STF não pode ser uma casta privilegiada, diz senador sobre Lava Toga
André Siqueira
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Geraldo Magela/Agência Senado Para o senador, governo Bolsonaro ataca CPI para
'criar uma cortina de fumaça para esconder as suas fragilidades'
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE)
pretende protocolar, nesta terça-feira, 17, o terceiro requerimento para
instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que pretende investigar o
Poder Judiciário. Entre indas e vindas, a CPI da Lava Toga, como ficou
conhecida a iniciativa, dividiu opinião entre parlamentares, rachou o PSL,
partido do presidente Jair Bolsonaro,
e causou insatisfação de bolsonaristas nas redes sociais.
Em entrevista a VEJA, Alessandro Vieira afirma que
persiste com a ideia de investigar o Judiciário por acreditar que, em uma
democracia, não pode haver “uma casta privilegiada que não pode sequer ser
investigada”. Diz, ainda, que a CPI do Judiciário, instalada em 1999, estopim
para a cassação do então senador Luiz Estevão (DF), é uma inspiração para os
parlamentares do grupo “Muda Senado, Muda Brasil”, que encampam a condução de
uma das pautas mais controversas do Congresso.
O ministro do STF Gilmar Mendes disse
que a CPI é inconstitucional e que está sendo utilizada por senadores, como o
senhor, como artifício para se manter na imprensa. Qual a sua avaliação desta
declaração?
O ministro Gilmar Mendes não tem estatura moral
para avaliar a conduta de ninguém. Segundo, evidentemente, ele está incomodado
com a perspectiva de chegar a ser investigado e, neste sentido, ele pode
explicar porque tem esse receio. Receito tamanho que motivou a paralisação das
apurações da Receita Federal e que, infelizmente, afastou os servidores que
faziam esse trabalho, que é um trabalho comum de apurar as pessoas
politicamente expostas com maior rigor do que se apura a situação fiscal de
pessoas comuns. Então, a manifestação do ministro, nesse sentido, não causa
nenhuma surpresa.
O senhor afirma que as tentativas de
obstruir a CPI da Lava Toga fazem parte de um acordão vigente em Brasília. Que
acordão é este?
É muito claro o acordo firmado entre
determinados ministros do Supremo, especialmente os ministros (Dias)
Toffoli e Gilmar, o presidente da República e os presidentes dos Poderes (Rodrigo
Maia, da Câmara, e Davi Alcolumbre, do Senado). É muito claro, um acordo de
proteção mútua, com ações concretas. Você tem a paralisação das investigações
com base em uso de dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades
Financeiras), que foi proferida em benefício da defesa do senador Flávio
Bolsonaro (PSL-RJ). Uma decisão teratológica, com efeitos em centenas de
milhares de investigações pelo Brasil afora e que não foi mais apreciada.
Passaram-se 60 dias (da decisão de Toffoli) sem que investigações desse
tipo tivessem andamento. Estamos falando de homicidas, traficantes, corruptos,
lavadores de dinheiro que estão imunes por força de uma decisão proferida pelo
ministro Dias Toffoli nos autos de uma causa que não tinha relação com a
situação do hoje senador Flávio Bolsonaro. Então, é muito clara a troca de
favores.
Críticos da CPI afirmam que ela
interfere na harmonia entre os Poderes. O senhor concorda com isso?
Tentam simular esse risco institucional, mas não
existe esse risco. Vivemos em um país que teve dois impeachments, teve
senadores presos, ministros de Estado presos, deputados federais presos,
presidente da Câmara preso. A democracia continuou funcionando normalmente, e
irá continuar funcionando, caso se consiga investigar e seja o caso de punição
a algum ministro do Supremo. As pessoas se afeiçoam tanto ao poder que elas se
confundem com o poder, e passam a achar que são a instituição.
Esta é a terceira tentativa de
instalar a CPI de um dos temas mais controversos do Congresso. Por que a
insistência?
A gente insiste porque acreditamos que esta é uma
pauta essencial para você ter a continuidade do combate à corrupção e a certeza
de que, só assim, teremos uma democracia no Brasil, onde todos são tratados de
forma igualitária. Enquanto houver uma casta privilegiada que não pode ser
sequer investigada, sequer incomodada, não estaremos vivendo uma democracia de
verdade. Esta é a raiz da minha atuação.
A CPI é uma espécie de Cruzada contra
o Judiciário?
De forma alguma. O Judiciário tem um papel
essencial. A imensa maioria dos magistrados, de ministros do STF, é de pessoas
corretas. Existem situações pontuais, praticadas por pessoas específicas, que
precisam ser apuradas. Como são apuradas quando acontecem com qualquer
brasileiro. Ministros não deixam de ser brasileiros, sujeitos à aplicação da
lei. Ninguém é contra o Judiciário. Pelo contrário, fazemos a defesa das
instituições. Tentamos colaborar para que, aquelas pessoas que cometem atos
irregulares sejam expurgados dentro do processo legal.
