Ano novo, vida nova
Frei Betto
Estamos à porta de
2018. E o que fizemos de nós mesmos em 2017?
Há em nós abissal
distância entre o que somos e queremos ser. Um apetite de Absoluto e a
consciência aguda de nossa finitude. Olhamos para trás: a infância que resta na
memória com sabor de paraíso perdido; a adolescência tecida em sonhos e
utopias; os propósitos altruístas.
Hoje, o salário
apertado num país tão caro; os filhos, sem projeto, apegados à casa e ao
consumismo; os apetrechos eletrônicos que perenizam a criança que ainda resta
em nós.
Em volta, a
violência da paisagem urbana e nossa dificuldade de conectar efeitos e causas.
Como se os infratores fossem cogumelos espontâneos, e não frutos do darwinismo
econômico que segrega a maioria pobre e favorece a minoria abastada. O mesmo
executivo que teme assalto e brada contra bandidos, abastece o crime consumindo
drogas.
Ano novo. Vida nova?
Depende. Podemos continuar a nos empanturrar de carnes e doces, encharcados em
bebidas alcoólicas, como se a alegria saísse do forno e a felicidade viesse
engarrafada. Ou a opção de um momento de silêncio, um gesto litúrgico, uma
oração, a efusão de espíritos em abraços afetuosos.
No fundo da
garganta, um travo. Vontade de remar contra a corrente e, enquanto tantos
celebram a pós-modernidade, pedir colo a Deus e resgatar boas coisas: uma
oração em família, a leitura espiritual, a solidão orante, o gesto solidário
que ameniza a dor de um enfermo.
Reencontrar, no ano que se inicia, a própria humanidade. Despir-nos do lobo voraz que, na arena competitiva do mercado, nos faz estranhos a nós mesmos. Por que acelerar tanto, se temos que parar no sinal vermelho? Por que tanta dependência do celular e dificuldade de dialogar olho no olho?
Reencontrar, no ano que se inicia, a própria humanidade. Despir-nos do lobo voraz que, na arena competitiva do mercado, nos faz estranhos a nós mesmos. Por que acelerar tanto, se temos que parar no sinal vermelho? Por que tanta dependência do celular e dificuldade de dialogar olho no olho?
Ano novo de
eleições. Olhemos o país. As obras que beneficiam empreiteiras trazem proveito
à maioria da população? Melhoram o transporte público, o serviço de saúde, a
rede educacional? Nosso bairro tem um bom sistema sanitário, as ruas são
limpas, existem áreas de lazer? Participamos do debate sobre a reforma da
Previdência? Os políticos em quem votamos tiveram desempenho satisfatório?
Prestaram contas do mandato?
Em política,
tolerância é cumplicidade com maracutaias. Voto é delegação e, na verdadeira
democracia, governa o povo por meio de seus representantes e de mobilizações
diretas junto ao poder público. Quanto mais cidadania, mais democracia.
Ano de nova
qualidade de vida. De menos ansiedade e mais profundidade. Aceitar a proposta
de Jesus a Nicodemos: nascer de novo. Mergulhar em si, abrir espaço à presença
do Inefável. Braços e corações abertos também ao semelhante. Recriar-se e
apropriar-se da realidade circundante, livre da pasteurização que nos massifica
na mediocridade bovina de quem rumina hábitos mesquinhos, como se a vida fosse
uma janela da qual contemplamos, noite após noite, a realidade desfilar nos
ilusórios devaneios de uma telenovela.
Feliz homem novo.
Feliz mulher nova.