O que é nepotismo no Brasil?
Vinícius Passarelli
©
Gabriela Biló/Estadão O presidente Jair Bolsonaro e seu filho, o deputado
federal Eduardo Bolsonaro
A eventual indicação de
Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado
federal e filho do presidente Jair Bolsonaro, para o cargo de embaixador
do Brasil nos Estados Unidos levantou o debate sobre o nepotismo por
parte de agentes públicos.
O presidente Jair Bolsonaro já afirmou
que a indicação de seu filho para a embaixada não configura nepotismo, uma vez
que uma súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) leva à jurisprudência de
considerar nepotismo apenas nomeações de parentes para cargos administrativos,
e não para cargos políticos, o que seria o caso do cargo de embaixador.
O ministro do STF Marco Aurélio
Mello, no entanto, afirmou que a eventual indicação é um “péssimo exemplo” e que pode ser
enquadrado como nepotismo.
O que é nepotismo?
A prática do nepotismo se dá quando um agente
público se utiliza de sua posição de poder para nomear, contratar ou favorecer
cônjuge, companheiro, parente em linha reta ou colateral, por consanguinidade
ou afinidade, até o 3º grau.
Ou seja, o nepotismo acontece quando as relações de
parentesco são fator determinante para a nomeação de alguém para cargo ou
função pública em comissão, de livre nomeação, em detrimento da capacidade
técnica do contratado.
A princípio essa prática já é vedada
pela própria Constituição Federal de 1988 que determina que a
administração pública deve ser conduzida pelos princípios da “moralidade e
da impessoalidade”. No entanto, algumas legislações esparsas tratam do tema
de forma mais específica.
Quais são os tipos
de nepotismo?
Quando um agente público nomeia
diretamente um familiar seu, até o terceiro grau de parentesco, configura-se o nepotismo
direto. Há também o chamado nepotismo cruzado ou recíproco, que é
uma espécie de troca de favores entre agentes públicos: um nomeia familiar de
outro e vice e versa.
Como o nepotismo é
tratado na legislação?
O principal dispositivo jurídico que
regulamenta a prática no País no âmbito do Poder Executivo Federal é um decreto
presidencial de 2010 (decreto nº 7203), emitido pelo entãopresidente Luiz Inácio Lula da Silva, que veda o nepotismo
nos órgãos e entidades da administração pública federal direta ou indireta.
O decreto prevê as situações em que o nepotismo é
presumido e as quais precisam de uma investigação específica. A contratação de
familiares para cargos em comissão e função de segurança, a contratação de pessoa
jurídica de familiar por agente público responsável por licitação e a nomeação
de familiares para vagas de atendimento a necessidade temporária de
“excepcional dinheiro público” são consideradas situações de nepotismo
presumido.
Por outro lado, algumas situações não são tão
claras e precisam de investigação específica, como o nepotismo cruzado, a
contratação de familiares para prestação de serviços terceirizados e
contratações não previstas expressamente no decreto, com indício de influência.
A súmula vinculante
nº 13 do STF que trata de nepotismo
Outro documento jurídico importante em
relação ao nepotismo e que tem baseado a maior parte das decisões sobre o
assunto é a súmula vinculante nº 13, de 2008, do STF, que proíbe o
nepotismo nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, no âmbito da União,
dos Estados e dos municípios, independentemente de lei, uma vez que a prática
fere diretamente a Constituição.
A súmula estabelece que a nomeação
de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade,
até o terceiro grau, viola a Constituição. “Inclusive, da autoridade
nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de
direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de
confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e
indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas”, diz o
documento do STF.
A súmula vinculante é um verbete editado pelo
próprio STF, apoiado em diversas decisões sobre a mesma matéria, que tem efeito
vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração
pública.
É com base nessa súmula que a jurisprudência
adotada pelo Supremo tem determinado que não se enquadra como nepotismo a
nomeação de parentes para cargos eminentemente políticos, apenas para cargos
administrativos ou em comissão.
“É assim que se tem interpretado”,
afirma a advogada e mestre em direito público e administrativo pela Fundação
Getúlio Vargas Vera Chemim. “No entanto, de acordo com a Constituição, com a
lei de improbidade administrativa e com o próprio decreto de 2010, há o
conceito amplo de agente público, que engloba cargos administrativos e
políticos e, portanto, acredito que o nepotismo deve englobar também cargo
político”, diz a especialista, que lembra que há um recurso parado no STF
que pede a revisão dessa exceção.
O recurso extraordinário, apresentado em 2018, já
teve repercussão geral reconhecida, por unanimidade, em votação pelo plenário
virtual da Corte. Resta agora o plenário votar o mérito do recurso e definir se
a proibição do nepotismo pela súmula vinculante nº 13 alcança a nomeação para
cargos políticos.
O recurso foi apresentado em razão de uma ação
direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Ministério Público do Estado de
São Paulo no Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) para questionar uma lei
municipal, do município de Tupã (SP), que passou a desconsiderar nepotismo a
nomeação de parentes dos nomeantes para o cargo de agente político de
secretário municipal.
À época, o ministro Luiz Fux,
relator do recurso, afirmou que o debate se resumia a saber se a nomeação de
familiares para cargos políticos deve ser considerada inconstitucional ou não.
“A discussão orbita em torno do enquadramento dos
agentes políticos como ocupantes de cargos públicos, em especial cargo em
comissão ou de confiança, mas, ao não diferenciar cargos políticos de cargos
estritamente administrativos, a literalidade da súmula vinculante sugere que
resta proibido o nepotismo em todas as situações”, observou Fux.
Improbidade
administrativa
Além destes dispositivos legais que
tratam diretamente do nepotismo Vera Chemim chama a atenção também para a Lei
de Improbidade Administrativa que, assim como a Constituição, determina que
agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a observar os
princípios de legalidade, impessoalidade e moralidade no desempenho de suas
funções.
“O nepotismo pode ser enquadrado como um ato de
improbidade administrativa por configurar falta de decoro. Por se tratar de uma
matéria administrativa e não penal, seria prevista apenas sanção administrativa,
que pode variar desde uma simples anulação da nomeação até um processo de perda
dos direitos políticos e de função pública, a depender das circunstância e da
autoridade envolvida”, afirma a especialista.
Em relação à pessoa contratada, se configurado o
nepotismo, ela deve ser exonerada ou ter o ato normativo que determinou sua contratação cancelado.