Fundo para
bancar campanha eleitoral já nasce com rombo de R$ 300 milhões
Estadão Conteúdo

O fundo eleitoral
criado para bancar as campanhas provocará no Orçamento do ano que vem um
"rombo" de ao menos R$ 300 milhões. Embora parlamentares usem o
discurso de que o fundo não vai tirar recursos públicos de outras áreas, como
saúde e educação, esse valor terá de ser coberto com verba do Tesouro já que os
cálculos para chegar ao total de R$ 1,77 bilhão consideraram uma receita que
não será obtida em 2018.
A nova legislação, sancionada nesta sexta-feira, 6, pelo presidente Michel
Temer, cria o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, abastecido com parte
dos recursos originários de emendas de bancadas e o restante pela compensação
fiscal gerada a partir do fim da propaganda partidária nas emissoras de rádio e
TV em anos não eleitorais. O fundo público para abastecer as campanhas é uma
medida alternativa ao financiamento empresarial, proibido pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) em 2015.
Pela proposta aprovada no Congresso, o fundo receberá o "equivalente à
somatória da compensação fiscal que as emissoras comerciais de rádio e
televisão receberam pela divulgação da propaganda partidária efetuada no ano da
publicação da lei e no ano imediatamente anterior". De acordo com cálculos
dos parlamentares, isso significa algo em torno de R$ 450 milhões - R$ 300
milhões equivalentes a 2017.
Porém, como 2018 é ano de eleição, e apenas no primeiro semestre são veiculadas
as chamadas propagandas partidárias, o governo deverá arrecadar das emissoras,
com o fim da transmissão dessas peças, algo em torno de R$ 150 milhões. Ou
seja, como o projeto foi sancionado com essa redação, haverá um déficit de pelo
menos R$ 300 milhões.
Conta
Segundo técnicos do Senado que participaram da elaboração da proposta, a
previsão inicial era de que, apesar do déficit inicial, o fim da propaganda de
partidos e candidatos na TV e no rádio pudesse gerar saldo positivo de quase R$
100 milhões em três anos. A conta leva em consideração os impostos que serão
pagos pelas emissoras com o fim do benefício fiscal. Mas o estudo incluiu o fim
do programa eleitoral, o que não foi aprovado pelo Congresso.
Durante a discussão, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE),
repetiu diversas vezes que o fundo não poderia ter dinheiro "novo".
"Venho dizendo há bastante tempo que temos que encontrar uma solução sem
mexer na saúde, na educação e sem buscar dinheiro novo. E, sim, dinheiro que já
é gasto com a política. Chegou a hora de os políticos e a política cortar na
própria carne", defendeu o senador na reta final das discussões.
Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), indicava que o valor total do
fundo fosse um valor condizente com a situação fiscal do País. Ainda no
primeiro semestre, o Congresso chegou a cogitar um fundo público que poderia
ultrapassar o montante de R$ 3,6 bilhões, mas os parlamentares recuaram depois
de críticas.
Emendas
Um problema semelhante ocorre com o dinheiro de parte das emendas de bancadas
que deve ser usado para abastecer o fundo. Como já mostrou o Estado,
esses recursos costumam ser apenas uma "promessa", pois, na prática,
o governo pouco libera ou demora anos para liberar o que foi reservado para
esse tipo de emenda.
Pela proposta aprovada no Congresso, o governo terá que repassar de uma vez só
para o fundo 30% dos R$ 4,4 bilhões previstos para próximo ano, o que
corresponde a R$ 1,32 bilhão. Neste ano, por exemplo, o governo pagou apenas
0,9% desse tipo de emenda até agora.
As emendas são indicações das bancadas estaduais e do Distrito Federal de como
o governo deve gastar parte dos recursos previstos no Orçamento. Vão desde a
construção de obras de infraestrutura, como uma ponte, a valores destinados a
programas de saúde ou educação. Desde 2015, o governo é obrigado a fazer o
pagamento dessas indicações. Em 2016, cada uma das 27 bancadas teve até R$
224,7 milhões divididos em emendas. As informações são do jornal O
Estado de S. Paulo.
vota nas eleições 2014, em
Belém, a mais cara da história
Preocupados em financiar suas
próximas campanhas nas próximas eleições, em 2018, os parlamentares estão
inclinados a garantir recursos públicos para fazer frente aos custos.
Na semana
passada, a Comissão Especial da Reforma Política da Câmara dos Deputados
aprovou o uso de R$ 3,6 bilhões de dinheiro público para esse fim. Isso
equivale a R$1 de cada R$200 da arrecadação do país em um ano, ou ao orçamento
usado para custear o programa Bolsa-Família por um mês e meio.
