segunda-feira, 15 de julho de 2019

ENTREVISTA COM O PROCURADOR DA REPÚBLICA SOBRE SUPOSTAS MENSAGENS DA LAVA JATO


'Não tenho receio de depor no Congresso', diz Dallagnol

Estadao Conteudo 





© ABr O procurador disse que não tem medo do que possa ser apresentado pela imprensa no caso das mensagens reveladas pelo The Intercept

Alvo de questionamentos após a divulgação de supostas mensagens que sugerem conluio com o ex-juiz Sérgio Moro (atual ministro da Justiça) na Lava Jato, o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba, diz que não tem medo do que possa ser apresentado. "Todos os atos da força-tarefa são fundamentados em fatos, em provas e na lei e foram validados por diversas instâncias da Justiça."

  
A seguir, trechos da entrevista:
Tem suspeitas sobre quem acessou os diálogos?
Só a PF pode dar essa resposta. Mas houve invasão de sistemas telefônicos e sequestro de contas de aplicativos, o que sugere o uso de métodos sofisticados. Sabemos que muitas autoridades foram atacadas, mas só as da Lava Jato são alvo de divulgação, o que dá pistas sobre os interesses envolvidos.
Quem tem interesse nesse hackeamento?
O interesse é anular condenações e barrar o avanço da investigação. A operação atingiu muitos poderosos. Poderia ser qualquer um deles, além dos corruptos que ainda não foram alcançados pela Lava Jato.
Por que o sr. não aceitou o convite para depor sobre o caso na Câmara? Tem algum receio?
Não tenho receio porque todos os atos da Lava Jato estão justificados em fatos, provas e na lei e foram validados por diversas instâncias da Justiça. O Congresso é palco de discussões relevantes, mas de natureza política. Meu trabalho é técnico e feito perante a Justiça.
A força-tarefa não tem reconhecido as mensagens, mas o The Intercept Brasil também divulgou um áudio e diz ter outros. Isso não confirma a autenticidade?
É realmente possível que o criminoso tenha obtido mensagens do aplicativo Telegram. Entretanto, isso não afasta a possibilidade de edição ou falsificação das mensagens de texto ou áudio, o que pode ter ocorrido até mesmo antes de o material ser entregue ao site, que não o submeteu a nenhuma autoridade para verificação.
O que é verdade ou mentira nessas mensagens?
Não temos as mensagens originais para comparar. Antes da divulgação do hackeamento, encerramos as contas no aplicativo para proteger investigações em andamento e nossa segurança. Isso apagou as mensagens nos celulares e na nuvem. É impossível lembrar detalhes de milhares de mensagens trocadas ao longo de anos. A mudança de uma palavra, a inserção de um "não" ou a abstração de contextos podem mudar significados. E o que temos visto são indícios de edição e evidências de que supostas mensagens, na forma como são apresentadas, contrastam com a realidade.
Reportagem da revista Veja mostra supostos diálogos em que o sr. teria enviado versão inacabada de denúncia a Moro. Reconhece este diálogo?
Apresentamos aos juízes e aos tribunais análises e argumentos, em reuniões e por escrito, sempre que necessário para defender o interesse público. Mas jamais existiu prática de antecipar peças em elaboração.
O ex-juiz orientou a Procuradoria a publicar uma nota oficial criticando a defesa de Lula?
Não tenho como comentar diálogos que não tiveram o contexto e a veracidade comprovados. O interesse do MP não é condenar, mas buscar a Justiça, o que implica a absolvição dos inocentes. Não fazemos notas contra ou a favor de pessoas.
Há outro caso em que o ex-juiz teria orientado a incluir um dado de depósito bancário em uma denúncia, antes de ser recebida. Ele orientava os procuradores?
Ainda que essa mensagem fosse verdadeira, ela não mostra atuação enviesada. Na falta de manifestação do MP sobre o tal depósito, o juiz poderia ter despachado nos autos, questionando o órgão sobre o eventual arquivamento implícito do fato. Ou poderia suscitar o aditamento da denúncia, como permite o Código de Processo Penal no artigo 384. Sobre o caso em questão, o juiz absolveu os réus em relação ao depósito.
Mensagem atribuída a Moro expõe suposta preocupação em não "melindrar" o ex-presidente Fernando Henrique com a abertura de investigação, pois ele seria "um aliado importante". O sr. se recorda desse episódio?
Se buscássemos aliados, seriam importantes Lula, Eduardo Cunha e Sérgio Cabral, políticos influentes, mas que foram condenados e presos. Os fatos deixam claro que influência, dinheiro e poder jamais foram critérios para aferir responsabilidade na Lava Jato.
Como vê as críticas do ministro Gilmar Mendes, do Supremo, à atuação do MPF na Lava Jato?
Prefiro não comentar ataques e grosserias de autoridades contra a Operação Lava Jato.
Como avalia a acusação de que havia o objetivo deliberado de tirar Lula do cenário político?
Essa é uma teoria dos que querem forçar anulações. A Lava Jato não se resume a um ou outro caso. São centenas de casos que atingiram todo o espectro ideológico. Só na força-tarefa de Curitiba já passaram 19 procuradores e mais de 30 servidores. A equipe inclui eleitores do PT. Os atos judiciais são revisados por três instâncias. A teoria da conspiração não se verifica.
O que o levou a fechar a denúncia contra o ex-presidente?
O mesmo motivo que embasou denúncias contra outros réus: a existência de provas de um crime e de sua autoria. Ninguém tem prazer em acusar alguém ou ao constatar tanta corrupção no País, ainda mais quando praticada por quem deveria dar o bom exemplo.
Tem medo do teor de novas mensagens?
Não. O que receio é de que a luta contra a corrupção pare.

