Como o Japão mantém o coronavírus sob controle
Deutsche Welle
© picture- alliance/Zuma/Sopa/ V. Kam Apesar do
coronavírus, japoneses não deixam de festejar o Hanani
Das cerejeiras que adornam as avenidas e parques
japoneses, o coronavírus parecia estar bem longe no último fim de semana. Em
todos os lugares, pessoas faziam piquenique sob o esplendor rosa, comiam,
sorviam latas de cerveja e tiravam fotos diante dos brotos recém-florescidos.
“Hanami, o contemplar das flores, é a coisa mais
importante no ano para nós, japoneses”,
diz um animado funcionário do parque Ueno, em Tóquio..
O contraste com a Europa não poderia ser maior. O
Japão tem apenas dez focos de covid-19, registrando nesta terça-feira (24/03)
41 mortos e 1.166 infecções confirmadas. Apenas algumas dezenas de novos
contágios são adicionados diariamente às estatísticas.
Na verdade, esses números tinham tudo para
explodir. Afinal, o país tem alta densidade demográfica, possui a maior
proporção de idosos do mundo e um contato muito próximo com a vizinha China. Em
janeiro, 925 mil chineses chegaram ao Japão, e em fevereiro, 89 mil.
No entanto, o governo demorou a tomar medidas mais
rígidas. O primeiro-ministro Shinzo Abe fechou as escolas duas semanas antes
das férias, e todos os eventos foram cancelados. Mas lojas e restaurantes
permaneceram abertos, e não foram muitos os japoneses que começaram a trabalhar
de casa.
Desconfiança do
governo?
As estatísticas sobre a disseminação da covid-19
inicialmente levantaram suspeitas de que a verdade estava sendo varrida para
debaixo do tapete.
“Na época do desastre nuclear em Fukushima, o
governo primeiramente não quis admitir o derretimento dos reatores. Isso fez
com que haja atualmente muita desconfiança em relação às declarações oficiais”, diz a socióloga Barbara Holthus, do Instituto
Alemão de Estudos Japoneses, em Tóquio.
Apesar de ter capacidade para 6 mil testes por dia,
o Japão fez apenas 14 mil exames, 20 vezes menos do que na Coreia do Sul, que
foi duramente atingida pela pandemia.
“Apenas os pacientes com os sintomas mais severos
são testados”, informa o virologista Masahiro Kami, do Medical Governance
Research Institute. “O número de casos não registrados é, portanto, muito
alto”, avalia. O cientista político Koichi Nakano acusa o governo japonês. “O
primeiro-ministro Shinzo Abe quer retratar o Japão como um país seguro”, diz.
Tais críticas são rejeitadas pela equipe de
especialistas que assessora o Ministério da Saúde japonês. Em vez de realizar
testes em âmbito nacional, a tática consiste em buscar onde existe acúmulo de
infecções. Por exemplo, quando a doença foi detectada em uma escola primária, a
ilha de Hokkaido, no norte do país, fechou todas as escolas e declarou estado
de emergência. Após três semanas, o vírus parou de se espalhar.
“O pequeno número de testes deve garantir que os
recursos sanitários permaneçam disponíveis para casos mais graves”, analisa o cientista político alemão Sebastian
Maslow, da Universidade de Tóquio.
Sem apertos de mão
Especialistas em Japão destacam outras
características especiais: por um lado, o hábito de curvar-se para cumprimentar
pessoas reduz o risco de infecção. Não há apertos de mão nem beijos no rosto.
Por outro, desde a primeira infância, a população se atém, de maneira
disciplinada, a regras básicas de higiene.
“Lavar as mãos, fazer gargarejos com solução
desinfetante e usar máscaras fazem parte de nossa vida cotidiana. Para isso,
não precisamos de coronavírus”,
relata uma japonesa, mãe de duas crianças.
© Getty Images/AFP/P. Fong Crianças japonesas
aprendem regras de higiene desde cedo
Por isso que foi fácil para a sociedade se adaptar
à nova realidade a partir de fevereiro. Desde então, desinfetantes para as mãos
estão disponíveis em todas as lojas e entradas de empresas. Usar máscaras
tornou-se uma obrigação civil.
Mesmo antes do novo coronavírus, os japoneses
consumiam 5,5 bilhões de máscaras por ano, uma média de 43 por pessoa. Essa
cifra saltou tanto durante a pandemia que as lojas ficaram sem estoque de
máscaras. Novas remessas passaram a ser vendidas de forma racionada. Antes da abertura
do comércio, as pessoas já esperavam pacientemente formando fila na porta das
lojas. Muitos estabelecimentos passaram a oferecer pedaços de tecido e filtros
de café com instruções para que os clientes fizessem suas próprias máscaras.
“Os japoneses aparentemente entenderam rapidamente
que e uma infecção pode permanecer sem sintomas”, afirma o executivo alemão Michael Paume, radicado
no Japão. “Então, colocam a máscara para proteger os outros, a fim de não
transmitir vírus.”
“Máscara
reduz risco de contágio”
O uso em massa parece desacelerar os vírus. É o que
indica a queda acentuada no número de pacientes com gripe nas sete semanas
posteriores ao surgimento do vírus Sars-CoV-2.
“As máscaras reduzem a transmissão de gotículas com
material viral pelos seus portadores”,
constatam agora também cinco médicos ocidentais em um estudo, entre eles,
Fabian Svara, do instituto de pesquisa Caesar, de Bonn, na Alemanha, e Matthias
Samwald, da Universidade de Medicina de Viena.
Além do distanciamento social e da lavagem das
mãos, o protetor para a boca pode desempenhar um papel importante na redução do
contágio, segundo os cinco especialistas. Eles avaliam que o baixo número de
infecções em países como o Japão comprova isso.
Em razão desse sucesso, o primeiro-ministro Shinzo
Abe optou há uma semana por não declarar estado de emergência nacional.
Desde então, os japoneses estão voltando lentamente à vida cotidiana normal. As
escolas de reforço pedagógico voltaram a funcionar, as crianças sentam-se a uma
determinada distância umas das outras em salas ventiladas. Os primeiros parques
de diversões abrem, mas quem apresenta febre tem que ficar do lado de fora.
O governo, porém, teme uma segunda onda de
infecções. Por isso, no início do novo ano escolar, em abril, só as escolas em
áreas sem registro de casos devem reabrir. Eventos maiores continuam proibidos.
No entanto, a preocupação principal está no perigo
apresentado por visitantes estrangeiros. Depois dos sul-coreanos, desde sábado
são os cidadãos da União Europeia (UE) que estão impedidos de entrar
no país. Só aqueles residentes no Japão podem entrar, mas todos os que chegam
da Europa devem ficar em quarentena por 14 dias. Segundo informações não
oficiais, as medidas devem vigorar inicialmente até o final de abril.