Brasil X Suécia: como vivem e trabalham os políticos nos dois países
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Melker Dahlstrand Na Suécia, nenhum parlamentar tem direito a secretário ou
assessor particular
"Sério?", reage o deputado sueco David
Josefsson, entre discretos risos de incredulidade, ao ouvir que no Brasil um
único parlamentar (o senador Izalci Lucas, do PSDB-DF) já chegou a ter 85
funcionários durante o mandato. No sistema sueco, nenhum parlamentar tem
direito a secretário ou assessor particular. Cada partido político representado
no Parlamento recebe uma verba restrita para contratar um grupo de assessores,
que atende coletivamente a todos os deputados de uma mesma sigla. E estes
recursos cobrem, em média, apenas a contratação de um assessor para cada
parlamentar.
"Não vejo problema nenhum. Esta é a nossa
realidade, é a forma como trabalhamos. Não é irreal fazer um Parlamento
funcionar com uma quantidade limitada de assessores", diz à BBC News
Brasil o deputado David Josefsson, membro do conservador Partido Moderado e
presidente da Associação Sueco-Brasileira de parlamentares do Riksdag
(Parlamento sueco).
"Também me parece que empregar um número
exorbitante de assessores é um desperdício de dinheiro público", avalia
Josefsson. "Evidentemente, estamos falando aqui do dinheiro dos
contribuintes, e é claro que os políticos devem ser cuidadosos ao gastar este
dinheiro."
No Brasil, os deputados federais têm direito a
contratar até 25 funcionários, e os senadores, o dobro disso. Enquanto isso, no
Parlamento sueco, o gabinete de 7m² do deputado David Josefsson mostra que ali
nem caberia mais uma pessoa.
Assistentes pessoais para deputados também não
existem na Suécia: apenas os líderes partidários e o secretário-geral de cada
partido contam com um auxiliar para tarefas como agendamento de reuniões e
viagens.
"Todos os deputados devem cuidar de suas
próprias tarefas pessoais", diz Thomas Larue, diretor do Secretariado de
Análise e Pesquisas do Parlamento sueco e doutor em Ciências Políticas.
Rotina sem
assessores particulares
David Josefsson conta como é a vida de um deputado
sem assessores particulares - e também sem verba extra para alugar escritório
na sua base eleitoral, diferentemente do que ocorre no Brasil.
"Às segundas e sextas-feiras, como todos os
demais deputados, desempenho atividades na minha base eleitoral, que é a região
de Gotemburgo. Meu partido tem um escritório na cidade, mas eu não tenho
direito a ter uma mesa ali. Portanto, quando estou em Gotemburgo eu trabalho de
casa, com meu telefone e computador", diz.
Nas bases eleitorais, grande parte do tempo de um
deputado também é dedicado a participar de debates, além de reuniões com
eleitores e diferentes grupos da sociedade civil.
"Como qualquer outro deputado, quando trabalho
de casa eu faço minhas reuniões em cafés, hotéis ou na biblioteca pública da
cidade", explica.
De terça a quinta-feira, a rotina da vida
parlamentar na capital sueca começa às 8h.
"O dia de trabalho começa em geral com
reuniões no café da manhã com associações de eleitores, ONGs ou empresas. Às
9h, temos as reuniões dos subcomitês e comitês do partido. Em seguida,
normalmente me dedico a responder emails, manter conversas telefônicas ou
escrever discursos, artigos e moções, por exemplo. Terça-feira é o dia em que
todos os partidos políticos realizam convenções com todos os seus membros no
Parlamento, na parte da tarde. Às quartas e quintas-feiras pela tarde, temos as
sessões no plenário do Parlamento a partir das 16h", descreve Josefsson.
O próprio Josefsson é responsável por organizar a
agenda e divulgar suas atividades parlamentares nas redes sociais - já que, na
Suécia, também não há verba para divulgação das atividades de mandato.
A ajuda que ele recebe do pool de assessores
parlamentares é pontual: os assessores atuam principalmente junto aos líderes
do partido e na assistência aos diferentes comitês do Parlamento. Um time de
assessores de imprensa também auxilia os deputados nas relações com a mídia.
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Luis Macedo/Câmara dos Deputados No Brasil, deputados federais podem contratar
até 25 funcionários e senadores, até 50
"É nos comitês que temos uma ajuda mais direta
e específica dos assessores. Sou membro do comitê de Habitação e Direitos
Civis, e ali temos dois assessores que nos auxiliam em uma série de tarefas,
como, por exemplo, trazer observações encaminhadas por organizações da
sociedade civil sobre novas políticas, organizar reuniões, preparar moções e
também intermediar nossas negociações com outros partidos do Parlamento",
explica.
