segunda-feira, 9 de outubro de 2017

COMO PODE O GOVERNO BRASILEIRO VIVER DE ROMBOS E MAIS ROMBOS NAS CONTAS PÚBLICAS



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Fundo para bancar campanha eleitoral já nasce com rombo de R$ 300 milhões

Estadão Conteúdo









O fundo eleitoral criado para bancar as campanhas provocará no Orçamento do ano que vem um "rombo" de ao menos R$ 300 milhões. Embora parlamentares usem o discurso de que o fundo não vai tirar recursos públicos de outras áreas, como saúde e educação, esse valor terá de ser coberto com verba do Tesouro já que os cálculos para chegar ao total de R$ 1,77 bilhão consideraram uma receita que não será obtida em 2018.

A nova legislação, sancionada nesta sexta-feira, 6, pelo presidente Michel Temer, cria o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, abastecido com parte dos recursos originários de emendas de bancadas e o restante pela compensação fiscal gerada a partir do fim da propaganda partidária nas emissoras de rádio e TV em anos não eleitorais. O fundo público para abastecer as campanhas é uma medida alternativa ao financiamento empresarial, proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015.

Pela proposta aprovada no Congresso, o fundo receberá o "equivalente à somatória da compensação fiscal que as emissoras comerciais de rádio e televisão receberam pela divulgação da propaganda partidária efetuada no ano da publicação da lei e no ano imediatamente anterior". De acordo com cálculos dos parlamentares, isso significa algo em torno de R$ 450 milhões - R$ 300 milhões equivalentes a 2017.

Porém, como 2018 é ano de eleição, e apenas no primeiro semestre são veiculadas as chamadas propagandas partidárias, o governo deverá arrecadar das emissoras, com o fim da transmissão dessas peças, algo em torno de R$ 150 milhões. Ou seja, como o projeto foi sancionado com essa redação, haverá um déficit de pelo menos R$ 300 milhões.

Conta

Segundo técnicos do Senado que participaram da elaboração da proposta, a previsão inicial era de que, apesar do déficit inicial, o fim da propaganda de partidos e candidatos na TV e no rádio pudesse gerar saldo positivo de quase R$ 100 milhões em três anos. A conta leva em consideração os impostos que serão pagos pelas emissoras com o fim do benefício fiscal. Mas o estudo incluiu o fim do programa eleitoral, o que não foi aprovado pelo Congresso.

Durante a discussão, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), repetiu diversas vezes que o fundo não poderia ter dinheiro "novo". "Venho dizendo há bastante tempo que temos que encontrar uma solução sem mexer na saúde, na educação e sem buscar dinheiro novo. E, sim, dinheiro que já é gasto com a política. Chegou a hora de os políticos e a política cortar na própria carne", defendeu o senador na reta final das discussões.

Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), indicava que o valor total do fundo fosse um valor condizente com a situação fiscal do País. Ainda no primeiro semestre, o Congresso chegou a cogitar um fundo público que poderia ultrapassar o montante de R$ 3,6 bilhões, mas os parlamentares recuaram depois de críticas.

Emendas

Um problema semelhante ocorre com o dinheiro de parte das emendas de bancadas que deve ser usado para abastecer o fundo. Como já mostrou o Estado, esses recursos costumam ser apenas uma "promessa", pois, na prática, o governo pouco libera ou demora anos para liberar o que foi reservado para esse tipo de emenda.

Pela proposta aprovada no Congresso, o governo terá que repassar de uma vez só para o fundo 30% dos R$ 4,4 bilhões previstos para próximo ano, o que corresponde a R$ 1,32 bilhão. Neste ano, por exemplo, o governo pagou apenas 0,9% desse tipo de emenda até agora.

As emendas são indicações das bancadas estaduais e do Distrito Federal de como o governo deve gastar parte dos recursos previstos no Orçamento. Vão desde a construção de obras de infraestrutura, como uma ponte, a valores destinados a programas de saúde ou educação. Desde 2015, o governo é obrigado a fazer o pagamento dessas indicações. Em 2016, cada uma das 27 bancadas teve até R$ 224,7 milhões divididos em emendas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
vota nas eleições 2014, em Belém, a mais cara da história
Preocupados em financiar suas próximas campanhas nas próximas eleições, em 2018, os parlamentares estão inclinados a garantir recursos públicos para fazer frente aos custos.
Na semana passada, a Comissão Especial da Reforma Política da Câmara dos Deputados aprovou o uso de R$ 3,6 bilhões de dinheiro público para esse fim. Isso equivale a R$1 de cada R$200 da arrecadação do país em um ano, ou ao orçamento usado para custear o programa Bolsa-Família por um mês e meio.

