Aécio Neves é
acusado de receber fortuna para comprar apoio político em 2014
Lucas Simões
A Polícia Federal
(PF) deflagrou ontem a operação Ross, um desdobramento da “Lava Jato”, na qual
acusa o senador Aécio Neves (PSDB) de liderar uma organização criminosa e
receber ao menos R$ 110 milhões em propinas do grupo J&F, do empresário
Joesley Batista.O suposto esquema envolveria corrupção e lavagem de dinheiro.
O objetivo do
tucano, segundo a investigação, seria comprar apoios parlamentares para a
eleição presidencial de 2014. Aécio acabou derrotado por Dilma Rousseff (PT) no
segundo turno.
O inquérito policial
cita o envolvimento de dezenas de parlamentares, secretários de governo de
Minas Gerais e o ex-governador do Estado e senador Antonio Anastasia (PSDB),
afilhado político de Aécio.
Segundo a denúncia,
Aécio, que é investigado em outros nove inquéritos no Supremo Tribunal Federal
(STF), liderou uma suposta organização criminosa para tentar vencer as eleições
de 2014. As investigações apontam que o senador teria usado o cargo público
para cobrar o pagamento de propinas diretamente de Joesley Batista, um dos
sócios do grupo J&F, em pelo menos quatro encontros realizados com o
empresário entre 2014 e 2017.
Na análise da
Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, juntada ao inquérito da PF, ficou
“evidenciada relação espúria e duradoura entre Aécio Neves e executivos de um
dos maiores grupos empresariais brasileiros, que, confessadamente, praticaram
múltiplos atos de corrupção em todas as escalas do poder”.
Apesar de ainda não ter prestado depoimento à Polícia Federal, Aécio negou as
acusações. O advogado do tucano, Alberto Zacharias Toron, chegou a dizer que “a
correta e isenta investigação vai apontar a verdade e a legalidade das doações
feitas”.
Em pronunciamento à
imprensa no Senado Federal, ontem, Aécio reforçou que “não houve ilicitude”
durante a campanha ao Palácio do Planalto e acusou Joesley Batista de falsear
informações “em busca da manutenção de sua imunidade penal”.
Ontem, desde as 6h,
a PF realizou buscas na residência do tucano, no bairro Anchieta, Zona Sul da
capital mineira, e[/TEXTO] no apartamento na avenida Vieira Souto, em Ipanema,
na Zona Sul carioca. Os agentes confiscaram computadores, celulares e documentos
de campanha eleitoral.
Segundo a Polícia
Federal, Aécio teria comprado o apoio de 11 partidos, que, juntos, teriam
recebido R$ 45 milhões para apoiar o tucano na campanha à presidência da
República. Desse montante, R$ 15 milhões teriam sido entregues ao Solidariedade,
por intermédio do deputado federal Paulinho da Força.
Outros R$ 20 milhões
teriam sido pagos ao PTB, por meio de deputados federais. Uma das beneficiadas
seria Cristiane Brasil, filha de Roberto Jefferson.
Além disso, mais nove partidos teriam recebido, juntos, R$ 10,3 milhões para
apoiar Aécio.
Os pagamentos
constam de um arquivo chamado “Planilhão de Doações 2014”, apresentado por
Joesley Batista em 25 de abril de 2018, na delação premiada registrada na PF.
A planilha, segundo
as investigações, era organizada por cores distintas, de modo a identificar a
origem ilícita dos pagamentos: azul para notas fiscais falsas; amarelo para
pagamentos em espécie; verde para os depósitos em conta corrente e branco para
doações oriundas de lavagem de dinheiro.
Entre os intermediadores dos pagamentos, responsáveis por repassar as propinas
aos apoiadores de Aécio, estariam o primo do senador, Frederico Pacheco de
Medeiros, e a irmã do tucano, Andrea Neves. Os dois prestaram depoimento na
Polícia Federal ontem e foram liberados em seguida.
Além deles,
compareceram à Polícia Federal ontem empresários do ramo de supermercados,
acusados de fornecer notas frias para doações ilegais de campanha, o
marqueteiro de Aécio Neves durante a campanha presidencial de 2014, Paulo
Vasconcelos, e Danilo de Castro, ex-secretário da Casa Civil no governo Antonio
Anastasia (PSDB), entre 2010 e 2014. Nenhum deles quis falar com a imprensa.
