalente do arsenal de palavras do primeiro-ministro. À época, ele já era reconhecido como um brilhante orador, e não é por acaso que em 1953 ele foi galardoado com o prêmio Nobel de Literatura “por sua maestria na descrição histórica e biográfica, assim como sua brilhante oratória na defesa dos valores humanos”.

O Esplêndido e o Vil evidencia como esses pronunciamentos foram capazes de alterar aos poucos a opinião pública e, com isso, os rumos da história. Se o atentado japonês na base naval de Pearl Harbor, entre as ondas do Havaí, foi a gota d’água que restava para a entrada dos EUA na guerra, o resto do copo havia sido preenchido pelas explosivas palavras transmitidas por Churchill pelas ondas do rádio.

Erik Larson respondeu às seguintes perguntas do Estadão por e-mail.

Em que medida os discursos de Churchill impactaram os eventos da guerra?

Para mim, o livro é uma história pessoal sobre como Churchill, sua família e seus conselheiros mais próximos conseguiram resistir à primeira e mais relevante blitz aérea alemã. Eu quis usar essa experiência para capturar a história maior de como a Inglaterra como um todo sobreviveu a isso. E aí os discursos de Churchill foram vitais. Ele começava fornecendo avaliações sóbrias dos eventos, mas então seguia com causas reais para o otimismo e, invariavelmente, encerrava com virtuosos floreios que elevavam a moral das pessoas e faziam todos se sentirem no mesmo barco. Como ele próprio disse, ele não deu coragem à Inglaterra; ele ajudou as pessoas a encontrar sua própria coragem.

Guerras são lutadas com armas, mas como Churchill usou suas habilidades oratórias para contra-atacar bombas com palavras?

Isso se deu porque seus pronunciamentos eram tão poderosos e tão belamente escritos, ou melhor, ditados. O que é realmente miraculoso sobre Churchill era sua habilidade de compor discursos intrincados e detalhados na correria, ditando, tipicamente enquanto andava ao redor de uma sala com um charuto na boca. Ajudava o fato de ele ser um escritor prolífico e um ávido leitor, e ter uma grande noção da história inglesa e mundial. Isso era importante, pois lhe dava uma perspectiva ampla sobre o que estava se passando. Ele entendia que o Império Britânico havia existido por um período de tempo muito grande e duraria muito tempo ainda. Seu truque era persuadir o público — uma tarefa na qual ele foi muito bem-sucedido.

A História não admite “se”, mas você consegue imaginar como a guerra poderia ter sido sem essas habilidades singulares de Churchill?

Eu tento evitar especular sobre a História! Dito isso, eu acho provável que outro alguém teria desempenhado esse papel caso Churchill não tivesse existido. Mas eu não posso imaginar alguém fazendo isso com tanta cor, humor, brio — e álcool!

Que lições sobre liderança Churchill oferece aos governantes lidando com a crise da pandemia de covid-19?

Eu creio que o livro seja útil ao mostrar como um verdadeiro líder pode ajudar a população a resistir ao trauma prolongado. Uma grande parte disso foi a habilidade de Churchill de expressar compaixão e empatia, de modo que as pessoas sentiam que ele compartilhava de seus medos e sofrimentos. Isso é vital. Ele também falava ao público com franqueza, porque ele entendia que as pessoas sabiam quão séria era a situação. Dizer o contrário provocaria uma dissonância entre essa fantasia e a realidade objetiva que teria erodido a moral das pessoas. Em contraste, nós tivemos Trump, que nunca ofereceu compaixão ou empatia, preferindo negar a severidade e até a existência da pandemia, e de alguma forma conseguindo tornar até o simples ato de usar uma máscara em um gesto político divisivo — com resultados infelizes, porém previsíveis.

Como foi o processo de pesquisa e por que você escolheu enfatizar e citar trechos de diários, cartas, telegramas e recados pessoais para recriar a atmosfera daqueles dias?

Para escrever o tipo de história que eu gosto de contar, eu preciso de todas essas coisas. Elas oferecem os vislumbres mais precisos e vívidos sobre como a vida realmente era vivida. E também servem como ferramenta narrativa para levar a história adiante. Alguns bons telegramas direto ao ponto ajudam a acelerar o ritmo. Sobre o por quê de citar certos documentos: eu sigo meus instintos. Se um diário parece particularmente vívido e cheio de insights, eu vou citá-lo. Por exemplo, o diário de Mary Churchill. Para mim, ele faz todo o livro, ao oferecer uma ideia tão rica de como os Churchills realmente resistiram àquele periodo. Ela foi uma mulher tão inteligente e articulada, seu diário não apenas nos dá vislumbres das grandes questões da guerra e da política, mas também sobre a vida de uma garota de 17 anos durante essa época. Ela foi perspicaz ao sentir o peso da guerra e teve compaixão pelos que mais sofreram, mas também queria se divertir! E ela o fez bastante. O que nos lembra que, mesmo nos piores tempos, ainda é possível haver experiências e eventos alegres.

Sem diários e correspondência impressa, será mais difícil documentar os nossos dias desse jeito intimista que você retratou aquela época?

É difícil dizer. Certamente as pessoas não escrevem mais o tipo de cartas que costumavam e esse era um recurso poderoso para compreender o passado. Mas nós temos tuítes, postagens no Facebook e em blogs, podcasts em abundância e uma pilha inacabável de fotografias de tudo — especialmente de gatos. Na verdade, eu sinto que tuítes poderiam ser particularmente preciosos para os futuros historiadores. De certa forma, são os telegramas de hoje. É interessante que os Arquivos Nacionais dos EUA agora armazenem grandes quantidades de tuítes, o que é particularmente importante para esse momento. Ninguém que tentar, no futuro, escrever sobre a era Trump será capaz de fazê-lo sem antes se debruçar sobre milhares e milhares de seu tuítes de sanidade questionável. Suspeito que os futuros historiadores vão lê-los e rir sobre o quão ridículos e patéticos esses tuítes eram.