Enquanto a proposta foi bem recebida pelas bancadas dos mais diversos matizes políticos e pode ser votada a qualquer momento no plenário da Câmara, ela caiu mal entre setores da sociedade brasileira, especialmente em um momento de aumento no rombo das contas públicas.
Afinal, o que será o fundo público, como ele será dividido e como chegamos até aqui?

Como chegamos aqui?

Nos últimos 20 anos, o país assistiu ao encarecimento contínuo das campanhas eleitorais.
O maior abastecedor dos partidos e seus candidatos eram empresas privadas brasileiras, donas de interesses e negócios dentro do Estado.
Nos últimos anos, a Operação Lava-Jato acabou demonstrando a promiscuidade da relação entre empresas e políticos. Grosso modo, dinheiro público acabava desviado para irrigar campanhas.
A repercussão das investigações desaguou na proibição de doação de empresas, determinada pelo Supremo Tribunal Federal, em setembro de 2015.
Desde então, só a eleição municipal de 2016 foi realizada sem doação empresarial.
O impacto foi enorme: a arrecadação caiu pela metade em relação às eleições municipais de 2012, segundo o Tribunal Superior Eleitoral. E os partidos acharam que era necessário voltar a encher o caixa eleitoral.
Na prática, a proposta em tramitação na Câmara faz com que o Estado brasileiro cubra todo o vácuo deixado pela proibição de doações de empresas nas campanhas. Nas eleições de 2014, por exemplo, empresas doaram R$ 3 bilhões - corrigido pela inflação, temos os exatos R$ 3,6 bilhões propostos agora.
Direito de imagemAGÊNCIA BRASILImage captionRelator Vicente Cândido apresenta relatório na Comissão de Reforma Política, que aprovou criação do novo fundo eleitoral

O que muda?

Caso o fundo seja aprovado, o Estado brasileiro se tornará o maior financiador das eleições.
Além disso, pela nova proposta, os partidos passam a ter dinheiro garantido permanentemente: o novo fundo será o equivalente a 0,5% da receita corrente líquida do país (arrecadação menos gastos da União com Estados e Municípios) em anos eleitorais.
A ideia original era que esse percentual fosse adotado apenas em 2018, sendo reduzido para 0,25% nos pleitos seguintes. Mas os deputados acharam melhor garantir fatia mais robusta a si mesmos por ora.

De onde virá esse dinheiro?

Ainda não se sabe. O texto da Proposta de Emenda Constitucional que propõe os R$3,6 bilhões para o fundo público diz apenas que a origem do montante será definida em lei orçamentária.
Como caberá à União resolver o tema, é possível que outras áreas do orçamento - como saúde e educação - disputem recursos com o fundo eleitoral.
Os parlamentares, no entanto, já estão debatendo outras possíveis origens.
Uma das ideias, defendida pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Congresso, é que sejam usados recursos de emendas parlamentares - aquelas propostas de investimentos que os deputados e senadores fazem no orçamento público - para financiar a fundo eleitoral.

Dá para fazer eleições com menos dinheiro?

As eleições no Brasil são consideradas caras por especialistas.
"É injustificável, do ponto de vista da razoabilidade, que a campanha custe tanto. Os gastos são excessivos, os custos superdimensionados", afirmou o cientista-político Jairo Nicolau, da UFRJ, à BBC Brasil.
Para Nicolau, daria para fazer campanhas mais baratas que as atuais, já que a campanha ficou mais curta e há cada vez mais proibições para atos dispendiosos. Candidatos não podem, por exemplo, distribuir brindes ou contratar artistas para showmícios.
"Mesmo assim as campanhas ficaram cada vez mais caras. Como isso é possível? É um enigma", afirma Nicolau.
Já Bruno Wanderley Reis, da UFMG, acredita que o alto custo das eleições no Brasil é inevitável dado o formato da disputa eleitoral: "O sistema eleitoral no Brasil é caro. É voraz no financiamento, que é muito importante na perspectiva de vitória. São milhares de candidatos, que tem que ir à luta por votos".
Direito de imagemAGÊNCIA BRASILImage captionSantinhos das eleições 2014 sujam as ruas de Duque de Caxias (RJ)

Como funciona o financiamento em outros países?