Anastasia nega envolvimento em esquema do grupo J&F
Citado no inquérito da Polícia Federal (PF), o senador Antonio Anastasia teria
recebido R$ 2 milhões em doações ilegais de campanha para favorecer o grupo
J&F enquanto foi governador de Minas. O suposto esquema seria uma
contrapartida pelas propinas que teriam sido solicitadas por Aécio Neves ao
empresário Joesley Batista.
Segundo a
investigação, enquanto Anastasia foi governador do Estado, entre 2010 e 2014, a
Secretaria de Estado da Fazenda (SEF) teria sido usada para “restituição de
créditos fiscais de ICMS em benefício do grupo empresarial (J&F)”. A
previsão inicial das restituições seria da ordem de R$ 24 milhões, sendo R$
12,6 milhões relacionados à JBS/AS Couros e R$ 11,5 milhões relativos à empresa
Dagranja (Seara), ambas pertencentes à J&F. Apesar disso, R$ 5 milhões
foram realmente restituídos, segundo o inquérito.
O
ex-secretário-adjunto da Fazenda no governo Antonio Anastasia (PSDB), Pedro
Meneguetti, e o secretário da Casa Civil, Danilo de Castro, compareceram à sede
da PF ontem para prestar depoimento.
Meneguetti e Danilo
chegaram à PF acompanhados de advogado, mas não quiseram falar com a imprensa.
Atualmente, Meneguetti ocupa o cargo de diretor-presidente da PBH Ativos,
empresa ligada ao Executivo municipal. A defesa do ex-secretário não quis se
manifestar.
Já a defesa de Danilo
de Castro informou, por meio de nota, que ele não é investigado no inquérito e
que todos os atos de governo praticados por ele “foram pautados pelo mais
absoluto respeito à moralidade, à impessoalidade, ao interesse público e às
leis”.
Apesar de Anastasia
ser citado no inquérito, o senador não foi intimado pela PF a depor. A
assessoria de imprensa do tucano informou, por meio de nota, que “Antonio
Anastasia desconhece totalmente o motivo pelo qual teve seu nome envolvido
nessa história” e que “em toda sua trajetória, ele nunca tratou de qualquer
assunto ilícito com ninguém”.
O OUTRO LADO
Alvo principal da
operação Ross, o senador Aécio Neves fez um pronunciamento ontem no Senado.
“Fiz questão de vir falar com vocês, em razão dessas operações desencadeadas
hoje em Brasília e em outros estados do Brasil, em primeiro lugar para dizer
que as solicitações da Polícia Federal foram absolutamente desnecessárias até
porque o maior interessado em esclarecer todas essas questões sempre fui eu. E
eu sempre estive à disposição das autoridades para prestar todos os
esclarecimentos devidos. A verdade é que não podemos mais aceitar que delações
de criminosos confessos e suas versões se sobreponham aos fatos. E o fato
concreto é um só. O que estamos tratando nesse inquérito? De doações à campanha
eleitoral. Doações feitas em 2014 de forma legal, registrada na Justiça
Eleitoral, aprovadas por esta mesma Justiça Eleitoral, sem absolutamente
qualquer contrapartida. Agora, delatores, e no caso o sr. Joesley Batista, em
busca da manutenção de sua imunidade penal, da sua incrível imunidade penal,
falseia as informações e transforma algo lícito, legal, com aparência de crime.
Não houve nenhuma ilicitude. Ao contrário, procuraram durante todo este tempo
algum benefício que eu pudesse ter oferecido ao seu grupo, como governador,
como senador da República, não encontraram nada”, disse Aécio.
Sobre a restituição
de créditos fiscais à JBS, o senador mineiro disse que “jamais os ajudou em
nada”. “E se buscarem mais no tempo, quando eu era governador do Estado, o que
vão encontrar é uma autuação do Estado a este mesmo grupo feita entre 2008 e
2010. Eles recorreram ao Conselho dos Contribuintes por recolhimento irregular
de ICMS e o que ocorreu foi que o Estado enquanto eu governava teve ganho de
causa sobre esse grupo. Chega de tentar transformar a realidade em benefícios para
estes delatores”, afirmou.
A reportagem não
conseguiu contato com os advogados da irmã do senador, Andréa Neves, e do primo
ele, Frederico Pacheco.
Em nota, Paulinho da Força afirmou que a acusação de compra do apoio do
Solidariedade por Aécio em 2014 é “absurda” e “beira o ridículo”. Já a defesa
da deputada Cristiane Brasil disse que a PF busca incriminar uma atitude
política, porque naquele ano era permitida a doação eleitoral de empresas
privadas.