GOVERNO MANTEM PRIVATIZAÇÃO DO CEAGESP DE SÃO PAULO

 

Governo mantém processo de privatização da Ceagesp apesar de Bolsonaro negar venda

Embora presidente tenha afirmado que não vai desestatizar a companhia, que se tornou um reduto bolsonarista em São Paulo, Ministério da Economia ainda analisa processo

Patrik Camporez, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Embora o presidente Jair Bolsonaro tenha dito que decidiu não mais privatizar a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), o governo mantém estudos para a desestatização da empresa pública. O Ministério da Economia afirmou que uma decisão sobre a venda ou não do entreposto comercial só será tomada após essa análise ser concluída, o que está previsto para ocorrer até o fim de março.

Como mostrou o Estadão, a Ceagesp se tornou um reduto bolsonarista na capital paulista. Em visita ao local, na zona oeste de São Paulo, em dezembro, Bolsonaro afirmou que os defensores da privatização são “ratos” cujo interesse é beneficiar amigos. “Para quem fala em privatização, enquanto eu for o presidente essa é a casa de vocês. Nenhum rato vai querer privatizar isso aqui para beneficiar seus amigos”, disse ele na ocasião, durante cerimônia em que inaugurou a reforma de um relógio no entreposto comercial – o maior da América Latina.

A fala de Bolsonaro foi interpretada como um recado ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), um dos seus principais adversários no xadrez eleitoral de 2022. Meses antes, o tucano havia anunciado um acordo com o governo federal para transferir o entreposto para outro endereço, às margens do Rodoanel Mário Covas e passar sua administração para a iniciativa privada. O plano era facilitar o acesso de caminhões que diariamente abastecem o local com produtos agrícolas do Brasil todo. Segundo a Ceagesp, cerca de 50 mil pessoas e 12 mil veículos passam por ali todos os dias.

Bolsonaro durante evento na Ceagesp, em dezembro; na ocasião, ele descartou privatização e ironizou Doria Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO – 15/12/2020

A negociação de Doria foi costurada com Salim Mattar, então secretário especial de Desestatização e Privatização, que deixou o cargo em agosto do ano passado acusando o governo e o Congresso de cederem ao lobby do funcionalismo público para paralisar a agenda de privatizações.

A Ceagesp foi incorporada ainda em 2019 no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), em decreto assinado pelo próprio Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A partir disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) contratou duas consultorias em março do ano passado por R$ 2,6 milhões para estudar o modelo de privatização. Em dezembro, quando o presidente descartou vender a empresa, R$ 560 mil já haviam sido pagos.

Os estudos em andamento incluem a definição de preços dos bens imobiliários, avaliação econômico-financeira, além da decisão sobre o modelo para a desestatização. Esta é a primeira etapa do processo, que ainda prevê outras cinco fases.

Ao Estadão, o BNDES negou que haja orientação para paralisar as análises. “Os estudos estão em fase de elaboração. As ações da Ceagesp seguem depositadas no Fundo Nacional de Desestatização e a companhia ainda está incluída no Programa Nacional de Desestatização”, afirma a nota do banco.

O Ministério da Economia confirmou que os estudos não foram interrompidos e disse que os resultados serão levados para discussão do Conselho do PPI, órgão formado pelo presidente da República, ministros e presidentes dos bancos públicos. “Os estudos serão submetidos ao conselho para deliberação e definição sobre a continuação ou não das demais etapas.” O Planalto não se manifestou.

A mudança de discurso de Bolsonaro em relação à venda da Ceagesp coincide com a nomeação do coronel Ricardo Mello Araújo, ex-comandante da Rota, para o comando da empresa, no fim do ano passado. Bolsonaro tem afirmado que, após o militar assumir o posto, foram “desbaratadas” máfias que agiam cobrando propina de carregadores e vendedores de café que trabalham no local. O presidente nunca apresentou casos concretos sobre o que afirmou.

Em dezembro, quando Bolsonaro inaugurou a reforma da Torre do Relógio, um monumento pintado de verde e amarelo, Araújo pediu que os trabalhadores fossem à cerimônia vestindo as cores da bandeira do Brasil. Muitos atenderam ao pedido.

O evento, realizado em meio à pandemia, teve conotação política. Duas semanas depois, a Ceagesp foi palco de protesto contra Doria. O ato foi motivado pelo aumento de impostos de alimentos – do qual o governador já recuou – e turbinada pela distribuição gratuita de comida. A entrega se deu ao som do Hino Nacional.

Cronologia

4 de outubro de 2019

Ceagesp no PPI

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, assinam um decreto incluindo a Ceagesp no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Presidência e no Programa Nacional de Desestatização.

30 de dezembro

BNDES contrata estudos

O decreto define o BNDES como responsável pela “execução e acompanhamento dos atos necessários à desestatização da Ceagesp”. O banco abre licitação para a contratação de estudos sobre a privatização do entreposto.

13 de março de 2020

Consultorias

BNDES anuncia a contratação de dois estudos, totalizando um gasto de R$ 2,6 milhões, sobre a privatização da companhia.

15 de dezembro

Veto de Bolsonaro

Em evento na Ceagesp, Bolsonaro diz que a empresa não será privatizada enquanto ele for presidente. “Nenhum rato vai querer sucatear isso aqui para privatizar pros seus amigos”, afirma.

3 de fevereiro de 2021

Ministério da Economia

Pasta afirma que o plano de privatização da companhia não foi alterado e que uma decisão só será tomada após a conclusão dos estudos.