Para fundamentar suas propostas e moções, Josefsson
recorre ao Serviço de Pesquisas do Parlamento (RUT- Riksdagens
utredningstjänst): diferentemente do que ocorre no Brasil, na Suécia os
deputados não recebem verba extra para contratar consultorias externas.
Com atribuições semelhantes à Consultoria
Legislativa do Congresso brasileiro, o RUT é um órgão do Parlamento sueco que
reúne economistas, cientistas políticos, juristas e especialistas em diversas
áreas - todos a serviço dos 349 parlamentares de todos os partidos.
"Os consultores do Serviço de Pesquisas do
Parlamento são altamente capacitados, e quando um deputado usa o RUT para
elaborar um projeto, todos sabem que o resultado é um produto profissional. Não
é um serviço de consultoria qualquer", aponta o cientista político e autor
sueco Stig-Björn Ljunggren.
Estes consultores altamente especializados estão à
disposição dos deputados para tarefas como pesquisas customizadas, assessoria
financeira e jurídica, cálculos de estatísticas regionais e internacionais, e
análises de consequências da aplicação de reformas e mudanças.
"Mas no dia a dia, todos nós, deputados, temos
que cuidar de nossas próprias tarefas. Os assessores do partido não estão à
nossa disposição para tarefas corriqueiras", acrescenta o deputado.
Parlamentares sem
autonomia
Os assessores do Parlamento sueco são divididos em
três categorias: secretários políticos, assessores políticos e assessores de
imprensa. Em seu conjunto, eles são chamados de secretariado do partido.
Os secretários políticos são uma espécie de versão
mais qualificada dos estagiários que trabalham no Congresso americano e na Casa
Branca: suas tarefas incluem atender telefonemas no anexo do partido no
Parlamento, organizar reuniões, prestar auxílio na elaboração de projetos e
preparar os parlamentares para visitas específicas a fábricas ou organizações
sociais, por exemplo.
Já os assessores políticos devem ter expertise
comprovada em campos específicos do conhecimento, a fim de prestar assessoria
qualificada aos deputados que, em todos os partidos, atuam como porta-vozes em
áreas como economia, agricultura ou questões relacionadas aos direitos da
comunidade LGBT.
No caso do Partido Moderado, 16 dos 70 deputados da
sigla desempenham a função de porta-vozes em diferentes áreas.
"Portanto, os assessores políticos trabalham
majoritariamente com estes deputados, e também nos diferentes comitês
parlamentares", explica Tom Samuelsson, do secretariado do Partido
Moderado.
Já os secretários políticos atendem, cada um, a
cerca de cinco diferentes parlamentares do partido.
Nenhum deputado sueco pode escolher ou nomear
assessores: o recrutamento é feito pelo partido, tanto através de anúncios
públicos como pela seleção de candidatos qualificados em entidades ou empresas
específicas, assim como nas diferentes organizações partidárias a nível
regional.
"Os assessores parlamentares de imprensa, por
exemplo, são geralmente recrutados entre profissionais dos principais veículos
de mídia do país", diz Samuelsson.
Não há uma proibição explícita de contratar amigos
e parentes de deputados. Mas:
"Se um deputado do partido empregar a mulher,
o irmão ou qualquer outro familiar, e que sobretudo não tenha qualificações
para ocupar uma posição de assessor, posso dizer com cem por cento de segurança
que a mídia irá descobrir e denunciar", diz Thomas Larue, diretor de
análise do Parlamento sueco. "E uma vez denunciado, este é um fato que não
seria tolerado por nossa sociedade. Porque o sistema sueco é totalmente
alicerçado no pilar fundamental da confiança social. E se algum político se
comportar de maneira a violar este elemento de confiança, ele deve renunciar ao
seu cargo."
"Nunca ouvi falar em nenhum caso de parentes e
amigos de políticos serem empregados como assessores parlamentares",
afirma Tom Samuelsson, do Partido Moderado (Moderaterna).
A verba de contratação cobre, a título de cálculo,
o salário de um assessor por cada deputado, no valor de 63,1 mil coroas suecas
(cerca de R$ 25 mil). Mas cada partido é livre para distribuir o valor da verba
como quiser, de maneira a montar uma equipe de assistentes que melhor atenda às
necessidades dos deputados. Assim, um partido pode ter até menos de um assessor
por cada parlamentar: pode-se, por exemplo, destinar parte da verba de
contratação de assessores para outras necessidades do partido.
