terça-feira, 8 de outubro de 2019

PROBLEMAS DO PRESIDENTE TRUMP COM O PROCESSO DE IMPEACHMENT


Mais um delator: o que há até agora contra Trump no pedido de impeachment


© EPA Trump regressa à Casa Branca após jogo de golfe no domingo; segundo delator veio à tona, de acordo com advogados que o representam

Um segundo delator se pronunciou no processo de impeachment contra Donald Trump, alegando ter conhecimento em primeira mão sobre o pedido do presidente americano a seu par ucraniano para que investigasse seu rival político Joe Biden, dizem advogados que representam o informante.
Segundo esses advogados, que também representam o primeiro delator - o qual denunciou o telefonema feito por Trump ao ucraniano Volodymyr Zelensky em 25 de julho -, o novo informante também é um oficial americano de inteligência e também se reportou às autoridades americanas. Ainda não há detalhes públicos sobre o que o segundo delator denunciou.
Pelo Twitter, o advogado Andrew Bakaj afirmou que sua equipe representa judicialmente "múltiplos delatores em conexão com [a queixa] de 12 de agosto".
A queixa é um dos principais documentos que embasam o pedido de impeachment. Ela cita informações de diferentes oficiais de inteligência que alegavam preocupação com a possibilidade de Trump estar usando seu poder para solicitar interferência de um governo estrangeiro nas eleições de 2020, quando o americano tentará se reeleger. O documento também acusa Trump de usar US$ 400 milhões em ajuda militar para pressionar Zelensky a investigar Joe Biden, principal pré-candidato democrata para o pleito do ano que vem, e o filho dele, Hunter Biden, que trabalhou como conselheiro para uma empresa de gás ucraniana.
A Casa Branca não se pronunciou sobre o segundo delator, mas Trump tem dito repetidamente que está sendo alvo de uma "caça às bruxas" por parte da oposição democrata e negou ter pedido a interferência ucraniana na eleição, bem como ter retido a ajuda militar ao país em troca de favores.
A seguir, veja o que há até agora contra Trump no pedido de impeachment:




A denúncia
Em meados de setembro, jornais americanos publicaram reportagens apontando que um delator - cuja identidade ainda não é conhecida - relatava que Trump havia pedido, durante o telefonema com Zelensky, que a família Biden fosse investigada por supostos atos de corrupção na Ucrânia.
Isso motivou a presidente da Câmara dos Representantes, democrata Nancy Pelosi, a abrir, em 24 de setembro, um pedido de impeachment contra Trump, sob a alegação de que, ao supostamente pressionar Zelensky a agir contra um adversário político, o presidente extrapolou os limites de seu cargo para "solicitar a interferência de um país estrangeiro nas eleições de 2020" e obter ganhos eleitorais.
Pelosi afirmou em seu pronunciamento que Trump "violou seriamente a Constituição", traiu seu juramento presidencial, a segurança nacional americana e a integridade das eleições do ano que vem.
A queixa divulgada pela Casa Branca
Em 25 de setembro, a Casa Branca divulgou um memorando com anotações (não uma transcrição) sobre a conversa entre Trump e Zelensky, feitas por oficiais que a escutaram.
Segundo o documento, Trump diz a Zelensky:
-"Ouvi dizer que você tinha um procurador que era muito bom e foi demitido e isso é muito injusto. Muita gente está falando sobre isso. Houve muita discussão sobre o filho de Biden; que Biden impediu um processo de acusação [contra o filho] e muita gente quer descobrir mais sobre isso, então o que você conseguir fazer a respeito do procurador-geral, seria ótimo. Biden saiu se gabando de que impediu a investigação, então se você puder dar uma olhada nisso... [O caso] Soa terrível para mim."
Zelensky responde:
-"Vamos cuidar disso e trabalhar na investigação do caso. Além disso, peço gentilmente se você tem alguma informação adicional para nos oferecer; seria muito útil."