Em alguns países europeus, o financiamento público é responsável por mais de 70% do custeio dos partidos. É o caso da Finlândia, Itália, Portugal, Espanha, de acordo com o relatório "Financing Democracy", da OCDE, de 2016 .
Já no Reino Unido e na Holanda, dinheiro público financia 35% dos gastos políticos.
O volume de recursos, porém, é mais baixo do que os do novo fundo brasileiro.
Na França, por exemplo, o financiamento eleitoral foi de cerca de R$ 314 milhões na disputa de 2012 - bem menor do que o montante previsto para o Brasil.
O financiamento francês também é concedido de forma diferente. Os candidatos não recebem o dinheiro de antemão. Podem solicitar reembolso apenas de parte dos gastos de campanha - até 47% - se obtiverem pelo menos 5% dos votos.

Como o fundo será distribuído entre os partidos?

A distribuição será definida em projeto de lei, que está em debate na comissão especial da reforma política da Câmara.
De acordo com versão apresentada pelo relator Vicente Candido (PT), 90% do fundo (ou R$ 3,24 bilhões) seriam usados no 1º turno.
Esse dinheiro seria dividido em primeiro lugar por tipo de cargo. As candidaturas a presidente, governador e senador, juntas, ficariam com a metade do montante.
Os candidatos a deputado federal receberiam 30%. E os deputados estaduais, 20%. Depois, os recursos seriam repartidos entre os partidos.
A fórmula proposta por Candido para dividir o fundo entre partidos é polêmica e complexa. São necessários quatro cálculos diferentes. O parlamentar não apresentou justificativa para esse tipo de divisão, nem simulação de quanto cada legenda receberia.
Apenas 2% dos recursos seriam fatiados entre todos os partidos - cada um poderia ficar com R$ 1,8 milhão. Já 49% seriam divididos de acordo com os votos que as legendas receberam na última eleição para a Câmara dos Deputados. Seguindo esse critério, pouco mais da metade dos recursos ficariam com os seis principais partidos (PT, PSDB, PMDB, PP, PSB e PSD).
Outros 49% seriam repartidos entre os partidos que compõem o Congresso atualmente - 34% para Câmara e 15% para Senado. Esse recorte contempla a dança de cadeiras dos partidos após as eleições. Partidos que engordarem suas bancadas - como o PP, que elegeu 38 deputados em 2014, mas hoje tem 46 - levam vantagem.
Já a divisão dos 10% reservados para o 2º turno seria feita igualitariamente entre os candidatos que concorrem na mesma região.

Apenas o Estado vai financiar a campanha política?

Não, a doação de pessoa física continua liberada. Mas haverá limites.
No projeto de lei relatado por Vicente Cândido, o valor doado não poderia ultrapassar 10 salários mínimos (R$ 9.370). Hoje, é possível doar até 10% da renda.
Além disso, o novo limite seria aplicado para cada cargo em disputa, não no total das eleições. Por exemplo, seria possível doar 10 salários mínimos para um candidato a deputado federal, mais 10 para um postulante a senador e assim por diante.
Outra novidade discutível da proposta é que o doador pode solicitar que sua identidade não seja divulgada - hoje a publicidade é obrigatória. O problema é que isso facilita crimes de colarinho branco travestidos de doações.
Há ainda a previsão de uma espécie de "cláusula anti-Doria".
Segundo o projeto de lei em discussão, "o candidato a cargo majoritário poderá utilizar recursos próprios em sua campanha até o limite de R$ 10 mil". Nas eleições 2014, o prefeito de São Paulo João Doria (PSDB) foi o principal financiador da própria campanha, com R$ 4,4 milhões.
A regra não valeria, porém, para os candidatos a deputado, que ficariam autorizados a gastar muito mais nas próprias campanhas - R$ 175 mil na disputa pela câmara federal e R$ 105 mil nas estaduais.

Financiamento público é uma boa solução?


O financiamento público não é considerado necessariamente um problema, a depender da forma em que ele seja adotado.
"Há várias formas de financiar as eleições com recursos estatais. Doar recurso antes e o candidato prestar conta depois (como seria o caso no novo fundo eleitoral) não é a melhor forma de fazer isso, porque é mais fácil de ser burlado. A melhor forma seria dar recursos indiretos", afirma Jairo Nicolau. Cita como exemplo a dedução no Imposto de Renda de doadores pessoas físicas.
Bruno Wanderley Reis pondera que seria importante pulverizar as fontes de dinheiro. "Em vez de proibir a doação de empresas privadas, deveríamos ter implementado tetos para essas doações e zelar pela confiabilidade delas".

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