Descontentamento na Esplanada: Bolsonaro dispara contra Mandetta
Renato Souza
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Isac Nóbrega/PR O protagonismo de Mandetta, muito elogiado por todos os setores
da sociedade, tem incomodado o presidente No mais claro sinal de
descontentamento com Luiz Henrique Mandetta, o presidente Jair
Bolsonaro fez duras críticas ao ministro da Saúde, que vem ganhando
destaque em meio ao combate à pandemia de coronavírus. Há semanas, nos
bastidores do Planalto, interlocutores apontam uma tentativa do comandante do
Executivo de fritar a imagem do médico que atua na linha de frente das medidas
adotadas em razão da disseminação da Covid-19 no país. Ontem, em
entrevista à Rádio Jovem Pan, o chefe de Estado afirmou que o subordinado
“extrapolou em algum momento”, e completou declarando que Mandetta “não tem
humildade”. Apesar das críticas, ele ressaltou que não pretende demitir o
ministro neste momento.
“O Mandetta já sabe que a gente está se bicando há
algum tempo. Eu não pretendo demitir o ministro no meio da guerra. Agora, ele é
uma pessoa que, em algum momento, extrapolou”, acusou, confessando abertamente
a existência de atritos entre os dois que, até então, negava. “Ele sabe que tem
uma hierarquia entre nós. Eu sempre respeitei todos os ministros, o Mandetta
também. Ele montou o ministério de acordo com sua vontade. Eu espero que ele dê
conta do recado.”
O “desabafo” de Bolsonaro aconteceu após ele ser
perguntado se demitiria Mandetta para escolher um ministro da Saúde que
concordasse que a medida de controle à pandemia mais efetiva para o momento
seria o isolamento vertical, em que apenas as pessoas do grupo de risco, como
idosos, deveriam cumprir confinamento. O presidente tem reiterado esse desejo
diariamente, enquanto o ministro cobra cautela.
“O Mandetta quer fazer valer muito a vontade dele. Pode ser que ele teje
(sic) certo, pode ser. Mas tá faltando um pouco mais de humildade dele para
conduzir o Brasil neste momento difícil que nós nos encontramos e que
precisamos dele para que a gente vença essa batalha com o menor número de
mortes possível”, enfatizou.
O presidente ainda reclamou que, no Ministério da Saúde, alguns
profissionais se contagiaram pelo clima de “histeria” e de “pânico” em razão da
pandemia e ordenou que “já está no momento de todos botarem o pé no chão”. “Se
destruir o vírus e destruir também os empregos, nós vamos destruir o Brasil. É
isso que nós temos de entender. É como numa guerra. Numa guerra, infelizmente,
você perde soldados, e soldados são seres humanos”, argumentou. “E, aqui, você
também vai perder gente, nessa luta contra o vírus. Mas se você fizer dessa
forma que alguns governadores e prefeitos estão fazendo, até por orientação do
Ministério da Economia (na verdade, da Saúde), o preço vai ser muito alto a ser
pago lá na frente.”
Mandetta não polemizou com Bolsonaro. Às críticas do mandatário, disse
apenas “ok” e acrescentou que não comenta o que o presidente da República fala.
“Ele tem mandato popular, e quem tem mandato popular fala, e quem não tem, como
eu, trabalha”, resumiu, em entrevista à Folha de S. Paulo. “Nunca fiz nenhum
comentário sobre as ações dele. Não se comenta o que o presidente da República
fala.”
AtritosDesde os primeiros casos de coronavírus no Brasil, Mandetta defende
distanciamento social, compra de suprimentos médicos, criação de leitos de UTI,
hospitais de campanha e investimento em pesquisa científica para conter a
tragédia provocada pela doença na maioria das nações atingidas. Na contramão
disso, Bolsonaro descumpre recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS)
e do ministro e sai às ruas, juntando aglomerações e anunciando tratamentos que
ainda não foram comprovados cientificamente.
A postura técnica de Mandetta agrada parlamentares tanto do governo
quanto de oposição e arranca elogios de ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF), a ponto de o presidente da Corte, Dias Toffoli, afirmar, em uma das
sessões, que ele é “inamovível” no governo. No entanto, o protagonismo do
titular da Saúde incomodou Bolsonaro, que agiu para reduzir a presença dele em
coletivas de imprensa, comunicados e boletins sobre a situação epidemiológica
do país. Além de os informes terem sido transferidos para o Planalto, a
presença de integrantes da área militar do governo nas conferências foi
reforçada, mesmo sem ligação direta com o combate à epidemia.
DivisãoNos bastidores, outros ministros têm mostrado apoio às medidas definidas
por Mandetta. Até mesmo parte da ala militar entende a gravidade da crise de
saúde pública, social e econômica e defende a postura estratégica do titular da
Saúde.
Enquanto outras nações acordaram para a necessidade de isolamento social
e a importância de medidas econômicas para socorrer os mais vulneráveis e as
empresas, Bolsonaro ainda duvida da gravidade da situação. No entanto,
acreditava-se que o atrito no centro do Executivo, que opõe ideologia e
realidade científica, não seria levado a público. “A preocupação minha é o
vírus e o desemprego, que não pode ser tratada de forma dissociada. No domingo,
eu, como chefe de Estado, como comandante, fui a Ceilândia e Taguatinga ver o
povo. É triste e desesperador o que a gente vê, em especial junto aos
informais”, frisou. “Esses levaram uma paulada no meio da testa, com as medidas
tomadas por alguns governadores. O que foi, ao meu entender, uma série de
medidas exageradas. De 0 a 30 anos, tem 0% de óbito no Brasil; de 30 a 39, tem
3,3% de óbito”, frisou. A saída pelas ruas da capital, no domingo, provocou
críticas de Legislativo, Judiciário e entidades da sociedade civil.
Jejum contra a pandemiaO presidente Jair Bolsonaro disse que
vai definir um dia de jejum contra a Covid-19: “Paz, tranquilidade. Para quem
tem fé, Papai do céu está conosco, acredite em Deus. E vamos brevemente, de
acordo com o que evangélicos e católicos têm pedido para mim, marcar um dia de
jejum de todo o povo brasileiro para a gente ficar livre deste mal o mais
rápido possível”, afirmou.
Volta do comércio por decretoO presidente Jair Bolsonaro reforçou
que as questões do "vírus e desemprego não podem ser tratadas de forma
dissociada" no Brasil e defendeu o afrouxamento das regras de quarentena.
Segundo o presidente, se, a partir da próxima semana, "não começar a
voltar o emprego, vou ter de tomar uma decisão". Entre as alternativas,
Bolsonaro, em entrevista à Rádio Jovem Pan, sugeriu "numa canetada"
autorizar o retorno às atividades dos comerciantes. "Eu tenho um projeto
de decreto pronto para ser assinado, se for preciso, que considera como
atividade essencial toda aquela indispensável para levar o pão para casa todo
dia", afirmou o presidente. Segundo ele, "enquanto o Supremo ou o
Legislativo não suspender os efeitos do meu decreto, o comércio vai ser aberto.
É assim que funciona".