Cinco séculos de Lutero
Manoel Hygino
As televisões
concederam amplos espaços em sua programação em todo o mundo, no mês passado,
aos 500 anos de Martinho Lutero, nascido numa aldeia da saxônia em 1483, e a
sua tremenda campanha contra a pregação de indulgências. Ordenada esta pelo
papa Leão X, visava o pontífice o levantamento de fundos para concluir a
Basílica de São Pedro, em Roma. O pensamento de Lutero, com 95 teses, foi
afixado à porta da igreja do Castelo de Wittenberg.
Não era só a questão
das indulgências, vendidas a bom preço, porque outros motivos levaram Lutero à
tomada de posições, que lhe valeram a excomunhão. Esta se fazia acompanhar da
acusação de heresia perante os tribunais da Santa Sé, gerando uma imensa
polêmica.
Atravessava-se um
momento extremamente delicado para a Igreja Católica, quando o sacerdote
agostiniano ainda encontrou tempo para iniciar a tradução da Bíblia para o
alemão, a primeira feita diretamente dos originais. Completou-se o trabalho com
a publicação dos apócrifos do Velho Testamento em 1534, resultando num monumento
literário com o qual se fixou o próprio idioma germânico.
Lutero entrara na
luta disposto, em 1524 despiu definitivamente o hábito e, no ano seguinte,
casou com a ex-freira Catarina de Bora, devotando-se a suas ideias e com o
pouco dinheiro, muitas vezes chegando à inteira pobreza.
Referimo-nos a Leão
X, que esteve na cadeira de Pedro de 1513 a 1521. Eamon Duffy, em “Santos e
Pecadores”, amplamente elogiada a obra em todos os continentes, conta quem foi
este pontífice. “Filho de Lorenzo, o Magnífico de Florença, foi ordenado
clérigo aos 7 anos e nomeado cardeal aos 13”. Ao morrer, deixou a Igreja
dividida e o papado à beira da bancarrota, sendo os pastores universais da
igreja rebaixados a meros políticos italianos. É o lado sombrio dos papas do Renascimento,
obrigando a tarefa grandiosa de reconstrução que o papado se viu obrigado a
empreender. Os pontífices do fim do século tiveram de reinventar Roma. Missão
gigantesca que a igreja cumpriu religiosamente.
Lutero foi o homem
do povo, franco e violento, esquecido de si pela contemplação de um ideal.
Preocupava-se e esquadrinhou a Bíblia inteira. Era, enfim, diferente de Erasmo,
de Roterdã. Na época, apareceu um chiste atribuído ao próprio Erasmo. Este
esclareceu: “Erasmo pôs o ovo, mas Lutero chocou-o”, observando: “Sim, mas o
ovo era de galinha, e afinal saiu um galo de combate”.
Geoffrey Blainey, em
“Uma breve história do Cristianismo” escreve: “Lutero sentia falta de alguma
coisa em sua vida religiosa, e buscou ansiosamente uma resposta na Bíblia.
Tornou-se quase obcecado por questões ligadas a pecado e penitência – também em
relação a si quanto a outros religiosos”.
Destaca o
historiador: “O tratamento dispensado pela igreja aos pecadores seguia uma
fórmula: o pecador em busca do perdão confessava o pecado a um padre, que
prometia absolvição, desde que cumprida a pena apropriada. Talvez o padre
recomendasse orações, a prática de uma boa ação ou o pagamento em dinheiro.
Esperava-se que o pecador, humilde e arrependido, cumprisse o recomendado, mas
isso era difícil de constatar, e muitas vezes caía no esquecimento”. Chegou,
assim, à confortadora conclusão de que a chave da salvação não estava nas boas
ações, em uma vida virtuosa, nem na prática, mas no relacionamento do indivíduo
com Deus”.