Por que o Congresso é o alvo predileto?
Vinicius Valfré
BRASÍLIA - O adiamento das manifestações marcadas
para hoje por causa do coronavírus não poupou o Congresso
de ataques. Mesmo após ter vivido a maior renovação da história recente nas
eleições de 2018, o Legislativo
ainda é alvejado por críticas, como mostram pesquisas de opinião.
Após sugerir a suspensão dos atos, o presidente
Jair Bolsonaro, que passou 28 anos no Congresso como deputado, teve apoio de
seguidores ao dizer que “um tremendo recado ao Parlamento” foi dado nos últimos
dias.
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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Pesquisas mostram que a população confia pouco na Câmara e
no Senado e não tem expectativa de melhora
A percepção negativa se reflete nas pesquisas.
Divulgado em dezembro, levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre a
imagem das instituições mostrou que 79% das pessoas não confiam no Congresso.
Apenas 10% acham a atuação do Parlamento ótima ou boa.
No diagnóstico de ex-presidentes, políticos e
analistas ouvidos pelo Estado, a explicação passa pelo excesso de
privilégios dos parlamentares, por práticas de corrupção e “toma lá dá cá” e
pelo hiato entre o resultado de votações no plenário e a melhoria no cotidiano
da população.
Foi uma discussão sobre a concentração de uma fatia
de recursos públicos nas mãos de deputados e senadores que levou Bolsonaro a
alimentar a fogueira acesa dias antes pelo ministro do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), general Augusto Heleno. O chefe do GSI provocou um
terremoto político ao acusar o Congresso de chantagear o Executivo.
Bolsonaro compartilhou um vídeo por WhatsApp incentivando as manifestações em
defesa do governo – como revelou o Estado – e, a partir
daí, a convocação de atos contra o Congresso e o Judiciário foi feita nas
plataformas digitais. Na prática, ao mesmo tempo em que impulsiona novas
figuras da política, o terreno virtual expõe o poder.
Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, trata-se de um sintoma da crise
de democracia representativa. “Com as redes sociais, as pessoas opinam
diretamente e imaginam que as instituições representativas são dispensáveis”,
disse FHC. “A Lava Jato mostrou a teia que envolveu governo, empresas e alguns
parlamentares. Além disso, o Poder Legislativo sempre foi mais aberto e,
também, mais fácil de ser criticado.”
Desgaste
O retrospecto do Congresso não ajuda. Escândalos
como o dos anões do Orçamento (1993), do mensalão (2005) e a prisão do então
presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), em 2016, afetaram a imagem do
Legislativo e o desgaste se tornou irrestrito.
Na avaliação do ex-presidente Michel Temer,
a generalização atrapalha. “Há uma tentativa de desacreditar o Congresso, uma
coisa meio doentia até, e negativa para o País”, afirmou ele, que também foi
alvo da Lava Jato. “Algumas ações judiciais propostas contra membros do Legislativo,
ao longo do tempo, criaram essa visão negativa de um órgão que é muito positivo
para a democracia.” Temer presidiu a Câmara três vezes.
A baixa credibilidade não é apenas saldo dos
ruidosos protestos de 2013. Para o historiador e cientista político José Murilo de
Carvalho, o descontentamento se agravou após 1964. “A ditadura
manteve a instituição em situação de humilhante dependência do Executivo. Os
eleitores eram obrigados a participar de uma farsa em que elegiam
representantes que não os representavam e usavam o mandato apenas em benefício
próprio, em arranjos clientelistas.”
Trinta e cinco anos após o fim do regime, o
resultado das urnas de 2018 sinalizava o início de uma nova relação entre
representantes e representados. Naquele ano, surgiram novos personagens para 46
das 54 cadeiras em disputa no Senado e a Câmara mudou sua composição em 52%.
Mesmo assim, esse aspecto não foi capaz de alterar de forma expressiva a
opinião do eleitor. Pesquisa da XP Investimentos, feita em fevereiro, apontou
que a avaliação ótima ou boa era de 19% quando os atuais parlamentares tomaram
posse, caiu ao longo do ano e chegou a 10%. E, para 52% dos entrevistados, a
expectativa para os próximos seis meses não é melhorar nem piorar. É ficar tudo
como está.
As pessoas não entendem as atribuições dos Poderes
e o senso comum prevalece, sobretudo entre aqueles que não acompanham e não
conhecem as atribuições das Casas. É o que observa o cientista político Jairo Nicolau,
professor do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do
Brasil da FGV. “A população não tem noção da renovação. Sabe de um nome ou
outro, mas não acompanha milimetricamente a atividade parlamentar. E a ideia
dos privilégios, da autoproteção do Congresso, é bem explorada nas redes
sociais.”
Embora sejam alvo de críticas, líderes do Congresso
estão convencidos de que atendem às demandas populares. Citam o trabalho para a
aprovação das reformas e do equilíbrio fiscal como sinal de responsabilidade e
consideram injustos os ataques sofridos pelos presidentes da Câmara, Rodrigo
Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Contribuição
O ex-senador e ex-ministro Cristovam Buarque
disse, porém, que a contribuição do Congresso ainda é pequena. “Onde o povo vê
a construção de uma coesão e de um rumo para o País? O povo não vê. Claro que
pior que o Congresso é o presidente que temos hoje. Mesmo assim, (o
Legislativo) não atrai a simpatia da população pelo excesso de privilégios que
têm os parlamentares em relação ao Brasil.”
Para o jornalista e ex-deputado Fernando Gabeira,
o Congresso tem se empenhado em algumas boas decisões reformistas. “Mas
continua cobrando pedágios, na forma de fundos eleitorais, etc.”
O próprio processo de escolha de candidatos aparece
no radar das críticas ao Congresso. O sistema brasileiro é o proporcional. Com
isso, não necessariamente o deputado mais votado ganha. Eleito 11 vezes para a
Câmara, o ex-deputado e ex-ministro Miro Teixeira considera “um desastre” esse
modelo. “O sistema de voto proporcional com quociente eleitoral se esgotou. No
voto majoritário, a expressão popular do parlamentar contribui para o
fortalecimento da instituição. No proporcional, é a instituição que vai
fortalecer o titular do mandato.”
Professor da USP, José Álvaro
Moisés também questiona o sistema proporcional, em que
correligionários disputam entre si, coligações põem ideologias distintas no
mesmo pacote e candidatos menos votados podem ser eleitos. “Isso explica a
distância que o Legislativo tem com relação aos representados. Em seis meses,
as pessoas esquecem em quem votaram e não têm mais conexão.”/ COLABOROU
FELIPE FRAZÃO