Enquanto a
proposta foi bem recebida pelas bancadas dos mais diversos matizes políticos e
pode ser votada a qualquer momento no plenário da Câmara, ela caiu mal entre
setores da sociedade brasileira, especialmente em um momento de aumento no
rombo das contas públicas.
Afinal, o
que será o fundo público, como ele será dividido e como chegamos até aqui?
Como chegamos aqui?
Nos últimos
20 anos, o país assistiu ao encarecimento contínuo das campanhas eleitorais.
O maior
abastecedor dos partidos e seus candidatos eram empresas privadas brasileiras,
donas de interesses e negócios dentro do Estado.
Nos últimos
anos, a Operação Lava-Jato acabou demonstrando a promiscuidade da relação entre
empresas e políticos. Grosso modo, dinheiro público acabava desviado para
irrigar campanhas.
A
repercussão das investigações desaguou na proibição de doação de empresas,
determinada pelo Supremo Tribunal Federal, em setembro de 2015.
Desde
então, só a eleição municipal de 2016 foi realizada sem doação empresarial.
O impacto
foi enorme: a arrecadação caiu pela metade em relação às eleições municipais de
2012, segundo o Tribunal Superior Eleitoral. E os partidos acharam que era
necessário voltar a encher o caixa eleitoral.
Na prática,
a proposta em tramitação na Câmara faz com que o Estado brasileiro cubra todo o
vácuo deixado pela proibição de doações de empresas nas campanhas. Nas eleições
de 2014, por exemplo, empresas doaram R$ 3 bilhões - corrigido pela inflação,
temos os exatos R$ 3,6 bilhões propostos agora.
Direito de imagemAGÊNCIA BRASILImage captionRelator Vicente Cândido apresenta relatório na Comissão de Reforma
Política, que aprovou criação do novo fundo eleitoral
O que muda?
Caso o
fundo seja aprovado, o Estado brasileiro se tornará o maior financiador das
eleições.
Além disso,
pela nova proposta, os partidos passam a ter dinheiro garantido
permanentemente: o novo fundo será o equivalente a 0,5% da receita corrente
líquida do país (arrecadação menos gastos da União com Estados e Municípios) em
anos eleitorais.
A ideia
original era que esse percentual fosse adotado apenas em 2018, sendo reduzido
para 0,25% nos pleitos seguintes. Mas os deputados acharam melhor garantir
fatia mais robusta a si mesmos por ora.
De onde virá esse dinheiro?
Ainda não
se sabe. O texto da Proposta de Emenda Constitucional que propõe os R$3,6
bilhões para o fundo público diz apenas que a origem do montante será definida
em lei orçamentária.
Como caberá
à União resolver o tema, é possível que outras áreas do orçamento - como saúde
e educação - disputem recursos com o fundo eleitoral.
Os
parlamentares, no entanto, já estão debatendo outras possíveis origens.
Uma das
ideias, defendida pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no
Congresso, é que sejam usados recursos de emendas parlamentares - aquelas
propostas de investimentos que os deputados e senadores fazem no orçamento
público - para financiar a fundo eleitoral.
Dá para fazer eleições com menos dinheiro?
As eleições
no Brasil são consideradas caras por especialistas.
"É
injustificável, do ponto de vista da razoabilidade, que a campanha custe tanto.
Os gastos são excessivos, os custos superdimensionados", afirmou o
cientista-político Jairo Nicolau, da UFRJ, à BBC Brasil.
Para
Nicolau, daria para fazer campanhas mais baratas que as atuais, já que a
campanha ficou mais curta e há cada vez mais proibições para atos dispendiosos.
Candidatos não podem, por exemplo, distribuir brindes ou contratar artistas
para showmícios.
"Mesmo
assim as campanhas ficaram cada vez mais caras. Como isso é possível? É um
enigma", afirma Nicolau.
Já Bruno
Wanderley Reis, da UFMG, acredita que o alto custo das eleições no Brasil é
inevitável dado o formato da disputa eleitoral: "O sistema eleitoral no
Brasil é caro. É voraz no financiamento, que é muito importante na perspectiva
de vitória. São milhares de candidatos, que tem que ir à luta por votos".
Direito de imagemAGÊNCIA BRASILImage captionSantinhos das eleições 2014 sujam as ruas de Duque de Caxias (RJ)
Como funciona o financiamento em outros países?
Em alguns
países europeus, o financiamento público é responsável por mais de 70% do
custeio dos partidos. É o caso da Finlândia, Itália, Portugal, Espanha, de
acordo com o relatório "Financing Democracy", da OCDE, de 2016 .