© Reuters/Getty Informante diz que Trump pediu a líder ucraniano para investigar Biden (dir.) e seu filho


Trump alega que não pressionou Zelensky a agir, nem condicionou isso a nenhuma ajuda militar americana. Ele admitiu ter pessoalmente bloqueado quase US$ 400 milhões em auxílio militar a Kiev alguns dias antes de sua conversa com Zelensky, mas negou que isso fosse para pressioná-lo — e sim para forçar a "Europa e outros países a também contribuírem" com o governo ucraniano.
"Será que os democratas vão se desculpar depois de ver o que foi dito no telefonema com o presidente da Ucrânia? Deveriam, (foi) uma ligação perfeita — peguei eles de surpresa!", afirmou Trump pelo Twitter naquele dia.
O documento divulgado pelo Congresso
Dois dias depois, porém, em documento tornado público pelo Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes, o primeiro delator do caso afirma que, nos dias seguintes após o famigerado telefonema de 25 de julho entre Trump e Volodymyr Zelensky, "eu soube de múltiplas autoridades americanas que integrantes de alto escalão da Casa Branca haviam intervindo para um 'lock down' (ocultamento) de todos os registros do telefonema, especialmente da transcrição palavra por palavra que havia sido produzida, como de costume, pelo Situation Room (sala de conferências e gerenciamento de inteligência) da Casa Branca".
"Esse conjunto de ações me mostrou que autoridades da Casa Branca entenderam a gravidade do que havia ocorrido na ligação", prossegue a queixa do delator.
O delator, segundo o documento, afirma que a transcrição do telefonema não foi arquivada no sistema de informática usual da Casa Branca para ligações cotidianas — em vez disso, foi arquivado em um sistema separado, destinado a informações sigilosas.
O delator ressalta que "não foi testemunha direta dos eventos descritos", mas diz que achou "críveis os relatos por parte dos meus colegas, porque, em quase todos os casos, diversas autoridades relataram (informações) consistentes entre si".
Trump reagiu pelo Twitter no mesmo dia. "Um delator com informação de segunda mão? Mais uma notícia falsa! (Foi) um telefonema muito bom, sem pressão (contra o presidente ucraniano). Mais uma caça às bruxas", escreveu.
As mensagens divulgadas pelos comitês investigativos no Congresso



© Brendan Smialowski/AFP/Getty Images Câmara dos Representantes abriu um pedido de impeachment contra o presidente americano Donald Trump


No dia 3 de outubro, já dentro do inquérito de impeachment que corre no Congresso americano, vieram a público mensagens de texto trocadas entre diplomatas de alto escalão ligados à Ucrânia.
Segundo a CNN, em uma dessas mensagens, Bill Taylor, diplomata sênior dos EUA na Ucrânia, afirma a Gordon Sondland, embaixador americano na União Europeia:
- "Estamos agora dizendo que assistência de segurança e reuniões com a WH [sigla de Casa Branca] estão condicionadas a investigações?"
Sondland apenas responde "me ligue".
Em outro trecho das mensagens, divulgado pelo New York Times, Bill Taylor diz a Sondland:
- "Como disse por telefone, acho uma loucura reter assistência de segurança [à Ucrânia] em troca de ajuda com uma campanha política."
Sondland responde:
- "Bill, acho que você está incorreto quanto às intenções do presidente Trump. O presidente foi claríssimo sobre a nenhuma troca de nenhum tipo. O presidente está tentando avaliar se a Ucrânia vai realmente adotar as reformas e a transparência que o presidente Zelensky prometeu durante sua campanha e sugiro que nós paremos essa ida e vinda de textos".
As mensagens de texto foram entregues ao Congresso por Kurt D. Volker, antigo enviado do Departamento de Estado americano à Ucrânia, que testemunhou perante a Casa legislativa na última quinta-feira.
Os seis comitês legislativos envolvidos nas investigações do processo de impeachment devem ouvir ainda depoimentos de diversos outros diplomatas, incluindo Gordon Sondland.
Além disso, o Departamento de Estado foi intimado a prover mais documentos relacionados ao telefonema de 25 de julho.
As conclusões desses seis comitês podem embasar ou não uma acusação formal contra Trump e uma eventual votação na Câmara por sua remoção.