ESTRADAS E FERROVIAS NO BRASIL ESTÃO MAL CONSERVADAS


Sem manutenção, infraestrutura do País é corroída pelo tempo
Segundo dados do economista Cláudio Frischtak, estoque de tudo que já foi investido no País caiu de 60% para 36% do PIB
Renée Pereira, O Estado de S.Paulo




Durante anos, o trecho ferroviário entre Santos e Cajati, no Vale do Ribeira, foi usado como importante corredor para o transporte de carga e de passageiros. Com o decorrer dos anos, a falta de manutenção – e a desativação do ramal – devastou os trilhos. O mato tomou conta da ferrovia, os dormentes apodreceram e os vagões abandonados estão sendo corroído pela ferrugem. Na BR-010, no Pará, o cenário é semelhante, com a diferença de que a estrada está em operação. Crateras no acostamento e a má qualidade do pavimento ameaçam a vida dos motoristas que passam por ali – resultado da falta de manutenção da rodovia.

Os dois exemplos são prática comum Brasil afora. Nos últimos anos, o País não só tem investido menos que o necessário para expandir a infraestrutura como não consegue manter os ativos existentes. O resultado é a deterioração de rodovias, ferrovias, pontes, viadutos, sistema de transporte urbano e saneamento básico.

Antes: rodovia BR- 010 em 2015 Foto: CNT - 8/7/2015
Estudo do economista, Claudio Frischtak, presidente da consultoria InterB, mostra que o estoque de tudo que já foi investido em infraestrutura despencou de quase 60% do Produto Interno Bruto (PIB) na década de 80 para 36,3% no ano passado. Na prática, esses números indicam que os ativos estão se deteriorando com o baixo volume de investimentos e perdendo valor.
Segundo o trabalho, parte significativa da infraestrutura brasileira tem entre 30 e 40 anos e baixo nível de manutenção, o que se traduz em perdas de eficiência, elevado custo de operação e risco de integridade física. O razoável, diz Frischtak, seria o País alcançar a marca de 60% do PIB em estoque de infraestrutura. Em países com economia mais madura o porcentual varia entre 65% e 85% do PIB.

Depois: dois anos sem investimento adequado, rodovia põe motoristas em risco Foto: CNT - 19/7/2017
Saneamento
“Não estamos falando em investir para chegar ao nível de Japão e Finlândia. Estamos falando em investir na cobertura de serviços básicos como água e esgoto”, diz o economista. Pelos dados de Frischtak, entre 2001 e 2017, o Brasil investiu, em média, 0,18% do PIB em saneamento enquanto o ideal seria 0,45% ao ano. Esse hiato de investimento se reflete em números alarmantes: atualmente, 100 milhões de brasileiros não têm acesso a rede de esgoto e 35 milhões não são abastecidos com água potável. “Há uma carência muito grande de investimentos e ainda assim não vemos nada muito significativo sendo feito. É muito preocupante”, diz Marina Aidar, advogada do escritório Vieira Resende.
Além de a expansão desses serviços serem lentos, a estrutura atual não recebe manutenção adequada. Um pesquisa recente do Instituto Trata Brasil mostra que 38,3% de toda água potável, tratada e pronta para ser distribuída, se perde pelo caminho especialmente por causa de vazamentos e dos chamados “gatos”. “Com a falta de investimentos, o sistema envelhece e o volume de vazamento aumenta”, afirma o sócio da GO Associados Pedro Scazufca, consultor técnico do estudo.
Rodovias Esquecidas. No setor de transporte, a situação segue o mesmo caminho. Entre 2001 e 2017, segundo Frischtak, o investimento médio foi de 0,67% do PIB por ano enquanto o ideal seria 2%. A pior situação é verificada nas estradas, cuja qualidade vem se deteriorando nos últimos anos por causa dos baixos investimentos. Um levantamento feito pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT), com os 15 piores trechos rodoviários, exemplifica bem essa realidade.
Intitulado “Rodovias Esquecidas do Brasil”, o trabalho mostra que, nessas estradas, o investimento médio por quilômetro equivale a R$ 66,51 mil por ano enquanto a média nacional é de R$ 144,27 mil. O pior resultado foi verificado na ligação Marabá – Dom Eliseu, no Pará. Essa ligação obteve a menor parcela dos investimentos, de apenas R$ 32,19 milhões nos 14 anos considerados, entre 2004 e 2017.
“Essas rodovias recebem menos recursos que o mínimo previsto para fazer a manutenção. Por isso, não conseguem ter melhora na sua qualidade”, afirma o diretor executivo da CNT, Bruno Batista. Segundo ele, um dos principais problema é que os governos se preocupam mais em construir do que em manter os ativos. “A questão é que o investimento feito no passado está se deteriorando. Pior: a despesa gerada pela infraestrutura ruim já é maior que o investimento feito nas estradas.”
Ele se refere ao custo hospitalares e a sobrecarga na Previdência com os acidentes rodoviários. Em 2017, destaca o executivo, o Brasil investiu R$ 7,9 bilhões nas rodovias federais. O custo com os acidentes foi de R$ 11 bilhões. “Não é uma lógica muito inteligente.”