Já no Reino
Unido e na Holanda, dinheiro público financia 35% dos gastos políticos.
O volume de
recursos, porém, é mais baixo do que os do novo fundo brasileiro.
Na França,
por exemplo, o financiamento eleitoral foi de cerca de R$ 314 milhões na
disputa de 2012 - bem menor do que o montante previsto para o Brasil.
O
financiamento francês também é concedido de forma diferente. Os candidatos não
recebem o dinheiro de antemão. Podem solicitar reembolso apenas de parte dos
gastos de campanha - até 47% - se obtiverem pelo menos 5% dos votos.
Como o fundo será distribuído entre os partidos?
A
distribuição será definida em projeto de lei, que está em debate na comissão
especial da reforma política da Câmara.
De acordo
com versão apresentada pelo relator Vicente Candido (PT), 90% do fundo (ou R$
3,24 bilhões) seriam usados no 1º turno.
Esse
dinheiro seria dividido em primeiro lugar por tipo de cargo. As candidaturas a
presidente, governador e senador, juntas, ficariam com a metade do montante.
Os
candidatos a deputado federal receberiam 30%. E os deputados estaduais, 20%.
Depois, os recursos seriam repartidos entre os partidos.
A fórmula
proposta por Candido para dividir o fundo entre partidos é polêmica e complexa.
São necessários quatro cálculos diferentes. O parlamentar não apresentou
justificativa para esse tipo de divisão, nem simulação de quanto cada legenda
receberia.
Apenas 2%
dos recursos seriam fatiados entre todos os partidos - cada um poderia ficar
com R$ 1,8 milhão. Já 49% seriam divididos de acordo com os votos que as
legendas receberam na última eleição para a Câmara dos Deputados. Seguindo esse
critério, pouco mais da metade dos recursos ficariam com os seis principais
partidos (PT, PSDB, PMDB, PP, PSB e PSD).
Outros 49%
seriam repartidos entre os partidos que compõem o Congresso atualmente - 34%
para Câmara e 15% para Senado. Esse recorte contempla a dança de cadeiras dos
partidos após as eleições. Partidos que engordarem suas bancadas - como o PP,
que elegeu 38 deputados em 2014, mas hoje tem 46 - levam vantagem.
Já a
divisão dos 10% reservados para o 2º turno seria feita igualitariamente entre
os candidatos que concorrem na mesma região.
Apenas o Estado vai financiar a campanha política?
Não, a
doação de pessoa física continua liberada. Mas haverá limites.
No projeto
de lei relatado por Vicente Cândido, o valor doado não poderia ultrapassar 10
salários mínimos (R$ 9.370). Hoje, é possível doar até 10% da renda.
Além disso,
o novo limite seria aplicado para cada cargo em disputa, não no total das
eleições. Por exemplo, seria possível doar 10 salários mínimos para um
candidato a deputado federal, mais 10 para um postulante a senador e assim por
diante.
Outra
novidade discutível da proposta é que o doador pode solicitar que sua
identidade não seja divulgada - hoje a publicidade é obrigatória. O problema é
que isso facilita crimes de colarinho branco travestidos de doações.
Há ainda a
previsão de uma espécie de "cláusula anti-Doria".
Segundo o
projeto de lei em discussão, "o candidato a cargo majoritário poderá
utilizar recursos próprios em sua campanha até o limite de R$ 10 mil". Nas
eleições 2014, o prefeito de São Paulo João Doria (PSDB) foi o principal
financiador da própria campanha, com R$ 4,4 milhões.
A regra não
valeria, porém, para os candidatos a deputado, que ficariam autorizados a
gastar muito mais nas próprias campanhas - R$ 175 mil na disputa pela câmara
federal e R$ 105 mil nas estaduais.
Financiamento público é uma boa solução?
O financiamento público não é
considerado necessariamente um problema, a depender da forma em que ele seja
adotado.
"Há várias formas de financiar as
eleições com recursos estatais. Doar recurso antes e o candidato prestar conta
depois (como seria o caso no novo fundo eleitoral) não é a melhor forma de
fazer isso, porque é mais fácil de ser burlado. A melhor forma seria dar
recursos indiretos", afirma Jairo Nicolau. Cita como exemplo a dedução no
Imposto de Renda de doadores pessoas físicas.
Bruno Wanderley Reis pondera que seria
importante pulverizar as fontes de dinheiro. "Em vez de proibir a doação
de empresas privadas, deveríamos ter implementado tetos para essas doações e
zelar pela confiabilidade delas".