PROBLEMAS DO GOVERNO BOLSONARO COM O SEU RELACIONAMENTO COM O MUNDO


Amazônia, discurso na ONU, lealdade a Trump: Os riscos da política externa de Bolsonaro



© Alan Santos/PR Da reaproximação com parceiros poderosos, à possibilidade de isolamento do Brasil no cenário internacional, as escolhas do presidente trazem riscos e oportunidades para o nosso país


O governo Bolsonaro tem buscado mudanças profundas na forma como o Brasil se relaciona com o mundo. São guinadas na política externa que geram oportunidades, mas também riscos.
Entre as mudanças está o alinhamento quase automático com o governo Donald Trump, a interferência, por meio de críticas contundentes a candidatos, nos processos eleitorais de países vizinhos, o tom agressivo em organismos internacionais, e o abandono da neutralidade em conflitos externos, como nas disputas territoriais entre Israel e palestinos.
O discurso do presidente brasileiro na Assembleia das Nações Unidas, na semana passada, fugiu da diplomacia tradicional brasileira e confirmou algumas das posições que Bolsonaro tem defendido junto à sua base eleitoral: forte oposição do governo brasileiro ao regime de Nicolás Maduro na Venezuela, a Cuba e ao que ele chama de ameaça do socialismo; reforço da política ambiental baseada na ampliação de atividades econômicas na Amazônia, e ataques à imprensa nacional e estrangeira.
A conduta do presidente no cenário internacional trouxe algumas vantagens ao Brasil, como a decisão do presidente Donald Trump de tornar o nosso país oficialmente um aliado estratégico extra-Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) -isso significa que o Brasil terá vantagens de acesso a tecnologia militar americana -; a promessa de Trump de interceder junto à OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em favor da candidatura do Brasil e a assinatura do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia cuja negociação se arrastava por mais de 10 anos.
Mas, como é comum em negociações deste tipo, os ganhos obtidos até agora não foram gratuitos - houve contrapartidas controversas. E, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, as apostas na política externa também geram riscos no médio e longo prazo, como os listados a seguir:
- Possibilidade de isolamento do Brasil, caso governos aliados caiam
- Resistência da União Europeia em aprovar o acordo comercial do Mercosul
- Restrições dos europeus à entrada do Brasil na OCDE
- Potenciais boicotes a produtos brasileiros
O risco de colocar 'todas as fichas' no político A
Desde que tomou posse, Bolsonaro tem investido em se aproximar de Donald Trump, num comportamento que especialistas em relações exteriores dizem caracterizar um "alinhamento automático", quando uma nação passa a apoiar a outra em todas as questões de conflito internacional.
O presidente também tem fortalecido a aliança com outros governos e líderes conservadores ou nacionalistas. Alguns exemplos são Benjamin Netanyahu, em Israel, Viktor Orban, na Hungria, e Matteo Salvini, na Itália.
Fugindo da tradição de neutralidade, Bolsonaro tem ainda opinado diretamente no processo eleitoral da Argentina, defendendo a candidatura de Mauricio Macri e fazendo críticas pesadas ao adversário dele, Alberto Fernandez, que tem a ex-presidente Cristina Kirchner como vice na chapa.
 
 
© Augustin Marcarian/Reuters Criticado por Bolsonaro, o peronista Alberto Fernandez está na dianteira da disputa presidencial da Argentina

Mais de uma vez, o presidente brasileiro disse que a Argentina poderá se tornar "uma Venezuela" se Fernandez vencer.
"Olhem o que está acontecendo na Argentina agora. A Argentina está mergulhando no caos. A Argentina começa a trilhar o rumo da Venezuela, porque nas primárias bandidos de esquerda começaram a voltar ao poder", afirmou Bolsonaro em agosto, durante evento no Piauí.
O risco dessa nova estratégia de política externa brasileira é o Brasil apostar fichas demais em governos que podem, eventualmente, cair ou simplesmente não se reeleger, aponta o professor de Relações Internacionais Marco Vieira, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.
A relação acaba sendo menos pragmática e mais pautada na identificação ideológica com líderes estrangeiros. Ou seja, deixa de ser uma relação entre Estados, para se tornar uma relação entre líderes.
"É uma política arriscada, porque pode levar a um isolamento do Brasil. O governo está apostando muito numa aliança bilateral com os Estados Unidos e é uma aliança que pode não ter futuro, a depender do resultado das eleições no ano que vem", disse Vieira à BBC News Brasil.
Trump vai tentar a reeleição em novembro de 2020. Mas, antes disso, terá que enfrentar a maior crise desde que se elegeu presidente em 2016. Ele virou alvo de um processo de impeachment por ter pedido ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que investigasse o filho do Democrata Joe Biden, potencial adversário do presidente americano na eleição do ano que vem.
Ou seja, se Trump é afastado do cargo ou não se reelege, os benefícios que o Brasil esperava obter com essa proximidade com Estados Unidos podem não chegar a se concretizar.




