O quinto dos infernos
Manoel Hygino
Lendo “O outro Pedro
e a Outra Madalena segundo os apócrifos”, de autoria de Jacir de Freitas Faria,
que Yara Tribuzzi gentilmente me enviou, tive ensejo de aprender mais a
respeito do inferno, além do que ensina Aurélio Buarque de Holanda Ferreira em
seu popular dicionário da língua portuguesa.
Pois bem. Jacir,
padre e frade franciscano, que fez seus estudos de mestrado em exegese bíblica
no Pontifício Instituto Bíblico de Roma, lembra que a nossa linguagem conserva
expressões referentes ao inferno. Quando a situação está ruim, dizemos: “está
um inferno”. Quando um árduo verão chega, é comum ouvir-se: “que calor infernal”.
Acrescenta o
sacerdote que até a história do Brasil Império conservou uma expressão nada
simpática a nosso país. “Os portugueses exigiam que um quinto de nosso ouro
fosse levado para Portugal. E, quando o ouro lá chegava, se dizia: é o quinto –
vindo dos infernos”. Por aqui, tornou-se comum ouvir alguém mandando alguém
para o quinto dos infernos. Isso significa, nada mais, nada menos, que
mandar-se para o Brasil, “lugar longe, distante, ruim, e perigoso para os
portugueses daquela época”.
Passados séculos,
comemorada a data da Independência brasileira no ultimo dia 7 de setembro,
poder-se-ia meditar sobre a expressão e seu verdadeiro sentido. Estamos ou
somos mesmo um inferno? O novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro
Dias Toffoli, afirmou no discurso de posse, conciliador, que não estamos sequer
em crise, pois somente em “transformação”. O brasileiro espera que a
transformação seja realmente para melhor, porque não a sentíamos tão cômoda e
feliz como se desejaria.
Ao falar por cerca de
uma hora, o novo titular do STF, exaltou, como publicaram os jornais, a
pluralidade e o respeito ao outro como “essência da democracia”, evidentemente
sem tocar, porque inadequado, no episódio em que fora ferido gravemente um
candidato a presidente da República.
Sobre o tema, aqui
mesmo, neste jornal, o advogado Antônio Álvares da Silva, professor titular da
Faculdade de Direito da UFMG, publicara com diferença de dias: “a facada em
Bolsonaro é o exemplo máximo da intolerância política. Quem quiser combatê-lo
deve usar a força da palavra e não os instrumentos primitivos da violência e
das armas. Democracia não é só liberdade. É também tirocínio e responsabilidade
para entregarmos a pessoas certas a missão de agir em nosso nome para a
construção do bem comum”.
Não somos uma
Nicarágua ou uma Síria, mas estamos muito distantes do que cada cidadão
desejaria para si e sua pátria. O Brasil é consciente de que temos de aprender
muito e nossas lideranças assimilarem na prática o que ensinam nossos melhores
pensadores e estadistas de superior nível, por motivos sabidos e consabidos:
“nos países em que há serenidade, respeito aos direitos humanos, construção
filosófica e definitiva da liberdade e o direito de expressá-la em qualquer
lugar, ninguém se deixa enganar por demagogos, salvadores, demiurgos e todos os
que julgam ter na palavra exagerada e falsa a salvação de tudo”.
Se assim não for,
terminaremos no “quinto dos infernos”.