Suíça condena
banqueiro por não alertar autoridades sobre conta de Cerveró
Estadão Conteúdo
Cerveró conseguiu
praticamente esvaziar sua conta enquanto ela não foi denunciada e bloqueada
A Justiça suíça
condena, pela primeira vez, um banqueiro por conta de seu papel em esquemas de
corrupção revelados pela Operação Lava Jato. Um dos diretores do banco Heritage
violou as leis do país europeu ao não notificar as autoridades sobre as
movimentações suspeitas do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. O brasileiro
conseguiu, assim, praticamente esvaziar sua conta enquanto ela não foi
denunciada e bloqueada.
Em 2017, o Estado revelou com exclusividade como os bancos suíços passaram a
ser investigados por seu papel na Lava Jato, depois que o Ministério Público em
Berna descobriu mais de mil contas envolvendo o escândalo no Brasil. Pelo
artigo 37 da lei suíça sobre o combate à lavagem de dinheiro, bancos são
obrigados a notificar a agência de controle financeiro diante de qualquer
indício de movimentações fora dos padrões ou que impliquem volumes suspeitos.
A constatação do Tribunal foi de que o diretor-adjunto do banco, Thierry
Zumstein, violou essa determinação, apesar de contar com informações
suficientes que apontariam para suspeitas em relação ao cliente. Ele já havia
sido condenado em primeira instância a pagar uma multa de 30 mil francos
suíços. Mas recorreu.
Apesar de confirmar a condenação, o tribunal reduziu a pena para apenas 15 mil
francos e os custos do processo, uma fração do valor que passou pelas contas de
Cerveró. Ainda assim, a condenação é considerada como simbólica, já que
representa um reconhecimento das falhas dos bancos no esquema no Brasil.
Entre os banqueiros, a condenação também foi recebida como um recado de que a
Justiça suíça, de uma forma inédita, irá aprofundar os inquéritos para tentar
determinar a responsabilidade dos intermediários financeiros no caso da Lava
Jato. No total, US$ 1,1 bilhão foram encontrados nos bancos suíços relativos ao
escândalo no Brasil.
Pasadena
O caso julgado se
refere às contas da sociedade Forbal Investiment, com sede em Belize e contas
na Suíça desde 2008. Cerveró foi preso no Brasil em janeiro de 2015 e condenado
à prisão.
Entre dezembro de 2014 e janeiro de 2015, com Cerveró já sob investigação, o
banco não teria tomado a iniciativa de informar as autoridades sobre a
existência das contas. Enquanto isso, ela foi praticamente esvaziada, passando
de mais de US$ 200 mil para apenas US$ 6,1 mil. Foi apenas no dia 27 de janeiro
de 2015 que o banco decidiu ir às autoridades e revelar a existência das
contas. A decisão foi tomada depois que jornais brasileiros já haviam noticiado
a prisão de seu cliente.
De acordo com a investigação, o banco sabia das suspeitas que pesavam sobre
Cerveró desde o início de 2014, quando primeiro foi revelado o caso da compra
da refinaria de Pasadena, pela Petrobras. Reuniões internas no banco foram
realizadas para tentar decifrar se a referência ao cliente era suficiente para
denunciar sua conta às autoridades suíças, uma obrigação por lei.
Em março de 2014, Cerveró foi afastado da Petrobras pelo escândalo de Pasadena.
Mas, em maio daquele ano, o banco decidiu "não comunicar" o caso de
seu cliente às autoridades. O banco chegou à constatação de Cerveró era apenas
uma "testemunha" e que não haveria nada contra ele. Foi decidido que,
se os recursos de o ex-diretor da Petrobras estivessem bloqueados no Brasil, o
banco também o faria. Mas, de contrário, nenhuma iniciativa seria tomada.
Num relatório interno, o banco chega a mencionar a ex-presidente Dilma
Rousseff, apontando que ela se defendeu alegando que "certas cláusulas do
contrato (de Pasadena) não foram mencionados no informe prestado pelos serviços
de Cerveró".
O mesmo informe interno do Heritage explicou que "as críticas contra a
compra da refinaria ocorriam no contexto das eleições presidenciais no
Brasil". "Algumas matérias mencionavam mesmo que a compra da
refinaria poderia se revelar como um dos melhores negócios concluídos pela
Petrobras em 30 anos", apontou a sentença do tribunal, citando o informe
do banco.
O Heritage, assim, "conclui seu memorando dizendo que, naquele estágio,
não haveria nenhuma razão para duvidar da origem legal dos bens
depositados" por Cerveró. Nenhum anúncio às autoridades fora feito e o
banco decidiu continuar a relação com seu cliente.
"Imprensa exagerada"
Em outubro de 2014,
o banco voltou a olhar o caso de Cerveró, diante de um relatório do TCU que o
citara e teria indicado o congelamento de sua conta. Mas um dos funcionários de
controle do Heritage alegou em outro informe que "a imprensa não era
verdadeiramente confiável e que tinha tendência ao exagero, em especial no
Brasil". A informação do congelamento da conta ainda foi negada pelo
advogado do brasileiro, versão que foi privilegiada pela direção do banco.
No dia 27 daquele mês, o banco pediu que um dos funcionários do Heritage
voltasse a ler as 324 páginas do documento do TCU e determinasse se Cerveró
estava ou não implicado no caso. Uma semana depois, o funcionário "alegou
que o português não era sua língua nativa" e relativizou o conteúdo do
informe. Segundo o tribunal, porém, "o funcionário falava fluentemente
essa língua" e deu crédito apenas à versão dos advogados de Cerveró.
No dia 1 de dezembro, comunicados internos do banco voltam a chegar à
constatação de que não havia necessidade de informar às autoridades.
Durante o período em que o banco se recusou a informar às autoridades, o
tribunal revela como Cerveró esvaziou a conta. Ela passou de um saldo original
de US$ 200 mil, para US$ 97 mil no início de dezembro de 2014 e para apenas US$
6,1 mil quando foi finalmente denunciada, em janeiro de 2015.
Na avaliação do Tribunal, alertar as autoridades era uma obrigação de Zumstein,
que dirigia o departamento de compliance do Heritage. "Ele foi
negligente", determinou o tribunal que, apesar da condenação, qualificou
sua culpabilidade "de leve à média".
A lei permitiria ao tribunal cobrar uma multa de até 150 mil francos suíços.
Mas, por conta do histórico do banqueiro e do fato de ele ter colaborado
plenamente nas investigações, a Justiça aplicou uma pena praticamente
simbólica.
Ainda assim, para a juíza Nathalie Zufferey Franciolli, a mera existência de
uma dúvida já deveria ser suficiente para que o banco comunicasse o caso às
autoridades. Cerveró ainda era classificado dentro do sistema financeiro suíço
como PEP - Pessoa exposta politicamente. Na prática, isso exigiria do banco um
maior acompanhamento sobre suas movimentações.
O diretor de compliance do banco não foi o único punido. Em abril de 2016, a
agência reguladora do sistema financeiro suíço, a FINMA, constatou que o
Heritage violou "gravemente" as leis ao não conseguir controlar a
origem do dinheiro brasileiro depositado em suas contas.
Procurado pelo Estado, o banco Heritage não deu respostas sobre os
questionamentos colocados pela reportagem, nem sobre a situação de seu
banqueiro condenado. Mas indicou que vai recorrer da decisão.