Bolsonaro tenta emplacar o filho, Eduardo Bolsonaro, como embaixador do Brasil nos EUA. O principal argumento usado foi a boa relação de Eduardo com Trump. Mas o presidente americano é alvo de um processo de impeachment e haverá nova eleição presidencial nos EUA em novembro de 2020
Vale lembrar que o Partido Demcrata, de oposição a Trump tem tido postura crítica ao governo Bolsonaro. Um dia depois do discurso de Bolsonaro na ONU, um grupo de 16 parlamentares apresentou uma resolução à Câmara dos Representantes para cancelar a designação do Brasil como aliado preferencial extra-Otan e suspender todo o apoio militar e policial oferecido pelos EUA ao governo brasileiro.
Se os democratas ganharem a eleição americana em 2020, a relação do Brasil com os Estados Unidos pode mudar radicalmente.
Outros aliados do governo Bolsonaro também perderam poder nos últimos meses. O partido de Netanyahu, o Likud, deixou de possuir o maior número de cadeiras no parlamento israelense: obteve 31 cadeiras, enquanto a coalizão Azul e Branca, liderada por Benny Gantz, conseguiu 33 dos 120 assentos, tornando-se a maior força no Legislativo.
Netanyahu tenta se manter como primeiro-ministro, apesar de já não ser o líder do partido mais votado. Mas, para isso, precisa conseguir o apoio de outros partidos ou da Aliança Azul e Branca para formar um governo de união.
Já o líder de ultra-direita Matteo Salvini, que já foi elogiado várias vezes por membros do governo brasileiro, perdeu posto de ministro do Interior da Itália depois que seu plano de se tornar primeiro-ministro por meio de uma eleição geral antecipada fracassou.
Ele rompeu a aliança de seu partido, a Liga, com o populista Movimento Cinco Estrelas, o que derrubaria o governo do primeiro-minsitro Giuseppe Conte e forçaria a realização de um novo pleito.
Mas foi surpreendido pela decisão do Cinco Estrelas de se aliar ao Partido Democrático, de centro-esquerda. Com isso, Giuseppe Conte permaneceu no poder e Salvini perdeu a oportunidade de se candidatar, além de ser forçado a deixar o posto de ministro.


 
Bolsonaro apostou na relação pessoal com líderes conservadores e nacionalistas, mas alguns deles perderam poder e outros podem não ser reeleitos, o que pode mudar radicalmente os laços do Brasil com essas nações
Na Argentina, o peronista Alberto Fernandez, que tem sido duramente criticado pelo presidente brasileiro, está na dianteira da corrida presidencial com Mauricio Macri, aliado de Bolsonaro.
"O Brasil pode perder aliados importantes, como a Argentina, se mantivermos a política de atacar e insultar o provável governo que vai assumir no lugar do Macri", ressalta o professor de Relações Internacionais Marco Vieira.
Mas as opções de alianças feitas por Bolsonaro também produziram benefícios, como o apoio dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE, organização que formula políticas públicas e que conta com a participação de algumas das maiores economias do mundo.
O processo ainda não foi concluído, mas fazer parte desse clube de países considerados mais desenvolvidos funciona como uma espécie de selo de qualidade e pode atrair investidores para o Brasil.
Em algumas ocasiões, também foram aventados riscos nas estratégias de política externa de Bolsonaro que acabaram por não se concretizar.
Havia grande preocupação de que a proximidade de Bolsonaro com os Estados Unidos e com Israel afastasse o Brasil de alguns de seus principais parceiros comerciais, especialmente China e países árabes.