Neste sentido, a CPI do Judiciário de
1999 serviu como inspiração para o senhor?
Antes de qualquer coisa, a CPI de 1999
prova que é possível existir uma CPI do Judiciário. Claramente, o que vemos
hoje é uma campanha de desinformação, especialmente neste último final de
semana. Há uma mobilização de atores políticos na tentativa de disseminar a
ideia de que a CPI da Lava Toga é inconstitucional, que não gera efeito e que
paralisará a pauta econômica. É mentira. Nada disso irá acontecer. Já tivemos
uma CPI desta natureza, e o mundo não acabou, nem teve repercussão nas
finanças. Dou outro exemplo: há uma CPI, na Câmara, do BNDES (Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social), com resultados bastante
interessantes. A pauta continua tramitando normalmente, a reforma da
Previdência foi aprovada. Há uma tentativa de plantar o medo na cabeça das
pessoas para fortalecer suas posições políticas e criar uma cortina de fumaça
para esconder as suas fragilidades.
Que fragilidades são essas?
O fato de que, nas urnas, prometeram uma coisa e,
agora, na prática, estão entregando outra. As instituições de fiscalização e
controle nunca estiveram sob um ataque tão forte quanto estão, hoje, no governo
Bolsonaro.
A deputada estadual Janaina Paschoal
(PSL-SP) defendeu a CPI Lava Toga, mas disse que acredita que o pedido de
impeachment dos ministros do STF seria mais eficaz. Por que o senhor tem dado
preferência para o requerimento de CPI?
Também apresentamos pedidos de
impeachment. Mas qual a diferença de uma CPI para um pedido de impeachment? A
tramitação do pedido de impeachment depende exclusivamente do presidente da
Casa (Davi Alcolumbre). É um ato solitário dele. A CPI, não. Se você
cumpre os requerimentos, ele é obrigado a instalar. Estamos fazendo um esforço
maior pela CPI porque ela defende das nossas forças e não da vontade solitária
de um presidente de um Poder.
Na segunda tentativa, a CPI possuía as
27 assinaturas necessárias, mas o pedido foi arquivado por Alcolumbre. Se isto
se repetir, o senhor pretende ir à Justiça? O STF irá analisar um requerimento
sobre o pedido para investigar a própria Corte?
Exato. A investigação não é da Corte, do Poder. É
sobre atos praticados por pessoas específicas. Não podemos quebrar as regras
democráticas. Vivemos em um sistema de freios e contrapesos. No caso específico
do Supremo, o Senado tem esse poder de, seja previamente, na sabatina, seja a
posteriori, quando pode processá-lo, através do processo de impeachment. É
muito claro esse desenho de equilíbrio democrático. Ele precisa ser executado.
Temos mais de 40 pedidos de impeachment engavetados, sem nenhuma análise. Fazer
isso funcionar é importante. O STF é indispensável para a democracia, mas não o
ministro A ou o ministro B.
O senhor acredita que esse recurso tem
chance de prosperar?
A jurisprudência do STF no tocante à instalação de
CPIs, quando os requisitos estão perfeitos, é no sentido de determinar a
instalação. Davi Alcolumbre não é o primeiro presidente de Poder que enrola e
cria dificuldades para a instalação de uma CPI. Isso infelizmente acontece
muito no nosso cenário político, mas o Judiciário sempre tem se manifestado
pela instalação. Então, a gente imagina que obteremos um resultado igual, ou
alguém estará assinando uma nova confissão de culpa.
A tentativa de instalar a CPI, nos
últimos dias, causou, inclusive, um racha no PSL, partido do presidente
Bolsonaro. O senhor sofreu algum tipo de pressão?
Diretamente não recebi nenhum tipo de pressão, mas
os colegas senadores relatam que têm recebido ligações de pessoas diversas
pedindo a retirada das assinaturas. Os casos mais notórios foram os da senadora
Selma Arruda (PSL-MT) e do senador Major Olimpio (PSL-SP).
Como o senhor avalia a postura dos
senadores do PSL que assinaram o requerimento mesmo contrariando a recomendação
do presidente nacional do partido?
As pessoas já entenderam que esta é uma pauta
técnica, uma pauta de convicção, e que não adianta trabalhar com nenhum tipo de
pressão ou constrangimento.
Senadores do PT não assinaram o requerimento, mesmo criticando
excessos do Poder Judiciário. A que o senhor atribui isso?
Fica
muito clara a contradição entre discurso e prática. No momento, percebemos que
PT e presidente Bolsonaro estão do mesmo lado: contra os mecanismos de
investigação e a favor da leniência para corruptos.