No partido Social-Democrata - o maior da Suécia -,
95 assessores trabalham em conjunto para apoiar as atividades de 130 deputados.
São, no total, 52 assessores políticos, 33 funcionários de apoio para questões
políticas e de imprensa, e dez assistentes administrativos.
Também diferentemente do que ocorre no Brasil,
assessores parlamentares suecos não têm direito a benefícios como
auxílio-alimentação, auxílio-saúde, auxílio pré-escolar para filhos até seis
anos de idade, salário-família e
auxílio-transporte.
O
salário dos deputados suecos é de 66,9 mil coroas suecas (cerca de R$ 27,7
mil). O único benefício extra salarial comum a todos é o cartão anual que os
parlamentares recebem para utilizar os transportes públicos. Apenas para os
deputados com base eleitoral fora da capital, há uma diária de 110 coroas
suecas (cerca de R$ 45) para os dias em que trabalham no Parlamento sueco.
Cargos fracionados no Senado brasileiro
No
Brasil, cada deputado federal ganha um salário de R$ 33.763 e tem direito a R$
111.675,59 por mês para pagar salários de até 25 secretários parlamentares, que
trabalham para o mandato em Brasília ou nos Estados representados por esses
políticos. Eles são contratados diretamente pelos deputados, com salários de R$
1.025,12 a R$ 15.698,32.
Já
no Senado do Brasil, cada gabinete tem uma composição básica formada por 12
assessores, sendo um deles motorista, com uma verba mensal total que varia
entre os parlamentares de cada Estado. Mas o regimento da Casa permite que
esses cargos nos gabinetes sejam fracionados em até 50 postos de trabalho (que
na soma não podem exceder o custo do cargo dividido). Há, no entanto, senadores
que encontram brechas na legislação e conseguem exceder esse limite, caso do
tucano Izalci Lucas, com 85 funcionários.
"Não
conheço o sistema político brasileiro, mas posso dizer o seguinte: se na Suécia
nós não temos essa necessidade, isso demonstra que um parlamentar pode fazer a
maior parte do seu trabalho por conta própria", diz o deputado sueco David
Josefsson.
"Sistemas
políticos podem custar tanto quanto se queira gastar. E não penso que se você
gastar muito dinheiro, vai ter um sistema político necessariamente melhor. Se
tivéssemos muitos assessores, alguns deputados poderiam fazer mais coisas, mas
provavelmente outros trabalhariam menos", acrescenta ele.
Pode-se
argumentar que seja mais complexo gerir o Congresso de um país de maiores
dimensões como o Brasil, admite o cientista político e autor sueco Stig-Björn
Ljunggren, com ressalvas.
"Mas
o número excessivo de assessores particulares a que tem direito um parlamentar
no Brasil parece mais ser uma expressão, a meu ver, de uma espécie de um
antiquado sistema de clãs, em que um político emprega amigos, parentes e
apoiadores. Como uma espécie de patrão e seus clientes. E isso soa muito
estranho para qualquer pessoa que viva em uma sociedade baseada nos fundamentos
da meritocracia", ele diz.
Para
o deputado David Josefsson, o que chama a atenção no Brasil é o número de
assessores particulares à disposição integral de cada parlamentar:
"Parece
muito", ele diz. "Na minha opinião, caso os partidos recebessem mais
recursos seria melhor utilizá-los na contratação de mais assessores especializados
e de uso coletivo pelo partido para o desenvolvimento de políticas, e não para
financiar assistentes pessoais para parlamentares", observa Davidsson.
O
outro lado da moeda, segundo o cientista político Stig-Björn Ljunggren, é que,
no sistema sueco, quem manda no Parlamento são os partidos.
"Na
Suécia, são os partidos que controlam a contratação de assessores, num sistema
em que os deputados não possuem liberdade de escolha e não têm assessores
particulares. Os partidos políticos suecos parecem, assim, ter tomado
precauções para não tornar seus deputados demasiadamente independentes. Pois do
contrário, eles poderiam começar a votar não mais em linha com a forma como os
partidos querem que eles votem em suas diferentes proposições. Este é, na minha
opinião, o problema do sistema sueco: ele é mais centralizado. Por outro lado,
é um sistema que funciona muito bem, e muito melhor do que em países como o
Brasil, onde parece existir uma outra forma de pensar a política", avalia
Ljunggren.