Preocupação de que a relação do Brasil com os EUA pudesse afetar o comércio com a China não se concretizou, diz Christopher Garman, da consultoria Eurasia
Mas, segundo Christopher Garman, diretor da consultoria internacional Eurasia Group, isso não aconteceu— pelo menos por enquanto.
"Era uma preocupação que a gente tinha que a postura antichinesa pudesse contaminar a relação bilateral, mas não é isso que está acontecendo", disse Garman à BBC News Brasil.
"Temos uma retórica muito forte, belicosa, polarizante. Mas a política externa está sendo conduzida pelo lado mais pragmático, tanto com a China quanto na maneira de negociar acordos de livre comércio."
Acordo do Mercosul com a União Europeia
Os analistas entrevistados pela BBC News Brasil concordam na avaliação de que o acordo de comércio do Mercosul com a União Europeia pode ser o primeiro a sofrer concretamente com os efeitos colaterais da atual política externa brasileira.
O acordo, que ainda precisa ser ratificado pelos parlamentos de todos os países envolvidos, foi anunciado durante a reunião do G20 em junho, no Japão, como uma das grandes vitórias do governo Bolsonaro.
A expectativa é que ele gere um aumento de US$ 87 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 15 anos, segundo estimativas do Ministério da Economia.
No entanto, desde a cúpula do G20, a relação entre Brasil e Europa estremeceu muito. A situação se complicou quando os incêndios na Amazônia ganharam a atenção do mundo.
Bolsonaro e o presidente francês, Emmanuel Macron, se envolveram numa séria troca de ofensas por causa desse episódio. Macron cobrou do governo brasileiro providências na proteção da Amazônia, levou o assunto para ser debatido no G7, sem a participação do Brasil, e sugeriu que a floresta é patrimônio de todos.




Para Marco Vieira, da Universidade de Birmingham, discurso de Bolsonaro na ONU dá fôlego à 'ala francesa', que seria mais 'radical' que a alemã nas suas posições contra o Brasil
Bolsonaro rebateu acusando Macron de usar a Amazônia para proveito político próprio. Dali em diante, as trocas de farpas desandaram para o ataque pessoal, especialmente depois de o presidente brasileiro endossar um comentário machista feito no Facebook sobre a primeira-dama francesa, Brigitte Macron.
Também gerou repercussão internacional negativa, especialmente na Europa, o fato de Bolsonaro ter inicialmente culpado organizações não-governamentais pelos incêndios na Amazônia.
Havia uma expectativa de que, em seu discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, o presidente tentaria aplacar os ânimos, apresentando dados que demonstrassem o compromisso do governo no combate ao fogo e na proteção da floresta.
"O que eu esperava que ele pudesse fazer é tentar desmontar parte dos argumentos, chamar atenção para as ações positivas, o compromisso do governo com a biodiversidade e contra o desmatamento", diz Christopher Garman, da Eurasia Group.
Em vez disso, Bolsonaro disse que o Brasil estava sendo alvo de "ataques sensacionalistas" da mídia internacional e fez referência indireta à França e à Alemanha, dizendo que "um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista".

      

Houve uma expectativa frustrada de que Bolsonaro usasse o discurso na ONU para apresentar dados positivos de combate aos incêndios na Amazônia
"Ele focou na questão do ataque à soberania do Brasil. Então, externamente, não se passou a visão de que esse é um governo comprometido com o combate ao desmatamento", avalia Garman.
Vários países europeus estão agora usando a questão ambiental para tentar derrubar o acordo comercial com o Mercosul, que ainda precisa ser ratificado pelos parlamentos.
O parlamento da Áustria, por exemplo, aprovou uma moção contra o texto e parlamentares franceses, irlandeses e alemães já manifestaram a intenção de rejeitar o acordo.
"Obviamente existem interesses outros. A França, por exemplo, sofre uma pressão muito grande doméstica do setor agrícola, que não vê o acordo com bons olhos. Mas a posição de Bolsonaro sobre meio ambiente permite que essa questão seja usada a favor desses interesses", diz Marco Vieira, da Universidade de Birmingham.
"Macron vai criar uma imagem na França de liderança na área ambiental para fragilizar o acordo."
Perda de privilégios na OMC
Outro aspecto da política externa brasileira afetada pela guinada nas estratégias internacionais do governo é o comercial.
Como já foi mencionado nesta reportagem, a parceria do governo com os EUA foi extremamente importante para que o Brasil obtivesse o apoio para entrar na OCDE. E, se de fato for aceito nessa organização, nosso país poderá ser mais atraente para investimentos externos.
Mas o apoio americano não saiu de graça.
Em troca, o Brasil ofereceu retirar a exigência de visto de turista para americanos e abriu mão do tratamento diferenciado, como país em desenvolvimento, nas negociações da Organização Mundial do Comércio, a OMC.
O tratamento diferenciado prevê benefícios para países emergentes em negociações com nações ricas. O Brasil tinha, por exemplo, mais prazo para cumprir determinações e margem maior para proteger produtos nacionais.
Abrir mão disso foi uma exigência do governo Trump para apoiar o Brasil na OCDE. Além do impacto direto nas futuras negociações comerciais brasileiras, essa decisão afetou a nossa relação com países dos BRICS- grupo formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul.
Isso porque essas nações vão acabar sendo mais pressionadas a abrir, também, mão do tratamento diferenciado. E a Índia já está retaliando o Brasil.
"Na OMC, a Índia já vetou outro dia a nomeação de um embaixador brasileiro para negociar questões na área de pesca e foi um veto ligado exatamente a essa negociação entre Estados Unidos e Brasil pela entrada na OCDE", explica o professor Marco Vieira.
"Portanto, o Brasil está se isolando não só no contexto de economias-chave na Europa e no acordo do Mercosul, mas também com parceiros do Sul global: as economias emergentes como a Índia."
Outro temor é que o Brasil tenha perdido aliados importantes na Europa para o seu pleito de entrada na OCDE.
"A reprovação das políticas internas do Brasil na área ambiental e outras áreas, como de proteção de minorias, vai ter um impacto claro na OCDE", opina Marco Vieira, da Universidade de Birmingham.
"A ala liderada pela França, mais radical, de tentar mudar o comportamento do governo brasileiro através de sanções e boicotes, ganhou força com o discurso de Bolsonaro na ONU. O pleito brasileiro na OCDE pode ficar inviável, apesar do apoio dos Estados Unidos, porque a entrada precisa ser aprovada por consenso."
O embaixador Carlos Márcio Cozendey, representante do governo brasileiro na OCDE, discorda. Segundo ele, países europeus não retiraram, pelo menos por enquanto, o apoio ao Brasil.
"Nós não temos ainda nenhuma indicação nesse sentido. Ao contrário, continuamos a contar com o apoio da União Europeia nesse pleito e o fato é que a legislação e as políticas do Brasil são bastante convergentes com as da OCDE", disse à BBC News Brasil.
Boicotes a produtos nacionais
O setor produtivo brasileiro também é impactado pelas opções de política externa. Desde que os incêndios e o aumento do desmatamento na Amazônia passaram a receber atenção mundial, algumas grandes marcas decidiram suspender a compra de matéria-prima exportada pelo Brasil.
Foi o caso da gigante varejista de fast-fashion H&M e da VF Corporation, multinacional têxtil americana que é dona das marcas Kiplin e Timberland.
Essas empresas suspenderam a compra de couro vindo do Brasil após suspeitas de que a expansão da pecuária seria uma das razões por trás dos incêndios ilegais na Amazônia. O Brasil já recebeu também pressão de fundos de investimento trilionários para que desse mais atenção à proteção da Amazônia.
Esses boicotes e alertas indicam que as empresas temem dano às suas marcas se estiverem associadas de alguma forma ao Brasil.
Ou seja, as opções de política externa do governo afetam não apenas a nossa relação oficial com outros países, mas também a forma como consumidores, empresas e o público em geral enxergam o nosso país.
E as consequências positivas ou negativas vão além de acordos comerciais.

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

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